Amy Tokisuru em Portland escrita por AJ


Capítulo 23
Capítulo 23 - Pedras




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AMY

Amy e Alice andaram o dia inteiro. O sol já tinha se escondido entre as montanhas e ainda faltava uma boa parte do caminho para percorrer. Ao menos não era fácil se perder já que o caminho que elas seguiam estava repleto de pegadas invertidas de curupiras.

Enquanto andavam, Alice contara todos os acontecimentos recentes sobre sua vida. Ela explicara que Bart era seu marido, e que Sofia havia usado uma magia de memória para fazê-lo pensar que estava casado com a mesma. O feitiço seria quebrado caso Bart escutasse o nome de sua real esposa, ou então a visse na sua frente. Amy instantaneamente entendeu o porquê de Sofia ter ficado tão nervosa quando viu Alice ao lado de Jau na casa de Berto, na manhã do dia anterior.

Após essa explicação, Amy procurou saber qual a razão de Alice estar sem voz e sem memória. A garota explicou que aquilo fazia parte do feitiço. Algo como... Magia de ligação. Alice não recuperaria sua voz ou sua memória enquanto o feitiço de Bart fosse quebrado. Obviamente, se ela estava falando agora, alguém havia libertado o rapaz desse mal.

Amy ficou um pouco confusa. Aparentemente, magia era algo muito mais complicado do que ela imaginava.

Depois de toda essa aula, Amy perguntou sobre TR. Ela queria saber exatamente o tipo de monstro que ele era e o que Amy tinha a ver com ele.

— Amy, a história é bem longa — Alice começou. — Tudo começou há mais ou menos dezessete anos atrás. TR fazia parte de uma guilda de magos que existia em nossa cidade. Ele tinha um melhor amigo, e eles sempre compartilhavam suas técnicas um com o outro. Um dia, porém, TR acabou descobrindo que sua magia ia além do que qualquer coisa em Portland. Ele podia trazer os mortos de volta ao nosso mundo.

Amy se arrepiou ao ouvir aquilo. Alguém com o poder de salvar vidas não podia ser um vilão tão cruel, podia?

— Obviamente ele compartilhou com seu amigo — Alice continuou. — No começo ele o achou incrível, e incentivou TR a evoluir. No entanto, não demorou para que o poder subisse a cabeça dele. TR não só conseguia ressuscitar pessoas, como podia moldá-las, para que se tornassem o que ele bem entendesse. Para testar seus poderes, ele usou crianças como cobaia.

Aquilo quase fez Amy vomitar. Usar crianças como experimento de uma magia perversa era tudo o que faltava para deixar TR o cara mais podre e maligno que Amy já tinha ouvido falar.

— Ele fez muitas criações... Cinco, para ser mais exata.

Amy sabia onde isso ia dar.

— Então eu sou — ela disse — uma das cobaias dele. Eu, Sofia, Jake... todos nós deveríamos estar mortos e TR nos trouxe de volta a vida como... como monstros.

A ânsia da garota só aumentou. Pensar no fato de que há vários anos ela estava morta a fazia se sentir um zumbi.

— Todos os colegas da guilda de TR o viram como um inimigo e também um monstro — Alice continuou, sem afirmar ou negar o que Amy dissera antes, apesar de não ser preciso. — Então eles decidiram que seria melhor se TR morresse. E assim foi. TR foi morto. Suas criações tiveram suas memórias alteradas e levadas para lugares separados, onde poderiam crescer felizes.

Amy não pôde deixar de não pensar em Jake. Ele obviamente não fora levado a um lar, e muito menos parecia ser feliz. Ele dissera que congelava todos ao seu redor... Ela chacoalhou a cabeça. Ela estava sentindo pena de Jake!

— Mas TR não morreu, certo? — Amy perguntou.

— Ele morreu, mas não por muito tempo — Alice respondeu. — Não se sabe ao certo como ele voltou, mas o mais provável é que sua própria magia o tenha ressuscitado. O que importa é que ele voltou. Voltou para se vingar de todos os membros da guilda. — Alice fez uma pausa. Seu tom de voz havia ficado triste e nostálgico.

— Meus pais faziam parte da guilda — disse, melancolicamente. — É por isso que eu sei tanto sobre a história e venho tentando caçar TR. Meus pais foram mortos e os de Bart também. Não só eles como muitos outros magos — ela completou, respirando fundo. — Todos, com exceção de um. O melhor amigo de TR. Ele fugiu para o único lugar que aquele monstro não podia ir normalmente por ser um espírito.

Amy sabia o resto da história pois o próprio TR já tinha dito a ela. Seu amigo havia fugido para a Terra, o mundo sem magia. Realmente, não havia como um espírito entrar lá. Mas tinha um jeito, que era usar o sangue de todas as suas criações. Felizmente, a tal pessoa que fugira levou consigo dois dos zumbis pessoais de TR. Uma delas, obviamente, fora Amy.

— Ele ficou todos esses anos planejando um jeito de se vingar até que finalmente descobriu, e colocou seu plano em prática — Alice terminou a história por fim. — E é isso. O resto você já sabe.

Infelizmente sim. Amy queria chorar. Toda aquela história que mais parecia uma lenda, só a fez ter certeza de uma coisa. Thomas não era seu pai biológico. Ele provavelmente adotou Amy num orfanato, ou pior, havia a encontrado em um lixão e decidido ficar com ela. Por que ele nunca contara a ela a verdade?

— Alice — Amy chamou. — Eu preciso voltar para a Terra. Por favor, se tiver um jeito...

— Não se preocupe Amy. Você e seu amigo vão conseguir voltar para seu planeta, eu prometo — Alice disse, olhando nos olhos de Amy com firmeza. Aquilo deixara a garota um pouco mais tranquila.

— Já andamos bastante — Alice observou, logo em seguida. — Eu ainda posso continuar, mas se quiser parar para descansar...

— Não. Temos que prosseguir. — Amy realmente estava cansada, mas saber que Jau estava por aí com um espírito monstruoso usando seu corpo para fazer coisas malignas a motivava a continuar sem pausas.

Elas andaram praticamente noite inteira. Amy estava exausta. Ela mal conseguia manter seus olhos abertos. Precisava descansar ou provavelmente iria desmaiar. Alice percebeu a situação da colega e insistiu que ela se sentasse, afirmando que a floresta onde estavam no momento era segura, e que iria ficar de vigia o tempo todo. Amy não queria dormir, mas não pôde vencer o próprio cansaço. Mal deitou-se no chão, e sua mente já havia afundado na escuridão do sono profundo.

A luz do sol feriu as pálpebras de Amy, fazendo-a acordar repentinamente. Ela não tinha a mínima noção de que horas poderiam ser. Aquilo a deixava um pouco frustrada.

Alice ainda estava lá, sentada ao lado dela, totalmente acordada. Amy questionou em sua mente se aquela garota era realmente humana. Como conseguia ficar acordada tanto tempo sem estar nem um pouco cansada?

— Então você acordou — a garota disse assim que viu Amy levantando-se. — Vamos lá. Não falta muito agora. — Alice também se levantou e começou a andar. Desanimada, porém descansada, Amy a seguiu.

Elas andaram o resto do caminho em total silêncio. Amy não estava afim de conversar. Estava muito preocupada com Jau. Queria saber que tipo de coisa TR estava fazendo com o corpo de seu amigo. Ela também não deixou de pensar se ser possuído por um espírito era doloroso ou algo do tipo. Não ter controle de seus próprios atos parecia ser a pior coisa que poderia acontecer a alguém.

Muitos minutos se passaram, talvez horas, até que finalmente elas chegaram em um lugar que não havia árvores, mato ou outros vegetais. Infelizmente, o cenário com o qual elas se depararam foi ainda mais preocupante.

— Não... — Alice disse, aflita.

Muitas casas do vilarejo da qual Amy partira haviam sido totalmente destruídas. Metade da vila agora parecia apenas ruínas de uma civilização antiga. Amy tentou se lembrar onde a casa de Bart estava localizada. Todavia, suas lembranças insistiam em afirmar que a casa se incluía na parte que estava arruinada. A julgar pela expressão de Alice, era isso mesmo.

Sem perder mais tempo, as duas garotas foram para os escombros da casa. Alice começou desesperadamente a procurar por algo entre as grandes rochas das paredes que cederam... Ela estava procurando por um corpo.

Amy sentiu mais calafrios.

— Bart não está aqui — Alice disse, após vasculhar boa parte do lugar. — Ele deve ter fugido.

— Fugido para onde? — Amy perguntou.

Alice apontou para a parte do vilarejo que estava intacta. Ela disse que em uma daquelas casas morava um velho conhecido dela, que trabalhava como um curandeiro. Seu nome era Berto.

Amy se lembrava daquele velho careca. Quando ela e Jau acharam Alice na floresta, a levaram para a casa de Berto, para que ele cuidasse de seus ferimentos. O curandeiro afirmara que não conhecia a menina. Obviamente, era mentira, assim como Jau achou que fosse. Seu amigo nunca errava.

Alice devia se lembrar desse acontecimento, mas provavelmente não se importava. Amy quase tentou matá-la e ela a perdoara. Berto dizer que não a conhecia devia ser ainda mais fácil de desculpar.

Elas chegaram à casa dele e pararam em frente à sua porta.

— Por favor — Alice disse, antes de bater — esteja aqui Bart.

Quem atendeu foi um jovem rapaz alto e forte, de pele parda e cabelos louros escuros. Não era Bart, e muito menos Berto. Talvez Alice o conhecesse...

Ele olhou primeiro para Alice, pois ela estava na frente.

— Ahn — ele balbuciou. — Posso ajudar?

— Quem é você? — Alice perguntou. Então aquele garoto realmente era um estranho para ela.

— Bem, eu sou o... — O garoto colocou seus olhos sobre Amy, e então simplesmente travou. Ele não conseguia nem se mexer. Era como se Amy fosse a medusa, e o rapaz tivesse se transformado em pedra com o olhar dela.

Aquele olhar, só podia significar uma coisa. Esse jovem já a conhecia de algum lugar. E por mais estranho que pudesse parecer, após um tempo se encarando, Amy também teve uma sensação do tipo, como se não fosse a primeira vez que ela o tivesse visto.

— Ei garoto! — Alice estalou os dedos na frente do rosto dele, e o rapaz recobrou a sua consciência. — Eu estou falando com você.

— Ah, sim — ele parou de encarar Amy rapidamente e coçou a cabeça, parecendo um pouco constrangido. — Eu sou Walter.

Aquele nome não era estranho para Amy. Provavelmente porque TR o tinha citado.

— Você é uma criatura de TR, não é? — Amy disse, de repente. Nem mesmo ela sabia porque fizera essa pergunta assim tão repentina.

Para o bem ou para o mal, ela não foi respondia, pois, outra pessoa saiu da casa e interrompeu a conversa. Esse já não era mais um estranho para Amy, e muito menos para Alice.

— Não acredito — ele disse, assim que viu a esposa em sua frente. — Alice, você está viva!

A garota não disse nada, apenas abraçou Bart. O rapaz permaneceu calado enquanto que Alice dizia, tentando não soluçar, coisas como “fiquei preocupada” ou “estava com saudades”.

— Alice, onde você estava? — Bart abriu a boca por fim. — Eu achei que Sofia tinha matado você.

— Ela não fez isso. Ela me deixou na floresta e Amy me achou. — Alice soltou o marido e o apresentou a Amy.

Bart olhou para ela com uma expressão que era parte fúria e parte receio.

— Você. Eu me lembro de você — ele disse. — Estava com Sofia, não é? Trabalhando com ela.

— Não, Bart. Não a culpe — Alice o acalmou. — Ela foi enganada, assim como todos nós.

Amy notou que Bart estava completamente diferente depois de ter recuperado a memória. Antes ele parecia um bobo curioso, mas agora, parecia exatamente como um oposto de Alice. Enquanto que sua esposa era serena, gentil e compreensiva, Bart parecia ser cabeça-quente e rancoroso.

Entretanto, ele se acalmou como Alice pediu, respirando fundo.

— Tudo bem. Não importa mesmo — ele abraçou a esposa mais uma vez. — Não importa porque finalmente acabou, Alice. TR está definitivamente morto.

Amy congelou de pânico. Não pelo fato de TR ter morrido. Aquilo poderia ser a melhor coisa que poderia acontecer. Mas aquele maldito espírito estava usando o corpo de Jau. Se ele havia morrido então tinha uma chance de...

— Como assim TR morreu, Bart? — Alice apontou a questão que Amy queria.

— Nós tivemos uma batalha feroz e ele apareceu...

— Como... — Amy interrompeu Bart para perguntar o que ela mais temia. — Como ele era?

Bart a olhou com curiosidade.

— Ah... Era moreno e franzino, cabelo preto...

Amy não ouviu o resto pois sua mente estava para explodir. Apesar de não ser uma descrição completa, ela batia com a aparência de seu melhor amigo. Isso significava que Jau estava...

— Você está bem? — Walter quem perguntou.

Não. Amy não estava bem. Ela sentiu como se o chão debaixo de seus pés tivesse sumido, e que nada em sua volta existisse mais. Era como se estivesse caindo em uma imensidão escura e gelada e não havia onde aterrissar.

— Isso é... mentira, não é? — Ela quase não conseguiu falar, pois estava extremamente nervosa.

— Amy, talvez não seja ele. — Alice tentou confortar a garota. Ela obviamente já tinha se tocado da gravidade da situação, enquanto que os outros dois garotos nem sequer tinham ideia do que se tratava.

— Eu quero ver ele — Amy disse por fim, tentando se controlar ao máximo.

Alice olhou para Bart intensamente e ele finalmente pareceu entender. Amy foi levada para onde o corpo de “TR” estava.

***

Lá estava ele. Deitado em um colchão velho de penas sobre uma cama de madeira mal-acabada. Com olhos fechados e expressão serena, ele parecia quase estar dormindo, mas era evidente que não era o caso.

Amy havia sido deixada sozinha com ele no quarto. Aproximou-se lentamente do corpo, e a cada passo, ela podia vê-lo mais nitidamente. Seu rosto e sua camisa estavam manchados de sangue e aquilo assustou Amy de tal forma que ela não conseguiu ficar em pé. Ajoelhou-se de frente para a cama e pegou na mão esquerda de Jau.

Então as lágrimas começaram a cair. Uma a uma elas foram saindo descontroladamente, de forma que em menos de um minuto já havia bastante daquele líquido salgado para encher uma xícara. Amy soluçava de uma forma que seu peito doía cada vez que tentava respirar. Ela não podia acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. Ficou muito tempo ali, chorando, soluçando, derramando lágrimas e mais lágrimas, tentando convencer a si mesma que aquilo não era real.

— O que eu vou fazer agora, hein? — ela disse, entre soluços, tentando limpar o rosto das lágrimas, o que era inútil, já que muitas outras apareciam e rolavam sobre sua bochecha novamente. — O que eu vou fazer sem você?!

Ela apertava a mão de Jau com cada vez mais força.

— Como você pôde me deixar desse jeito? — Amy estava quase gritando, mas não tinha forças o suficiente para tal ação. — Quem é que vai me consolar agora? — Ela afundou a cabeça no abdome do amigo. Não se importava se estava sujo de sangue ou não. Não se importava com mais nada.

— Com quem eu vou desabafar? — continuou. — Para quem eu vou contar meus segredos? — Depois de completar a frase ela não conseguiu falar mais nada por longos minutos. Conseguiu apenas chorar.

— Quer saber de uma coisa? — falou, engolindo como pôde sua tristeza. — Eu não vou aceitar isso. — Amy vasculhou os bolsos da calça e retirou o objeto que procurava.

Aquilo ainda estava com ela. Amy nem se lembrava de que o possuía até agora. Ela não se lembrava do nome daquele pequeno pedaço de meteoro vermelho brilhante. Era algo como Feiticeira. Entretanto, ela lembrava-se de seu efeito. Sofia dissera que apenas um pequeno fragmento daquilo poderia realizar qualquer desejo que Amy quisesse.

E ela sabia exatamente o que queria.

— Muito bem, então. — Ela conseguiu reunir forças para se levantar e, confiante, posicionou a pedra sobre o tórax de Jau. — Você pode realizar meu desejo? Então o faça. Traga o Jau de volta. Agora!

Amy esperou que a pedra vermelha começasse a brilhar, e que sua luz envolvesse o corpo de seu amigo, fazendo todo o quarto se encher de magia e trazer Jau de volta, respirando, saudável. Vivo.

Mas não foi nada disso que aconteceu. Não houve luz, não houve brilho, não houve magia. Jau ainda estava estático.

— Anda, acorda! — Amy o chacoalhou. No movimento, o fragmento de Feiticeira caiu no chão e se quebrou em pedaços ainda menores.

— Vamos, você não pode morrer. — Voltou a se ajoelhar. Dessa vez ela apoiou sua cabeça no peito de Jau mais uma vez e recomeçou a soluçar. — Por favor.

Amy ouviu o som da porta sendo aberta, e depois fechada novamente. Alguém havia entrado no quarto. Ela não quis saber quem era.

— Amy — uma voz feminina chamou. Era Alice.

Amy não respondeu. Não estava em condições de conversar com ninguém. Tudo o que ela falasse seria esmagado por uma montanha de lágrimas e soluços desesperados. Amy não queria que ninguém a visse naquele estado.

Alice se aproximou da jovem e apoiou sua mão no ombro dela.

— Amy, eu sei o quanto é difícil perder alguém que você se importa tanto — ela começou, num tom sereno e que de certa forma fez com que Amy se sentisse mais calma. — Mas lembre-se. Você não está sozinha. Logo você voltará para sua casa e seu pai vai estar lá esperando por você.

Apesar de isso ser verdade, isso não fez Amy se sentir totalmente melhor. Longe disso.

— Não posso ir embora sem o Jau — ela conseguiu dizer.

— Amy, entenda. — Alice apertou de leve os ombros da menina. — Eu sei que não quer abandoná-lo. Mas você precisa seguir em frente. O Jau não vai voltar. A morte é uma coisa que pessoas como nós não podemos lidar. Além disso, é impossível que um ser sem vida viaje entre os mundos.

Amy não respondeu, embora por dentro soubesse que todas aquelas palavras eram verdadeiras.

— Alice — Amy chamou-a, levantando-se e enxugando as lágrimas do rosto como pôde. — Queria que você me fizesse um último favor.

— O que você quiser, Amy.

— Tudo isso começou porque Sofia foi capaz de encontrar um jeito de viajar para a Terra. — Ela respirou fundo. — Eu não quero que isso aconteça de novo. A minha viagem para casa será a última. Ninguém mais vai ser capaz de viajar entre os mundos. Ninguém.

— Eu entendo — Alice disse. — Ficará contente em saber que Bart e eu conversamos e chegamos à mesma conclusão. Nós somos as únicas pessoas que sabem como fazer uma viagem dimensional, então... tomamos uma decisão. — Ela fez uma pausa de dois segundos para respirar. — Vamos para a Terra com você.

Amy ficou um pouco surpresa. Ela não pensou que Alice e Bart iriam tão longe — literalmente — para manter aquele segredo. O que ela devia dizer? Não sabia se eles estavam fazendo o certo ou não, mas quem era Amy para dizer o que eles deveriam fazer?

— Como vocês acharem melhor então. — Foi tudo o que ela disse.

Estava tudo resolvido. Os três iriam para a Terra. E ninguém mais. Era o fim da ligação entre os dois planetas paralelos.

Amy deu uma última olhada em seu amigo. Respirou fundo, e suspirou suas últimas palavras a ele.

— Nunca vou esquecer de você. — Amy virou as costas e saiu do quarto.

Na sala principal, estavam dois garotos sentados em móveis muito velhos de madeira. Um deles era o rapaz que congelara ao cruzar seus olhares com Amy. O outro ela nunca havia visto, mas se fosse para dar um palpite, ela diria que era Richard, o homem que Sofia dissera que era o verdadeiro vilão, no começo.

Amy não queria se misturar entre eles. Até onde ela sabia, um daqueles dois poderia muito bem ter sido o autor da morte de Jau e, sinceramente, ela não queria ter certeza. A única pessoa que ela sabia que deveria odiar era TR, e ele já estava morto. Sentou-se ali mesmo, em frente à porta que separava o quarto onde seu amigo estava do resto da casa.

Mesmo encarando o chão, Amy sentia o olhar dos rapazes pairando sobre ela, o que a deixava deveras incomodada. Apesar disso, permaneceu calada.

Alice havia ido para outro lugar, com seu marido Bart, e Berto. Ela estava providenciando o passaporte de Amy para sua volta ao seu planeta. Depois de um longo tempo esperando, eles finalmente voltaram.

— Está tudo pronto. — Foi Bart quem disse. — Ela já sabe que nós estamos indo também?

— Sim — Alice respondeu. — Amy, nós vamos quando estiver pronta.

Amy estava longe de estar pronta. Como poderia partir sem Jau? Ela nem sequer poderia levar consigo o corpo do amigo, para que ele tivesse direito a um devido enterro. Jau teria que ficar em Portland, e Amy se culparia pelo resto de sua vida.

Porém, ela permanecer em Portland não era uma opção. Amy mal via a hora de rever seu pai. De abraça-lo, confortá-lo e, principalmente, chorar em seu ombro. Esse pensamento a fez balançar a cabeça e dizer em tom baixo:

— Vamos agora.

Sem mais conversa, Bart pegou um saco de material azul-marinho e de dentro dele retirou uma pedra. Era um pouco maior que uma Feiticeira, e sua cor era verde-musgo, ao invés de vermelha. Bart deu uma para Alice, uma para Amy, e ficou com uma para si.

— Apenas jogue no chão com força — ele explicou. — Nós vamos logo depois de você.

Amy olhou para aquele pequeno pedaço de rocha. Ficou triste em saber que uma coisa simples daquelas era tudo o que a estava separando de seu planeta agora. E mais triste ainda ficou ao pensar que uma pedra como aquela não fora capaz de trazer a vida de seu amigo novamente. A Feiticeira fora apenas outra mentira de Sofia.

— Muito bem. — Fechando os olhos, ela deixou a mente o mais limpa que pôde e jogou a pedra com toda sua força no chão sob seus pés.

Logo, ela começou a desaparecer em uma fumaça verde-musgo espessa.

Amy sentiu uma forte tontura, tão forte que quase caiu no chão. Aquela fumaça possuía um cheiro forte e horrível, como o cheiro do esgoto de uma cidade grande.

Após a vertigem ter passado, e Amy se recompor, ela olhou ao seu redor para ver se tinha dado certo. Ela viu um grande rio, com diversos barcos que estavam partindo das docas. No ancoradouro, os pescadores e marinheiros trabalhavam, descarregando caixas e containers das navegações que chegavam. O rio Glacial. Era isso. Amy estava em casa. Ela estava de volta à Terra.

Uma nuvem de ansiedade tomou conta do peito da garota. Ela nem sequer esperou por Alice ou Bart. Eles não eram problema de Amy. Ela começou a correr, o mais rápido que pôde, sem olhar para os lados enquanto atravessava alguma rua. Correu tão rápido que quase caiu ao tropeçar em uma pedra. Logo ela se recompôs e reiniciou sua corrida. Ela estava com pressa. Com pressa para ver seu pai. Ele estava a poucos metros de distância agora. Só mais um pouco...

Amy viu sua casa. O portão, como de costume, estava aberto. Ela entrou sem problemas. A porta da frente, estranhamente, também estava destrancada, mas Amy nem fez caso disso. Só facilitava as coisas. Assim que entrou, ela começou a chamar por seu pai.

— Pai! — ela gritou. — Sou eu, pai!

Ela não obteve resposta imediata. Aflita, Amy começou a vasculhar todos os cômodos da casa. Foi primeiro ao quarto de Thomas. Nada. Depois foi ao seu quarto e até checou todos os banheiros. Ele não estava em lugar nenhum.

E se ele não saiu do hospital? Amy começou a pensar. E se o caso dele ficou mais grave? E se ele...? Ela chacoalhou a cabeça. Não havia acontecido nada com seu pai. Ela já tinha perdido Jau, não iria perder Thomas também.

Estava pronta para voltar à sala e sair da casa, mas levou um susto quando viu alguém na porta, prestes a entrar. Felizmente, fora um susto bom.

Era ele. Thomas havia chegado em casa e ele estava bem. Ele encarou Amy com espanto, e, imediatamente, os olhos da garota ficaram úmidos.

— Pai... — Ela correu em direção ao pai e o abraçou com força. — Pai, eu fiquei com saudades. — Ela começou a chorar.

— Amy. — Thomas retribuiu o abraço. — Minha filha. Onde você estava? Eu fiquei tão preocupado.

A garota não queria responder. Ela não podia dizer que tinha ido a um universo paralelo, mas não tinha pensado em nenhuma história que pudesse substituir a verdade.

— Pai... Foi horrível. — Foi tudo o que ela disse.

— Está tudo bem, filha. O papai está aqui.

Então algo muito estranho aconteceu. Amy ouviu a voz de alguém gritando “Amy, não”.

De repente, seu pai foi tirado de seus braços por outra pessoa que havia acabado de entrar. Ele fora empurrado, caindo no chão e batendo o braço com força.

— O quê...? — Amy olhou para o autor daquela violência.

Fora Alice.

— Alice, o que está fazendo?

— Amy, não é o seu pai — ela disse, se defendendo.

— Ficou maluca? — Amy foi em direção ao seu pai para verificar se ele havia se machucado, mas antes que pudesse tocá-lo, viu algo amedrontador.

Seu pai estava tentando, sem sucesso, segurar uma risada, uma risada fria e maquiavélica. O pior era que Amy conseguiu reconhecer aquela gargalhada.

— Não... Não pode ser...

— Puxa, Alice — ele disse, enquanto tentava parar de rir. — Eu estava enganando a Amy direitinho até você chegar.

— Pare de brincar, e saia logo do corpo do pai de Amy — Alice ordenou.

Amy apenas ouvia, pois todos os seus outros sentidos estavam paralisados. Aquilo não podia estar acontecendo de verdade. Depois de tudo o que ela passara, depois de perder o seu melhor amigo, ela ainda tinha que ver seu pai ser controlado por TR?

— Você parece surpresa, Amy — TR disse, enquanto a garota suprimia sua vontade de atacar aquele espírito com todas as suas forças. — Mas vai gostar de descobrir algumas verdades sobre seu papaizinho.

Ela não queria ouvir. Ela queria matá-lo naquele instante e fazê-lo pagar. Mas ela não podia. TR sabia muito bem seu ponto fraco. Amy jamais atacaria alguém que ela amasse. Por que ele tinha que ser tão monstruoso?

— Thomas Tokisuru — ele continuou. — Eu esperei muitos anos para me vingar de você.

Do que TR estava falando? O pai de Amy não tinha nada a ver com ele. A não ser que...

— Isso mesmo, Amy. Era seu pai que eu estava procurando. Ele traiu minha confiança quinze anos atrás, e eu perdi todas as minhas preciosas habilidades.

Não. Aquilo não era verdade. O pai de Amy era normal. Thomas nunca faria algo como aquilo. TR estava mentindo.

— Sei que não quer acreditar em mim, mas não importa. Chegou a hora de dar o troco. E não há vingança melhor que fazer o seu querido pai matar a filha que ele tanto ama.

— Não vou deixar você tocar um dedo na Amy, TR. — Alice ficou entre os dois.

— Você está com sorte, Alice. Ainda não estou em condições de lutar. Mas meus poderes estão voltando aos poucos. Logo nós vamos nos rever.

— Não vou deixar você fugir. — Alice avançou contra o espírito no corpo do pai de Amy, mas falhou. Antes que ela pudesse alcança-lo, TR havia simplesmente desaparecido, não deixando nenhum rastro, nem dele, nem de Thomas.

Segundos depois, Amy se ajoelhou no chão, pois suas pernas estavam trêmulas e ela não conseguiu ficar de pé.

— Amy — Alice falou. — Eu sinto muito.

— Chega — Amy sussurrou. — Cansei. — Ela estava falando isso não para Alice, mas sim para si mesma. — Cansei de chorar. — Aquilo era verdade. Amy já estava praticamente seca. Simplesmente não tinha mais lágrimas para chorar.

Com cuidado, ela voltou a se levantar.

— Eu vou fazer você pagar por tudo isso, TR — murmurou. — Não vou descansar enquanto não o destruir com minhas próprias mãos. Será a minha vingança. Eu juro.


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Notas finais do capítulo

Eu sei, eu sei, foi um final muito trágico >.



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