A Inútil Capacidade de Ser Receoso escrita por Fabrício Fonseca


Capítulo 2
Um




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Já faz quase três horas que estou deitado totalmente imóvel na cama do meu quarto olhando para as fotos coladas no teto pintado de laranja - quer dizer, acho que faz três horas, não estou com a percepção muito boa da passagem do tempo.

Em uma das fotos eu aos sete ou oito anos de idade ajudo uma versão saudável da minha mãe à colocar algumas balas coloridas sobre a calda de chocolate de um bolo em formato triangular à nossa frente - minha mãe adorava fazer das coisas "normais" coisas não tão normais. Em outra foto eu aos quatorze anos estou com a sobrancelha esquerda e o nariz sangrando todo alegre e sorridente, enquanto minha mãe ao meu lado tapa o rosto enquanto chora - nesse dia eu havia brigado na saída da escola e minha mãe começou á chorar assim que me viu com o rosto todo sangrado quando cheguei em casa, eu não consegui me segurar e acabei tendo uma crise de riso. Foi um dia inesquecível.

Há outras dezenas de fotos coladas no teto de dezenas de momentos inesquecíveis, e a maioria deles aconteceu na companhia de minha mãe. A pessoa que eu mais amava no mundo.

É estranho pensar nela assim no passado... Mas eu seria tolo se não admitisse que pensava que isso poderia acontecer á algum tempo.

Me levanto rapidamente, tiro o telefone do bolso e olho as horas... 23h13min. Com toda certeza eu não estou com uma boa percepção da passagem do tempo; devo ter entrado em estado de inconsciência durante o tempo em que estive deitado e nem mesmo percebi, isso parece loucura.

Então se encaixa perfeitamente comigo.

Desso pela escada sem pressa enquanto procuro por um número em minha lista de contatos no telefone, assim que encontro ligo para o número.

—Gabrielle? - Digo assim que ela atende. - Espero que não tenha te acordado, é que estou com muita saudade de você.

—Eu sempre estou acordada quando se trata de me encontrar com você, Thomás - ela diz quase como se cantasse.

—Ótimo, chego aí em vinte minutos. -Digo e desligo, e guardo o telefone no bolso da calça.

Pelo silêncio completo na casa é certo deduzir que estão todos dormindo; passo pelo hall sem me preocupar se estou fazendo barulho ou não e saio de casa. Vou até a garagem, abro a porta menor e pego a bicicleta que está logo junto a entrada. Nem me preocupo em fechar a porta, apenas vou com a bicicleta até o portão pequeno e saio. Depois de fechar o portão munto na bicicleta e saio.

*

Se tem uma coisa que eu odeio na minha cidade é o fato dela ter recebido o nome da mãe do meu tataravô "Rosa Maria". Tudo bem que o Sr. Lorenzo Lavorini fundou a cidade e por isso ele tinha o direito de colocar o nome que quiser na cidade, mas precisava ser logo o nome de uma antecedente minha? Quando eu era criança, na escola sempre perguntavam de onde vinha o nome da cidade e os professores sempre respondiam "É uma homenagem à mãe do tataravô do Thomás, que foi quem fundou a cidade", e por esse motivo sempre achavam que eu era do tipo que se acha. Outra coisa que eu odeio é que 50% do comércio da cidade pertence á minha família (Casa Dos Parafusos Lavorini, Cine Lavorini, Supermercado Lavorini, Shopping Center Lavorini, etc.), e 25% dos prédios, casas e outros locais também pertencem á minha família. Não que ter muito dinheiro e poder comprar o que você quiser seja algo ruim, é só que o dinheiro atraí todo tipo de gente ruim, e eu já sofri com amizades falsas por causa disso. Mas tirando esses dois fatos (o nome da cidade e o dinheiro) eu amo tudo dessa cidade.

Passo pedalando devagar no meio da praça do comércio até a Rua Das Flores e acelero; passo pela praça dos esportes e cumprimento alguns dos meus colegas que estão indo e vindo com seus skates fazendo todo tipo de manobra - é mais fácil ver alguns deles na rua á essa hora que durante a manhã ou durante a tarde.

Finalmente chego a rua da casa de Gabrielle e assim que paro em frente ao portão verde-escuro aperto o botão do interfone.

—Já estou indo - ouço sua voz saindo do aparelho e alguns segundos depois o portão se abre. - Entre, por favor.

Entro e encosto a bicicleta no muro próximo ao portão e à sigo para dentro da casa.

Gabrielle tem 22 anos, ela fazia faculdade de administração e no ano passado ela fez estágio com meu pai por um tempo, e foi assim que a gente se conheceu. Desde de então estamos "nos encontrando" em sua casa.

—Senti muito a sua falta - ela diz assim que entramos no quarto.

Tiro os tênis e as meias e os jogos no canto do quarto, logo depois arranco a blusa.

—Eu também - digo andando em sua direção e a puxando para junto do meu corpo, e então começando à beijá-la.

Tiro sua camiseta rapidamente e abro seu sutiã; ela desabotoa minha calça e eu à desso rapidamente. Jogo ela encima da cama e tiro a cueca, estou completamente nu.

Vou para cima dela e tiro seu short juntamente com sua calcinha azul. Rapidamente pego minha calça no chão, tiro a carteira do balso e pego a camisinha que está dentro; à coloco depressa e volto minha atenção para Gabrielle.

Deito ao lado dela ofegando e fico olhando para o teto.

—Você estava mesmo com saudade - ela diz em tom de brincadeira, fico calado. Após alguns segundos em silêncio ela volta á falar: - fiquei sabendo da sua mãe, mas não fui no velório, não gosto dessas coisas são tristes demais. Mas todo mundo ficou falando sobre você não estar lá...

—Estou indo embora - digo me levantando e começando á vestir minha roupa.

—Já? Pensei que você fosse passar a noite. - Ela se levanta também.

—Acho melhor não nos vermos mais, Gabrielle - digo calçando o tênis direito.

—Como assim "melhor não nos vermos mais"?

—Você tem 22 anos e eu 16, para muitos isso é considerado pedofilia. - Calço o outro par do tênis e vou andando para fora do quarto.

—Isso só aconteceria se eu fosse homem - ela diz vindo andando atrás de mim. E sim, ela ainda está nua.

—Uma hora isso teria que acontecer, Gabrielle. E eu não estou querendo me envolver com ninguém agora. - Saio da casa e ando até a minha bicicleta. - É aquele velho clichê do "sou eu e não você".

Abro o portão e saio empurrando a bicicleta.

—Adeus Gabrielle - Munto na bicicleta e saio andando; só alguns segundos depois me lembro que sai sem fechar o por portão.

Volto pedalando devagar pelo mesmo caminho e paro em frente ao Cafés Lavorini na praça do comércio; é a loja favorita do meu pai...

De repente uma ideia passa pela minha cabeça...

Deixo a bicicleta caída no chão e ando até a lixeira em frente á loja, tiro a lata cinza do suporte e jogo o lixo no chão - sinto um remorso horrível ao fazer isso. Giro o corpo duas vezes e então solto a lata na direção do Cafés Lavorini, a lata acerta as portas de vidro, mas elas apenas se racham. O alarme da loja começa á tocar.

Pego a bicicleta e saio andando calmamente com ela.

Eu vou tornar a vida do meu pai um inferno e isso foi apenas o começo. Um ótimo começo na verdade.


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