A Inútil Capacidade de Ser Receoso escrita por Fabrício Fonseca


Capítulo 21
Vinte




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A primeira coisa que vejo ao acordar é um pôster de Jogos Vorazes que está colado na parede ao lado da cama que estou deitado; e um segundo depois percebo que estou no quarto de Marcos. Me levanto e não encontro meus tênis e saio descalço do quarto, ando pelo corredor e vou direto para a cozinha onde Aline e Marcos estão fazendo algo em um liquidificador.

—Quantas horas são? – Pergunto olhando pela janela, o sol parece forte demais para estar de tarde.

—São dez da manhã – Marcos diz com calma, quase como se achasse que se falasse rápido demais eu não o entenderia. – Ontem nós achamos melhor vir para cá.

—Aí nós pegamos você no carro e colocamos para dormir no quarto de Marcos – Aline fala do mesmo modo que ele. – Você parecia muito cansado, então não queríamos acordá-lo.

Assinto com a cabeça.

—Onde estão seus pais? – Pergunto.

—Estão no trabalho – Aline responde. – Nós estamos fazendo o almoço da manhã (uma mistura de almoço com café da manhã).

—Você pode esperar lá fora com o João, enquanto a gente termina. – Marcos diz.

Saio pela porta da cozinha e vejo João sentado sob a sombra da grande árvore no final do quintal gramado. Ando devagar sentindo a grama debaixo dos meus pés e quando chego à árvore me sento ao lado dele.

—Como você está se sentindo? – Ele pergunta.

Então sou atingido pela pergunta, eu não sei bem como me sinto; é claro que ainda tem essa dor forte que eu nem sei bem onde é, ela apenas está espalhada por todo o meu corpo, é como uma necessidade muito forte de algo... Não, de algo não, mas sim da minha mãe. E nesse momento sinto que se não fosse essa dor em meu peito me prendendo à onde eu estou, eu não teria forças para continuar.

—Me sinto da forma que deveria me sentir – digo simplesmente, e então uma coisa passa por minha cabeça. – Eu não sei como me sinto em relação ao meu pai.

—Mas eu sei como você deveria se sentir – ele diz.

—E como é que eu deveria me sentir? – Pergunto sorrindo.

Antes de começar a fala ele se vira e se senta de frente para mim.

—Ontem eu estava conversando com Aline e Marcos, e depois de todos esses dias te observando eu estava pensando em uma coisa – ele fala com calma. – Acho que você tenta se afastar do seu pai com medo de novos sentimentos, pelo menos nesses últimos dias. De repente você chega em sua casa e descobre que sua mãe morreu e seu pai e sua avó esconderam de você esse fato, mas você só se revolta com seu pai. Você está com medo de como vai se sentir em relação a ele agora que sua mãe se foi.

—Mas nós nunca nos demos bem, a gente é incompatível. – Digo.

—Vocês apenas nunca tentaram se dar bem porque sua mãe sempre esteve ali para unir vocês dois. Mas aí de repente ela não está mais e apesar de inicialmente sentir raiva do seu pai por ter escondido tudo de você, você sente esse receio, mesmo que não perceba, de sentir algo tão forte por ele quanto sentia por sua mãe. É só que pareceu mais simples se afastar ainda mais dele, mas não é. É inútil essa capacidade de ser receoso, é inútil se ter receio de novos sentimentos.

Ele respira fundo e então continua:

—É o seu pai Thomás, e agora são só vocês dois. Não tenha medo dos sentimentos que você tem por ele.

Fico calado por um momento e então quando decido falar, Aline grita da porta da cozinha:

—O almoço da manhã está pronto, venham comer.

—Vamos. – João diz ao se levantar, ele estica o braço para me ajudar a ficar em pé e nós andamos um do lado do outro em direção à cozinha.

Me sento à mesa e fico olhando para o tanto de comida que os dois fizeram – macarrão à bolonhesa, sanduiches, mingau, omelete, bacon, etc. – que nem sei por onde começar.

—Comecem à comer logo! – Marcos fala ao se servir com o macarrão.

—Tudo bem. – Digo e pego um sanduiche.

—Thomás seu pai ligou ontem – Aline diz. – Ele pediu que a gente não fizesse planos para hoje à noite, porque ele vai oferecer um jantar de despedida para o João e o tio dele.

—O.K., então o nosso plano para hoje à noite é sermos elegantes e comermos pouco – digo sorrindo. – Melhor enchermos a barriga agora!

E então nós começamos uma competição de quem consegue comer mais.


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