Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 39
Capítulo 39




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Poucas vezes na vida eu me senti tão perdida quanto nesse momento, parada perto da porta do vestiário vazio, sentindo a habilidade de respirar me abandonar aos poucos. Eu não sabia o que fazer, mas tinha plena certeza de que não podia continuar onde estava, então me forcei a andar pelo menos até o carro.

Nem sequer olhei para os lados enquanto cruzava os corredores e o estacionamento, apenas caminhei com passos decididos e o mais rápido que consegui. Desativei o alarme que destravaria as portas e entrei assim que alcancei a maçaneta, joguei a bolsa de qualquer jeito do meu lado e apoiei a testa no volante quando a porta fechada me deu privacidade para me sentir mal longe de olhares curiosos que certamente haveriam.

A simples ideia de estar sozinha me aterrorizava a ponto de sentir as ondas de pânico começarem a surgir, tornando cada vez mais difícil lutar para afugentá-las. Me concentrei em respirar fundo e tentar acalmar meu coração acelerado, os meus olhos já estavam marejados e as mãos levemente trêmulas.

Eu não queria envolvê-lo nisso e nem sabia se me sentiria bem, mas não conseguiria enfrentar esse momento sozinha. Sem pensar, liguei o carro e dirigi o mais rápido que o limite me permitia, parando apenas quando cheguei à garagem do prédio. Com as mãos ainda tremendo, desliguei o motor e tirei o celular do bolso da calça, cliquei nos lugares necessários para completar a chamada e aguardei. Minha apreensão aumentou a cada toque não respondido que o aparelho no meu ouvido soava, até que ouvi o som familiar da voz sonolenta:

—Alô?

A confirmação de que ele estava ali me trouxe um pouco de conforto.

—Harry... – Não consegui completar de imediato ao perceber que minha voz estava mais para um choramingo.

—Ratinha? Que foi? – Ele pareceu imediatamente mais alerta.

—Acorda um pouquinho, por favor.

—Gin, o que foi?

—O Ron ta viajando e eu preciso... – A frase morreu na metade outra vez, mas foi suficiente para ele entender. – Posso ficar aqui com você um pouco?

Ouvi o barulho da porta do quarto se abrindo, provavelmente quando ele se levantou.

—Cadê você, amor?

—Subindo. – Saí do carro e apertei o botão do elevador, que demorou o que me pareceu uma eternidade para chegar à garagem.

Não encerramos a ligação, mas nenhum dos dois falou mais nada até que o som característico do equipamento soou no andar de destino, quando Harry desligou o celular e abriu a porta para me receber. Atravessei o hall com o coração martelando no peito, o mesmo aperto que infelizmente eu já conhecia tomando conta de mim, e me choquei contra ele assim que nos encontramos.

Percebi o movimento quando ele trancou novamente a porta usando uma das mãos, a outra já me prendendo num abraço. Afundei o rosto em seu peito e não consegui reprimir as lágrimas que vieram com força total, me fazendo sacudir os ombros enquanto soluços se misturavam às minhas respirações curtas.

Harry caminhou para trás até se sentar no encosto do sofá e me acomodar entre as pernas dele. Ainda que eu conseguisse perceber que ele não sabia o que fazer, o abraço apertado em que me acolhia transmitia toda a tranquilidade de que eu precisava.

—Me diz o que eu preciso fazer para você. – Pediu próximo ao meu ouvido, o rosto encostado na minha cabeça.

—Só fica aqui comigo.

Ele assentiu e colocou meu cabelo para trás, deu um beijo no meu rosto e continuou me apertando confortavelmente. O que eu precisava quando esses casos apareciam para tirar todo o meu equilíbrio, era saber que não estava sozinha, e Harry me deu exatamente isso.

Quando as lágrimas deram uma trégua, vários minutos depois, me afastei o suficiente para conseguir limpar o rosto e olhar para ele. Meu namorado me encarava com tanta empatia, tanta vontade de mudar o mundo ao meu redor para algo muito mais bonito do que eu enxergava naquele momento, que foi impossível não me sentir acolhida e amada, me sentir em casa.

Respirei fundo algumas vezes e me concentrei pela primeira vez em reparar no cenário à minha volta: as luzes de canto estavam acesas e tudo em completo silêncio, como é de se esperar às três da manhã, Harry estava com os cabelos todo desgrenhados e usando apenas uma cueca boxer branca, o corpo ainda quente do sono provavelmente tranquilo de que o tirei.

—Melhor? – Perguntou com a voz suave, tirando minhas mãos da frente e secando as lágrimas para mim.

Confirmei com um aceno e ele me lançou um meio sorriso antes de puxar meu corpo para perto outra vez, em mais um abraço.

—Me fala o que você quer, o que você precisa.

—Eu preciso sentir que não estou sozinha. – Confessei sem me intimidar, prendendo os braços ao redor dele também.

—Você não está. – Garantiu, me apertando um pouco mais. – Nunca estará, minha linda.

—E eu quero dormir um pouco, esquecer logo esse dia.

Senti os lábios dele encostarem no meu rosto de novo em um beijo demorado, depois o acompanhei até o quarto, sem me afastar do abraço. As luzes de canto foram apagadas no caminho e substituídas pelo abajur que ele tinha ao lado da cama.

Sem que eu esperasse, Harry se abaixou na minha frente e tirou meus sapatos, deixando-os de lado e reduzindo alguns centímetros da minha altura. Assim que fiquei descalça, ele abriu o botão e o zíper da minha calça e me livrou também dessa peça antes de se levantar e ficar de pé novamente de frente para mim. Ergui os braços quando ele puxou minha camiseta e a deixou sobre o criado mudo, pouco antes de levar os braços até as minhas costas e abrir com habilidade o fecho do sutiã branco que eu estava usando.

Foi tudo tão carinhoso e cuidadoso que não reprimi o impulso de fechar os olhos por um momento, apreciando o conforto da situação. Me acomodei no travesseiro dele e encaixei meu corpo em seu abraço quando se deitou ao meu lado, nunca deixando de me fazer carinho de alguma forma.

—Quer que eu deixe a luz acesa?

Eu nunca tinha demonstrado ter medo de escuro, mas adorei ele ter se preocupado com o detalhe, dada a ocasião diferente em que estávamos.

—Não precisa, Ursinho, pode apagar.

Harry se debruçou rapidamente sobre mim para conseguir alcançar o interruptor, e assim que o quarto ficou escuro me virei e encostei o rosto no peito dele, era gostoso ouvir o som ritmado do seu coração batendo, de certa forma acalmava o meu. Aquela mão familiar subindo e descendo pelas minhas costas foi a última coisa que senti antes de adormecer.

Acordei na mesma posição no dia seguinte, o cheiro dele foi a primeira coisa que senti quando meu sentidos me alcançaram, antes mesmo de abrir os olhos. O carinho antes alocado nas minhas costas quando adormeci, transformado em um cafuné gostoso que provavelmente estava emaranhando todo meu cabelo, mas não considerei isso importante. Me mantive como estava por alguns segundos, a minha bolha de conforto gostosa demais para que eu a estourasse.

—Bom dia, Ratinha. – Harry falou com a voz suave, motivado pela mudança no ritmo da minha respiração.

—Bom dia. – Respondi com a voz sonolenta.

Prendi meu braço ao redor dele, indicando que não queria sair daquela posição tão cedo. Em resposta, Harry me puxou para mais perto e me deu um beijo no rosto.

—Como você está?

—Provavelmente horrível, com o rosto inchado. – Respondi divertida.

Ele colocou a mão no meu queixo e levantou meu rosto para ele.

—Um pouquinho, mas mesmo horrível você continua linda.

Nós dois rimos enquanto eu me acomodava de novo com o rosto encostado no peito dele.

—Estou bem, obrigada por ontem.

—Não precisa me agradecer. O que você quer fazer hoje?

—Você tem algum compromisso?

—Não, hoje tenho o dia todo livre para nós. – Harry afirmou com satisfação visível.

—Então vamos só ficar aqui, sua cama está gostosa demais.

—Com você nela, então. – Apertou minha cintura enquanto dizia. – Não está com fome? Já é quase hora do almoço.

—Estou, vamos tomar café? – Me virei para levantar, mas ele me puxou de volta.

—Hoje é café na cama para a minha médica, fica aqui que eu já volto.

Harry se debruçou, ficando parcialmente em cima de mim, e afundou o rosto no meu pescoço como sempre fazia, aspirando meu cheiro.

—Adoro quando você acorda com vontade de me bajular, mas não precisa fazer isso só por causa de ontem a noite, já passou, estou bem.

—Não estou fazendo isso por causa de ontem.

—E por que, então?

—Porque hoje eu estou muito apaixonado por você. – Levantou o rosto a tempo de ver meu sorriso enorme e plantou um beijo na ponta do meu nariz. – Já volto.

Ainda com o mesmo sorriso bobo, acompanhei com os olhos enquanto meu namorado caminhava para fora do quarto. Quando ele fazia e falava essas coisas, eu ficava um pouco mais apaixonada também.

Assim que Harry sumiu de vista, me levantei e fui até o banheiro, de onde voltei minutos depois já mais apresentável. Passei direto pela cama e fui até o guarda roupa dele, pegar uma das camisetas que eu usava mais que o próprio dono.  Me arrastei de volta para a cama e sentei com as costas apoiadas na cabeceira, prendi o cabelo em um coque para não atrapalhar e esperei até que ele voltasse.

Meu namorado sentou de frente para mim e apoiou a bandeja entre nós dois para comermos enquanto me contava como havia sido os dias em que não nos vimos. O objeto foi deixado no chão quando terminamos e ele se acomodou ao meu lado, para continuarmos a conversa numa posição mais confortável.

—Gin. – Me chamou após um momento de silêncio, brincando com os meus dedos. – Você quer falar sobre o que aconteceu ontem no trabalho?

Eu estava deitada de costas no colchão e ele de bruços ao meu lado, virei a cabeça e o olhei sem dizer nada por um minuto.

—Não porque eu queira saber, só quero entender o que te faz sentir bem depois de dias como esse. Não sei como é, se você quer falar disso ou não, mas se quiser eu estou aqui para ouvir.

As vezes eu contava para o Ron, e isso não mudava muito as coisas para mim, mas compartilhar era levemente reconfortante, então decidi contar.

—Era uma mulher, não sei como foi que ela fez, tinha uns trinta e poucos anos e chegou na emergência lá pelas duas da manhã.

—Então o atendimento foi rápido.

—Eu cheguei na sala um tempo depois que ela deu entrada e estava em estado bem grave, antes de eu começar a minha parte a paciente veio a óbito.

—Eu sinto muito. – Falou enquanto entrelaçava os dedos nos meus.

—Eu não, não por ela. Sinto por quem ficou.

Harry me lançou um daqueles olhares profundos, como se estivesse me vendo por dentro, mas não falou nada.

—Aí eu vim para casa. – Finalizei o assunto, era dispensável contar o resto.

Ele abriu um sorriso enorme para minha conclusão e passou a mão pelo meu braço.

—Qual a chance de você ficar livre do plantão de sexta que vem?

—Acho que alta, mas por que?

—Foi tão desesperador para mim te ver daquele jeito ontem e eu não saber o que fazer, eu queria te deixar longe de tudo isso e não posso. Mas posso fazer a sua próxima noite de sexta ser o mais perfeita possível, para você esquecer a de ontem.

—E eu posso saber o que você está pensando ou é surpresa??

Antes sequer que ele me dissesse, eu já sabia que concordaria com o que fosse.

—Você pode saber, até porque é uma coisa que eu estou te devendo. Vamos passar o final de semana na praia, só nós dois. Te busco no hospital depois do trabalho e vamos direto para lá.

—Tudo isso é para me ver de biquíni? – Perguntei rindo.

—Eu já te vi muitas vezes de biquíni na piscina do prédio.

—O que eu uso na praia é bem menor que aquele. Acho desconfortável encarar o vizinho no elevador depois de usar uma coisa tão pequena.

—Agora o biquíni entrou na minha lista de motivações, pode levar.

Ele soltou uma risada descontraída.

—Vamos, Ursinho, vou adorar fugir com você por uns dias.

Só fui para o meu apartamento na segunda feira após o trabalho, e não tão surpreendentemente assim, eu não estava sentindo falta da minha casa quando passei pela porta.

No dia seguinte, ao atravessar o saguão da recepção no início da tarde, encontrei o Colin sentado atrás do balcão, envolto em uma pilha de prontuários, e me detive para conversar um pouco com ele.

—Oi, gato.

—Oi, gata, tudo bem?

—Tudo, e você? Te procurei ontem por aqui e não encontrei.

—Tirei um dia de folga. Queria alguma coisa?

—Só conversar.

Eu já trabalhava com ele há tantos anos, e tantas vezes ele tinha visto aquela mesma cena se desenrolar sem fazer nenhuma pergunta, que eu nem sabia contar. No entanto, essa foi a primeira vez que me senti mal por isso.

—Colin, sobre a paciente de sexta a noite... – Comecei e ele levantou os olhos para mim. – Desculpe sair daquele jeito.

—Gata, por mais que esse seja um assunto que você nunca fala, não é difícil para mim deduzir o motivo. Relaxa, comigo você nunca precisará se desculpar por isso.

Lancei a ele um sorriso agradecido que morreu com o complemento da frase.

—Eu trabalhei na ala psiquiátrica, o que mais conheço é gente louca. Ai! – Se esquivou do meu tapa em meio a uma risada.

Eu gostava da maneira como ele descontraía assuntos desconfortáveis, deixava todas as nossas conversas muito mais fáceis e leves.

—E como estão as coisas com o Ced?

Notei o sorriso que se abriu assim que fiz a pergunta.

—Melhores impossíveis, mas minha conta bancária está precária agora que ele me fez comprar tudo que eu precisava e não precisava, queria e não queria.

—Quer dizer então que agora você é todo estiloso? – Zombei.

—Quer dizer que eu tenho mais roupas do que lugar para guardá-las, isso sim.

Ri com vontade do exagero dele.

—Estou louca para ver os seus novos looks, algo me diz que eles serão dignos de passarela.

—Bonito como eu sou, gata, claro que serão.

Rolei os olhos para ele, que me olhou convencido, antes de continuarmos o assunto. Durante toda a semana o importunei a respeito das novas roupas, pedindo fotos e dando um jeito de espiá-lo quando entrava e saía do hospital. Definitivamente aquelas calças de cores vivas e camisas de corte slin não faziam parte do repertório de vestes do meu amigo, mas o deixavam ainda mais bonito.

Jonathan, um ortopedista que se formou na mesma turma que eu, me cobriria no plantão de sexta, então terminei meu último paciente e fui direto ai vestiário me trocar para a viagem que faria com Harry. Enquanto eu desatava o cadarço do tênis, recebi uma mensagem dele:

“Estou na recepção te esperando”

“Já estou saindo”

Me apressei na tarefa de mudar de roupa e pegar minhas coisas, e saí para encontrá-lo. De longe o vi debruçado no balcão, rindo de alguma coisa com o Colin.

—Oi, Ratinha. – Me puxou pela cintura e grudou a boca na minha em um selinho.

—Oi.

—Gata, você me manda uma foto dele de sunga? – Colin nos interrompeu.

Harry o olhou de canto, sem saber se deveria ficar sem graça ou rir.

—De sunga? As vezes ele dorme pelado, consigo fotos melhores. – Lancei uma piscadela cúmplice ao meu amigo, que riu abertamente.

—Não consegue mais, porque a partir de hoje dormiremos em quartos separados. – Harry determinou, me fazendo rir também. – Vamos?

—Vamos. Tchau, gato.

—Tchau, divirtam-se.

Me virei para sair, mas interrompi o percurso antes do segundo passo e me virei novamente, caminhando até parar ao lado da cadeira do Colin, por trás do balcão:

—Colinzinho, qual é mesmo o look de hoje? Você nem me mostrou.

Ele fechou a cara para mim e se virou para o Harry:

—Tira essa mocreia da minha frente, se não eu estrago ela! – Ameaçou, fazendo nós dois gargalharmos.

—Ai! – Reclamei ainda rindo quando a mão dele se chocou com a minha bunda, num tapa.

—Sai daqui, Ginny! – Ordenou sério, mas acabou rindo também.

Eu ainda estava rindo quando cruzamos as portas da entrada em direção ao estacionamento.

—Eu não consigo imaginar vocês dois conversando sério. – Harry comentou a caminho do carro dele.

—Ah, mas nós conversamos, principalmente sobre trabalho.

—Fico imaginando a cara do paciente vendo o diálogo de vocês.

—Quando o paciente está acordado somos muito sérios, mas nós rimos o tempo todo durante as cirurgias.

Nos acomodamos nos bancos dianteiros e prendemos os cintos de segurança antes dele dar a partida no motor.

—Que belo lugar para se ter senso de humor, não consigo imaginar isso.

—Você quer ver um dia? Consigo te colocar na galeria de observação, onde os outros médicos ficam quando a cirurgia é interessante ou não tem nada para fazer.

—Eu agradeço, mas dispenso. – Falou com o cenho franzido e se inclinou na minha direção. – Boa viagem, Gin.

—Para você também. – Desejei após um beijo rápido.

O caminho foi tranquilo e sem trânsito, e pouco mais de uma hora depois Harry estacionou o carro dentro da garagem da casa térrea e ampla à nossa frente enquanto o portão automático se abaixava rente à traseira do veículo. Ele puxou as chaves de dentro do porta luvas e descemos do carro para a brisa quente que nos aguardava do lado de fora.

Quando passamos pela porta o cheiro de casa que fica muito tempo fechada nos encontrou, e por isso a primeira coisa que Harry fez foi ignorar o controle do ar condicionado na mesa de centro e abrir a janela grande que ficava de frente para a rua. Acompanhei enquanto ele fazia o mesmo com os três quartos, sendo esse último o que ele sempre usava quando estava aqui.

Deixamos nossas mochilas no chão ao lado do cama e ele me puxou para o fundo, passando pela cozinha e saindo em um quintal amplo, coberto de grama e com uma piscina de tamanho suficiente para poucas pessoas.

—Minha mãe pediu para limpar hoje, já da pra entrar se quiser.

—Está bem calor, né? - Considerei a possibilidade. - Você vai entrar comigo?

—Uhum. Estamos só nós dois, nem precisa colocar o biquíni.

—As casas aqui em volta não tem vista para cá?

—Eu acho que não. - Respondeu olhando em volta, mas sem mostrar preocupação com a possibilidade.

Enrolei os cabelos em um coque no alto da cabeça e prendi com o elástico que ainda estava no meu braço, tirei a calça e a camiseta e entreguei para ele, que esperou com as mãos esticadas e se virou em direção à casa.

—Você não vem agora?

—Vou beber água antes e já me junto a você. Quer?

—Não, obrigada. É fundo?

—Não, vai ficar no seu peito.

Sentei na borda com os pés na água fria e pulei para dentro sem molhar o cabelo, sentindo a água me envolver apenas até pouco acima do quadril. Deduzi que a parte mais funda ficava para o outro lado e caminhei até a outra extremidade, ficando encoberta até onde ele havia informado.

O barulho da água se espalhando e os respingos me informaram quando Harry chegou, segundos antes de ele imergir atrás de mim e encostar nas minhas costas, me deixando entre ele e a borda onde eu estava com os cotovelos apoiados. Os lábios dele estavam frios e molhados quando grudaram no meu rosto, num beijo demorado.

—Fazia tempo que você não vinha para cá? - Perguntei apoiando de novo o queixo sobre minhas mãos cruzadas à frente.

—A última vez foi nas férias do ano passado.

—A última vez que eu fui para a praia faz cinco anos, com o Ron.

—Alguma por aqui?

—Não, ficamos três semanas no Caribe.

—Vocês são chiques. - Comentou rindo.

—É bem legal lá, acho que você ia gostar. Combina com você aquele clima leve.

—A gente podia ir. - Sugeriu, afundando na água o suficiente para ficar da minha altura e conseguir apoiar o queixo no meu ombro. - Escolhemos uma ilha que você ainda não conheça.

—Seria uma ótima ideia.

O assunto morreu por alguns instantes, nos deixando num silêncio confortável.

—Meus pais compraram essa casa quando eu era criança, o ponto alto do meu ano era vir para cá e poder trazer o Mike.

—Quando eu era criança meus pais tinham uma chácara. - Senti a atenção dele se aguçar assim que comecei a falar. - Eu adorava ir para lá, mas eles não gostavam muito de me levar.

Terminei a frase rindo, mas ele me olhou confuso.

—Por que?

—Sabe a cicatriz na minha coxa? Eu estava subindo numa árvore e caí em cima de uma cerca de arame farpado que havia embaixo.

—Que infância radical. - Comentou divertido.

—Eu era meio inquieta.

—Cada vez mais seu apelido faz sentido.

Ele abaixou a cabeça e encaixou o rosto no meu pescoço.

—Seu cabelo está molhando o meu. - Resmunguei me afastando.

Harry passou o braço pela minha cintura, tampou meu nariz com a outra mão e antes que eu tivesse tempo sequer de registrar o movimento, se jogou para trás, me afundando com ele na água.

—Pronto, agora não tem mais problema. - Voltou à posição de antes, me encostando de novo na borda da piscina e afundando o rosto no meu pescoço de novo, tornando meus protestos inúteis.

—Essa seria uma ótima ocasião para eu ser violenta. - Reclamei por pura implicância, passando a mão no rosto para tirar o excesso de água. - Você ainda me deve uma coisa, Ursinho.

—O que?

—A comemoração do meu aniversário, já está quase chegando o próximo e você ainda não me disse o que íamos fazer.

—Não faz mais sentido comemorar seu aniversário como eu queria, Gin.

—Por que?

—Eu queria uma noite que nunca tivemos até aquele dia, restaurante romântico, luz de velas, te encher de carinho e palavras bonitinhas, fazer amor devagar, aproveitando o momento sem pressa, sua respiração no meu pescoço. - Interrompeu a frase tempo suficiente para me dar outro beijo no rosto. - Mas eu ia fazer isso todo cheio de tato, porque você não dava o menor indício de que sentia falta dessas coisas.

—Eu não sentia mesmo, não vou mentir pra você quanto a isso, mas agora adoro nossas noites assim.

—Eu sei, por isso não faz mais sentido eu fazer como eu faria naquele dia, não tenho que me conter, eu sei que você vai gostar.

—E retribuir. - Completei, virando o rosto para ele.

—O que é ainda melhor. - Falou com um sorriso, logo antes de trocarmos um beijo lento e profundo, cheio de carinho.

Continuamos nos encarando por alguns segundos assim que ele se afastou.

—Desculpa e obrigada, Harry.

—Pelo que?

—Pela semana passada, eu nem perguntei se você tinha tido um dia bom, se estava cansado, ocupado ou qualquer outra coisa, só apareci como se você tivesse obrigação de me receber. Desculpe por isso.

—Gin, eu disse “compartilhar” quando falei que queria tudo, não foi? - Assenti sem dizer nada. - Você não tem que se desculpar por fazer exatamente isso. Eu odiei te ver daquele jeito, acho que nunca vi alguém tão triste e me machucou particularmente o fato de ser você, mas gostei de saber que minha presença te conforta pelo menos um pouco, e eu estou aqui para o que for, minha linda.

Sorri agradecida para ele antes de continuar o assunto.

—Eu via antes você me dando muito mais do que eu pedia ou queria e isso me confundia muito, principalmente porque eu percebia que você queria receber o mesmo e eu não sabia como dar mais do que o que eu dava.

—Você fez as coisas no seu tempo, amor.

—Mais ou menos, né? As vezes eu esquecia e me jogava de cabeça em tudo, aí sempre acontecia alguma coisa que me lembrava que o que eu estava fazendo não era uma boa ideia, uma voz inconveniente que me dizia que porque minha cabeça era uma bagunça de medos e lembranças ruins eu não tinha que arriscar fazer o mesmo com a sua. Aí você lembra o resultado, sempre dava merda.

Ri sem humor, ele me acompanhou da mesma forma.

—Inconveniente e mentirosa essa voz, porque depois de você minha cabeça é uma bagunça de lembranças que eu não sei decidir qual é melhor. - Me bajulou, arrancando um sorriso satisfeito dos meus lábios. - Você ainda acha isso?

—Não, só estou te contando. - Esclareci e o vi assentir, aliviado. - Não tem como o conforto que você me fez sentir na semana passada ser uma coisa ruim, ao contrário, foi a coisa boa no meio de um dia horrível. E muito menos o que eu sinto, não tem como ser uma coisa ruim.

Fiquei em silêncio por um momento, ainda encarando-o, caso ele quisesse dizer alguma coisa. Como não deu indícios de que queria, continuei.

—Quando começamos a sair, eu achava que você era um poço de curiosidade e até um pouquinho inconveniente, mas eu não podia estar mais enganada. Não conheço ninguém mais tolerante e paciente do que você, Harry, a sua compreensão comigo e com todas as minhas reações ruins nesse tempo todo está além do que eu consigo entender. Eu sei que não sou uma pessoa fácil, então obrigada, porque só estamos aqui hoje por você ser você, e você é quase perfeito.

—Quase? - Perguntou com um sorriso de canto.

—Dizem que ninguém é perfeito, né? Você tem que ter algum defeito.

Nós dois rimos enquanto ele me olhava com uma espécie de brilho que eu adorei ver naqueles olhos lindos.

—Você é perfeita para mim, e se quer saber a minha opinião, a gente se completa em tantos pontos que nem sei numerar.

—A minha opinião é exatamente a mesma.

Era muito fácil eu me perder quando Harry me olhava assim, tão profundamente nos olhos que seria desconfortável com qualquer outra pessoa, mas que com ele trazia uma cumplicidade que eu só queria que crescesse.

—Ratinha, eu a...

—Não diz isso. - Coloquei a mão sobre sua boca, interrompendo a frase que eu sabia que ele diria.

—Por que não? - Perguntou magoado.

—Porque não quero que você pense que eu só disse "eu também" para não ficar chato. E da sua parte eu não duvido, você demonstra até no jeito que fala "alô" quando atende minha ligação. Quero que você também tenha certeza, então eu vou dizer primeiro: Eu amo você, Ursinho.

Eu diria aquilo mais um monte de vezes se em troca recebesse esse sorriso lindo.

—Eu também amo você, doutora. - Harry falou com as mãos na minha cintura, me virando de frente para ele e voltando a encostar em mim, meus braços se prenderam ao redor do seu pescoço. - E você não é a única que tem coisas a agradecer, eu tenho sido tão feliz no último ano que não há nenhum outro lugar onde eu queria estar agora que não aqui com você, e nenhuma outra pessoa no mundo com quem eu queira dividir tudo o que nós dois dividimos. Eu quebraria o braço de novo só para te conhecer outra vez.

Ri do desfecho da declaração e ele me acompanhou, mas nossa risada morreu segundos depois em meio ao clima que nos envolvia. Eu esperava que Harry visse nos meus olhos a mesma expressão de completude que eu conseguia ver nos dele, e que me aquecia por dentro de um jeito que ninguém nunca havia conseguido fazer. Não consegui frear o meu sorriso, nem a vontade me afundar no abraço em que eu me encaixava tão bem. De repente, estar abraçada com ele dentro de uma piscina, numa noite de sexta, era tudo o que me importava: eu estava em casa.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!
Finalmente! Com todas as letras, em português e num lugar que eles já deveriam ter ido há muito tempo. Vocês não imaginam como eu estava ansiosa para esse capítulo!
Agora estou ansiosa para saber o que acharam, então não deixem de me dizer nos comentários.
Beijos e até o próximo.