Bicho-papão. escrita por Secret


Capítulo 26
Tudo bem.




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Gabriel andou calmamente até em casa depois das aulas. Seus passos ecoavam levemente no asfalto e ele ignorava as pessoas que o rodeavam. Um andar tranquilo, passos ritmados, olhos fixos num ponto qualquer a sua frente, uma mente perturbada, pensamentos frenéticos.

Aconteceu.

Ele terminou com Daniel. Ele realmente terminou com Daniel.

Isso era tão surreal.

O rapaz sabia que foi a escolha certa, a melhor coisa a fazer, mas agora ele se sentia... Só. Sozinho. Abandonado.

Racionalmente, Gabriel entendia que isso era bobagem, ilógico, sem sentido, foi ele que terminou, certo? A escolha foi dele. Mesmo assim, havia essa sensação chata. Daniel era seu único amigo, além de seu primeiro namorado, e aquela voz distante em sua cabeça apenas imaginava se não seria melhor continuar com ele a seu lado em vez de ficar sozinho.

Não! Ele sacudia bruscamente a cabeça e espantava o pensamento. Ele não ficaria com alguém por falta de opção, não era certo, não era o que ele queria para a vida. Ele ficaria bem e, se para isso precisasse ficar sozinho, então assim seria.

— Bom dia, querido, como foi na escola? — Sua mãe o cumprimentou assim que ele chegou em casa. Ela tinha estado bem mais presente ultimamente.

— Bem, mãe. — Gabriel sorriu, um sorriso que não alcançava os olhos, mas a mulher não reparou.

— Que ótimo, querido. Aconteceu algo na escola hoje?

Ele hesitou.

— Não. — Respondeu por fim. — Tudo normal.

— Ah, bem, o almoço está na mesa, se quiser eu faço seu prato. É frango com purê de batatas, eu sei que você adora.

— Ah, não, mãe, obrigado. Eu não estou com fome.

— Certeza, querido?

— Sim, eu como depois, estou cansado. — Ele explicou com um sorriso enquanto se dirigia a seu quarto.

— Tudo bem então...

 *

Uma vez no quarto, Gabriel jogou os tênis para um lado, se jogou na cama sem nem trocar de roupa, recostou a cabeça no travesseiro e soltou um longo suspiro. Pela primeira vez em muito tempo, ele não se sentia exausto, pelo contrário, era como se um peso fosse tirado de suas costas. Mesmo assim, ele queria ficar sozinho. Apenas isso.

O rapaz pegou um fone de ouvido e seu celular e se contentou em ficar na cama com uma boa playlist e os olhos fechados. Ele sorriu de canto ao perceber que estava fazendo exatamente o mesmo que as garotas de filmes clichês depois de términos.

Doze músicas depois, ele enjoou de ficar deitado e decidiu que era hora de fazer algo da vida. Talvez dever de casa... Sim, parecia uma boa ideia. Algo para fazer sem sair do quarto ou encarar sua mãe. E ele precisava melhorar um pouco as notas também.

Por incrível que pareça, se concentrar na matemática pareceu bem mais fácil depois de cortar relações com seu namorado e único amigo. Não devia ser o contrário? As garotas dos filmes clichês sempre choravam até não poder mais e ficavam incapazes de pensar em qualquer coisa que não fosse o término.

Gabriel não teve muito tempo para pensar sobre o assunto, pois foi interrompido por batidas na porta. Era sua mãe. Aparentemente, já era hora do lanche. O rapaz não quis preocupar a mulher, então, mesmo sem fome, foi até a cozinha e comeu um pedaço de bolo comprado na padaria e um copo de suco. Ele voltou para o quarto para curtir mais um pouco um tempo só quando alguém, novamente, bateu à porta.

Será que, no único dia que ele queria ficar sozinho, o mundo inteiro queria a presença de Gabriel?

Era Lucas, a propósito.

— Bom dia! — O mais velho cumprimentou com sua típica animação e um sorriso solto. — Ei, maninho, está ocupado? — O tom dele era animado como sempre.

— Uh... Não. Por quê?

— Três palavras: eu, você, sair. Topa? Vai ser demais!

— Mas ainda está no meio da tarde e eu tenho dever... — Gabriel francamente estranhou o convite. Seu irmão, por mais que gostasse de sair, geralmente reservava isso para os fins de semana.

— Eu sei. — Ele riu. — Mas achei que seria divertido. Um programa de irmãos, sabe?

— Ah... Valeu, mas acho que não. Acho melhor eu acabar o dever de casa mesmo...

— Ah tá... — Lucas pareceu se controlar um pouco, mudar a abordagem — Eu podia te ajudar então, que tal? Garanto que não sou um caso perdido em dever de casa! — Riu.

— Claro, pode ser. — Gabriel deu de ombros. Talvez fosse até bom ter alguém animado por perto para se distrair ou algo assim. E ele gostava de estar com o irmão.

— Fantástico! — O mais velho exclamou empolgado.

Gabriel, ao menos por hora, achou que seria melhor ignorar a empolgação exagerada e a aparição inesperada. Lucas era uma boa companhia no fim das contas e realmente sabia explicar uma ou duas questões.

Era uma mudança agradável, da atmosfera quase melancólica e solitária a algo mais divertido e com piadas ruins ocasionais. Talvez não fosse ideal para fazer os deveres, mas com certeza era para se animar um pouco.

Quase uma hora depois, Gabriel decidiu questionar a vinda de Lucas.

— Então... Você não ia ficar na casa do pai hoje? — Perguntou como quem não quer nada.

— Uh? Ah, é, eu ia, mas, sei lá, estava perto e decidi passar por aqui. — Ele sorriu.

O mais novo não acreditou muito, principalmente pelas pausas excessivas e pelo sorriso que parecia esconder algo, mas decidiu não pressionar.

— Tá bom. — Deu de ombros e voltou a atenção ao caderno.

O silêncio reinou por alguns segundos, até que Lucas voltou a seu jeito piadista e, de certa forma, distraia Gabriel. Este sabia que, uma hora ou outra, seu irmão contaria o motivo de estar lá. Lucas simplesmente não sabia manter a boca fechada... Era só uma questão de tempo.

Quando terminaram, Lucas convidou Gabriel para comer um hambúrguer fora e, quando o último fez menção de recusar, insistiu e disse que era por conta dele. Gabriel se viu sem muita escolha, então só deu de ombros, que mal faria sair um pouco de casa e comer besteira?

Pouco depois, estavam numa boa lanchonete perto de casa.

— Então, está tudo bem com você? — Lucas perguntou depois de se sentarem, pedidos já feitos.

— Tudo, e você? — Gabriel respondeu automaticamente.

— Bem... Como foi na escola?

— Normal... Algum motivo para o interesse de repente? — Gabriel arriscou a pergunta, dando seu máximo para soar casual.

— Ah... — Lucas hesitou. — Promete não contar pra mãe que eu te disse?

O mais novo apenas assentiu.

— Tá... É que a mãe me chamou e disse que você estava meio estranho, quieto demais, e me pediu para conferir e ver qual era o problema.

— Hm... É, faz sentido. Desculpa pela preocupação... — Gabriel forçou um sorriso. Era assim tão óbvio que havia algo errado? Ele sentiu uma pontada de culpa por preocupar sua mãe...

— Nah... Tudo tranquilo, relaxa. Mas vai querer me contar qual é o problema?

— ... Na verdade não.

— Tudo bem então. — Lucas deu de ombros. — Se quiser, estou por aqui.

O resto do tempo foi preenchido por assuntos superficiais, comentários engraçados pela parte de Lucas e, em geral, foi bem agradável. Gabriel acabou aproveitando bastante e até esqueceu um pouco os problemas.

Isso é, até voltar para casa.

Lucas o deixou na porta, mas não encontrou porque tinha “combinado de jantar com o pai” ou algo assim. Gabriel encontrou sua mãe assistindo filmes na TV e decidiu se juntar a ela e, nos comerciais, fazer alguns comentários ou perguntar como foi o dia dela... Essas coisas banais que pareciam tão importantes para ela. Gabriel ficou aliviado por conseguir aplacar um pouco as preocupações dela. Ela já se preocupava demais sem essas pequenas crises dele....

Depois do filme, Gabriel alegou estar com sono e, depois de dar um abraço e um beijo de boa noite, foi tomar um banho, pôr o pijama e se deitar. A parte do sono não era exatamente mentira, mas o rapaz não pretendia dormir tão cedo... Não, ele ainda tinha algo para fazer.

Mas, antes de resolver os últimos problemas, ele ainda tinha que esperar mais um pouco. Esperar até tarde da noite, quando sua mãe dormia e a casa ficava escura e silenciosa. Esperar para ver um certo ser das trevas novamente... E, enquanto esperava, Gabriel decidiu mexer um pouco no celular e, quem sabe, ouvir música ou algo assim. Ele havia deixado o celular jogado na cama quase a tarde toda, então se surpreendeu com o que viu.

A tela brilhante exibia “18 novas mensagens” e “5 ligações perdidas”. Todas de Daniel. Gabriel sentiu um arrepio na espinha e, por vários minutos, ponderou se devia ler as mensagens ou simplesmente ignorá-las.

 “5 ligações perdidas”. Essa era a parte mais estranha. Daniel, mesmo na fase mais grudenta do namoro, nunca foi muito de ligações. Mensagens frequentes recheadas e emojis de coração? Claro. Ligações? Não realmente. Se Daniel chegou ao ponto de tentar ligar cinco vezes, talvez o teor das mensagens fosse importante... Certo?

Com um suspiro, ele se rendeu a curiosidade e abriu as mensagens. A primeira era a maior e exibia um texto sobre “como foi tudo um grande mal-entendido”, “como Gabriel não deu tempo para ele explicar”, “como ele sentia muito”, etc. A segunda, mandada quase uma hora depois, era mais emocional, Daniel pedia desculpas por tudo, dizia que amava Gabriel e queria fazer as pazes por tudo. A terceira, também com um bom tempo de diferença, era um pedido para que eles se encontrassem na escola antes da aula para resolver tudo. E assim seguia... Pedidos de desculpa, afirmações de inocência, declarações de amor. Cada uma com quase meia hora de diferença e cada vez mais incisivas.

A décima oitava, a última, dizia apenas “Tudo bem, amor, falamos disso depois ♥”.

Por algum motivo, Gabriel achou essa simples frase mais perturbadora que todas as dezessete mensagens anteriores juntas.

Ele excluiu tudo e bloqueou o número de Daniel. Parecia a coisa mais sensata a se fazer. Daniel só precisava de tempo para aceitar o que aconteceu e, depois disso, o deixaria em paz, certo? Além do mais, se ele tentasse uma reaproximação, Gabriel só precisaria afastá-lo novamente. Simples.

Por fim, Gabriel deixou o celular de lado na mesinha de cabeceira e se revirou na cama. Depois de alguns minutos, seus olhos de acostumaram com a escuridão. O escuro e o silêncio, que, em outro tempo, eram tão ameaçadores, agora pareciam quase confortantes. Mais algum tempo e a figura tão conhecida por Gabriel se materializou ao lado da cama. Simples assim. Uma hora havia apenas a escuridão, na outra, o ser obscuro de olhos amarelos o encarava com o brilho de sempre no olhar e aquele típico sorriso afiado.

— Estava te esperando. — Gabriel sorriu e se sentou na cama, deixando todas as preocupações com Daniel de lado. Aquele momento era só dos dois e ninguém estragaria isso.

Mesmo? — O Bicho-papão, mantendo o sorriso, perguntou num tom curioso. — Essa é nova, e posso saber o motivo? — Ele se sentou na cama e se aproximou perigosamente do rapaz como que testando os limites. Gabriel não recuou.

— Claro. — Gabriel replicou calmo e, num ato impensado de coragem, se jogou no Bicho-papão e selou seus lábios.

A criatura das trevas, pela primeira vez, se viu sem reação. Incrédulo, ele levou alguns segundos para aceitar o que estava acontecendo, mas, uma vez que aconteceu, ele levou suas mãos com garras para a cintura de Gabriel e aprofundou o beijo.

Era um beijo estranho. Era um beijo que não encaixava direito. A boca do Bicho-papão, sempre com seu largo sorriso afiado, parecia simplesmente grande demais, inumana demais. Os dentes ainda pareciam mais navalhas e Gabriel, ao entreabrir os lábios, se perguntou brevemente se devia se preocupar com isso. O Bicho-papão, por outro lado, parecia estar ocupado demais com sua língua para pensar nos dentes, colocando-a levemente dentro da boca de Gabriel e, quando não encontrou resistência, acariciando a língua do garoto com a sua. Ela era comprida demais e fina como a de uma cobra, mas Gabriel não pareceu se importar.

Foi uma bagunça de línguas, dentes e saliva. Uma bagunça que não se encaixava perfeitamente e era praticamente forçada a se ajustar. Mesmo assim, para os envolvidos, foi simplesmente perfeito.

Quando eles se separaram, Gabriel estava ofegante e o Bicho-papão, se possível, ostentava um sorriso ainda maior que o normal.

Então — A criatura passou um braço pelos ombros de Gabriel, o sorriso fixo no rosto. —, algo que você queira me dizer?

Gabriel olhou para aqueles olhos amarelos brilhantes o estudando e sustentou o olhar sem a menor hesitação.

— Terminei com o Daniel. — Respondeu.

Hum, já era tempo. — O Bicho-papão brincou, apreciando a novidade. — Então isso significa que agora você é meu? — Ele aproximou a boca da orelha de Gabriel e o envolveu completamente em seus braços.

— Não. — Gabriel respondeu firme e, com um movimento, se desvencilhou dos braços alheios. — Eu não sou de ninguém. — Afirmou, olhando nos olhos do outro com segurança. Depois, num tom mais suave, completou: — Mas isso significa que eu escolho ficar com você. — Sorriu e puxou o Bicho-papão para se deitar com ele na cama, abraçando-o logo em seguida.

É, acho que é bom o bastante. — O Bicho-papão deu de ombros e o abraçou de volta, aconchegando-o. — Você cresceu. — Comentou num tom neutro.

— E isso é ruim? — Gabriel perguntou, ainda aconchegado, sem sair da posição tão confortável.

Não... Acho que não. — Ele acariciou levemente as costas do rapaz. — Então, o que fazemos agora?

— Só... Fique aqui comigo. Até amanhecer. — Gabriel pediu e, erguendo a cabeça, colou seus lábios novamente, dessa vez de um modo mais casto e menos sedento. — Tudo bem?

Tudo bem.


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Notas finais do capítulo

Desculpa.


Sim, vou começar assim.

Eu abandonei esse perfil. Não tem jeito fácil de dizer isso. Abandonei, me mandei, caí fora, desisti.
Não, não voltei, esse perfil ainda está abandonado e, acreditem, eu não tinha a menor pretensão de voltar.

Se querem agradecer alguém por esse capítulo existir, agradeçam Bancho. Deixo até o perfil:
https://fanfiction.com.br/u/732786/

Esse ser humano é o único motivo de eu ter terminado esse capítulo. Sinceramente.

E eu ainda peço desculpas... Mas sei que não vai ser o bastante.

Eu prometi terminar essa fic, e eu juro que tinha toda a intenção quando fiz a promessa, mas, no fim, acho que será só mais uma promessa vã quebrada...

Eu não vou prometer mais nada porque, sinceramente, não sei o que será feito dessa história. Esse perfil foi abandonado, e não vou voltar atrás com isso.

Eu sei que posso parecer sem coração, mas garanto que tenho o que agradecer a todos os leitores. Os que continuaram aqui, os que se mandaram (como eu). Pode não parecer, mas vocês são importantes pra mim.

E é isso que deixa essa coisa toda ainda mais difícil...

Enfim, respondo comentários, caso alguém comente. Não me ressinto se ninguém o fizer. Sou incapaz de dar maiores explicações ou fazer outra promessa vazia.

Sinceramente, não faço ideia do que vai acontecer.

Peço desculpas por qualquer inconveniente...

E, bem, obrigado por ainda ler. Não sei se é uma escolha sábia, mas obrigado.

P.s: aparentemente, eu aprendi a alinhar texto nesse meio tempo. Yey?