Bicho-papão. escrita por Secret


Capítulo 25
Histeria.


Notas iniciais do capítulo

Ainda estou por aqui.



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                Na manhã seguinte, Gabriel foi acordado por sua mãe, que ostentava um belo sorriso  suspeito para quem estava de pé às seis da manhã.

                — Bom dia, querido!

                — Uh... Bom dia, mãe. — Ele respondeu ainda meio lerdo de sono. Desde quando sua mãe o acordava? Ainda mais tão bem humorada.

                Enquanto se levantava, o rapaz reparou num pequeno anel prateado no dedo dela. Ele não disse nada.

                *

                Carlos não estava presente para o café da manhã dessa vez, mas Gabriel sabia que provavelmente o veria nos próximos dias... Ele vinha se tornando uma figura comum na casa. Ele e sua mãe, que reduziu as horas extras... Se era uma mudança boa ou ruim, ele ainda não decidiu.

                Enfim, o desjejum foi bem tranquilo: um sanduíche, um bom copo de achocolatado e nenhuma conversa, algo pelo qual Gabriel era grato porque, bem, ele não era exatamente um pessoa matinal. Quando terminou, o garoto pensou seriamente em dizer à mãe que se sentia mal e faltar a aula, ou apenas dizer a Daniel que uma prima ia fazer aniversário e ele queria levá-lo e apresentá-lo como namorado oficial... Esse seria um assunto digno da frase "vamos conversar", certo?

                Entretanto, no fim, Gabriel apenas suspirou resignado e aceitou que iria mesmo discutir com Daniel. A frase parecia tão irreal... Ele, o garoto que ninguém nota e que é absolutamente sem graça, iria brigar com seu doce e gentil namorado que, por acaso, era a única pessoa que o notava e tratava bem. Será que andar com André o estava transformando em vilão...?

                Então o rapaz se lembrou dos motivos que tinha e deixou o pensamento de lado. Ele iria fazer isso, pensou determinado, e ele estava certo em fazê-lo... Certo?

                Mesmo com essa quase convicção, Gabriel fez questão de andar até a escola o mais devagar possível.

                *

                "— Ei, Gabriel, vamos brincar de explorador? — Um Daniel de oito anos perguntou com um sorriso animado.

                — Claro! Vamos! Podemos explorar o trepa-trepa, aposto que vamos achar algo legal!

                — O trepa-trepa? Mas vai ter um monte de gente lá pra atrapalhar! — Daniel fez um bico e cruzou os braços.

                — Podemos chamar eles pra brincar também! — Gabriel riu entusiasmado e já ia correr para o parquinho quando Daniel segurou seu braço.

                — Ah... Então você não sabe? — O outro indagou com uma expressão genuinamente curiosa.

                — Sei do quê?

                — Eles não gostam de você de verdade. — Daniel afirmou solenemente.

                — Quê? Claro que gostam! — Gabriel disse defensivo.

                — Não. Eles só brincam com você pra ficar rindo de você nas suas costas. E falando de você também.

                — Ah, deixa de besteira. Vamo brincar!

                — Tá, mas eu avisei.

                E os dois foram correndo ao parquinho. Por mais divertido que tenha sido escalar o trepa-trepa e fingir que tinham walkie-talkies, Gabriel não pode deixar de notar que, assim que chegaram, as outras crianças se afastaram um pouco, mas ele apenas deu de ombros e imaginou que era uma coincidência.

                Até que se repetiu no dia seguinte, e no posterior, e no depois desse. Cada vez que isso acontecia, o menino recebia um olhar estranho de Daniel, como se ele quisesse dizer "eu avisei", mas não quisesse ser mal educado.

                Na próxima vez que Daniel sugeriu que brincassem longe do parquinho, só os dois, Gabriel acabou cedendo. Relutante no começo, depois mais disposto, depois ainda mais, até que, num certo ponto, ele apenas seguia Daniel para onde ele quisesse brincar, sem questionamento."

                ...

                "— Acho que eu vou chamar a Fabi pra ser meu par na quadrilha da festa da escola! O que você acha? — Gabriel, aos 12 anos e ostentando um chapéu de palha, perguntou a Daniel durante o ensaio da festa junina. Era hora de formar os pares.

                — A Fabiana? Uau! — Daniel pareceu impressionado. — Você tem muita coragem, eu nunca conseguiria fazer isso! — Sorriu. Gabriel vacilou.

                — Coragem? Como assim? É só chegar e perguntar, certo?

                — Claro... — Daniel sorriu gentilmente, mas, por algum motivo, o menino não se sentiu encorajado por isso. — É só que, sei lá... Você não é muito bom em falar com as pessoas, eu sei que você tenta, mas você gagueja e tudo o mais... E a Fabiana é uma garota popular, já deve ter recebido um milhão de pedidos de muitos garotos... Eu nunca teria coragem de pedir e arriscar ela rir na minha cara! Você é muito mais corajoso que eu! Acho que eu vou só ficar sem par e a professora me tira da dança... Pelo menos pago menos mico.

                — É...

                — Mas divirta-se, se você gosta dessas coisas, vai fundo. — Daniel deu um tapinha encorajador no ombro de Gabriel e foi para um canto qualquer tentar não ser escolhido para a quadrilha.

                Gabriel passou uns dez minutos encarando Fabiana e tentando ensaiar um pedido, mas foi um desastre. Ele apenas não conseguia bolar as palavras certas, tropeçava nas palavras, olhava ao redor ansioso... Ele até imaginava a garota rindo da tentativa desajeitada de pedido! Onde Gabriel estava com a cabeça? Ele só ia se fazer de idiota... Talvez falar com as pessoas não fosse algo feito para ele... Enquanto pensava, Fabiana formou par com um outro garoto e Gabriel suspirou resignado. Era isso que aconteceria de qualquer forma... Por que alguém bonita e popular como Fabi sequer olharia para ele?

                No fim, ele acabou sem par e passou o ensaio todo da quadrilha conversando com Daniel.

                Pelo menos ele tinha um bom amigo para não ficar sozinho..."

                ...

                "— Eu não entendo por que o André me odeia tanto! — Um Gabriel de 14 anos exclamou para Daniel quando se viu a sós. — O que eu fiz pra ele me perseguir? Eu nunca nem falei com ele! E ele já pega no meu pé desde o ano passado! Não é só brincadeira! Eu sou um alvo pra ele!

                — Calma. — Daniel disse num tom pacificador e estendeu a mão. — Deixa eu ver o que ele fez.

                O garoto suspirou e arregaçou a manga, mostrando o arranhão em seu braço onde André o empurrou contra uma parede áspera. Ardia e provavelmente sangrou um pouco, sorte que a camiseta não era branca... Como ele explicaria para sua mãe depois se fosse? Talvez sua coxa estivesse com uma contusão também na área que André o chutou quando ele caiu... Por que aquele cara o odiava tanto?

                — É, isso tá feio. Vamos à enfermaria pegar gelo pra você. — Ele sorriu tentando confortar o amigo. — E não liga muito pra esse valentão. Caras como ele gostam de bater nos mais fracos sem motivo, só para mostrar que são fortes. Se você ignorar ele deve te deixar em paz.

                — Acha mesmo?

                — Claro. É só não cair na provocação dele.

                E Gabriel tentou ignorar. Tentou mesmo. Ele aturou outros meses de agressões "leves" e palavras cruéis sem dizer uma palavra a ninguém exceto Daniel, que sempre dizia que era uma questão de tempo e que André só se aproveitava porque ele era mais fraco. Nas vezes que Gabriel pensou em contar a situação a alguém, Daniel comentava que, se era o que ele queria, tudo bem, mas que procupar as pessoas por algo que provavelmente se resolveria sozinho era desnecessário.

                Gabriel pensava em sua mãe já tão ocupada, ou em Lucas sempre absorvido na própria vida, e acabava se desanimando. Era só ignorar mais um pouco que se resolveria, certo? André só queria intimidá-lo por ele ser fraco...

                E, mesmo se demorasse, ele sempre teria Daniel para ajudá-lo e para desabafar."

                ...

                Enquanto repensava esses detalhes no caminho, Gabriel aumentava sua convicção de que era necessário confrontar Daniel. Uma parte dele dizia que ele estava sendo dramático e apenas isso, mas outra insistia que havia algo errado nessa história.

                Quando chegou à escola, o rapaz ainda deu algumas voltas à toa, hesitante quanto a ir para a sala e encontrar seu namorado. Não havia convicção o bastante nesse mundo para fazê-lo enfrentar Daniel assim, com base em desconfianças. Será que valia a pena revirar o passado agora? Talvez fosse mais inteligente só deixar as coisas como estavam...

                E foi por causa dessa indecisão que Gabriel acabou procurando André antes de as aulas começarem.

                — Oi. — Cumprimentou o mais casual que conseguiu, mas ainda bastante nervoso.

                — O que você quer? — Ele revirou os olhos.

                — Matar aula. — Respondeu de imediato.

                — Cuidado, acho que está se viciando nisso. — Zombou.

                — Que seja. Vamos? — Gabriel indagou ansioso.

                — Não.

                — Quê? Por que não?!

                — Não dá para se esconder em quase nenhum lugar no primeiro horário. E matar aula demais ainda vai te ferrar quando o boletim vier.

                — Como se você ligasse... E é importante. — O garoto afirmou com seriedade.

                — O quão importante? — André suspirou, pois já tinha uma boa noção de que Gabriel era bem teimoso quando queria.

                — Bastante.

                — ...Espero que valha a pena. Não quero gastar meu melhor truque com você por nada. — Comentou de modo irritado.

                — Vai valer. — O rapaz garantiu sem se deixar afetar pelo tom de ameaça.

                — Veremos...

                E assim Gabriel acabou precisando se esquivar de câmeras de segurança junto com André e se surpreendeu quando este tirou uma chave da mochila e abriu o almoxarifado, onde os faxineiros guardavam seus materiais. O valentão mandou o garoto entrar rápido e trancou a porta assim que ambos estavam dentro. Lá não havia tanto espaço e eles ficavam rodeados de prateleiras com produtos de limpeza, caixas de luvas descartáveis, esfregões, baldes e vassouras.

                — Como você tem a chave daqui?

                — Longa história que eu não vou te contar. Agora diz por que era tão importante matar aula agora.

                Gabriel hesitou.

                — Você tem algo a dizer, certo? — André perguntou parecendo irritado.

                — Uh... Não exatamente...

                O bully grunhiu frustrado, mas sinalizou para o outro continuar.

                — Eu só... Não estava a fim de encarar o Daniel ainda.

                — Fala sério, eu usei minha chave roubada só pra você ficar confortável. — André disse num tom entre lamento e raiva e fez menção de abrir a porta novamente. — Bem, problema seu, se vira e vamos sair.

                O rapaz se preocupou, ele ainda não estava pronto para isso... Ele só queria adiar o problema o máximo que pudesse! Só isso! Mas, para isso, ele tinha que manter André ocupado, e só uma ideia veio em sua mente na hora.

                Um assunto que ele e André ainda não tinham comentado.

                — Por que você me perseguia?! — Indagou de repente. O valentão congelou por um segundo, a chave esquecida na fechadura ainda trancada.

                — Como assim? — Retorquiu com os braços cruzados, uma expressão que dizia por si só "não se atreva a tocar nesse assunto". No passado, seria o bastante para fazer Gabriel fugir sem pensar duas vezes.

                Eles não estavam no passado.

                — Você me perseguia, me batia e me atormentava. E fez isso por anos. Eu mereço saber o motivo. — Explicou quase diplomaticamente.

                Foi a vez de André hesitar.

                — Por que perguntar isso agora?! É passado! Esquece! — Ele se fez de ofendido para evitar responder de fato a pergunta.

                — É, parece que hoje vai ser um dia para revirar o passado. — Gabriel sorriu sem humor algum. — Então?

                — Eu não te devo satisfação, vou embora!

                — Não, não vai. — Retrucou calmamente.

                — E como você sabe, idiota?

                — Porque se você sair sem mim vai ter que deixar a porta aberta, o que seria suspeito, ou me trancar aqui dentro, o que te encrencaria bastante.

                — Ou eu posso te arrancar daqui comigo e vamos para a aula fingir que nem nos conhecemos, como sempre. — André sorriu vitorioso e tentou agarrar o braço de Gabriel.

                O garoto se esquivou.

                — Se tocar em mim eu grito e nós dois estamos ferrados. — Disse simplesmente, André bufou de raiva.

                O rapaz sabia que era uma chantagem fraca. André não se importaria muito em ser suspenso ou advertido, certo? Essa situação toda parecia irreal, para falar a verdade, mas Gabriel apenas sentia que precisava fazer isso. E, se participar de uma aposta arriscada era o preço, que fosse então... Ele jogaria para vencer.

                Aparentemente, a determinação em seu olhar era bem convincente, pois André cedeu, ao menos por hora:

                — Tá bom, ficamos. Mas você não pode me obrigar a falar.

                Gabriel apenas sorriu amigavelmente, mas com um quê de desafio nos olhos. Ele ganhou tempo, e era só do que precisava... O restante era questão de negociar e saber até onde podia forçar André.

                Pouco mais de uma hora depois, ele conseguiu suas respostas. Ao menos, parte delas.

                *

                Só depois do intervalo Gabriel apareceu, recebendo uma bela advertência por atraso e um olhar desconfiado de seu namorado. O segundo o intrigou mais que o primeiro... Assim que ele se sentou na carteira em frente a Daniel, como de costume, teve que responder a perguntas como "onde você estava?", "você está bem?", "algum problema?", etc.

                Daniel perguntava com um tom de preocupação que simplesmente impelia Gabriel a responder, mas, dessa vez, o rapaz se controlou e se forçou a encarar aqueles olhos doces e sinceros e mentir descaradamente. Inventou uma história sobre ter acordado se sentindo mal e com febre e por isso se atrasou. Seu namorado pareceu contente o bastante com essa resposta, mas, ainda com o tom preocupado, perguntou se ele tinha ido ao médico, se tinha tomado algum remédio, se ainda se sentia mal...

                Houve um tempo que Gabriel se sentiria grato por esse cuidado todo, era um sinal que Daniel realmente se importava com ele e com seu bem estar... Porém, agora, o rapaz não podia evitar notar que Daniel lhe pedia os mesmos detalhes em momentos diferentes, como se esperasse uma falha na história de Gabriel, um deslize que delatasse a mentira.

                Mesmo assim, Daniel mantinha o sorriso doce e olhar meigo.

                Na troca de professores, quando a sala ficou um pouco mais barulhenta e os alunos aproveitaram para pôr a conversa em dia, o assunto veio à tona:

                — Então, o que você queria falar comigo? — Daniel perguntou gentilmente.

                — Hm... Acho melhor deixarmos isso para depois das aulas.

                — Certeza? Parece sério...

                — E é. — Gabriel afirmou. — Por isso acho melhor a gente falar disso depois. — Ao ver o olhar surpreso e a expressão hesitante de Daniel, o garoto percebeu que foi um pouco ríspido demais. — Desculpa. Eu não devia falar assim... — Ajuntou com o olhar mais baixo.

                — Ah, tudo bem. — Daniel sorriu tranquilizador. — Se você acha melhor, podemos deixar para depois. — Ele tocou brevemente seus lábios aos de Gabriel.

                Tão casto, tão gentil...

                Gabriel voltou a duvidar de seu plano. Talvez fosse apenas estupidez questionar Daniel.

                Enfim, ele ainda tinha algumas aulas para cogitar a decisão.

                ...

                — Então, vamos? — Daniel sorriu e pegou a mão de Gabriel. Era o fim das aulas.

                Por que passava tão devagar normalmente e tão rápido quando ele precisava de tempo para pensar? Isso não era justo!

                — Claro, vamos. — Gabriel concordou quase automaticamente, mas, após alguns segundos, livrou sua mão da de Daniel e, quando este tentou pegá-la novamente, decidiu colocá-las nos bolsos.

                Os dois acabaram sentados num banco no pátio o mais afastado possível dos outros. Era o máximo de privacidade que conseguiriam no momento.

                — Vai me contar agora qual é o problema? Você parece tenso.

                — Não é nada, só que... — Gabriel desviou o olhar dos olhos gentis de Daniel. — Você mentiu pra mim. — O garoto odiou o modo que sua voz estava trêmula e instável, mas tentou soar o mais seguro possível.

                — O quê? Do que está falando? — Ele parecia genuinamente confuso. Gabriel se forçou a olhar diretamente para seu namorado, mas não encontrou sinais de mentira ali.

                — André é seu irmão. — O rapaz foi direto, e ficou satisfeito ao conseguir estabilizar um pouco mais sua voz. — E você nunca nem pensou em me contar.

                — O quê? Que história é essa? André não é meu irmão! — Afirmou convicto. — De onde você tirou isso?

                — André me disse.

                — E você acreditou nele? Desde quando você dá ouvidos ao cara que te persegue?

                No passado, Gabriel se sentiria um idiota por ter dado ouvidos ao "vilão", pediria desculpas e essa discussão ficaria por aí mesmo. Dessa vez, ele sequer hesitou antes de sorrir, um sorriso sem humor.

                — Desde que ele é mais sincero comigo que meu namorado.

                Daniel o olhou com uma expressão ferida.

                — Eu sou seu namorado. — Disse na defensiva. — Eu sou o melhor para você.

                Gabriel notou que ele não negou a acusação.

                — Não, você não é. — O tom era calmo demais, Daniel não sabia lidar com esse Gabriel a sua frente. Ele não reconhecia esse Gabriel.

                — Você não é assim. — Ele afirmou com um sorriso doce, tentando retomar o controle. — Talvez seja melhor irmos pra casa, dormir, repensar... Continuamos essa conversa amanhã. — Sorriu confiante. A voz da razão.

                Gabriel não caiu nessa.

                — Eu sou assim sim. — Retorquiu já com mais confiança. — Eu não sou assim com você porque você nunca me deixou ter voz própria. Você nunca me deixou ser eu!

                — Calma, não precisa levantar a voz... — Daniel pareceu genuinamente preocupado e manteve o tom conciliador.

                — Eu não estou levantando a voz. — Ele respondeu de modo ácido, mas assustadoramente calmo. — Eu só não estou dizendo o que você quer ouvir.

                — Gabe, amor...

                — Sem essa de "amor". — Cortou o discurso do outro. — Você não me ama, você ama me controlar, você ama a pessoa submissa que fez de mim.

                — Não, eu te amo... Eu te amo mesmo com esse seu jeito. — Ele o olhou com seus olhos meigos. — Por que não esquecemos essa briga boba?

                Gabriel hesitou, mas não por incerteza, apenas por curiosidade. Ele viu o modo que Daniel clamava tão facilmente seu amor, seu olhar meigo, sorriso doce, aparente preocupação... E não acreditou em uma única palavra.

                — Mentiroso... — Ele sorriu ironicamente e, antes que pudesse se controlar, começou a rir. Um riso soltou, escrachado e sem humor algum. Era tudo tão óbvio! Daniel era um mentiroso, simples assim, e ele era um grande mentiroso... Um mentiroso tão bom que não mentia apenas com palavras, mas com sorrisos, gestos, olhares.

                Daniel se afastou um pouco, surpreso pelas risadas inesperadas, pelo surrealismo da situação toda. E, Gabriel pensou com um toque de ironia que o fez rir um pouco mais, ele não estava preocupado consigo, estava preocupado por perder o controle da situação.

                O rapaz sabia que aquilo não era engraçado, mas não conseguia parar de rir.

                — Gabriel... — Daniel começou, mas foi logo cortado.

                — Não. Agora é minha vez de falar! André é seu irmão, você nunca me contou porque gostava dele me perseguindo. E você gostava disso porque assim você podia me confortar e ser meu "herói". Você me isolou dos outros e me fez acreditar que eu valia menos, que eu devia ser grato por ter você... Mas, quer saber? Eu queria nunca ter te conhecido. Eu queria ter convidado a Fabi pra quadrilha e pagado um mico. Eu queria ter tentado falar com as crianças no parquinho. Eu queria não ter passado a me ver como sua sombra! Eu queria ser eu!

                Essa foi a vez de Daniel rir sarcasticamente, sem se preocupar em manter as aparências.

                — E a culpa foi minha? — Um sorriso cruel. — Você sempre foi um fraco, só precisou de um empurrãozinho. Pode me culpar por ser a pessoa a quem você se apoiou, a pessoa que você seguiu e deixou tomar suas decisões, mas não pode me culpar por te transformar numa sombra, não pode me culpar por não ter autoestima... Ah, não, isso é culpa sua, amor.

                Gabriel sorriu amargo.

                — É, talvez tenha razão... Mas eu vou resolver isso. Prazer em te conhecer, Daniel. — Disse irônico porque era como se sentia, como se fosse a primeira vez que realmente visse Daniel. E ele não gostava do que via.

         Um último olhar, nenhuma hesitação, três palavras:

           — Eu quero terminar.


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