Bicho-papão. escrita por Secret


Capítulo 4
Café.


Notas iniciais do capítulo

Demorei, mas acabei!
Aproveite!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/688157/chapter/4

Gabriel foi puxado de repente para perto da criatura. Ele tentou gritar, esquecendo completamente o plano para perder o medo do escuro, mas aquilo foi mais rápido e tampou sua boca com a mão que, o garoto notou, tinha garras.

Ele estava de costas para “aquilo”, seja lá o que fosse. Uma mão da criatura o amordaçava e, com o outro braço, prendia os braços de Gabriel ao tronco, impedindo que ele se movesse. A cena era muito familiar ao garoto, mas desta vez ele tinha certeza que estava acordado.

— Calma. Eu vou soltar sua boca e você não vai gritar, entendeu? — Isso também era muito familiar ao garoto, mas agora a voz não era de seu irmão mais velho.

Mesmo apavorado, Gabriel assentiu. Logo a mão largou lentamente sua boca e pressionou seu peito, prendendo-o ainda mais e impedindo que ele se afastasse.

O garoto manteve a palavra. Não por querer, ele simplesmente não conseguia falar por causa do medo. Por mais que abrisse a boca, nenhuma palavra se formava, nada saía. Ao notar isso, a criatura sorriu e exibiu suas presas, mesmo que Gabriel não conseguisse ver.

Vários minutos se passaram antes que Gabriel aceitasse que aquilo realmente estava acontecendo, e mais alguns para que ele se acalmasse o bastante para conseguir falar:

— O-O que... O que é você? — Sua voz tremeu um pouco.

A criatura ficou calada, mas Gabriel sentiu os braços a seu redor afrouxarem um pouco, como se realmente houvesse surpreendido aquele ser e ele tivesse se esquecido de manter o aperto. O garoto decidiu aproveitar o momento para se soltar e sair daquele quarto. Entretanto, assim que deu um passo para longe daquilo, o ser o agarrou novamente e deu um passo para frente, anulando a distância entre eles. Agora estavam cara a cara.

— Eu? — A voz era surpreendentemente suave, mesmo que aquilo parecesse estranhar a situação. — Já me chamaram de muitas coisas, mas acho que a mais conhecida é “bicho-papão”. — Ele finalizou com um largo sorriso cheio de presas, o que preocupou Gabriel.

— B-Bicho-papão? — O garoto repetiu incrédulo.

Como saíram do canto escuro, ele conseguia ver o ser a sua frente com mais detalhes. Os cabelos negros eram meio compridos e bagunçados, cobrindo a testa e caindo sobre os olhos, estes se sobressaíam por sua cor viva e seu brilho. Descendo mais ele via seu branco e largo sorriso predatório, se destacando na pele negra. Era difícil distinguir a silhueta daquilo da escuridão, pois ele se camuflava perfeitamente nesta. Gabriel teve que olhar um pouco para cima para encarar a criatura nos olhos.

— Mas... O bicho-papão não existe! — Ele exclamou, mesmo que não tivesse certeza do que dizia. O sorriso daquilo diminuiu e seus olhos adquiriram um brilho mais intenso.

— Shhh. Não precisa gritar, você prometeu. — Ele sussurrou num tom mais sério. — Além do mais, você não acredita realmente nisso. — Afirmou mais suavemente.

— Como pode ter tanta certeza? — O garoto desafiou, esquecendo temporariamente seu medo do ser a sua frente.

— Por que eu consigo fazer isso. — O largo sorriso voltou ao rosto do bicho-papão e ele se aproximou ainda mais de Gabriel, colando seus corpos.

Gabriel surpreendeu a si mesmo quando não gritou com esse ato. Ele estava de pé no meio do quarto perigosamente perto do ser que, até então, o apavorava... Qual era a chance disso ser um pesadelo?

— Isso só pode ser um pesadelo... —Sussurrou seu pensamento mais para si próprio que para o outro, mas foi respondido.

— Se é o que pensa — Aquilo sussurrou calmamente—, acho melhor conversarmos outra hora. Durma ou não vai acordar a tempo para a escola. — O ser o largou e, antes que Gabriel conseguisse processar o que estava acontecendo, levou a mão com garras até seu pescoço.

Tudo ficou escuro novamente.

*

— Acooorda. — Gabriel ouviu uma voz meio cantada e abriu os olhos lentamente. — Vai se atrasar para a escola. Aliás, eu também. — Lucas comentou casualmente, ainda com o sorriso no rosto.

— Ai. — Gabriel estava com dor de cabeça. — Que horas são?

— As aulas começam em 3 minutos.

— Três minutos? — Gabriel pulou da cama, esquecendo-se da dor de cabeça. — Não dá para tomar o café da manhã, trocar de roupa e chegar lá em três minutos! Por que não me acordou mais cedo?

— Eu tentei. — Lucas se defendeu. — Mas você dormia feito uma pedra! Aliás, você está bem?

— Estou. — O mais novo disse enquanto abria o guarda-roupa, procurando algo para vestir. — Minha cabeça dói um pouco, só isso.

Lucas virou o irmão para si e colocou a mão na testa dele, seu sorriso dando espaço a um semblante preocupado:

— Você está quente, deve estar com febre. Acho melhor ficar em casa hoje.

— Não! — Gabriel exclamou. — A mãe vai nos matar se eu faltar aula! Estou bem, sério!

— Relaxa. Eu explico para a mãe, qualquer coisa eu levo a culpa. — O mais velho sorriu. — Além do mais, quem não gosta de uma chance de matar aula? — Brincou enquanto procurava o termômetro na gaveta. Este acusou 38° de febre, Lucas suspirou e mandou o irmãozinho de volta para a cama.

Gabriel não reclamou, aceitando a derrota. Ele não podia contrariar um termômetro! E Lucas, por mais irresponsável que fosse, provavelmente não o deixaria sair de casa. Ao menos não precisaria encarar André ou Vanessa naquele dia, certo? Além disso, dormir com a luz da manhã invadindo o quarto parecia uma ideia muito agradável.

— Está com fome? — Gabriel negou com a cabeça. — Mesmo assim devia comer algo, volto já.

Gabriel ouviu a porta ser aberta e, dez minutos depois, o liquidificador sendo usado. Logo Lucas abriu a porta do quarto e lhe entregou um copo de vitamina.

— Pega, seu café da manhã de hoje. É de morango, sei que gosta. — Sorriu.

— Morango? Mas não tinha morango aqui em casa.

— Ah, isso? Eu passei rapidinho no mercado e comprei alguns.

— Lucas... — Gabriel tentou formar uma frase coerente, mas sua cabeça estava latejando. — O mercado fica a duas quadras daqui.

— Não é tão longe quanto parece. — O mais velho deu de ombros. — Pode ficar um tempinho sozinho? Vou comprar algo para sua dor de cabeça. — Gabriel assentiu e virou-se na cama para cochilar até que seu irmão chegasse. Ele estava cansado.

O garoto acordou com a porta de seu quarto sendo aberta novamente.

Aquela coisa era barulhenta!

Lucas entrou com seu típico sorriso e mostrou um frasco de remédio para Gabriel. O garoto não tinha certeza, pois estava dormindo até agora, mas parecia que um bom tempo havia se passado.

— Que horas são? — O mais novo indagou confuso.

— Acho que nove e meia, talvez mais talvez menos. — Lucas deu de ombros, ele fazia muito isso. — Por quê?

— Você demorou.

— Foi mal. Comprei isso naquela farmácia grande, lembra? Aquela que a mãe sempre vai quando precisa comprar remédio. — Justificou.

—... Isso fica do outro lado da cidade. — Gabriel afirmou atônito. — Por que não foi na farmácia da esquina?

— Porque lá tinha esse remédio sabor framboesa! Na outra só tinha comprimido! — Ele parecia desconfortável em manter esse assunto. — Sua cabeça ainda dói muito? A bula diz que uma colher deve resolver. Também deve abaixar sua febre.

Gabriel suspirou e desistiu do assunto. Seu irmão realmente devia pensar que ele era uma criancinha! O remédio tinha o sabor doce e enjoativo característico de remédios infantis, mas o garoto não reclamou. Qualquer coisa seria melhor que aquela dor de cabeça! Depois disso deitou-se novamente e caiu no sono, ainda meio febril.

O sono do garoto foi agitado. Diversos flashes passavam em sua mente:

“Havia algo no escuro”.

“Ele foi checar”.

“—Você não vai gritar...”.

“— Eu sou o bicho-papão”.

“Olhos amarelos brilhantes”.

“Garras indo em direção a seu pescoço”.

Gabriel acordou gritando e suando frio.

Ele olhou em volta tentando se acalmar, a respiração ainda descompassada. Será que foi outro pesadelo? Depois pensou se Lucas havia ouvido o grito. Ele tinha gritado muito alto? Por fim, decidiu se levantar e dar uma volta na casa, mais para sair do quarto que para checar se seu irmão se preocupou. Ele apenas não aguentava mais ficar deitado!

Vacilou um pouco ao ficar de pé, mas retomou logo o equilíbrio. Sua dor de cabeça estava bem melhor, aquele remédio enjoativo realmente era rápido! Ele andou por toda a casa, mas não encontrou o irmão.

Lucas teria coragem de sair e deixá-lo sozinho? Quando passou pela cozinha, o garoto viu um bilhete grudado da geladeira:

“Hey, maninho. Tive que dar um pulinho num lugar, volto até às 14h00min. Deixei seu almoço no microondas.”

A letra era irregular e difícil de ler, como se tivesse sido escrita por alguém com pressa. Gabriel checou a hora no relógio da cozinha: 13h20min. Ele realmente dormiu muito! Ao abrir o microondas, encontrou um prato com arroz, feijão, salada e bife de fígado e sorriu. Gabriel, ao contrário de muitas pessoas, gostava de bife de fígado. No começo ele estranhou, não se lembrava de ter carne em casa e o açougue mais próximo ficava a uns vinte minutos de caminhada. Depois lembrou que era de Lucas que estava falando, e que o irmão era capaz de andar a cidade inteira para comprar “do melhor”.

Gabriel almoçou e assistiu TV até às 14h30min, quando Lucas voltou para a casa:

—Está meia hora atrasado. — O mais novo constatou.

— Ah, oi, maninho! — Lucas sorriu. — Já fora da cama? Está melhor? — Ele ignorou completamente a afirmação do outro.

— É, estou bem. — Gabriel devolveu o sorriso. Tirando os flashes estranhos de seu pesadelo, ele estava bem. A dor de cabeça e a febre sumiram e ele se sentia bem disposto.

— Legal, pega aí. — Ele disse e jogou uma agenda na direção do irmão mais novo. Este, com dificuldade, agarrou. Ele não tinha bons reflexos.

— O que é isso?

— Seu dever de casa do dia. Peguei na casa daquele seu amiguinho, André. — Lucas deu de ombros e pegou o controle da TV.

— André?! — O garoto tentou disfarçar a surpresa. Como Lucas achava que eles eram amigos? — Ele disse algo?

— Ah? Não. Ele não estava em casa, mas a mãe dele me deixou olhar a agenda e eu anotei o dever.

— Não era mais fácil ligar?

— Não. Estava no meu caminho. Fui fazer um trabalho na biblioteca no centro da cidade. — Explicou.

— Tá bom então. — Gabriel decidiu não comentar que pesquisar no computador de casa seria bem mais prático que na biblioteca.

Os dois deram a conversa por encerrada e Lucas colocou num filme qualquer de comédia ruim. Típico. Algum tempo depois o mais velho fez um comentário:

— Sabe, que bom que você está melhor!

— Por quê?

— A mãe deve chegar amanhã, e pegaria muito mal para o meu lado se você ficasse doente nesse meio tempo! Ela acharia que eu não tomei conta de você direito.

— Tudo bem, eu não vou contar nada. — Gabriel entendeu onde o irmão queria chegar. Até pensou em comentar que ele o deixou sozinho por horas em casa, mas desistiu. Afinal, Lucas rodou a cidade inteira para agradá-lo quando ele ficou doente! Ele merecia algum crédito.

— Valeu, maninho.

Eles continuaram vendo o filme. Quando este acabou, Lucas deixou Gabriel escolher uma série legal e eles assistiram TV até anoitecer. Depois o mais velho preparou o jantar e mandou o irmão de volta para a cama.

— Já? Mas eu dormi a manhã toda e parte da tarde! — Gabriel reclamou. — Não estou com sono!

— Pode até ser. — Lucas concordou. — Mas amanhã você tem aula e a mãe volta de viagem. Melhor dormir.

O garoto não conseguiu contrariar esse argumento, ele sabia que Lucas tinha razão. Mas também não queria dormir, mesmo que negasse, estava com medo de dormir à noite. Então usou seu último recurso: cara de tristeza. Não sabia se todos os irmãos mais novos faziam isso ou era só ele, mas em geral conseguia convencer seu irmão pela pena.

Além do mais, a cara dele de “cachorrinho que caiu da mudança” era mesmo muito convincente!

—... Não me olha assim. — Lucas desviou o olhar. — Não vai funcionar, você tem que dormir e... — Gabriel abaixou a cabeça, ainda com a expressão triste. — Tudo bem. Eu vou pra balada, se quiser pode vir comigo. Mas voltamos até a meia noite!

Ao ouvir isso, o garoto sorriu animado e correu para trocar de roupa. Ele não gostava tanto assim de festa, mas qualquer coisa que não fosse deitar na cama no escuro parecia ótima! Em poucos minutos eles saíram de casa e pegaram um táxi para o salão de festas.

A festa em si não foi grande coisa. Gabriel só ficou sentado numa mesa afastada ouvindo uma música alta e quase sem letra e observando Lucas beijar diversas garotas. O irmão pagou um refrigerante para ele e mandou que ele não saísse dali. Apesar de ter prometido que só ficariam até a meia noite, Lucas só levou Gabriel embora da festa às 2h00min. Isso porque percebeu que o irmão estava quase dormindo na boate.

— Droga! Esqueci que tinha horário para voltar! — Ele disse para si mesmo e dispensou a garota com quem estava no momento, uma loira magra meio embriagada. Depois balançou o irmão para acordá-lo totalmente e os dois saíram, voltando para casa de táxi.

— A mãe vai me matar se descobrir isso! — Lucas continuou se censurando dentro do carro. Como ele conseguiu ser tão irresponsável? Gabriel, já mais acordado, ouvia tudo.

— Eu não vou contar, tudo bem. — Gabriel o tranquilizou, com a voz meio grogue pelo sono.

O mais velho não respondeu, apenas ficou olhando pela janela até que chegaram em casa. Quando entraram, ele prontamente pôs o pijama do irmão e o colocou na cama, imaginado que sua mãe acabaria com ele quando percebesse que Gabriel teve menos de 4 horas de sono!

*

Na manhã seguinte, Gabriel acordou cansado e com olheiras pela noite mal dormida. Na cozinha, encontrou o café da manhã pronto como de costume e Lucas sentado à mesa comendo um sanduíche. Quando este viu Gabriel, pareceu preocupado.

— A mãe realmente vai me matar. — Disse ao ver as olheiras e o semblante cansado do irmão.

— Desculpa. — O outro bocejou. — Não devia ter insistido pra ir à festa.

— Tranquilo. A culpa é minha. — Lucas declarou pensativo, de repente teve uma ideia! — Já sei! Vem aqui! — Ele exclamou enquanto puxava o irmão para a sala.

Na sala, ele abriu a mochila e tirou de lá um estojo. Pediu para Gabriel fechar os olhos e passou corretivo e pó compacto no garoto. Sorrindo logo em seguida.

— Prontinho. Ninguém vai reparar agora.

— O que é isso? — Gabriel perguntou e abriu os olhos.

— Maquiagem. — Lucas deu de ombros.

— Por que você tem maquiagem na sua mochila?

— Longa história. — Ele sorriu. — Vem, vou te preparar um café forte na cozinha.

— Por quê? — O mais novo perguntou ainda cansado.

— Porque vai te acordar rapidinho.

Lucas estava certo. Apesar de achar o gosto horrível, Gabriel tomou todo o copo de café, logo seu sono passou e ele ficou bem desperto.

*

Na escola, Gabriel chegou cedo, mas se escondeu no banheiro até que o sinal tocasse. Assim não teria que encarar Vanessa para pegar um bilhete de atraso nem André antes das aulas começarem. Ele esperava que ninguém reparasse no fato de ele estar usando maquiagem.

Teve sorte, ninguém o procurou no intervalo e André se manteve quieto no dia. Ele passou as aulas praticamente invisível.

Quando chegou em casa, encontrou sua mãe desfazendo as malas. Ela sorriu e contou para os filhos da viagem a negócios. Depois do almoço, Lucas sorriu e se despediu, pois voltaria para a casa do pai depois que a mãe voltasse. Gabriel ficou sozinho com a mãe de novo.

Ela perguntou se Lucas cuidou direito dele e elogiou Gabriel, tanto por sua aparência saudável e disposta quanto por não ter se atrasado para a escola.

Quando a noite chegou, Gabriel não conseguiu dormir sozinho no quarto. Ele estava com medo, mas não tinha certeza do quê. Não era um medo comum do escuro, era uma espécie de pavor que o impedia de deitar e relaxar para dormir.

O garoto se manteve acordado pelo resto da semana bebendo litros e mais litros de café.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado!
Qualquer crítica, só avisar!
Até o próximo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Bicho-papão." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.