Amy Tokisuru em Portland escrita por AJ


Capítulo 2
Capítulo 2 - Rio Glacial


Notas iniciais do capítulo

Segundo capítulo, dessa vez trazendo a história de Walter. Lembrando que os capítulos sempre serão alternados entre um capítulo da Amy e de outro personagem, nesse caso o Walter. Enfim... Boa leitura e espero que gostem!



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WALTER

— Acorde, seu preguiçoso! — Renner jogou um travesseiro com toda a força na cara de Walter.

O jovem ficou tão assustado com o golpe que titubeou e caiu de seu beliche — e, sim, ele estava na cama de cima. O barulho de sua queda foi um enorme tum no piso de madeira do barco onde dormiam. Por sorte, ele havia caído de costas, o que não ocasionava nenhuma lesão grave.

— Ai! — Walter exclamou de dor. — Qual é a sua, cara?

— A minha, é que estamos cheios de trabalho a fazer e você estava aí roncando. — A expressão de raiva deixava Renner muito mais feio do que era de costume.

Ele era careca e carrancudo, com uma enorme barba cobrindo seu rosto, e suas sobrancelhas eram coladas. Quando ficava nervoso, essas sobrancelhas criavam uma depressão bem no meio e ficavam semelhantes a uma pista de skate.

— Que droga, Renner, ainda são cinco horas da manhã — Walter disse, zangado, olhando para seu velho relógio de pulso, um dos poucos luxos que ele possuía.

— Não quero saber. A tempestade de ontem deixou tudo por aqui uma zona e precisamos de ajuda para organizar tudo. — Renner retrucou num tom ríspido e impaciente.

— Certo, eu já estou indo — Walter cedeu, suspirando. — Me deixe apenas trocar de roupa, pode ser?

— Vou te dar dois minutos. — Então Renner se retirou da cabine de Walter e fechou a porta.

Ouvir a voz daquele velho logo de manhã deixava o rapaz com vontade de esganar aquela cabeça careca e barbada, mas Renner o havia acolhido quando era criança. Walter era apenas um garoto de seis anos que há muito já vivia nas ruas sobrevivendo de favores e esmolas, até que um dia, quando estava quase morrendo de fome, ele encontrou as docas, uma extensa região onde se encontrava um enorme rio por onde navegavam diversos barcos, que paravam nos ancoradouros para desembarque de materiais. Walter ficou passeando por lá, até avistar um velho barbudo cortando uma melancia grande, verde e suculenta, que deixou o garoto com um olhar hipnotizado em direção a fruta, saliva escorrendo pelo canto de sua boca. Renner muito provavelmente ficara com pena de Walter e não hesitou em dividir a fruta com o menino. Walter voltara ali mais vezes outros dias, e Renner sempre estava disposto a oferecer algo ao garoto. O tempo passou até o inverno chegar, e numa noite, Renner saiu de sua cabine e viu Walter congelando de frio do outro lado do cais onde seu barco se encontrava. Novamente ele se prontificou em ajudá-lo e dessa vez, ao invés de comida, lhe ofereceu a cama de cima de seu beliche para o garoto passar a noite. Renner conheceu um pouco mais a história de Walter e descobriu que ele não tinha absolutamente nada além da roupa que estava usando — que por sinal já estava curta e extremamente velha e suja. O velho deixou o garoto ficar morando com ele no barco, desde que o ajudasse a cumprir certas tarefas simples, como limpar a cabine e o cais. Em troca, ele receberia abrigo, roupas e comida. Com o tempo, Walter cresceu e se tornou um rapaz bem forte, e passou a ajudar também no processo de desembarque de containers e cargas pesadas que chegavam de barco pelo rio Glacial. Walter era muito grato a Renner, e sentiu que devia o resto dos seus anos de vida trabalhando nas docas para ele.

Até que Walter gostava de trabalhar lá. Ele estava mais perto da água, onde se sentia mais confiante. Sempre que ficava aborrecido, com raiva, ou outros sentimentos negativos, ele entrava nas águas gélidas do rio Glacial, no meio da noite, para que ninguém o visse. Não queria que ninguém soubesse o que podia fazer. Desde que era novinho ele sabia que podia fazer coisas especiais. No começo, achou que pudesse ser algum tipo de mago, mas seus poderes só funcionavam na água. Quando tinha certeza de que ninguém estava olhando, olhava para um ponto fixo na superfície e, com ajuda de alguns movimentos das mãos, ele conseguia levitar um pouco de água.

No entanto, algumas coisas mudaram desde que ele conheceu aquela pessoa, há dois dias.

Era mais uma noite normal, e Walter estava na água, o líquido translúcido que refletia a imagem de um jovem de dezessete anos, de cabelos loiros despenteados e pele parda. O rio era fundo, mas ele sabia nadar como ninguém. Enquanto testava os limites do seu poder, conseguiu provocar uma pequena onda, que balançou alguns botes no ancoradouro.

— Beleza! — comemorou baixinho, feliz com o seu novo truque.

— Interessante — uma voz elogiou, subitamente.

Walter ficou muito assustado e virou-se para trás imediatamente. Alguém havia flagrado ele usando os seus poderes. Isso não era bom.

— Quem está aí? — ele perguntou, ainda na água. — Responda!

Então um cara de chapéu apareceu por detrás das árvores que estavam próximas às margens do rio Glacial. Não foi possível para Walter reconhecer o seu rosto com tamanha escuridão.

— Não se preocupe — o homem disse. — Eu vim apenas para ajudar.

— Quem é você? — Walter hesitou em sair do rio. Enquanto estivesse na água, sentia-se capaz de se defender contra qualquer coisa.

— Só alguém que é como você. Posso fazer alguns truques especiais. — O homem ajoelhou-se para pegar uma pedrinha do gramado.

Então, lançou esta pedra para cima e, ao invés de ela cair de volta na palma de sua mão, ficou flutuando sobre ela e fazendo movimentos circulares.

— Viu? — Pegou a pedra e a jogou no lago.

Walter ficou bastante surpreso na hora, para ser sincero. Nunca na vida conhecera alguém que pudesse fazer coisas sobrenaturais como ele, e agora esse homem simplesmente aparecera e aparentemente sabia muito mais do que ele.

— Então você consegue fazer as coisas flutuarem? — Walter perguntou, tentando não soar muito impressionado.

— Não, meu amigo. Eu controlo o solo, assim como você controla a água. — O homem levantou-se novamente. — Mas, pelo que vi hoje, a forma como ficou feliz só por provocar uma ondazinha, mostra que você não sabe nem metade das coisas que é capaz de fazer.

— E daí? — Walter finalmente tomou coragem para sair do rio e se aproximar do novo amigo. — Até onde eu sei você só flutuou um pedregulho no ar.

— Aquilo foi apenas uma pequena demonstração. Só quero que confie em mim.

— Como vou confiar em um cara que aparece do nada dizendo ser um mutante, e nem ao menos se apresenta?

— Ah, certo, desculpe. — O homem retirou seu chapéu. — Meu nome é Richard Castillo. Pode me chamar de Rick.

Sem a sombra do chapéu, foi possível ver cabelos castanhos que iam até a altura do pescoço, e também seus olhos cor de esmeralda. Uma barba rala cobria todo o seu rosto. Não aparentava ser muito velho, podendo ter uns vinte e um anos de idade.

— Eu sou Walter. Só Walter.

Walter não gostava de usar o sobrenome de Renner. Apesar de este tê-lo criado quase sua vida toda, não o considerava um pai. Renner era mais como um colega de cabine rabugento.

— Entendo. Você não conhece suas origens como eu conheço. — Rick suspirou.

— O que você quer de mim?

— Quero que faça um trabalhinho para mim. — Rick colocou seu chapéu novamente.

— Não estou interessado, obrigado — Walter respondeu, imediatamente. Ele não era nem um pouco inocente para não saber o significado de “trabalhinho”.

— Vai mudar de opinião, eu te garanto. Ninguém resiste à tentação de se tornar poderoso. Além disso, vai poder saber mais sobre suas verdadeiras origens.

— Que legal. E o que eu tenho que fazer? — Walter perguntou, desinteressado.

— Se livrar de uma pessoa — Rick disse como se fosse algo extremamente simples de se fazer. — Tipo... sumir com ela.

Walter sabia que seria algo ilegal, e sabia muito bem qual seria sua resposta também.

— Como disse antes, não. Não estou interessado. Além do mais, por que você mesmo não faz o trabalho sujo?

— Eu tenho meus motivos, Walter. Mas enfim — Rick suspirou. — Sei que não quer me ajudar agora, mas mais cedo ou mais tarde irá fazê-lo de qualquer forma. Queria que ficasse claro para você que nós dois não somos os únicos a termos habilidades especiais. E ela vai aparecer para você. É só questão de tempo.

— Legal cara, legal. — Walter já estava cansado daquela conversa, e queria voltar ao barco.

Então, sem se despedir, Richard foi embora, desaparecendo entre as árvores novamente.

— Droga, Walter! — O som da porta sendo esmurrada por Renner interrompeu os pensamentos do rapaz. — Morreu enquanto se trocava?

— Me deixa em paz Renner. Eu já estou indo. — Apressadamente, Walter pegou a primeira roupa que viu no guarda-roupa (que na verdade era apenas um pequeno compartimento em cima da cama superior do beliche) e se trocou apressadamente.

Nas duas horas seguintes, Walter ficou descarregando caixas das entregas que chegavam de grandes embarcações, juntamente com alguns colegas de trabalho. Quando ficou estafado, sentou-se num caixote vazio e limpou o suor do rosto com a camisa.

— Aí, Walter — um de seus colegas o chamou. — Levante-se logo que o barco das sete e vinte já está para chegar.

— Estou indo... — Walter levantou-se, porém, repentinamente, ele lembrou-se de algo. — Espera... Já são sete e vinte? Droga, estou atrasado para... Droga... — Então começou a correr, na direção contrária de onde deveria estar.

Walter queria ver alguma coisa. Ou melhor. Alguém. Ela sempre passava pelo mesmo lugar, a avenida em frente às docas onde trabalhava, e na mesma hora (sete e dez, mais ou menos), mas hoje estava um pouco atrasada, para sorte do rapaz. Sempre vinha com um uniforme escolar, então ele deduziu que era o caminho do colégio. Seus cabelos eram longos e castanhos-chocolate. Sua pele era branquinha como leite, e seus olhos, azuis como o rio Glacial em noites de inverno, e hoje eles estavam especialmente escuros, deixando-os mais parecidos com os de Walter. A novidade era que ela estava com uma mecha ruiva. Ele não entendeu, mas gostou.

A garota não parecia notar a sua presença, e Walter nunca tinha coragem de abordá-la e perguntar seu nome. Estava sempre com odor de peixe morto, e não via como ele teria chances com uma garota tão bonita como ela.

— Walter. — E mais uma vez, Renner estava lá para impedir qualquer momento de felicidade do pobre adolescente. — Pare de olhar para o vento e volte ao trabalho.

— Tudo bem, Renner — Walter disse, entre suspiros. — Tudo bem.

A última visão de Walter da bela jovem era ela se encontrando com um rapaz moreno e um pouco mais alto que ela. Os dois não se cumprimentavam com beijos ou abraços, então eles não estavam namorando... Certo? Por mais ridículo que pudesse parecer, Walter queria acreditar que fosse o caso.

Voltou para ajudar os seus colegas com os desembarques, ele deveria fazer isso por pelo menos mais quatro horas, até o horário de almoço.

— Aí, Wally — outro colega de Walter o chamou. Seu nome era Henry, e de todos, era o mais insuportável. — Quem é a garota que você corre todas as manhãs para ver?

— Do que está falando? — Walter tentou disfarçar.

— Ah, não se faça de besta. É aquela gostosinha que passa aqui toda manhã e você sai correndo para vê-la feito um cachorro atrás do osso.

Uma onda de fúria subiu até a cabeça de Walter, e ele sentiu o sangue ferver em seus olhos. Em questão de milésimos de segundos, Walter deu um soco de direita, bem caprichado, no rosto de Henry. Este ficou tão atordoado que cambaleou para trás e caiu, batendo as costelas com força no chão. O rapaz poderia aguentar qualquer ofensa sobre ele, mas não iria aceitar nada que desmoralizasse a garota de quem ele gostava.

— Você está louco? — Henry disse com um pouco de dificuldade, pois sua boca estava sangrando.

— É, eu estou louco. — Walter queria avançar contra Henry e fazê-lo cuspir todos os dentes, mas dois de seus colegas, que estavam assistindo à cena, o seguraram pelos braços. — Droga. Me soltem! — Por mais que tentasse se livrar de seus parceiros, era inútil.

Então, num momento de delírio, Walter fez o que não deveria. Concentrou toda a sua raiva no rio Glacial, que estava correndo debaixo do cais onde Henry estava. De repente, a água em torno do homem começou a levitar. Os que estavam segurando Walter, o soltaram, assustados com o que estavam vendo, facilitando que ele controlasse a água. Já Henry ficou completamente paralisado, sem saber para onde correr, pois as trombas d’água estavam ficando cada vez maiores, e o cercavam por todos os lados.

Cerrando os punhos, Walter fez com que a água apertasse Henry, como se fosse uma mão também. A pobre vítima então não teve como respirar.

— Walter! — Renner gritou, olhando para tamanha selvageria. — O que... O que é isso?

Só então Walter percebeu que estava fazendo uma loucura. Ele havia se exposto, na frente de todo mundo, por causa de ciúmes de uma garota que ele sequer sabia o nome. Descerrou seu punho e toda a água que encobria Henry voltou ao seu estado líquido normal, e jorrou para o rio. O pobre Henry caiu, e começou a tossir como alguém com tuberculose. Após se estabilizar, olhou para Wally com terror e gritou:

— Mon-Monstro!

Os outros começaram a cochichar uns com os outros, lançando olhares de medo e de desconfiança para Walter. Nunca ele havia se sentido tão vulnerável quanto agora. O pior olhar era o de Renner. O dele era diferente, pois não era só um olhar de medo, mas também um olhar de decepção.

— Me... Me desculpem. — Mas Walter sabia que o que havia feito não tinha perdão.

Sem pensar duas vezes, ele saiu correndo para as ruas. Atravessou sem nem ao menos olhar para as direções, o que foi um erro. Um carro estava prestes a bater nele, mas desviou quando faltavam pouquíssimos centímetros para uma tragédia acontecer. Infelizmente, o motorista não teve tanta sorte. Bateu com o carro em um poste.

Walter aproveitou a confusão que fez para fugir sem que ninguém o notasse.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do Walter, pessoal! Deixem seus comentários com as críticas e opiniões sobre a história. Até mais!



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