Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 36
Capítulo 36


Notas iniciais do capítulo

Na semana passada a linda da Kemi fez uma recomendação muito inspiradora de DV. Eu não podia deixar de agradecer, pois é por esse tipo de retorno que eu continuo escrevendo. Obrigada, Kemi, por dar esse empurrãozinho para a minha imaginação. ♥



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Já passava da hora do almoço e eu ainda estava confortavelmente deitada no sofá da casa do meu namorado, ponderando quando seria o melhor momento para me mexer dali.

—Gin, eu acho que você deveria ir até lá abrir a porta para eles, já está bem tarde. - Harry aconselhou, sentado em um dos cantos, com meus pés em seu colo.

—Eu deveria? O senhor não tente escapar da possibilidade de ir comigo.

Ele coçou a cabeça meio contrariado, mas não falou nada.

—Vamos logo, vai, não podemos nos esconder dos dois para sempre. - Determinei, me levantando de imediato antes que resolvesse adiar mais um pouco.

Troquei meu robe pela roupa com que tinha chegado na noite anterior, esperei que ele se vestisse também, e saímos.

Por mais que fosse irônico na minha idade, durante todo o percurso e até mesmo dentro do elevador enquanto ia até o meu andar, conjecturei possíveis desculpas para a bronca iminente que me aguardava assim que eu terminasse de abrir a porta. Harry se recusou terminantemente a entrar na frente, então depois de olhar feio para ele, eu o fiz com extrema cautela.

A princípio não vi nada além do meu sofá exatamente no lugar e um silêncio absoluto, o que achei bastante estranho. Assim que terminei de abrir a porta e entrei, no entanto, a voz do meu irmão falou com bastante deboche:

—Olha quem voltou.

O avistei encostado na lateral da minha mesa de jantar, não vestindo nada além de uma cueca boxer e tomando algo em uma caneca enquanto mexia no celular. O aparelho foi deixado de lado sobre o móvel quando ele olhou de mim para o Harry, a expressão bastante irônica.

Meus olhos varreram o cenário com mais atenção, e as peças de roupa espalhadas pelo chão me dava uma ideia muito boa do que tinha acontecido durante a minha ausência. Se não isso, Mione voltando da cozinha com os cabelos desgrenhados, descalça e usando apenas a camiseta com que Ron chegou vestido no dia anterior, foram suficientes para eu entender mais do que queria.

—Bom dia, Ginny. - Ela me cumprimentou no mesmo tom do meu irmão. - Eu acordei faminta, espero que não se importe. - Indicou a torrada que estava segurando.

—De forma alguma, só não vou dizer para ficarem a vontade porque acho que é dispensável. - Respondi ácida, mas não consegui não achar a cena um pouco engraçada.

Eles não tiveram a menor pressa em se vestir ou disfarçar a cara de felicidade pós noite muito bem aproveitada, muito menos em nos poupar de comentários constrangedores. A presença do Harry não pareceu incomodá-los de forma alguma, e depois de um tempo achei desnecessário tampar os olhos dele da visão das coxas muito à mostra da Hermione. Era minha melhor amiga, afinal, e se ela não se importava em mostrar as pernas eu não cansaria meus braços a toa.

A minha pose até indicava certa aversão ao que estava vendo, mas a verdade é que o sorriso divertido e, acima de tudo, feliz no rosto dos dois, principalmente do meu irmão, varria todo o resto e só me deixava extremamente satisfeita.

Eles saíram alguns minutos depois para o apartamento em frente ao meu, levando toda a roupa que estava a vista no chão. Fechei a porta para eles e me virei para o Harry, muito bem acomodado no sofá, com uma expressão satisfeita que não se incomodava em disfarçar que ele tinha adorado a comprovação óbvia de que o plano dele tinha dado certo.               

—Acho que  deu certo. - Ele constatou o óbvio.

—Até demais. - Falei com o cenho franzido.

Deixei minha bolsa sobre a mesa, onde ainda estava toda a louça suja do jantar interrompido na noite anterior, e fui até meu quarto trocar a calça jeans que estava usando por um vestido leve e confortável, mais apropriado para passar o dia em casa.

—Essa é a hora que você fala que eu sou realmente brilhante e ótimo com riscos, Ratinha. - Harry falou convencido, deitado confortavelmente na minha cama.

—Não vou nem gastar minha energia com isso. - Respondi sarcástica e voltei para a sala.

Ele me seguiu ainda rindo e se preparando para dizer alguma coisa, mas seu olhar foi atraído para algo atrás da estante. Olhei confusa enquanto ele se abaixava o suficiente para voltar puxando um sutiã vermelho com detalhes pretos, elegância demais e tecido de menos, o contorno das taças adornados com uma renda tão sofisticada que mesmo sem tocar eu conseguia sentir como era macia, mas tenho certeza que nem de longe suficiente para cobrir tudo que a minha amiga tinha para guardar ali.

—Uau, agora entendo por que ela não quer perder esse aqui. - Harry falou admirado, olhando para a peça com atenção. - Ficaria lindo em você, será que ela te empresta? - Emendou rapidamente quando viu meu olhar atravessado para ele.

—Isso não é uma bolsa, Ursinho, não é exatamente emprestável.

—Uma pena. - Comentou, ainda olhando o sutiã na mão dele.

—Para de olhar para isso assim, por favor?

—Parei! - Afirmou de imediato, me entregando a peça.

Enquanto o dobrava com cuidado para devolver, me lembrei que eu tinha algo muito parecido que nunca foi usado. Deixei a peça de lado e apontei novamente para o móvel à minha frente.

—Abre a primeira gaveta do seu lado esquerdo, por favor. - Pedi ao Harry, aproveitando o fato de que ainda estava de pé.

Nem precisei dizer o que ele deveria procurar, o jogo e a lingerie que me deu de presente de aniversário estavam visíveis assim que o compartimento foi aberto.

—Que bom gosto, Ratinha. - Elogiou a própria escolha.

—Eu também achei. - Estiquei a mão para ele, pedindo para que me entregasse. - Você comprou sozinho?

—Sim, não queria mais ninguém imaginando comigo.

—E como você sabia o tamanho?

—Eu meço em palmos, doutora. - Falou com superioridade, me observando levantar do sofá.

A resposta dele me fez rir enquanto passava o vestido pela cabeça, segundos antes de deixá-lo esquecido no chão.

—Está com fome? - Perguntei andando de costas em direção ao meu quarto, os olhos pregados nos dele e me concentrando em manter a expressão o menos inocente possível.

—Sim.

—De comida? – Continuei minha provocação enquanto me desfazia do sutiã que estava vestindo e trocava pelo que ele havia me dado.

—Não. – Respondeu, mantendo distância suficiente para conseguir me olhar inteira.

—Tão monossilábico. – Comentei enquanto substituía também a calcinha.

Harry se limitou a dar de ombros enquanto observava com atenção todo o meu movimento de arrumar no lugar a peça que fazia muito mal o seu papel de cobrir o que deveria. Quando já estava vestida apenas com a diminuta lingerie da cor preferida dele, meu namorado estendeu a mão e fez dar uma voltinha quando estiquei a minha. Os braços dele na minha cintura me impediram de completar o giro, me puxando de costas de encontro ao seu peito.

—Tão gostosa. – Falou no mesmo tom, os lábios colados no meu pescoço.

Era o tipo de presente que não dura muito no lugar, mas a tarde se estendeu por bastante tempo ainda, se perdendo mais uma vez na rotina que era não voltarmos cada um para sua casa no domingo à noite. A manhã seguinte, como também já era hábito, me recebeu com pouca ou nenhuma vontade de me desvencilhar dos braços dele e ir para o trabalho, mas essa era a parte não questionável do meu dia.

Colin se acabou de rir enquanto eu contava a ele qual foi o resultado do que fizemos, e toda a cena propositalmente sugestiva que presenciei, inclusive as partes que eu achava desnecessárias, como meu irmão ainda não estar vestido quando fui até o apartamento ao lado devolver o sutiã da minha amiga, várias horas depois de encontrar a peça num lugar bem improvável.

Faltando um mês para o Natal, James e Lily vieram passar um feriado prolongado com o filho, o que acabou rendendo para mim também um final de semana cheio de coisas diferentes para fazer com eles. Quase derreti quando ela me entregou uma vasilha cheia do bolo gelado que fez no dia em que fomos visitá-la, e que eu tinha adorado.

—Obrigada, Lily, não precisava ter se incomodado. – Agradeci assim que ela me entregou, no sábado à tarde.

—Imagina, não é incômodo nenhum trazer um pouquinho se você gostou tanto. – Dispensou minha gratidão como se o gesto não fosse nada demais.

—Tudo bem, norinha? – James me perguntou em meio a um abraço carinhoso, dando um beijo no topo da minha cabeça.

—Tudo, e com você? – Por mais estranho que fosse não chamá-los de senhor e senhora, era pior ouvir de novo a retaliação de ambos, como na primeira e única vez em que tentei.

—Muito bem, só com saudade dessa moça linda. Você e Harry deveriam aparecer mais vezes.

Uma visita e algumas conversas quando ele e Harry se falavam por telefone foram suficientes para que ele passasse a me chamar assim.

—Pai, já disse que nós vamos. – Meu namorado interrompeu, sentado no sofá atrás dos dois, onde eu não tinha conseguido chegar ainda desde que passei pela porta.

—Nós temos um convite para você, meu bem. – Lily falou com os olhos brilhando.

—Mãe, ela acabou de chegar, a gente não disse que falaria disso a noite? – Harry falou com cautela, aumentando minha curiosidade.

—Qual o problema de falar agora? – Perguntei a ele, que me olhava meio sem graça. – O que é, Lily?

Ela, por sua vez, não podia estar mais satisfeita com a chance de fazer isso imediatamente.

—Nós sempre nos reunimos em casa no Natal, Harry, alguns amigos de longa data, pessoas de quem gostamos, e adoraríamos que você fosse também nesse ano.

Ela e James me olhavam empolgados, esperando uma resposta positiva, sem dúvidas. Eu adoraria ir, com toda sinceridade, passar uma data tão significativa assim na presença de pessoas que não podiam ser classificadas de outra forma que não a definição perfeita de família era extremamente tentadora e atrativa, mas não podia me esquecer que eu e o Ron sempre ficávamos juntos nessa data.

—Obrigada pelo convite, eu realmente adoraria, tenho certeza de que seria maravilhoso. – Comecei sem graça, não sabendo como dizer sem deixá-los chateados. – Mas eu sempre passo com o meu irmão, não queria deixá-lo sozinho.

A expressão dela se iluminou de novo, vendo que eu não estava negando a possibilidade.

—Ah, verdade! Harry nos contou que você tem um irmão e que são bem próximos, nós nunca o deixaríamos sozinhos! – Negou como se fosse um absurdo. – Leva ele também, vamos adorar conhecê-lo.

Essa era uma ideia bastante atrativa, porque eu não deixaria o Ron sozinho e ainda assim poderia ficar com eles.

—Vou falar com ele e os aviso, tudo bem? Mas já agradeço pelo convite. – Prometi e ganhei olhares empolgados de volta.

—Oi agora? – Harry nos interrompeu outra vez, mostrando que estava presente.

Fui até ele e me sentei ao seu lado assim que o cumprimentei com um selinho rápido. Os pais dele se acomodaram por ali também para uma tarde confortável, cheia de conversas agradáveis e risadas. Nem tentei ir para a minha casa depois que terminamos de comer a pizza que pedimos, porque eu já sabia que as negações seriam veementes e eu também não estava com vontade de trocar esse momento pela solidão do meu apartamento.

Meus sogros foram embora no domingo pouco depois do almoço, após de uma despedida com vários abraços e beijos, principalmente no Harry. Era diferente vê-lo na postura de filho, onde ele não era visto como um homem adulto, e sim uma eterna criança. Ele desceu para acompanhá-los até o carro, mas eu preferi ficar no apartamento mesmo e dar alguns minutos só para os três. Quando ele entrou, pouco tempo depois, me encontrou no sofá com a vasilha do meu bolo na mão, comendo mais alguns pedaços.

—Eu não ganhei coisinhas de comer. – Resmungou, se acomodando ao meu lado.

—Eu ganhei. – Falei convencida.

—Se eu te contar uma coisa, não conta pra minha mãe?

—Não, pode contar.

—Prefiro o bolo de morango da Mione do que esse aí. – Confessou como se fosse algo muito feio.

—Se eu te contar uma coisa, não conta pra Mione? – Ele riu assim que falei, porque minha confissão era bem óbvia. – Esse bolo aqui é melhor que todos os que já comi dela. Mas já é de se esperar, sua mãe tem mais tempo de experiência.

—Aquele bolo de morango era um sonho.

—Você tinha que ter visto o de chocolate que nós duas fizemos naquele tempo em que estávamos brigados.

—Nós? Você ajudou? – Perguntou com o cenho franzido.

—Sim, a fazer e a comer, claro, porque ficou maravilhoso.

—E qual exatamente foi sua ajuda? – Ele ainda não parecia convencido da minha participação.

—Peguei a farinha e mexi a cobertura.

—Sim, agora faz sentido.

Mostrei a língua para o seu descaso e ele riu, se acomodando no meu colo para mais uma tarde preguiçosa.

Quando brigamos, no meio daquele monte de coisas desnecessárias que dissemos um ao outro, Harry expôs claramente sua condição de que compartilhássemos tudo, como um casal de verdade. No fim, essa coisa de compartilhar era muito legal e satisfatória, porque diferente de toda a cautela com que ele agia comigo antes, agora nossa convivência era permeada de um conforto que se estendia a coisas que eu não precisava falar, ele entendia. Em troca, ganhei algo que ele sempre quis compartilhar e para o que eu era relutante: sua família.

No resultado final de tudo, eu conseguia entender claramente que quanto mais eu o deixava entrar, mais merecedor dessa confiança ele se mostrava. Prova disso foi que me vi querendo compartilhar coisas que ele nem sabia que existiam.

—Oi, Ron. – Cumprimentei assim que meu irmão abriu a porta.

—Tudo bem? Estava com saudade de você. – Falou, me prendendo em um abraço.

Não nos víamos há umas duas semanas, a última vez tinha sido quando ele e Mione se acertaram.

—Tudo bem, e você? Eu também estava, mas não queria atrapalhar a fase de coelhinhos no cio que você e Mione provavelmente tiveram. – Falei irônica, fazendo-o rir. – Brincadeira, só não deu mesmo, no fim de semana passado os pais do Harry vieram para cá.

—Ah, entendi. Quer jantar? Eu estou terminando de esquentar, é de ontem, mas está bem gostoso.

O segui até a cozinha, tagarelando com ele sobre as coisas que aconteceram durante esses dias que não nos vimos. Ron terminou de preparar uma salada enquanto isso, e quando tudo já estava pronto nos acomodamos no balcão.

—Tenho um convite para te fazer. – Chamei a atenção dele para mim.

—O que é?

—Na verdade não é meu, é da Lily. – Ele me olhou sem entender. – Mãe do Harry. Ela me convidou para passar o Natal com eles, e me pediu para levar você também.

Ele coçou a cabeça incerto, como se quisesse dizer alguma coisa e não soubesse como.

—Eles são muito legais, Ron, você vai ver. E eu queria ir.

—Sabe o que é? – Começou com cautela. – A Mione me convidou para passar as festas de fim de ano com ela na Austrália, não conheço os pais dela ainda.

Saber disso atenuou metade da culpa que senti por cogitar aceitar o convite logo que ele foi feito, mas me surpreendeu no mesmo nível.

—Uau, Austrália. Longe, né? – Ele assentiu sem falar nada. – E você vai?

—Eu gostaria, agora que as coisas se acertaram. E você também não vai ficar sozinha, né?

—Não, não vou.

—Então, você se importa?

—Parece que o jogo virou, não é mesmo? Quando eu era criança bem que te avisava que um dia você ia me pedir permissão também. – Provoquei e ele riu com vontade. – Claro que não me importo, mas pode me trazer um presente bem legal.

—Vou te trazer um crocodilo, ouvi dizer que lá tem muitos.

—Ouvi dizer que tem muitas aranhas também, cuidado. – Ele adotou uma cara de pavor que me fez rir ainda mais do que ele. - Ainda bem que a Mione já andou de avião com você, pelo menos já sabe como é. Mesmo assim,vou recomendar a ela que compre luvas de boxe, aguentar seus apertos daqui à Australia pode ser perigoso, falo como profissional.

—Nossa, você está tão engraçada hoje. – Falou com descaso.

—Posso receitar calmante, se quiser, talvez um sonífero. – Lancei a ele uma piscadela cúmplice.

—Posso te fazer ficar quieta se estiver difícil sozinha, que tal? – Ameaçou sarcástico.

—Credo, só quero ajudar. – Me fiz de ofendida, ele nem se importou.

—Agradeça à mãe dele por mim, por favor, se não fosse por isso eu não me importaria de passar o Natal com vocês.

—Tudo bem, ela vai entender. Você precisa conhecê-la um dia, Ron, Lily é um amor.

Ele ouviu todo o meu monólogo sobre como os pais dele eram adoráveis, fazendo pequenos comentários e rindo vez ou outra. Aproveitei um momento em que ele foi ao banheiro e mandei uma mensagem ao Harry perguntando se ele estava em casa e eu poderia ir até lá, a resposta positiva chegou segundos antes do meu irmão se acomodar ao meu lado outra vez.

—Ron, eu já vou.

—Está cedo.

—Na verdade eu nem ia jantar, só passei para pegar uma coisa. – Ele me olhou em dúvida enquanto eu deixava os pratos na pia. – Onde está aquela caixa?

O olhar muito avaliador que ele me lançou queria dizer que havia por trás disso muito mais perguntas do que ele faria.

—No maleiro, no meu armário, por que?

—Preciso dela. – Finalizei meu suco e deixei o copo de lado também.

—Gin, você está fazendo isso porque ele quer? – Perguntou especulativo.

—Não, Ron, Harry nem sabe da existência disso. Sou eu que quero. – Assegurei e o vi concordar minimamente com a cabeça, antes de se virar e sumir pelo corredor.

Meu irmão voltou um tempo depois, segurando o objeto que tinha o dobro do tamanho de uma caixa de sapatos. A cor azul já estava um tanto desbotada, visto o tempo que permaneceu guardada, mas ainda tinha a mesma aparência de que eu me lembrava.

—Obrigada. – Puxei da mão dele, me surpreendendo com o peso que eu nem lembrava que tinha. – Eu já vou, te trago no final de semana.

—Ta bom, cuidado no caminho.

Ele me acompanhou até a porta e esperou encostado ao batente até que eu entrasse no carro para sair. O destino não era minha casa, de novo, e cheguei ao prédio já tão bem conhecido por mim alguns minutos depois.

Harry estava assistindo TV quando passei pela porta, confortavelmente deitado em sua cama, e olhou com curiosidade para a caixa nas minhas mãos. Antes que eu fosse até o quarto, ele se levantou e veio até a sala me cumprimentar.

—Gostei dessa surpresa. – Ganhei um selinho demorado. – Veio direto do trabalho?

—Não, passei no Ron.

—O que é isso? – Apontou o que eu ainda estava carregando.

—O máximo de apresentações que eu consigo fazer. – Passei a caixa para a mão dele. – Eu só não quero ver junto, então deixa tudo no lugar depois que terminar, ta?

Ele me olhou meio confuso, sem entender, então tirei a tampa e deixei sobre o sofá, revelando o amontoado de fotos sorridentes que mostravam a época em que eu e o Ron não éramos os únicos integrantes da nossa família. Harry olhou para o conteúdo por um tempo, sem se manifestar, depois me encarou com a expressão clara de quem não sabia o que dizer.

—Ta bom. – Falou por fim, apenas para quebrar o silêncio.

—Vou tomar banho, depois te espero lá dentro. Vou dormir aqui hoje, tudo bem?

—Que pergunta besta, Ratinha. – Tentou brincar, mas nenhum de nós dois riu com sinceridade.

Ele se acomodou na mesa de jantar e eu saí a tempo de vê-lo puxar o primeiro álbum. Depois do meu banho, em que não me apressei em nada, permaneci no quarto sozinha por um bom tempo até ele se juntar a mim.

—Posso fazer um comentário? – Perguntou depois de se acomodar e me puxar para um abraço confortável.

—A vontade. - Uma das inúmeras coisas que eu gostava no meu namorado era a capacidade de ver apenas o lado bom de tudo, um contraponto que nos equilibrava, então o tal comentário com certeza não me incomodaria.

—Na verdade é uma pergunta. Você devia fazer certo sucesso na escola, hein? Cada vez entendo menos o idiota que te deu um pé na bunda.

O assunto me fez rir.

—Fazia um pouquinho, sim, modéstia a parte.

—E agora eu sei a quem puxou. – A sutileza também era um ponto forte.

—Ela era bem bonita, né?

—Era sim, a sua cara.

—Ron diz que o jeito também, uma cópia exata.

—Então também era encantadora. – Completou com um beijo no meu rosto.

Eu não soube o que dizer, mas com o tamanho do meu sorriso certamente nem precisou.

—Obrigado, Ratinha.

—Pelo que?

—Por tudo, mas especificamente porque de todas as coisas legais que você já fez, essa fica no topo da lista. E olha que você anda muito surpreendente ultimamente.

A sinceridade do agradecimento me fez rir.

—Você queria saber que não está sozinho, não queria? Não está, estou tão empenhada quanto para que isso dê certo.

—Você fica falando essas coisas, eu vou me apaixonando. – Falou em meio a uma risada alegre, o rosto encostado no meu cabelo.

—Então estou fazendo certo.

—Me conte alguma coisa que eu não sei. – Pediu me olhando de cima, o cotovelo apoiado na cama.

—Agora estou ficando sem opção, Ursinho. – Falei pensativa.

—Então deixa eu fazer mais um comentário, você era a mini bailarina mais linda do mundo, aquela roupinha rosa ficava uma graça.

—Eu te disse que não fazia feio.

—E eu sempre acreditei. - Afirmou convicto. - Ah! Que vestido horrível era aquele que te deixou parecendo um cupcake? – Perguntou com o cenho franzido.

A lembrança da roupa ridícula que eu tive que usar no casamento do meu irmão me fez gargalhar.

—Meu vestido de dama de honra, a Lila achava lindo, aquela estranha. – Respondi em meio a risadas.

—Eu vi uma foto dela, até que era apresentável, não? – O tom duvidoso indicava que ele não sabia se aquele era um comentário cabível.

—De boca fechada e a alguns metros de distância, sim.

Ele riu com vontade dessa vez.

—Ah, vou com você. – Falei de repente, virando a cabeça para encará-lo.

—Eu te convidei para algum lugar? – Perguntou em dúvida, me fazendo olhar de canto. – Quer dizer, vamos, mas pra onde?

A correção da frase me arrancou outra risada.

—Passar o Natal na casa dos seus pais.

—Ah! – A compreensão iluminou seu olhar, que se tornou imediatamente empolgado. – Vai ser bem mais legal com você lá. O Ron vai também?

—Não, ele vai pra Austrália com a Mione.

—Uau, que exótico.

—Eu diria que engraçado, porque ele tem medo de avião e de aranha, não sei o que vai fazer lá. – Ele riu de novo. – Mas já pedi um presente bem legal, ele trazendo é o que importa.

—E ele vai trazer?

—Ele sempre traz.

—O Mike já foi para a Australia, passou três meses lá estudando quando terminou a faculdade. Segundo ele, o país é incrível.

—Deve ser mesmo, mas todos aqueles bichos estranhos... – Franzi o cenho, indicando que não achava uma boa ideia. – Se bem que a Mione gosta de lá, então com certeza é um lugar de muito bom gosto.

A conversa sobre destinos visitados, desejados e indesejados se estendeu e embrenhou por outros tópicos, nos mantendo acordados por bastante tempo. Por fim, não sei dizer qual de nós dois adormeceu primeiro.

Minha manhã tranquila no trabalho foi interrompida por um acidente grave, com três vítimas e algumas fraturas graves que me mantiveram num turbilhão de adrenalina enquanto corria de um lado para outro sem intervalos de descanso.

Senti meu celular tocar no meu bolso enquanto finalizava uma prótese na perna da única mulher envolvida, o que me proibiu de atender. Saí do centro cirúrgico com a mesma sensação de dever cumprido de todas as vezes, e total intenção de ir até a lanchonete comer alguma coisa, visto que minha única alimentação até agora era um café da manhã tomado às pressas com Harry antes de sair da casa dele.

Apenas depois de finalizar meu lanche, me lembrei que eu tinha uma ligação perdida, mas o nome que encontrei no meu registro de chamadas não era o que esperava. Visto a pouca frequência com que isso acontecia, achei melhor retornar de imediato.

—Oi, Gin, desculpa ter ligado aquela hora. – Mione já atendeu se desculpando.

—Não tem problema, está tudo bem?

Deixei minhas embalagens no lixo e saí em direção à recepção para checar as entradas do período da tarde.

—Sim, e com você?

—Também. Quero fazer um convite, você e o Harry tem algum compromisso no sábado à noite?

—Não, estamos livres.

—Eu e o Ron vamos jantar com o Ced e ele quer que vocês dois compareçam também.

—Devo me preparar para uma noite inesquecível? – Perguntei divertida, me lembrando de todas as coisas que ela me falava a respeito do amigo.

—E cheia de comentários indiscretos e convencidos também. – Concordou no mesmo tom.

—Pode confirmar, Mione, estaremos lá. Será na sua casa?

—Sim, vou avisar a ele. Não vou mais te atrapalhar, Gin, até sábado.

Ela começou a se despedir assim que virei na recepção, e ao longe avistei Colin atrás do balcão, o que me deu uma ideia.

—Mione, posso levar um amigo também?

—Colin? – O tom sugestivo indicava o que eu já sabia, minha amiga era muito esperta.

—Ele mesmo.

—Vou reservar mais um lugar na mesa.

—Obrigada, Mione. Beijos.

—Até sábado, Gin.

Encerrei a ligação e escorreguei meu celular para dentro do bolso outra vez, caminhando até o balcão de emergências.

—Oi, gato. – Encostei ao lado dele, que manteve a expressão concentrada no computador.

—Oi, gata, dia corrido esse seu, hein?

—Nem me fala. – Alonguei minhas costas, sentindo o cansaço do dia. – E o seu, tranquilo?

—Mais tranquilo que o seu, mas nem tanto. Só veio bater papo?

—Sim, e te perguntar o que você vai fazer sábado à noite.

—Por enquanto nada, por que? Tem algum programa em mente?

—Tenho sim, quer jantar comigo, Harry, Mione e o Ron?

Ele me lançou um olhar estranho, porque meu convite era meio inusitado.

—Quero que você conheça a Mione também, gato, vai ser legal.

—Não acho que vá ser chato, só fiquei surpreso porque é um programinha meio familiar, né?

—Mais ou menos, mas você vai se encaixar perfeitamente. – Fiz minha melhor cara de convincente para ele. – E a Mione também vai levar um amigo, você não vai se sentir deslocado, não é um programa de casal.

—Entendi, tomara que esse amigo seja divertido, pelo menos, porque se vocês estiverem muito melosos ele fala mal comigo.

Nem tentei reprimir uma risada.

—Eu não o conheço pessoalmente, mas pelo que ela fala, ele é bem divertido.

—Assim espero, não quero ser o único a divertir o ambiente. – Falou convencido. – Pode falar para ela que eu vou. É a vizinha que mora no apartamento em frente ao seu, né?

—Sim.

—Tem horário definido?

—Não sei, mas chega lá pelas sete.

—Estarei lá. – Garantiu e se virou novamente para a tela. – Agora vou terminar a inclusão desses dados aqui, senão não termino hoje.

—Tudo bem, não vou mais te atrapalhar. – Me abaixei e estalei um beijo em seu rosto. – Até sábado.

A caminho do meu consultório mandei uma mensagem para Mione informando que ele iria. A iminência de uma noite extremamente divertida já me deixava ansiosa.


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Notas finais do capítulo

Oi, pessoal, como vocês estão? Espero que muito bem.
Não tenho o que dizer desses dois além de que é muita fofura, e que eu AMO escrevê-los fofos assim!
E para quem era a favor de juntar Ced e Colin, o que estão achando desse final? Imagina só um jantar com esses dois juntos... ahahah
Aguardo as opiniões de vocês nos comentários.
Beijos e até o próximo.

Crossover: Parece que o plano deu certo, não é? Para ver como tudo aconteceu, é só ler o último capítulo postado de Backstage!



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