Incertezas escrita por Torcai


Capítulo 1
Primeiro contato


Notas iniciais do capítulo

Primeira vez que publico algum texto meu (a outra história no meu perfil eu sou na verdade revisor), então peguem leve :P

De verdade, espero que gostem.



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Nenhum dos dois era particularmente fã de calor, mas o sol não estava tão quente, apesar de brilhar intensamente. Na verdade, nenhum deles era muito de fazer atividades externas. Mas aquele dia era diferente. Ele precisava de ar. Precisava de espaço. E precisava de um pouco de companhia. Ficou particularmente feliz quando ele aceitou seu convite.

Sentaram em um banco no meio da praça, onde o sol batia livremente, enquanto um leve vento refrescava a temperatura. Sentado no banco, tentava pensar em algo para dizer. Para ele, o silêncio era agradável; estar acompanhado era o que importava. Mas ele não tinha certeza se o outro também pensava assim, por isso tentava pensar em algo para dizer.

—Seu cabelo fica legal solto.

Era um comentário pouco criativo, mas era também verdade. O cabelo do garoto era negro, liso e longo, indo até a parte baixa de suas costas. Normalmente ele o prendia em um longo rabo de cavalo ou em um grande coque (que ele achava abominável na maioria das pessoas, mas nele ficava bem encantador), mas hoje estava solto. Algumas das longas mechas caíam sobre o seu ombro e se perdiam na sua camiseta, que também era preta. Do jeito que ele estava, era possível passar a mão em seu cabelo e ir descendo, sentido o corpo magro por trás da camiseta. 

Percebeu então o que estava pensando e sentiu-se ruborizar. Olhou para o outro lado, esperando que o moreno não tivesse reparado. 

—Obrigado. O seu também está legal. Vai deixar crescer mesmo?

Enquanto tentava decidir se a pergunta era uma mudança de assunto ou se ele realmente não tinha percebido nada, a resposta veio naturalmente à sua boca, sem que pudesse passar por nenhum filtro.

—Sim, acho que vou. Faz tempo que quero fazer algo diferente, e acho que deixar meu cabelo crescer é um bom começo. Mas não sei o que meus pais vão achar disso. Minha mãe já está falando que eu preciso cortar e...

Estava falando demais. Não precisava falar tanto. Uma resposta simples para uma pergunta simples, não precisava ir além disso. Esperava não parecer desesperado para conversar.

—Não acho que você devia cortar.

—Eu não quero cortar. - Respondeu, novamente sem pensar. Ele sempre usara seu cabelo bem curto. Nos últimos meses, decidiu que não queria mais. Seu cabelo ainda estava curto, especialmente comparado àquele que estava ao seu lado, mas alguns dos fios castanhos já caíam sobre sua testa. Era, sem dúvida, o mais longo que ele já havia deixado em toda a sua vida.

—Então não corte.

Seu tom era seco. Sentiu como se o tivesse decepcionando por algum motivo. Quando olhou para ele novamente, viu que o garoto o encarava, sério. Seu olho era de um castanho muito escuro, mas com toda a luz que batia ali, sua pupila estava mínima, emprestando um tom mais claro que o convencional à sua íris. Sentia como se aquele olhar o perfurasse. Sentados lado a lado, seus rostos estavam a pouco mais de 30 centímetros de distância. Quando se deu conta dessa proximidade, olhou para o outro lado. Abaixou a cabeça, ao perceber que havia quebrado o contato. Sentia-se como se devesse uma explicação.

—Não é tão simples. - Foi o que conseguiu falar, em voz baixa. 

—Claro que é. - Veio a resposta, ainda mais seca que a anterior. - O cabelo é seu, não faz sentido deixar os outros decidirem o que fazer com ele.

Não era tão simples assim, mas ele não entendia a dificuldade. Só de pensar no trabalho que teria em casa se deixasse o cabelo crescer... Mas o outro não entenderia. Não adiantava tentar explicar. Eles foram criados de modo muito diferentes, e várias coisas que um considerava normal tinham o potencial de causar transtornos para o outro.

O garoto de cabelo comprido respirou fundo e olhou para o outro lado. Ele estava se distanciando. Não podia deixar isso acontecer. Contava com ele, e não queria ficar sozinho novamente. O dia anterior havia sido horrível, só queria um pouco de paz e uma boa companhia, especialmente a companhia dele. Levemente desesperado, ergueu o olhar para seu amigo. Seu braço direito estava esticado no apoio do banco. Se ele fizesse isso com o braço esquerdo também, teria que passar o braço por trás dele. Talvez seria legal se ele fizesse isso. 

O colega de banco olhava para o horizonte e meio para cima, claramente entediado. Parecia ser maior do que de fato era. Frequentemente ele tinha a sensação de que o outro era de fato maior do que ele, quando na verdade era quase uns cinco centímetros mais baixo. A luz do sol era totalmente absorvida por seu cabelo, mais escuro que qualquer outra coisa que havia ali. Com o pescoço esticado como estava, a gola de sua camiseta contrastava fortemente com sua pele branca por baixo. Imaginou por um breve momento como seria o resto da pele por baixo daquela camiseta.

Agitou rapidamente a cabeça de um lado para o outro, como se espantasse um mosquito, mas na verdade estava tentando espantar a imagem que estava formando em sua mente. Não devia pensar nessas coisas.

Olhou novamente para o rosto dele e percebeu que, na verdade, o rapaz só estava tentando não mostrar a decepção que sentia. Precisava fazer algo para mudar disso. Disse a primeira coisa que veio à sua mente.

—Você acha que ele ficaria legal comprido?

A frequência com que ele se arrependia do que dizia assim que falava assustaria qualquer um. Para ele, já era quase natural. Por isso optava frequentemente em apenas não falar. Eles estavam nessa situação justamente por ele deixar os outros o influenciarem tanto... E então ele pede a opinião dele? Definitivamente, foi a pior coisa que ele podia ter falado. Olhou para baixo, novamente com vergonha do que havia falado. Quis abandonar tudo e ir embora.

—Acho que você ficaria lindo. - Veio a voz baixa ao seu lado. Ergueu o olhar, sentindo um pequeno ânimo dentro de si, e viu que novamente estava sendo encarado intensamente. - Mas não importa o que eu acho, só importa o que você quer.

—Não, o que você acha importa, sim. - Sério, por que ele não conseguia pensar antes de responder? Agora já era tarde, havia falado algo errado de novo. Sua única opção era continuar. - É legal saber o que você acha. Suas opiniões são sempre interessantes.

Achou imediatamente que "interessante" parecia um eufemismo para "esquisito". Ele só não servia pra isso.

—O que eu acho não importa. - O moreno reafirmou. - Mas fico feliz que você dê tanto valor ao que eu acho. - Seu tom agora era mais brando e no seu rosto havia... um sorriso? Era quase estranho vê-lo sorrir. E de qualquer forma, havia algo diferente nesse sorriso. Não era um sorriso de alegria. Era um sorriso... 

Sentiu uma pontada de vergonha encher seu peito, e olhou para o céu, procurando algo para falar. Ao seu lado, ouviu uma curta risada.

—Você às vezes é tão difícil de entender.

Olhou ultrajado para ele. Agora sim, havia um sorriso feliz espalhado em seu rosto. Era adorável o jeito que sua boca se curvava.

—Claro que não, eu nem sei disfarçar qualquer coisa. - Lembrou-se em como havia pensado no que havia por baixo daquela camiseta preta, e abaixou novamente o olhar, com vergonha.

—Ah, isso é verdade. Você é péssimo em disfarçar.

Não precisava jogar na cara, também. Sabia que era ruim nessas coisas. E sabia que o outro era excelente em entender essas coisas. Às vezes, sentia-se como se todo mundo se comunicasse com uma língua secreta a ele, e todos riam dele por não entender o que estavam falando.

—Mas às vezes... - Pelo canto do olho, viu o garoto se aproximando, parecendo ser tão pequeno e tão adorável quanto ele era. - tem coisas que não precisamos esconder. - Ao terminar a frase, ele já estava muito próximo. A voz praticamente estava na sua orelha. Queria virar-se para ele e... Encolheu-se ao pensar no que fazer.

—Não é tão simples. - Foi o que conseguiu dizer, assustado.

Sentiu dedos quentes encostarem no seu rosto. A sensação era tão boa que ele fechou os olhos sem perceber. Com leveza, seu rosto foi puxado, até que ficaram frente a frente. Deu-se por si e abriu os olhos, assustado. Sentiu um espasmo no seu braço, e percebeu que seus músculos estavam tensos.

—Eu não sei se... - Não sabia como terminar a frase. Sentia seu coração forte no peito. Os dedos em seu rosto agora estavam atrás de sua orelha, enquanto a palma da mão estava em sua bochecha. A mão inteira era quente, e ele sentia-se como se pudesse ficar ali por tanto, tanto tempo...

—Eu também não sei. - Disse, enfim, o pálido garoto. Seu rosto estava muito próximo. Muito. Próximo. Não sabia se deveria fazer algo. Avançar? Recuar? Fugir? Se esconder? Aqueles olhos novamente o perfuravam e o cabelo escorria ao redor de seu rosto. Sua pele branquíssima parecia tão macia que precisava ser tocada. Parou sua mão no meio do caminho, sem saber quando a ergueu. O outro agora acariciava seu rosto. Aquilo era muito bom. Decidiu que precisava mostrar o quão bom era aquela sensação.

Encostou sua mão no rosto do outro e, sem surpresa, percebeu quão macia era sua pele. Não devia haver resquícios de uma barba aparada ali? Como isso era possível? Passou a mão pelo rosto, tentando entender melhor, e sentiu-se constrangido quando o outro fechou os olhos, aproveitando.

Achou que era sua vez de fazer algo, mas não sabia o quê. Se aproximou. A mão que estava em seu rosto agora descia para seu pescoço.

Os olhos escuros se abriram. A pupila agora estava muito dilatada. Percebeu, com um ligeiro pavor, que seus próprios olhos estavam arregalados. Talvez o outro tenha percebido isso, já que agora apoiava o queixo em seu ombro, sem mais encará-lo. Sentiu uma decepção dominar-lhe. Um abraço? Não é como se ele quisesse algo mais, mas...

Ele queria algo mais.

—Feche os olhos. - Disse a voz suave em seu ouvido. Um arrepio desceu-lhe pela espinha, e um ligeiro espasmo fez sua cabeça se inclinar, expondo ainda mais seu pescoço. Estava assustado. Praticamente aterrorizado. Mas ao sentir a boca do outro em seu pescoço, automaticamente fechou seus olhos. O ar saiu de seus pulmões, fazendo um som esquisito ao passar por sua garganta.

Isso foi um gemido?

Abriu novamente os olhos, assustado. Aquilo estava errado. Sentia-se todo tenso, como se seus músculos estivessem se preparando para algo.

Abaixou o rosto e percebeu, com uma pontada de pânico, que havia uma mostra visível de que ele estava gostando daquilo mais do que deveria.

Com uma última lambida que fez metade de seu corpo espasmar, o garoto se afastou de seu pescoço e agora o olhava de frente. Enquanto ele torcia com todas as suas forças para que ele não olhasse para baixo e não visse nada, percebeu que o moreno sorria novamente.

—Não precisa se assustar. - Seu rosto se aproximou novamente. Por um momento, tudo o que pôde pensar foi em como seu coração batia forte, e como aquela boca vermelha estava próxima de si. - Está tudo bem.

Não sabia quando fechara novamente o olho, nem quando inclinara a cabeça, mas percebeu-se pensando que a boca do outro tinha gosto de canela.


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Notas finais do capítulo

"Acaba assim ou faltou um pedaço?" me perguntaram, quando mostrei esse texto. Acaba assim. "Mas o que acontece depois?". Achei meio óbvio, já que o protagonista é tão inseguro, mas quando disse a pessoa se surpreendeu. "E por que você não escreve isso?". É uma boa ideia, na verdade. Tenho em mente mais uns dois ou três capítulos, mais alguns, se eu mudar a classificação. Mas vocês sabem como histórias crescem quando as escrevemos.

Qualquer comentário é mais que bem-vindo :)



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