Los Guaimarán escrita por Araimi


Capítulo 2
Capítulo 2




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Agora ela desejava não ter aceitado o convite.

           

No momento que recebeu a carta de tia Cecília convidando-a para voltar ao Progresso, Marisela soube que não seria uma boa ideia. Mas Maurice havia falado tanto, insistido tanto, que ela acabou aceitando.

           

Tia Cecília dizia sentir saudades dela e Marisela também morria de saudades daquela mulher que havia se tornado sua mãe. Queria ver Tonito e Lucía, que nem ao menos chegara a conhecer. Havia partido de Progresso quase que as pressas. Assim que vendeu El Miedo para Bárbara e a mulher lhe entregou o dinheiro, ela despediu-se de quem precisava se despedir e não voltara mais até aquele momento.

           

Sentiu-se em casa novamente com os braços de tia Cecília ao redor de si. Ficou contente de ver Antonio como seu marido. Brincou com as crianças, Lucía era uma menina linda e Tonito era esperto como só ele. Cassilda chorou quando a abraçou.

           

As terneras fizeram uma festa quando a viram e os peões de Altamira bagunçaram seu cabelo. Ela brincou com as crianças também, distribuindo os presentes que havia trazido. Eram seus afilhados afinal de contas.

           

O reencontro com Santos havia sido o mais difícil. Ele parecia dez anos mais velho, mas sorriu para ela como se fosse um menino. Seu coração bateu mais rápido quando ele disse:

           

— Oi, meu sol.

           

Marisela manteve sua compostura e sua decisão de não voltar com Santos. Ele não insistiu e ela agradeceu mentalmente.

           

Agora estavam todos nas ruas de Progreso, sentados em mesas de plástico. Os homens bebiam, as mulheres conversavam e as crianças corriam soltas. O padre estava promovendo uma festa para arrecadar fundos para reformar a igreja. Havia música e alegria. Todos passavam para falar com ela. Alguns surpresos, tentando esconder sua falsidade, outros genuinamente felizes de vê-la novamente.

           

Ela sorria, cumprimentava, comia, bebia. Mas podia sentir os olhos de Santos em si, há duas mesas longe da sua. Estava mantendo sua distância e Marisela era grata por isso. Ficaria ainda mais grata se parasse de encará-la.

           

— Tonito, não corra tanto! – Ouviu tia Cecília gritar.

           

Ela olhou para o menino, que corria atrás do filho de Herbárcia. Ele olhou para a mãe e lançou um sorriso travesso que era idêntico ao de Antonio. Marisela riu e tia Cecília acabou acompanhando-a.

           

Tonito se parecia tanto a Antonio que Marisela vez ou outra deixava seus olhos viajarem pelas crianças no local, tentando encontrar um menino que se parecesse a Santos. Ela suspirou, Bárbara não participava de festas na vila, muito menos as promovidas pela igreja; não veria seu irmão mais novo aqui. Provavelmente não o veria nunca.

           

— Procurando alguém? – Tia Cecília perguntou.

           

Marisela fitou-a atordoada. Quando as palavras fizeram sentido ao seu cérebro distraído, ela respondeu:

           

— Não. Quer dizer, sim... Não importa.

           

Ela voltou a olhar as crianças e tia Cecília deve ter percebido pois no minuto seguinte ela disse:

           

— Ele não está aqui. Mas quando eu o ver, vou mostra-lo a você.

           

Marisela olhou para ela e uma pergunta escapou de sua boca:

           

— Ele é feliz?

           

Não planejava perguntar algo como aquilo, mas assim que ouviu as palavras soube que era a coisa certa a se perguntar. Uma vez havia dito a Bárbara que não odiava seu filho. Tinha pena dele. Por que o amor dela era venenoso. Por um instante encheu-se de preocupação pelo menino, imaginado se ela o tratava como costumava tratar Marisela.

           

— Eu acho que sim. – Tia Cecília respondeu. – Ele me parece uma criança feliz. Ele é esperto, sapeca. Sabe o que mais? Ele é um menino muito amado. Por Santos, por ela. – A tia deu uma ênfase, para deixar claro de quem falava. Seus olhos ficaram cuidadosos, esperando a reação de Marisela sobre a notícia de que Bárbara amava ao seu filho. – Por mim. Por todos, na verdade. Todo mundo imaginava que a Dona iria colocar o menino em uma redoma de vidro, mas na verdade é bem o contrário. Ela quer que todos o amem. E acho que está conseguindo. É um menino adorável. Você iria gostar dele. Está aprendendo a andar agora...

           

Tia Cecília estava prestes a entrar em um monólogo sobre o filho de Santos, como a tia orgulhosa que ela parecia ser e era. Marisela não estava segura se realmente queria saber tudo sobre o menino, mas não precisou passar por isso. Houve o barulho de um carro parando à alguns metros delas e tia Cecília parou de falar, ela deu um sorriso reservado em direção ao carro, que estava atrás de Marisela. No segundo seguinte ouviu a voz de Juan Primito:

           

— Menina dos meus olhos?

           

Ela virou-se em sua direção e sorriu para ele. Seus olhos foram para a camionete atrás dele. Melquiades estava na direção, olhou para ela e deu um de seus raros sorrisos, dando um aceno de cabeça.

           

Juan Primito correu em sua direção, dando-lhe um abraço apertado.

           

— Minha menina. – Ele ficava dizendo, alegre.

           

Marisela riu.

           

— Oi, Juan Primito. Quanto tempo não?

           

Ela passou os dedos por seus cachos e ele sorriu, abaixando-se ligeiramente para receber seu carinho.

           

— Está aqui há muito tempo? – Ele perguntou.

           

— Não, cheguei hoje. E você, o que faz aqui?

           

— A Dona veio trazer dinheiro para o padre. – Marisela ergueu uma sobrancelha, essa era nova. – E também trouxe o menininho para brincar.

           

Ele olhou rapidamente para trás e Marisela seguiu seu olhar. Bárbara estava fora da caminhonete, olhando para ela de lá. Marisela não pode evitar acha-la linda. Ela sempre a achara a mulher mais bonita da face da terra, mesmo com tudo o que Bárbara já fizera para ela. Gostava da sensação de não acha-la superior, como costumava fazer quando era pequena.

           

Bárbara não sorriu para ela, não lhe deu um aceno de cabeça, nem nada do tipo, abriu a porta de trás da caminhonete e ergueu em seus braços um menino. Ela colocou-o na cintura, suas perninhas balançando, e passou uma mão por seus cabelos castanhos. Em seguida entrou na igreja.

           

— Quer que eu traga ele aqui? – Juan Primito perguntou, um sorriso de orelha a orelha.

           

Marisela olhou para ele.

           

— Não acho que seja uma boa ideia, Juan Primito.

           

— A Dona deixa. – Ele disse.

           

Tia Cecília apareceu ao seu lado.

           

— Se você puder trazê-lo, Juan Primito. Estou morrendo de saudades do Pedrinho.

           

Juan Primito assentiu alegremente e correu em direção a igreja. Marisela não esperava que a Dona realmente deixasse-o trazer o menino, mas Juan Primito saiu da igreja com o menino sobre os ombros. Ele vinha apontando as coisas com seu dedinho e dizendo coisas que não faziam sentido. Marisela procurou em sua memória a data do nascimento dele. Tinha um ano e meio.

           

Juan Primito tirou o menino dos ombros e estendeu-o para ela, mas Marisela estava sem reação. O menino olhava para ela com os mesmos olhos azuis de Bárbara, olhava para ela como a estranha que ela era. Marisela imaginava que devia ter o mesmo olhar, apenas com olhos diferentes. Os olhos dos Barquero. Ele tinha o queixo de Santos, o nariz de Santos, as bochechas de Santos, mas o resto era ela. O mesmo cabelo, o mesmo tom de pele, o mesmo olhar. Os mesmos olhos. Os olhos dos Guaimaran.

           

O menino se remexeu nas mãos de Juan Primito e Tia Cecília pegou-o em seu colo. O menino sorriu para ela, enrolando sua mãozinha nos cabelos loiros dela. Ela perguntava coisas para ele e o menino respondia com aqueles sons de bebê que não faziam nenhum sentido para ela.

           

Marisela não prestava muita atenção na conversa, estava ocupada demais avaliando o menino.

           

Saudável, bonito e robusto. Santos o havia descrito na carta. Pedro Luzardo Guaimaran era exatamente aquilo.

           

— Essa é Marisela. – Ela ouviu tia Cecília dizer e começou a prestar atenção na conversa dos dois. – Ela é sua irmã.

           

O menino não olhou para ela diferente depois dessa revelação. Ela ainda era uma estranha para ele. Nem deveria entender o que aquilo significava.

           

— Diz oi.

           

— Oi. – Sua voz era infantil, mas a palavra saiu perfeitamente.

           

Ele estendeu uma mão gorducha em sua direção e Marisela a apertou levemente, sentindo a maciez de sua pele.

           

— Oi, Pedro. – Ela disse.

           

Aquilo pareceu ser o limite do menino, pois no segundo seguinte ele estava esperneando e reclamando. Tia Cecília colocou-o no chão, deixando-o segurar seus dedos enquanto se equilibrava.

           

Ele soltou sua mão e caminhou cambaleante em direção as outras crianças. Estava claro que andar era algo novo para ele e Juan Primito estava ao seu lado o tempo todo. Marisela observava intrigada como a presença de Juan Primito era desnecessária. A cada tropeço havia uma mão para ajuda-lo a manter-se equilibrado; em cada queda havia alguém que o colocava de pé; sempre havia uma mão fazendo carinho em seus cabelos ou alguém disposto a dividir o sorvete.

           

E daquela maneira um caminho curto durou uma eternidade, até ele chegar onde realmente queria.

           

— Papa! – Ele exclamou.

           

Santos o esperava sorrindo. Ergueu-o no ar, chacoalhando-o, enquanto o menino gargalhava.

           

Marisela desviou o olhar. Tia Cecília a observava dando aquele seu sorriso.

           

— Ele parece feliz. – Marisela disse.

           

Elas voltaram a conversar em sua mesa, sobre qualquer coisa que não fosse o menino com os olhos de Bárbara.

           

Marisela levantou-se, ia pegar uma bebida para as duas, quando a Dona saiu da igreja. Ela usava uma blusa branca com os últimos botões desabotoados e uma de suas saias compridas com fendas nas pernas. As botas pretas cintilavam ao sol assim como a arma presa em sua cintura. Seu cabelo castanho estava solto, mais comprido do que estava na última vez que Marisela a vira, caindo em ondas e não nos cachos que ela costumava usar anos atrás.

           

Bárbara sorria e caminhava como se fosse a dona do lugar. Algumas coisas não mudavam nunca. Ela passou por Marisela, cumprimentando-a com um aceno de cabeça. O cumprimento de boas vindas mais frio que havia recebido até então. Ela sorria, mas não para Marisela.

           

Abriu os braços, abaixando-se para receber o menino no colo. Ela levantou-se com ele, dando mordiscadas em seu pescoço enquanto o menino ria. Santos aproximou-se deles, colocando uma mão nas costas do filho e falando algo para Bárbara que foi baixo demais para que Marisela pudesse entender.

           

Não pode deixar de pensar que os três pareciam uma família.

           

Em um instante as feições mudaram, Santos se afastou, Bárbara ergueu o queixo e o menino agarrou-se a ela com força, abraçando-a com os braços e as pernas. Bárbara disse algo para Santos, parecia uma maldição. Algumas coisas não mudam mesmo.

           

Ela chamou Juan Primito e eles caminharam em direção a caminhonete, onde Melquiades esperava. O menino vinha contando alguma coisa para Bárbara, que sorria para ele, dando leve tapinhas em sua perna passando pela cintura dela.

           

Quando estavam próximos, o menino surpreendeu Marisela acenando para ela. Marisela acenou de volta. Bárbara olhou para ela, mandou que Juan Primito continuasse e parou em frente a ela.

           

— Tchau, menina dos meus olhos. – Ele disse, sorrindo.

           

Marisela sorriu para ele, tocando em seu braço quando passou por ela.

           

— Então, você já conhece seu irmãozinho? – A Dona perguntou, olhando-a nos olhos.

           

O menino fazia o mesmo e, assim, com os rostos quase unidos, Marisela podia ver com ainda mais clareza a semelhança entre mãe e filho. Os olhos dos Guaimaran.

           

— Tia Cecília nos apresentou. – Marisela respondeu, seu tom de voz era passivo. – É um menino muito bonito. Parabéns.

           

Ela estava pronta para caminhar para longe daquela mulher e do menino que tinha tudo o que ela sempre quis, mas a Dona a impediu.

           

— Marisela, espera. – Sua voz não era a da Dona, era a voz que usava com Marisela quando fingia gostar dela. – Eu soube que você está morando na capital.

           

Marisela assentiu, cruzando os braços, de repente parecendo impaciente. O menino encostou a cabeça no ombro da Dona, os dedinhos brincando com o pingente do colar.

           

— Fico feliz que tenha voltado. – Bárbara disse. – Ao menos para passeio. Talvez possa ir ao Miedo.

           

Aquelas palavras machucaram mais do que um xingamento teria. O falso amor de Bárbara doía infinitamente mais do que seu desprezo ou seu ódio.

           

— Por favor, Dona. – Ela declarou. – Não vamos fazer isso de novo, está bem? Você tem seu filho, tem sua vida aqui, e eu tenho a minha na capital. Não precisamos disso. Podemos seguir nossos caminhos separados agora, não?

           

Bárbara sorriu, mas não parecia feliz. O menino ergueu a cabeça, brincando com o brinco da mãe. A Dona olhou para ele como se fosse algo precioso e aquilo partiu o coração de Marisela. Aquele olhar era mais uma das coisas que Marisela desejara e que o menino tinha.

           

— Podemos. – Bárbara respondeu por fim, dirigindo seus olhos para ela. – Podemos cada uma ir para um lado. – Ela sorriu. – Mas não se esqueça, filha. O mundo é redondo.

           

Ela deu uma piscadela e, com o menino nos braços, foi para a caminhonete. Juan Primito acenou para ela da janela e Melquiades maneou a cabeça como um adeus.

           

O mundo era tão redondo quanto era grande e, enquanto pudesse ficar longe de Dona Bárbara, ficaria.


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