A Inútil Capacidade de Ser Receoso escrita por Fabrício Fonseca


Capítulo 3
Dois




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Entro em casa e vou direto para a cozinha; está tudo escuro, mas não me preocupo em acender a luz, ando até a pia e abro a porta do armário logo acima dela e pego um pacote plástico sem olhar o que é, vou até a geladeira e pego a jarra de chá gelado. Me sento no banquinho em frente ao balcão e abro o pacote ainda sem olhar o que é e então pego meu telefone. 

Seguro o telefone com a mão direita enquanto entro em meu perfil no Facebook e com a esquerda pego o conteúdo do pacote que está sobre o balcão sem sentir o gosto. Enquanto desso o Feed de Notícias pego o chá gelado e bebo da jarra. Alguns minutos depois coloco a mão dentro do saco plástico e sinto que está vazio, o ilumino com a luz da tela do telefone e vejo que comi um pacote inteiro de batata palha. Ótimo. Jogo o plástico na lixeira e coloco a jarra vazia dentro da pia. 

Subo devagar a escada e quando viro no corredor indo em direção ao meu quarto quase esbarro em meu pai. 

—Onde você estava? - Ele pergunta fingindo preocupação. 

—Na cozinha - digo como se isso fosse óbvio. 

—Tanto faz - ele diz. - Preciso te pedir um favor, Thomás... 

—Pode falar - digo de forma irônica. 

—Amanhã nós receberemos visita; Frederico Lourenço virá para resolvermos alguns assuntos da construção de um novo shopping... Bem, ele chegará amanhã e virá acompanhado do sobrinho dele. 

—E você quer que eu faça companhia para o garoto. 

—Sim, eles ficarão alguns dias. O garoto tem a mesma idade que você, então não será nenhum sacrifício. 

—Tudo bem - digo passando por ele. - Mas não prometo que não irei corrompê-lo. - Entro no meu quarto rindo porque sei que consegui irritá-lo. 

Vou para o banheiro e tomo um banho demorado, logo depois deito e tento dormir. 

 

* 

 

Eu amo correr; amo sentir o corpo em movimento, o coração acelerado e o vento no rosto, amo me sentir livre... 

Eu levantei à sete da manhã (não consegui dormir), calcei o tênis de corrida e vim para a pista de corrida na propriedade no fundo de casa. 

Corro até a grama no meio da pista e paro onde deixei uma garrafinha com água, bebo metade dela e depois me deito e fico olhando para o céu - inevitavelmente pensando em minha mãe. 

Alguns minutos depois pego meu telefone, agora são 8hrs16min, e tem quatro chamadas perdidas do meu pai. Me levanto e vou andando na direção da minha casa. 

 

 

Entro em casa e vou andando pelo hall, passo em frente ao escritório do meu pai e vejo que ele está conversando com um homem de pele clara e cabelo castanho encaracolado; me apresso e vou em direção à escada antes que me vejam. Subo devagar e vou em direção à biblioteca, me assusto ao entrar e ver um garoto de cabelo castanho encaracolado (ele se parece com o homem que está no escritório com meu pai) Sentado em uma poltrona no canto da biblioteca lendo um livro. 

—Olá - digo pois ele não notou que eu entrei. 

—Ah, oi! - Ele marca o livro na página que estava lendo, se levanta e vem andando em minha direção. - Eu sou o João... João Lourenço - ele estende a mão para mim. 

—Sou o Thomás - aperto sua mão rapidamente... - Espera um pouco, seu nome não pode ser João Lourenço. 

—Posso te mostrar minha Carteira de Identidade. 

Ignoro o que ele disse. 

—Você já beijou uma garota chamada Laura Azevedo? 

—Você por acaso é vidente ou coisa assim? - Ele parece assustado. 

—Coisa assim. - Ando até uma estante no canto esquerdo da biblioteca onde minha mãe colocou meus livros sobre psicologia. Pego "Tudo O Que Você Precisa Saber Sobre Psicologia". 

—Não vai me contar como sabe disso? - João pergunta ainda em pé no mesmo lugar. 

—Talvez um dia. - Passo andando por ele e paro na porta. - Meu trabalho nos próximos dias é fazer companhia à você... vou tomar banho e quando terminar nós vamos sair. 

Vou até o quarto, deixo o livro encima da escrivaninha e tiro toda a roupa antes de ir para o banheiro.

Tomo um banho rápido, volto para o quarto e visto uma camisa preta e uma bermuda jeans. Antes de sair calço meus chinelos.

Encontro João sentado na escada lendo o mesmo livro de antes.

—Você pode deixar o livro na biblioteca - digo chamando sua atenção.

—Tudo bem - ele se levanta e vai até a biblioteca e volta rapidamente. - Onde nós vamos? - Ele pergunta enquanto descemos a escada.

—Primeiro vamos beber alguma coisa, depois nós vamos encontrar meus amigos.

Entramos na cozinha.

—Bom dia, Thomás - Marcelo, o nosso cozinheiro, diz atrás do balcão. - Bom dia, garoto. - Ele diz para João. 

—Bom dia, Marcelo - digo. - Preciso de um chá de hortelã.

—Já está pronto - ele coloca uma xícara em minha frente. - E você, também vai querer chá? 

—Não, prefiro o bom e velho café. 

—Você sabia que o café é viciante? - Digo. 

—Claro que eu sei; eu sou viciado em café. 

Marcelo se segura para não rir.  

 

Saímos de casa e vamos andando pela rua. Pego meu telefone no bolso e ligo para o primeiro contato da agenda. 

—Sei que vocês não estão fazendo nada - digo assim que ela atende. - Me encontrem na praça do comércio. 

—Tudo bem, já estamos indo. - diz e então desliga. 

—Com quem você estava falando? 

—Aline, minha melhor amiga. 

—Super carinhoso você - ele diz de forma irônica. 

—É uma de minhas qualidades. E você, como você age com seus amigos? 

—Eu só tenho um amigo, e trato ele super bem. Mas ele é meio estressado então eu tenho que ser o calmo do nosso bromance. 

—Como você consegue ter apenas um amigo? E quando vocês brigam? Quem faz vocês voltarem à conversar? 

—Luma, minha namorada... Se bem que olhando por um lado ela também é minha amiga. 

—Você namora e viaja durante as férias ao invés de ficar com sua namorada?  

Ele respira fundo antes de responder. 

—Eu não sou um garoto normal... Eu sou diferente; então é natural que eu não tenha um namoro normal. Se ficarmos juntos por muito tempo a gente pode acabar se sentindo "enjoado" um do outro. 

—Garoto diferente? Gostei disso. 

A gente continua andando em silêncio por alguns minutos até que ele decide falar. 

—Como é sua relação com seu pai? 

—Por quê a pergunta? 

—Sei lá, só não quero ficar em silêncio. 

Dou de ombros. 

—A gente nunca se deu bem; ele queria que eu jogasse futebol, mas eu gostava de teatro; ele queria que eu fosse fazer intercâmbio na Itália, mas eu prefiro ficar no Brasil... A gente sempre discordou de tudo, mas as coisas pioraram há três anos atrás quando eu me assumi. 

—Você é gay? - Ele pergunta de forma natural, o que me deixa surpreso, as pessoas nunca agem naturalmente ao fazerem esse tipo de pergunta. 

—Não, esse é o fato: eu não tenho um rótulo, eu simplesmente gosto de pessoas. 

—Ele não deveria pelo menos se sentir aliviado por você também se interessar por garotas? 

—Acredito que sim. Mas assusta ele o fato de eu ver os garotos da mesma forma que vejo as garotas. De qualquer forma agora as coisas entre nós só tendem a piorar depois que ele fez uma coisa que não deveria. 

Ele apenas balança a cabeça e não diz nada. 

—Você não vai perguntar o que ele fez? - Pergunto achando estranho que ele não tenha tentado descobrir o que meu pai fez. 

—Isso seria invadir sua privacidade, se você quisesse falar o que aconteceu simplesmente falaria. Só uma pessoa normal invadiria seu espaço dessa forma. 

—Sabe, eu realmente estou gostando dessa coisa de ser um garoto diferente. - Digo sorrindo.


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