A Inútil Capacidade de Ser Receoso escrita por Fabrício Fonseca


Capítulo 20
Dezenove




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Entramos em casa e vamos direto para a cozinha; peço ao cozinheiro para fazer o que Aline, Marcos e João decidirem e saio andando depressa em direção da escada. No segundo andar corro para meu quarto e vou ao banheiro – estou com muita vontade de fazer xixi.

Quando termino e saio do meu quarto encontro meu pai parado no corredor.

—Thomás – ele diz e eu paro ao seu lado com cara de tédio.

—O que foi? – Pergunto.

Ele respira fundo antes de falar.

—Eu conversei com a sua avó hoje e ela me disse que no domingo você passou a tarde na casa dela. Eu pensei que... – Ele para de falar.

—Você pensou o quê? – Digo de forma ríspida.

—Thomás, você já foi ao túmulo da sua mãe? – Ele diz e eu fico completamente calado. – Acho que seria bom se você fosse lá...

—Eu não estou nem aí para o que você acha! – Digo e saio andando deixando ele conversando sozinho.

Na cozinha me sento na cadeira ao lado de Aline no balcão, eles estão assistindo a Marcelo – o cozinheiro – fazer a torta de frango que eles pediram. Quando ele coloca a torta no forno para assar nos sentamos na mesa redonda de café da manhã e tomamos refrigerante enquanto conversamos. Meia-hora depois – ou talvez até uma hora depois, eu não estou com uma percepção de tempo muito boa – a torta está pronta.

—Aproveitem! – Marcelo fala depois de nos servir.

Comemos uns três pedaços cada um e então estamos satisfeitos.

—Estava muito bom Marcelo, obrigado! – Digo enquanto passo a mão na barriga, me sinto muito, muito cheio.

—E agora, vamos voltar para o festival? – Aline pergunta.

—Não... Eu gostaria de ir à um lugar – digo me levantando.

—Tudo bem, vamos lá – Marcos fala.

Pego a chave do Jeep do meu pai e dois minutos depois saio dirigindo com ele indo em direção a saída da cidade.

—Onde nós vamos? – Aline pergunta sentada no banco ao meu lado.

—Vamos ao cemitério – digo e ninguém fala nada.

*

Estaciono em frente ao cemitério e respiro fundo antes de descer do carro, quando vou andando devagar para dentro dele Aline, João e Marcos me acompanham. Depois de uns vinte passos viro à direita em um tumulo coberto com pedras cinzas e então vejo o jazigo da minha família: uma grande construção de teto triangular coberta com pedra de cerâmica preta e porta de aço cinza.

Paro em frente a porta e estico o braço até a abertura na porta, subo o trinco e a empurro. Fico parado olhando para as flores murchas que estão encima de uma pequena mesa de metal no centro do lugar.

—Você não vai entrar? – Marcos pergunta quase sussurrando.

Balanço a cabeça dizendo que sim e entro devagar olhando para os dois lados, para as fotos nas paredes localizando o tumulo de cada integrante da família Lavorini que já se foi.

Então eu vejo uma foto colorida na parte de baixo no canto direito e corro até ela, me ajoelho olhando para a foto sorridente da minha mãe que parece me encarar e de repente eu começo a chorar – não simplesmente algumas lagrimas, mas sim um choro alto e completamente molhado que faz com que eu comece a soluçar e a sair catarro do meu nariz – porque todo esse tempo eu tinha esse pensamento dentro de mim de que tudo não passava de uma piada sem graça do meu pai e de minha avó, que minha mãe não estava morta, mas sim em uma das clínicas ultra modernas em outro país que meu pai sempre tentou convencê-la a ir para se tratar, mas ela sempre se negara em me deixar para trás; mas agora não há dúvidas, minha mãe está realmente morta, e a dor que sinto dentro de mim é a pior coisa que eu já senti em minha vida.

De repente percebo que Aline, Marcos e até mesmo João estão ajoelhados ao meu lado e me abraçando. E eu nunca vou saber como agradecê-los por não dizerem nada nesse momento, por não tentarem me consolar de alguma forma porque eu não quero ser consolado, quero e preciso sentir essa dor.

Me levanto e saio do jazigo com Marcos e Aline com seus braços entrelaçados nos meus e João vem andando logo atrás, quando saímos do cemitério entrego a chave do Jeep para Aline e me sento no banco de trás. Antes mesmo de escutar ela ligando o carro eu caio no sono. 


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