Bicho-papão. escrita por Secret


Capítulo 3
Enfrentando.


Notas iniciais do capítulo

Finalmente está pronto!
Aproveite!



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— Acorda, maninho... — Gabriel sentiu alguém o balançando. — Sério, acorda. Já está me preocupando. — A voz ficou mais séria. Ele abriu os olhos e viu Lucas o encarando. Sua primeira reação foi arregalar os olhos e se grudar à parede o máximo possível, tremendo.

— Ah... Você está bem? — Lucas continuou, ignorando a estranheza daquilo. Gabriel percebeu que aquele era seu irmão de fato e se acalmou.

— Sim, tudo bem. — Mentiu. — Você só me assustou.

— Teve pesadelos, maninho? — O mais velho usou o tom malandro que lhe era característico.

— Acho que sim. — Gabriel riu antes de lembrar um detalhe: Ele não havia aberto a porta. Como Lucas entrou?

— Como você entrou aqui? — Ele perguntou preocupado. Ainda estava sonhando?

— Você não acordou comigo quase derrubando a porta na pancada, então eu usei a chave reserva. — O outro deu de ombros. — Aliás, nunca mais te deixo trancar a porta e ficar com a chave. Sabe o trabalho que deu procurar essa chave no escuro sem acordar a mãe?! Eu revirei a sala toda! — Completou irritado.

— Desculpa. — Gabriel disse automaticamente. Ele não estava realmente preocupado com isso, seus pensamentos estavam em seu “sonho” com a versão do mal do Lucas. Foi só um sonho, certo?

— Tudo bem. Vem, se troca e vamos tomar café. Hoje o dia vai ser divertido!

*

Passar o domingo sozinho com Lucas foi exatamente como Gabriel esperava: uma loucura!

                Lucas simplesmente não conseguia passar mais de uma hora dentro de casa. Estava sempre indo para algum lugar. E, como não era totalmente irresponsável, levava Gabriel junto! Afinal, ele não deixaria o irmão sozinho em casa:

                — Vamos voltar para casa agora? — Gabriel perguntou. Já era por volta das 18h30min e eles haviam passado o dia todo, literalmente, andando pela cidade. Saíram de casa logo depois do café da manhã e, se dependesse de Lucas, voltariam na madrugada de segunda.

                — Agora? Em uma hora o melhor clube da cidade abre! Não quer ir numa festinha para encerrar o dia? — O mais velho propôs.

                — Mais uma? Já fomos numa festa de aniversário de tarde! E no shopping no almoço! E no fliperama de manhã!

                — Tudo bem. Sem festinha hoje — Lucas concordou. —, mas que tal visitarmos um amigo meu? Ele tem uma irmã mais nova gatinha. — Completou com um sorriso sacana.

                Gabriel apenas o encarou com uma expressão que dizia “isso não teve a menor graça” melhor que qualquer frase. Lucas suspirou e aceitou a derrota:

                — Para casa então! — Anunciou. — Festinha cancelada.

                — Ótimo! — O mais novo ficou satisfeito. Não sabia como seu irmão conseguia passar tanto tempo nas festas, arrumar tempo para dormir e permanecer animado e sorridente. Ele não conseguiria se manter animado com menos de 8 horas de sono, muito menos sorrir!

                Mais um motivo para perguntar se realmente eram irmãos!

                Eles chegaram em casa por volta das 19h10min. Lucas se jogou no sofá e pôs num filme qualquer de comédia:

                — Então... Que horas a mãe te manda para a cama?

— Nove da noite em ponto. — Gabriel respondeu.

— Quer ver um filme?

— Pode ser. — Gabriel não era grande fã de comédia, mas não queria ficar sozinho.

Lucas preparou pipoca para os dois, que foi o “jantar” do dia, e apertou o botão de “play”. Logo, o filme começou.

— Você sabe cozinhar de verdade, certo? — O mais novo indagou encarando o balde de pipoca.

— Isso é comida de verdade! — O outro se defendeu. — Além do mais, é só por uns três ou quatro dias. Podemos comer fora ou, sei lá, pedir comida.

Gabriel deu de ombros, sabendo que discutir não levaria a nada, e assistiu ao filme em silêncio. Diferentemente de Lucas, que gargalhava a cada piada boba daquele filme. Quando o filme acabou Lucas prontamente escolheu outro, novamente de comédia.

— Que horas são? — Gabriel já estava se sentindo cansado.

— Sei lá. Mais ou menos dez. — Lucas disse enquanto colocava outro filme.

— Dez?! Eu tinha que dormir às nove! Tenho aula amanhã!

— Ah! É verdade! Foi mau, maninho, esqueci. — Lucas sorriu sem jeito. — Então é melhor você ir logo.

— Ah... — O mais novo hesitou. — Você não vai dormir agora também?

— Eu ia ver mais um filme antes, por quê?

— Nada, esquece. — Gabriel não admitiria que estava com medo de ir para a cama sozinho. Mas Lucas pareceu entender.

— Quer saber? Estou meio cansado também. Acho melhor nós dois irmos dormir. — O mais velho decidiu, conseguindo um sorriso agradecido do irmão.

Aquela foi uma noite muito tranquila se comparada às anteriores. Gabriel, talvez pelo cansaço, dormiu rapidamente. Além disso, não foi acordado nenhuma vez no meio da noite, e só acordou com o toque do despertador às 6h00min.

A primeira coisa que o garoto notou era que estava sozinho no quarto. Primeiro se preocupou, será que era outro sonho estranho? Depois de se convencer que estava acordado, imaginou se seu irmão teria coragem de sair no meio da noite para uma festa e deixá-lo sozinho.

Um barulho na cozinha o tirou de seus pensamentos, ainda de pijama, ele foi checar o que estava acontecendo. Encontrou Lucas tirando um bolo do forno, na mesa havia alguns pães ainda quentes, um grande copo de café preto e uma jarra de suco.

— Uau! — Gabriel se surpreendeu. — O que é tudo isso?

— Bom dia, maninho! — Cumprimentou. — O café da manhã está pronto. Agora vai tirar o pijama e pôr o uniforme.

— Ah... Tá bom. — Gabriel não esperava aquilo. Principalmente de seu irmão!

Depois de tomar um banho e trocar de roupa, ele foi tomar seu café da manhã.

— Você fez tudo isso? — O mais novo ainda não acreditava que seu irmão irresponsável havia cozinhado.

—Comprei os pães na padaria aqui perto, quentinhos ainda porque é a primeira fornada do dia. Aproveitei e comprei alguns ovos, farinha e leite para um bolo e algumas frutas frescas para um suco. — Lucas deu de ombros. — Eu acordo mais cedo que você, decidi aproveitar bem o tempo.

Gabriel aceitou a explicação e os dois comeram em silêncio. Ao menos da parte do mais novo, pois Lucas fazia um comentário a cada minuto sobre o filme que viram ontem ou sobre os planos para a tarde. Quando acabaram de comer, ambos foram juntos para a escola, o que, para Gabriel, era esquisito. Apesar de serem da mesma escola, Gabriel raramente via o irmão por lá.

Outra coisa estranha foi ter chegado adiantado na escola. Gabriel achava que era a primeira vez no mês que ele não precisava correr pelas escadas e corredores até a sala com um bilhete de atraso nas mãos! Ele e Lucas se separaram na porta de entrada, cada um foi para um lado trocando apenas um “até mais”.

O garoto entrou na sala ainda meio vazia. Algumas pessoas o encaravam meio surpresas, talvez por ninguém imaginar que ele chegaria cedo um dia. Logo o ignoraram e voltaram às suas conversas. Nenhum amigo de Gabriel havia chegado ainda, então ele sentou-se na carteira, cruzou os braços, abaixou a cabeça e fechou os olhos. Uma hora de sono perdida realmente fazia falta!

Ele não sabia como Lucas conseguia viver sorridente dormindo tão pouco.

Alguns minutos depois alguém se aproximou de sua carteira e bateu nela com força, obrigando-o a levantar a cabeça e ver quem era. Era André.

André costumava implicar com Gabriel, o garoto não lembra exatamente quando ou por que isso começou.

— Ora, ora. Olha quem chegou cedo hoje! — Ele zombou. — Acordou cedo? Ou será que não dormiu com medinho do escuro?

André sabia do medo de Gabriel, inclusive foi ele que espalhou isso para toda a sala em anos anteriores. Esse ano, felizmente, ele não havia feito nada grave. Ainda.

— Dá um tempo, André. Eu não te fiz nada! — Gabriel não estava de bom humor para aceitar aquilo calado. Qual era o problema daquele garoto afinal? Gabriel nunca fez nada para ele!

— Olha lá como fala comigo! — André pegou o garoto pela gola da camisa e o puxou da cadeira. — Seus amiguinhos não estão aqui para te defender, covarde.

Os dois se olhavam irritados. Provavelmente brigariam se uma pessoa não aparecesse de repente para interferir:

— Opa! O que é isso? Podem se separar agora! — A monitora do corredor brigou. Era Vanessa. — Será que eu vou ter que mandar os dois para a sala do diretor? — Ela exasperou. A garota sabia impor limites quando necessário.

— O quê? Não estávamos brigando. — André suavizou a voz e largou Gabriel. — Não é, Gabriel? — Ele olhou intimidantemente para o garoto.

— Ah... É, tudo bem. — Gabriel aceitou. Não queria que aquilo tomasse grandes proporções, não precisava que sua mãe fosse chamada na escola.

— Ok, mas separem-se mesmo assim. — A monitora sabia que estavam mentindo, mas teve que aceitar. — A aula já vai começar.

Pouco tempo depois a classe ficou cheia e a professora chegou. André não incomodou Gabriel pelo resto do dia, mas isso não aliviava o garoto, mais cedo ou mais tarde ele tentaria algo novo, o garoto sabia disso. Ele decidiu evitar Vanessa no intervalo indo para a biblioteca. Ninguém nunca o procuraria lá.

Gabriel decidiu passar o intervalo no computador, pois livros realmente não o atraíam. Logo descobriu que todos os sites “divertidos” eram bloqueados, os únicos sites liberados eram de pesquisa. O garoto se viu pesquisando sobre “medo do escuro”, ele encontrou uma matéria intitulada “como deixar de ter medo do escuro-passo a passo”. Ele ignorou que era voltado para crianças para evitar a irritação e apenas passou os olhos para achar as dicas que lhe interessavam, Gabriel realmente não gostava de ler.

Duas dicas chamaram a atenção do garoto:

Desafie os seus medos. Ao ir para a cama à noite, pergunte-se do que você tem medo. Se achar que há alguém no seu guarda-roupa, embaixo da sua cama ou se escondendo atrás de uma cadeira no canto do seu quarto, você deverá ir lá e verificar o local. Mostre a si mesmo que não há absolutamente nada com o que se preocupar. Ao fazer isso, você ficará orgulhoso de si mesmo por enfrentar os seus medos e conseguirá dormir com mais facilidade.”

Aprenda a dormir sozinho. Se você tem medo do escuro, provavelmente tentará dormir na mesma cama que os seus pais, irmãos ou até com o cachorro. Entretanto, se deseja mesmo superar esse medo, você precisará aprender a ver a sua cama como um lugar seguro onde você seja capaz de ficar sozinho.”

O garoto fechou a aba depois de ler essas dicas, considerando que já era o bastante. Os outros passos deveriam ser só idiotice para crianças como “não existe bicho-papão”, certo?

Além do mais, o intervalo estava acabando e, se ele demorasse demais, acabaria atrasado. Gabriel passou o resto das aulas pensando se deveria pôr aquelas dicas infantis em prática e observando André para ter certeza que o garoto não faria nada contra ele.

Perdido em pensamentos, o garoto nem reparou quando o sinal tocou. Felizmente, Rafael, seu amigo, o chamou.

— Ei, cara, você está bem? — Ele o cutucou. — Parece mais nas nuvens que o normal.

— Ah, tudo bem. — Gabriel sorriu. — Só estava pensando.

— Claro, você sempre está. — O outro ironizou. — Qualquer dia você reprova, aposto que nem sabe que aulas tivemos hoje.

— Há, há. Muito engraçado. — O garoto virou os olhos. — Há quanto tempo o sinal tocou?

— Uns 10 minutos.

— Quê? E só me avisa agora? Meu irmão deve estar me esperando, ele vai me matar! — Gabriel levantou de uma vez e correu para o portão da escola.

Assim como o esperado, Lucas esperava impaciente no portão. Era fácil perceber isso porque ele ficava andando de um lado para o outro e revirando os bolsos da roupa, mesmo que não houvesse nada lá.

— Oi. — Gabriel cumprimentou o mais naturalmente possível.

— Oi? O que houve? Estou esperando há um tempão! — Lucas exclamou dramaticamente.

— Foram só dez minutos. Fiquei conversando com um amigo. — Mentiu. — Então, vamos direto para casa?

— Não. — Gabriel já esperava por essa. — Soube que tem um ótimo parque de diversões do outro lado da cidade. Vamos lá!

— Mas parques de diversão não abrem à noite? — O mais novo estranhou.

— Bem, sim. Nós podemos ficar passeando pela cidade até lá. Pago um lanche pra gente numa lanchonete bacana... Vai ser legal.

Lucas sorriu empolgado e Gabriel concordou, não é como se tivesse algum plano para a tarde. O mais velho o arrastou por toda a cidade: lanchonetes, lojas, fliperamas, parques, até museus! Depois foram ao parque de diversões e andaram em uns cinco ou seis brinquedos, todos pagos por Lucas. Quando voltaram para casa, era tarde da noite.

— Bem, maninho, pode ir tomar banho e deitar. Eu prometo que não demoro. — O mais velho sorriu.

— Na verdade... — O mais novo hesitou. — Acho que vou dormir no meu quarto hoje.

— Certeza? — Gabriel assentiu. — Tudo bem então. Boa noite e, se precisar de algo, é só chamar. — O mais velho parecia um pouco aliviado.

Depois de um longo banho, Gabriel apagou as luzes e, depois de hesitar um pouco, decidiu manter a do corredor acesa. Mas fechou a porta completamente ao invés de mantê-la entreaberta, de modo que apenas uma faixa estreita de luz entrava por debaixo desta. O garoto deitou-se na cama e respirou fundo para se acalmar, lembrando-se de que não havia nada a temer.

Ora! Até as crianças superavam isso! Ele se livraria desse medo ridículo!

No entanto, a tarefa não era tão fácil quanto ele imaginou. Apesar de não ter relógio no quarto, imaginava que já havia se passado uma ou duas horas desde que se deitou. A casa estava silenciosa.

Gabriel ficou inquieto e decidiu se sentar na cama. Mas se arrependeu ao fazê-lo, enquanto estava deitado e virado para a parede não conseguia ver a escuridão do próprio quarto. Agora que podia ver os cantos escuros, via uma figura humanoide o encarando grudada à parede.

“Calma” ele repetia mentalmente “é só sua imaginação”.

O garoto juntou toda a coragem que tinha e saiu da cama, indo em direção à sombra. Todos os seus instintos o mandavam andar até o interruptor e acender as luzes, mas ele os ignorou.

Quanto mais perto chegava, mais detalhes aquela figura ganhava. Ele via a pele daquilo, negra como a escuridão, ressaltando a boca cheia de presas brancas. Quando chegou mais perto, viu os olhos amarelos e brilhantes da criatura. Gabriel estava apavorado, sua imaginação conseguia fazer isso? Porém decidiu continuar com seu plano e provar que nada daquilo era real.

Quanto mais perto chegava, maior ficava o sorriso afiado daquilo. O garoto decidiu que tentaria tocar aquilo e, quando falhasse e tudo virasse apenas escuridão, perderia o medo bobo. Parecia lógico, certo?

Ele estendeu a mão e chegou cada vez mais perto.

Mais perto.

Mais perto.

Até que a criatura agarrou seu pulso e o puxou para si.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado!
Aceito críticas.
Até o próximo!

P.s: Com esse capítulo, eu fico com exatamente 6.666 palavras escritas na fic.
Legal, não?



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