Chara escrita por lauravhm


Capítulo 15
Quando o vento chama


Notas iniciais do capítulo

... e nada mais importa.



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Chara sentiu uma brisa fria em seu rosto enquanto estava parado no campo do lado de fora da vila. Já era outono. Sua vida nunca mudara tanto em apenas um ano. Era como se tivesse vivido em vários universos diferentes. Primeiro ele viveu num universo regular, depois num universo perfeito em que vivia junto com Jessica, sua psicóloga que tinha o adotado e agora num universo totalmente diferente no qual Jessica deixara de existir. Ele vivia pensando em diferentes maneiras com as quais poderia ter evitado a morte de Jessica. Ele ainda não conseguia aceitar. Além do campo havia um bosque. Atrás desse bosque havia uma montanha. Talvez estivesse ficando louco, mas ouviu o vento chamá-lo.
Alguns dias atrás sua colega de classe Amy o convidou para visitá-la. Eles finalmente fizeram as pazes e ela agora era sua única amiga. Na casa de Amy eles assistiram desenhos e filmes. O quarto dela era exatamente o quarto típico para meninas de oito anos. As paredes eram cor-de-rosa assim como os móveis. A mãe de Amy os deixou comer todos os tipos de doces, salgadinhos e outras coisas gordurosas. Ela teve que sair e os deixou sozinhos em casa. Amy aproveitou a oportunidade para chegar mais perto de Chara enquanto recebia aulas de desenhos dele.
— Então, quando for desenhar o rosto você faz um círculo primeiro - disse Chara segurando a mão de Amy por trás e movendo-a fazendo com que desenhasse um círculo. - Então você faz esses traços que vão ajudar na hora de desenhar os detalh... -
Mas algo o impediu de terminar sua frase. Ele sentiu uma sensação estranhamente boa nos lábios e o rosto de Amy estava muito próximo. Depois de cinco segundos ela afastou o rosto.
— Er... uhm... uh.. A.. - disse esforçando-se a formar uma frase coerente. O rosa de suas bochechas tornou-se vermelho e alastrou-se por todo o rosto. 
— Fala alguma coisa! - disse Amy com um olhar tsundere.
— Isso... foi.. bem... inesperado? - disse envergonhado.
Chara finalmente tinha tido seu primeiro beijo e não conseguia entender o que se passava pela sua cabeça. Ora sentia como se estivesse flutuando acima das nuvens, ora queria desaparecer para sempre para que Amy nunca mais o visse. Quando o levaram de volta ao orfanato a primeira coisa que ele fez foi tomar um banho gelado. Ele teve um sonho perturbador e engraçado envolvendo Amy naquela noite. 
Ele lembrou-se do ocorrido quando estava no campo e sorriu. Mas agora nesse instante precisava ficar a sós com a natureza. Não por causa de Amy, mas por causa de todo o resto. O seu mundo inteiro parecia ter caído aos  pedaços, e Amy não seria capaz de refazê-lo. De fato, nada seria capaz de reconstruir seu mundo. 
O vento estava chamando-o novamente. Ele deu alguns passos para longe da vila. Acelerou o ritmo quando sentiu novamente aquela brisa em seu rosto. O bosque estava se aproximando. Ele correu e sentia a brisa agora pelo corpo inteiro. Ele queria ficar o mais longe possível daquela vila só por hoje. Ele queria ser parte da natureza e esquecer-se da humanidade. Ele queria esquecer seus pais, Jessica e até Amy. Seria apenas um fardo para ela de qualquer jeito. Quando finalmente chegou ao bosque ele caiu de joelhos. Arrastou-se para a árvore mais próxima e começou a chorar desesperadamente. Afundar seu rosto em seus joelhos trêmulos não ajudou muito. Ele chorou mais alto e produziu ecos no bosque com a esperança de que o vento o ouvisse chamando.
Depois de ter se acalmado um pouco se levantou e esfregou a calça para tirar a terra. Lentamente andou para dentro do bosque. As árvores já estavam perdendo suas folhas. Logo já estava tão fundo dentro do bosque que não sabia mais qual caminho o guiaria de volta à vila, mas não queria saber.  Ele apenas continuou andando. Havia menos árvores em volta agora. Ele andou mais até que não houvesse nenhuma árvore em volta dele. Estava do outro lado do bosque e diante de um monte grande. Havia uma passagem estreita que subia ao monte. Sem pensar duas vezes ele seguiu a passagem. A cada passo que dava ele ficava cada vez mais acima da superfície. Logo ele precisava olhar para baixo para olhar o topo das árvores. Ele continuava a andar enquanto observava o bosque abaixo. A passagem fez uma curva que guiava para dentro de uma caverna. Sentiu o vento saindo da caverna. Com o desejo de desvendar a origem daquela brisa ele entrou. Andou um pouco para dentro da caverna até que se deparou com um buraco enorme no chão. Parecia uma cratera. 
O que quer que esteja chamando, ele queria encontrar. Se retornasse agora ele voltaria para sua vida cotidiana. Uma vida muito rotineira o esperava na vila. Mas ele não pertencera mais a aquele mundo. Ele não pertencera mais a aquele mundo metódico e sem sentido onde ele estaria sozinho pelo resto de sua vida, um mundo onde ele estaria rodeado pela perversidade humana que destruíra sua família. Amy talvez não seja perversa, mas ele sentia-se sozinho mesmo estando ao lado dela. Ele não conseguia estar presente com sua mente e seu espírito, então qual era o sentido? Ela ficaria melhor sem ele, e ele ficaria melhor sem todo mundo.
Sentiu a brisa gélida mais uma vez. Por um instante pensou que ouvira a voz de Jessica. E se de fato fosse ela? Ele queria descobrir. Ele não tinha mais anda a perder.
Ele fechou os olhos e respirou fundo. Estava pronto para apagar-se deste mundo sem sentido. Lentamente ele inclinou-se para frente. Sentiu os seus pés deixando o chão lentamente. A vinha que estava prendendo o seu pé esquerdo desvencilhou-se e seus pés deixaram o chão por inteiro. Ele sentiu a brisa gélida por todo o seu corpo enquanto caía com a certeza de que seria a última coisa que fosse sentir nessa vida.
Bang 
Chara teve várias visões distorcidas de pessoas que fizeram parte de sua vida. De seus falecidos pais, da mulher maldosa com marca de nascença feia que foi sua cuidadora, de Jessica que foi sua psicóloga, mãe adotiva e melhor amiga antes de sua morte prematura e finalmente de Amy. Com certeza estava morto e estava passando para o próximo nível ou o que quer que fosse. Mas de repente ele sentiu uma terrível dor pelo corpo inteiro. Ele estava incapaz de se mover de tanto que cada canto em seu corpo doía. Ele abriu os olhos e se viu caído de barriga no chão. Havia uma luz vinda do buraco de onde Chara caíra há alguns segundos. Ela iluminava o lugar. 
Eu estou vivo?
Não conseguia acreditar que sua vida foi poupada. Mas com toda sinceridade ele preferiu que a queda não tivesse tido misericórdia com sua vida. Ele tentou levantar a cabeça para visualizar o ambiente. Claramente estava numa caverna subterrânea ou algo do tipo. 
— Parece que veio daqui... - ouviu uma voz infantil dizer. Rapidamente ele moveu a cabeça na direção de onde a voz viera. Ele viu a silhueta de uma criatura que parecia uma criança. A criatura aproximou-se da área iluminada e agora ele conseguia vê-la nitidamente. Era uma criatura animalesca com pelo branco por todo o corpo. Ele vestia uma blusa de manga comprida verde com listras amarelas e uma calça preta. 
— Oh, você caiu aqui, não é... - disse o menino animalesco. Chara o olhou atônito, perguntando-se que tipo de criatura era essa. Com certeza não era humano. Poderia ser que...?
— Você está bem? Aqui, eu te ajudo... - disse ajudando-o a levantar. Ele colocou o braço direito de Chara em volta de seu ombro. Chara sentia muita dor, mas ainda assim se esforçou a ficar em pé para que seu peso não ficasse por completo em cima do menino. 
— Cha... -
— Hã? -
— Chara... Meu nome é Chara. -
— Chara, hm? É um nome bonito. Meu nome é Asriel. 


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