Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 37
Capítulo 37




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O jantar na casa da minha amiga não poderia ter sido mais divertido. Não foi nenhuma novidade que Colin e Ced se deram extremamente bem na arte de nos constranger e divertir com comentários e piadas que pareciam ter sido planejadas juntas, tão grande era a sincronia. Meu amigo gostou tanto, que me perguntou no hospital, quando nos encontramos na segunda pela manhã, por que eu não o havia apresentado antes àquelas pessoas maravilhosas.

Harry teria duas semanas inteirinhas de folga no trabalho entre as semanas do Natal e Ano Novo, e as passaria quase completamente com os pais. Diferente de mim, que teria apenas três dias no Natal e precisaria voltar para o plantão no Ano Novo, como já era rotina para mim em todos esses anos de profissão.

—Não, Gin, é desnecessário você ir sozinha depois. Eu te espero e vamos juntos, não vai fazer falta dois dias a mais. – Ele teimou quando eu disse que deveria ir para a casa dos pais já no seu primeiro dia livre.

—Mas se eu voltar com o seu carro, você fica como? E não estou muito a fim de voltar de ônibus, não são um meio de transporte que me agrade, eu fico enjoada.

Ele interrompeu o trajeto do copo de suco até a boca e me olhou de um jeito engraçado.

—Sério?

—Sim, desde criança eu passo mal.

—Fresca. – Riu e voltou a comer. – Volta com meu carro, ou vamos com o seu, tanto faz, lá se eu precisar sair pego o de um dos dois, e no próximo final de semana você me busca.

—Sua mãe e seu pai vão enjoar da minha cara.

—Eu duvido muito, e você só está falando isso pra eu negar. – Falou como uma acusação. – Então está decidido? Vou avisar para eles.

—Decidido, pode avisar.

—Não vejo a hora dessa semana acabar. – Falou exagerado, deitando a testa sobre as mãos que estavam apoiadas na mesa.

—Eu queria ver você um mês na minha rotina, Harry.

—Dispenso, obrigado. Eu me canso de te olhar, sou bem honesto para dizer que não aguento três dias.

—Depois eu que sou a mole. – Desdenhei, finalizando minha comida também. – Vamos?

—De quem falta?

—Da Mione, do Ron e dos seus pais. Pelo amor de Deus, o que eu compro de presente para os seus pais? – A confusão visível no meu rosto o fez rir da minha pergunta.

—Meus pais são bem fáceis de agradar, Ratinha.

—Para você, que os conhece há vinte e oito anos.

Peguei as minhas sacolas e Harry fez o mesmo com as dele, deixou nossas bandejas ao lado e pegou minha mão para continuarmos nossa expedição pelo shopping abarrotado de pessoas, típico de final de ano.

—E o meu?

—Você está cobrando presente? – Ergui a sobrancelha para ele.

—Sim. – Falou como se fosse óbvio, nem um pouco envergonhado.

—O seu já está comprado, Ursinho.

—Sério?

—Muito sério, mas nem adianta perguntar o que é. – A expressão contrariada dele me deu certeza de que essa seria a próxima pergunta.  - Vem aqui. – O puxei para dentro de uma joalheria antes que o assunto se alongasse.

Era difícil dar qualquer coisa inédita nesse sentido para Hermione, porque ela tinha tudo que se possa imaginar para composição de uma boa imagem, em quantidades e modelos dos mais variados possíveis. Relógio, no entanto, era um item que ela não variava com frequência e o que me chamou atenção na vitrine foi um que eu tinha absoluta certeza de que ela não possuía nem parecido.

Quinze minutos depois, voltamos aos corredores com um presente a menos para nos preocupar e um relógio a mais para mim, porque não resisti a ter um igual.

—Eu sempre fico impressionado com como você é rápida para comprar coisas.

—Por que demorar? Eu vi, gostei, a Mione também vai gostar, não tem porque ficar enrolando. – Dei de ombros, mostrando que era bem óbvio.

O do meu irmão também foi muito fácil, bastou entrar na primeira loja de jogos e pedir pelas novidades. Saí de lá com três lançamentos que chegaram no começo da semana, ele com certeza não tinha esses.

—Você podia me vender um desses para eu dar pra ele, né? – Harry comentou assim que entramos na livraria enorme que havia em frente.

—Nem tente, eu sempre dou os lançamentos de jogos pro Ron, ele já até espera.

—Mas eu não faço ideia do que comprar, Gin.

—O Ron é super fácil de agradar, Harry. – Devolvi a resposta e ele me olhou com os olhos semicerrados. – O que estamos fazendo aqui?

—Comprando o presente da Mione.

Caminhamos sem pressa pelos corredores repletos de livros por todos os lados, eu totalmente a esmo, o Harry aparentando saber exatamente aonde ir. Paramos em frente a uma prateleira e ele soltou minha mão para procurar entre os títulos que havia ali, muito concentrado nas muitas opções disponíveis. Olhei em volta e uma estante com DVDs me chamou atenção, então caminhei até lá e fiz o mesmo que ele, olhando com atenção para um box específico.

—Amor, vem aqui. – Chamei alto o suficiente para que ele me ouvisse.

—Espera aí.

Não precisei esperar muito, em menos de dois minutos ele chegou atrás de mim e me prendeu num abraço nada discreto para um local público.

—Tenho que parar de rir igual um idiota toda vez que você me chama assim.

—Assim como?

—De amor.

Olhei por cima do meu ombro e o vi com um sorriso bobo no rosto.

—Não precisa, não, eu acho uma graça seu sorriso idiota.

Nós dois rimos da minha afirmação, e quando olhei para baixo novamente os dois livros na mão dele me chamou atenção. Um eu conhecia através do filme: O diabo veste Prada, mas do outro nunca ouvi falar.

—A vingança veste Prada? – Perguntei, lendo o nome na capa vermelha.

—É a continuação. O que você queria?

Tirei o box de filmes da prateleira e estiquei para ele:

—O Ron vai adorar, ele ama essa série.

—Prison Break? E quem não? Já sei, nem precisa me dizer, você não. – Zombou, acrescentando minha sugestão em sua pequena pilha de compras.

—Não tenho como opinar, só sei que a médica fica com o presidiário e tem um filho dele, o que é altamente irresponsável na minha opinião. – Falei como um aviso, fazendo-o rir.

—Eles se amam. – Ele justificou.

—Não muda que ele era um presidiário que ela não sabe nem de onde veio, nem o alto nível de transmissão de doenças entre esse público.

—Você não sabe de onde eu vim também.

—Li sua ficha médica completa, Harry, sei sim, você é que não sabe de onde eu vim.

—Pois me traga sua ficha médica amanhã mesmo, doutora. – Tentou soar sério, mas riu ao final.

—Meio tarde para essa preocupação, você não acha?

—Estou confiando na sua capacidade e pré-disposição a cuidar da saúde de todo mundo, espero que principalmente da sua. E também que você não vai me dar um golpe da barriga nem nada assim, agora que sabe que eu sou gerente.

A última observação me fez rir com vontade.

—Segundo seus cálculos eu ganho três vezes mais e só trabalho, não tenho tempo para nada, então você é que ficaria com a criança. Esse golpe não seria nada lucrativo para mim.

—Lucro é comigo mesmo, já gostei dessa linha de raciocínio. Acho que eu é que vou te dar um golpe agora, como faço para te engravidar sem você saber?

A pergunta absurda me arrancou uma nova gargalhada.

—Nem perca tempo tentando, o risco é muito próximo de zero, eu prestei bastante atenção na aula de métodos contraceptivos.

—Fora isso tem a sua capacidade de não deixar nada acontecer fora do seu controle. – Ele me olhou convencido antes de completar: - Fora eu, claro, mas eu sou uma exceção gostosa.

—E humilde, também, não podemos esquecer.

Harry agradeceu à moça do caixa, que embrulhou os presentes separadamente conforme sua indicação, e saímos da loja.

—Retribuindo o seu favor, meu pai gosta de vinil, ele tem vários. – Falou com o braço apoiado no meu ombro.

—Já ajuda, algum cantor específico?

—Rock clássico, se você encontrar Beatles é certeza absoluta.

—Vou tentar, não é o tipo de coisa que se encontra em cada esquina. Obrigada.

—Quer procurar mais alguma coisa?

—Não, por mim podemos ir embora.

Tomamos o caminho do estacionamento e as sacolas foram todas jogadas no banco de trás do meu carro.

—Preciso de um favor seu, Harry. – Falei quando já estávamos quase chegando na casa dele.

—O que for, minha linda. – Concedeu, fazendo carinho na minha nuca enquanto eu dirigia.

—Leva o Ron e a Mione no aeroporto semana que vem? O voo deles sai na segunda a tarde, eu vou estar trabalhando.

—Levo, só me avisa a hora certinho e onde buscar os dois, se na casa dele ou dela.

—Vou dizer à Mione que é você que vai e peço para ela ligar direto para você. – Estacionei em frente à portaria. – Obrigada pela companhia.

—Eu que agradeço, não quer mesmo subir?

—Hoje não, obrigada, mas no sábado venho direto para cá.

—Nós vamos mesmo jantar na casa do Ron? – Perguntou, me prendendo em um abraço.

—Sim, aí já entregamos os presentes dele.

—Então até sábado? – Me deu um selinho e se afastou suficiente para desgrudar nossas bocas.

—Até, comporte-se até lá.

—Vai demorar.

—Não vai não, prometo. – Respondi tão manhosa quanto ele falou, segundos antes de deixar as palavras morrerem em meio a um beijo lento e profundo. – Boa noite.

—Para você também, Ratinha, cuidado no caminho.

Esperei que ele pegasse as próprias compras e entrasse, antes de acenar para mim mais uma vez.

Sábado não chegou tão rápido quanto eu esperava, mas trouxe um dia lindo e ensolarado para que pudéssemos aproveitar a piscina do prédio antes de ir para a casa do meu irmão. Depois de muita conversa jogada fora, trocamos nossos presentes com quase uma semana de antecedência e muita animação, deixando a noite ainda mais engraçada.

Harry adorou o boné da liga de oficial de baseball que o Ron deu para ele, ouviu com atenção todos os conselhos de moda que Mione acrescentou à camisa social muito elegante com que o presenteou e eu realmente amei os brincos que ganhei do meu irmão, combinando com o anel que ele comprou no meu aniversário, mas o destaque da noite ficou com o casaco de linho rosé que encontrei ao abrir o embrulho muito bem feito que minha amiga me entregou.

—Uau! - Foi a única coisa que consegui dizer, numa entonação muito parecida à que o Harry usava as vezes quando ficava impressionado.

As pontas assimétricas da peça davam um caimento mais jovem ao tecido elegante, deixando-o perfeito. Eu ainda nem tinha vestido e já tinha certeza que ficaria incrível.

—Vai ser lançado na próxima coleção de inverno, assim que vi o desenho achei sua cara e pedi para o Raul fazer um para você. - Sorri para ela em agradecimento. - Você pode colocar por cima de um look todo preto com calça skinny e scarpin, mas se quiser ousar um pouco mais me avisa e eu te ajudo.

Eu nem sabia quem era Raul, mas já era fã dele mesmo assim.

—Para o meu você não olhou tanto tempo assim. -Ron resmungou, enciumado.

—Eu amei o seu, Ron, mas estou esperando o próximo para olhar para os dois juntos.

—Que próximo?

—O que você vai trazer da Austrália. - Ouvi as risadas ao meu redor.

—Vou te trazer um crocodilo, já disse.

—Isso pesa mais do que 32Kg, amor, acho que não vai dar. - Minha cunhada entrou na brincadeira.

—Mione, ele tem medo de aranhas, não o deixe chegar muito perto de uma porque o escândalo é feio. - Alertei sob o olhar feio dele, arrancando mais risadas.

Harry e eu fomos embora no domingo logo após o almoço, aproveitar o resto do fim de semana namorando e deixar que eles terminassem os preparativos da viagem.

Usei os períodos livres que tive na segunda-feira para procurar na internet um antiquário, embora eu jamais tenha entrado em um, o fato de Lily ser historiadora me indicava que ali provavelmente eu encontraria o presente ideal para ela. Por sorte, havia um não tão longe assim da minha casa, e quando liguei informando minha intenção de olhar algumas peças o dono se disponibilizou a me atender pouco depois do horário.

Demorei alguns minutos dentro da loja para começar a ver aquele amontoado de coisas velhas como peças em exposição e venda, porque para mim era tudo antigo demais para ter algum valor. Excluí de imediato móveis e qualquer coisa grande e muito vistosa, eu não me arriscaria a estragar a decoração tão bonita da casa dela com qualquer coisa assim.

Para poupar o tempo de olhar tudo, expliquei ao vendedor que me acompanhava que eu queria algo discreto e simbólico para uma historiadora e ele me guiou até um porta jóias do século XIX, feito em pedra e metal, bem conservado e elegante, compondo sua beleza peculiar de coisas que o tempo consegue deixar ainda mais valiosas. Assim que pus os olhos não tive dúvidas, era isso.

O do James foi bem mais fácil, no mesmo antiquário haviam alguns vinis e entre eles dois dos Beatles, que foram incluídos na compra. Saí de lá com os dois embrulhos e satisfeita com as escolhas, que me pareceram ideais.

Colin também ficaria em casa no Natal e trabalharia comigo no ano novo, então antes de ir para casa no dia anterior ao início das nossas mini férias, o procurei para me despedir e não encontrei em lugar nenhum. Decidi encerrar minha busca e ligar para ele quando chegar em casa, mas surpreendentemente o encontrei no vestiário falando ao telefone.

—Também me diverti muito, podemos marcar de novo para a próxima semana, estarei de volta na segunda.

Não era muito educado, mas o assunto me chamou atenção e fiquei quieta atrás dele, escutando.

—Então tudo bem, deixamos para o começo do ano. Tenha um ótimo natal também e se divirta no ano novo. Beijos, Ced.

Ao ouvir o nome da pessoa com quem ele estava falando, quase ri alto, mas consegui segurar. Colin guardou o celular no bolso e se levantou para sair, mas assim que se virou deu de cara comigo e levou um susto.

—Ai, Ginny! - Exclamou exasperado.

—Beijos, Ced? - Perguntou com a sobrancelha erguida, ignorando seu olhar bravo. - Me conta isso direito.

—Nossa, que pessoa mais inconveniente. - Falou com superioridade.

—Vocês saíram, gato?

—Você ouviu tudo, sua mal educada, quer que eu conte por que?

—Não ouvi tudo, não, cheguei no fim. Saíram o não?

—Saímos. - Concedeu por fim, se sentando novamente, de frente para mim dessa vez.

—E como foi?

—Se quer mesmo saber, melhor impossível, me diverti como não acontecia há muito tempo. Ele é muito engraçado.

—E bonito também, não?

—Mais bonito que engraçado, e olha que eu ri a noite toda.

—Bonito nota doze? - Ele riu da minha pergunta, entendendo a alusão à nossa conversa de algumas semanas atrás.

—Gata, me diverti, e só. Pode fazer essa sua cabecinha apaixonada voltar do lugar mirabolante aonde ela já foi.

—E eu fiz uma pergunta, e só. - Dei de ombros com ar inocente.

—Nota doze e meio, então, respondendo à sua pergunta.

—Raro de encontrar, hein? - Provoquei mais um pouco, ele rolou os olhos para mim. - Eu estava te procurando para me despedir, já vou.

Colin veio até mim e me prendeu num abraço carinhoso, como sempre era quando me abraçava.

—Feliz Natal, gata, boa viagem e divirta-se por lá, mas aproveite para descansar um pouquinho também.

—Você também, e divirta-se com moderação porque eu preciso de você inteiro no Ano Novo comigo.

—Vou fazer o possível. – Falou sugestivo, me arrancando uma risada.

Harry e eu saímos cedo no dia seguinte para a casa dos pais dele, onde eu passaria os próximos cinco dias, e ele as próximas duas semanas.

Os dias que passei com eles foram uma sucessão infinita de mimos, com uma quantidade de comida que dava a entender que Lily e James pensavam que não nos alimentamos direito em casa. Eu não poderia mais dizer que me acostumaria com isso, o fato é que eu já estava acostumada e me sentia muito bem.

Na véspera de Natal, quando desci do quarto do Harry usando o vestido que Mione me deu de presente no meu aniversário e toda a produção recomendada por ela na ocasião, encontrei a casa cheia de pessoas simpáticas que eu nunca tinha visto ou ouvido falar, mas que sabiam meu nome e me cumprimentaram como se eu fosse uma velha conhecida. Depois de todos os cumprimentos e cordialidades, me acomodei ao lado do Harry no sofá.

—Você está uma coisa linda com essa roupa, Ratinha. - Elogiou, pousando a mão na minha coxa à mostra pela saia curta.

—Obrigada, lindinho.

—Comeu alguma coisa? - Perguntou depois de dar um beijo na minha mão e prendê-la entre as dele.

—Foi só o que eu fiz desde ontem, quase não aguento mais ver comida.

—Tem bolo gelado ainda.

—Então aguento assim. - Me corrigi rapidamente, fazendo-o rir.

—Minha mãe achou o propósito da vida dela te alimentando com aquele bolo.

—Não tenho reclamações, ela pode continuar.

—Que horas vou ganhar o meu presente? – Perguntou empolgado, deitando o rosto no meu pescoço.

—Não sei, que horas vocês trocam presentes normalmente?

—Quando forem todos embora, logo depois da ceia. Mas você pode me dar agora se quiser.

—Ah, não, vou esperar e fazer isso junto com todo mundo.

Já se aproximava das duas da manhã quando os últimos convidados, e também vizinhos da casa ao lado, foram embora. Nós todos estávamos cansados da recepção animada, mas ninguém pareceu se incomodar com isso quando nos acomodamos nos sofás para trocar presentes e continuar com a conversa noite adentro.

Lily e James pareceram adorar meus presentes, o que me deixou bastante aliviada e contente. Harry olhou com os olhos brilhando para a coleção de miniaturas de heróis da Marvel que comprei numa geek store, e abriu um sorriso muito sugestivo na minha direção quando viu a gravata elegante que adicionei ao embrulho.

—Contexto especial de natal? – Perguntou com um sorriso de canto, me deixando com as bochechas vermelhas.

—Esse é aquele assunto que a gente não pergunta o que significa, né? – James comentou divertido, tirando nossa atenção um do outro e me deixando ainda mais envergonhada.

Não consegui segurar a risada quando tirei de dentro do embrulho a Minnie vestida de médica, que eu tinha certeza que o objetivo era competir espaço na minha cama com o Coala médico australiano que ganhei da Mione. Além disso, o perfume que ele me deu também era maravilhoso.

Depois de presentearem o filho, Lily e James me entregaram um envelope rosa, confeccionado em papel encorpado. Dentro havia um convite para um day spa completo, agendado para um dia antes da minha volta para casa.

—Você cuida tanto dos outros, que pensamos que deveria tirar um dia para alguém cuidar de você também. – Lily explicou com empolgação. – Então vamos passar um dia de meninas juntas.

Nem preciso dizer que adorei, desde a companhia até tudo o que fizemos no nosso dia cheio de cuidados, massagens relaxantes e fofocas. Quando voltamos para casa, já de noite e após passar num restaurante para jantar, eu já sabia uma lista infinita de coisas a respeito dela, do seu trabalho, dos parentes mais próximos e relatos detalhados sobre coisas que o Harry fez em diferentes estágios da vida.

—Você podia ficar mais uns dias, né? – Harry reclamou quando nos acomodamos no quarto dele para dormir. – O que é isso que passaram em você? – Perguntou descendo o nariz pelo meu pescoço em direção ao braço.

—Óleos de massagem, por quê?

—É cheiroso, mas acabou com o seu cheiro, então tem que sair logo. – Resmungou ao final da frase, voltando a deitar a cabeça no meu peito.

—No final da semana que vem você já volta para casa.

—Você vem cedo no sábado?

—Não, eu vou sair cansada do plantão, melhor ir para casa dormir um pouco antes do que fazer besteira.

—Verdade, então descansa um pouco antes. – Determinou, se apoiando no cotovelo, o corpo parcialmente sobre o meu. – Vamos nos despedir agora?

—Hoje estou relaxada demais, Ursinho, nem encosta. – Brinquei já puxando-o para baixo, o pescoço ao alcance da minha boca.

—Vou relaxar mais, você vai ver, quando eu terminar você vai estar praticamente flutuando.

Adormeci um tempo depois ainda com a sensação de estar nas nuvens, e talvez por isso tenha demorado tanto para acordar no dia seguinte.

Ao contrário dos dias em que não fiz nada na casa dos meus sogros, a semana seguinte me recebeu com todo tipo de emergência possível, como era muito típico da época do ano. Colin me fez companhia todos os dias, e no último dia do ano fizemos nossa costumeira festa particular, com direito a presentes, jantar e tempinho de descanso para nós dois.

Apesar de na sala de descanso só haver camas de solteiro, ele ignorou minha reclamação e me empurrou para o canto até ter espaço suficiente para se deitar do meu lado, ambos de costas no colchão. A privacidade de estarmos sozinhos me permitiu saber com mais detalhes do encontro com o Ced, que na verdade já eram dois e não apenas um, como imaginei, e arrancou risadas enquanto eu relatava o que, segundo ele, era um caso de amor entre mim e a mãe do Harry.

Nós dois estávamos rindo quando meu celular tocou, anunciando uma chamada de vídeo do meu namorado. O relógio indicava que faltavam dez minutos para o primeiro dia do ano, o que justificava a ligação. Antes que eu atendesse, Colin puxou o aparelho da minha mão e sorriu para a tela assim que Harry apareceu.

—Oi! – Cumprimentou animado. – Preciso te perguntar uma coisa.

—De acordo com a tradição, seria se eu estou bem. Estou sim, obrigado, e você? – Harry respondeu em meio a uma risada.

—Estou ótimo, mas não era isso. – Meu amigo riu também antes de prosseguir. – Como você se sente sabendo que está aí tão longe enquanto eu estou na cama com a Gin? – Virou a câmera para focar nós dois deitados um ao lado do outro.

—Com inveja e muito tranquilo, pode continuar onde está.

Nós três gargalhamos com a resposta e eu puxei o aparelho para conversar um pouco com ele. Quando desliguei o telefone já era quase meia noite, e assim que a hora certa chegou meu amigo me esmagou em um abraço cheio de risadas, desejos para o ano que se iniciava e piadinhas que sempre trocávamos quando não havia mais ninguém, porque certamente só eram engraçadas para nós dois.

Voltamos à emergência depois de alguns minutos descansando, e aproveitei o movimento fraco para pedir a ele que pegasse o prontuário do Harry para mim, porque eu precisava checar uma coisa que há dias me esquecia de verificar. Mal localizei a informação que estava procurando, e tive que sair correndo para atender apenas a primeira pessoa que achou que a melhor forma de comemorar esta data era bebendo e dirigindo.

O dia de buscar o Harry demorou a chegar, mas como já não era novidade o tempo com ele voou, assim como o mês de janeiro, que quando percebi já tinha passado da metade.

Eu esqueci de avisar a ele que viria, mas era um dia que eu não poderia começar em nenhum outro lugar, então saí do meu plantão no sábado e fui direto para o apartamento do meu namorado. Como era de se esperar, ele só percebeu minha presença quando me deitei ao lado dele, depois de um banho rápido e relaxante. Nos cumprimentamos com um beijo e ele voltou a dormir com os braços ao meu redor, o abraço me fazendo mergulhar ainda mais rápido na inconsciência.

Quando acordei, Harry estava deitado ao meu lado na cama, enrolando uma mecha do meu cabelo entre os dedos.

—Eu que te acordei?

—Não, que horas são?  - Cocei os olhos enquanto perguntava.

—Não sei, mas já é de tarde.

Me desvencilhei da mão dele e fui até o banheiro, de onde retornei minutos depois já muito mais apresentável.

—Estava com saudade de você, quase não nos vimos essa semana.

—Mês de férias é desse jeito mesmo, um monte de crianças se quebrando, acidentes de todo jeito. – Expliquei me sentando ao seu lado no colchão, de frente para ele. – Você sabe que dia é hoje?

—Sábado?

—Do mês.

—Vinte?

—Isso, e isso não te diz nada?

Observei enquanto ele se esforçava para entender, mas aparentemente sem sucesso.

—É algo que eu deveria me lembrar? – Perguntou desconfiado.

—Talvez. – Respondi vagamente, deixando-o ainda mais curioso. – Há exato um ano você quebrou o braço.

—Sério?

—Sim, e sabe o que eu estava pensando? – Ele negou com a cabeça. – Se estamos namorando, precisamos de uma data, não? De um aniversário.

—Faz muito sentido.

—E não começou quatro meses atrás, quando nos acertamos de vez, eu me recuso a não considerar tudo o que fizemos antes.

—É um bom ponto de vista. – Falou com um sorriso enorme na minha direção. – Mas também não começou exatamente quando nos conhecemos, começou?

—Claro que começou, não foi meu desafio que te motivou? Então, já faz um ano que eu sou a sua Ratinha.

Sua risada preencheu o quarto e eu acabei rindo junto.

—Então é hoje? Um ano de namoro? – Perguntou entrelaçando os dedos nos meus.

—Sim, feliz primeiro ano, Ursinho.

—Feliz primeiro ano, minha linda. – Desejou e me puxou para um beijo demorado.

Quando nos separamos, me inclinei sobre ele para alcançar minha bolsa, deixada sobre o criado mudo, e vi seu olhar curioso seguir meu movimento quando tirei o pequeno embrulho de lá de dentro.

—Eu comprei uma coisinha para você, espero que goste.

Ele me olhou dividido entre o deslumbre e a contrariedade.

—Eu não comprei nada para você.

—Não tem problema, ano que vem você me dá dois presentes. – Sugeri e ele riu. - Não é bem um presente, é que eu queria que você tivesse algo para lembrar de mim também.

—E quando eu não lembro? – Perguntou com a sobrancelha erguida, enquanto tentava desfazer o laço complicado que a vendedora da loja fez ali.

Gostei da resposta, e meu sorriso convencido com certeza demonstrou isso.

—Deixa eu abrir para você. – Puxei da mão dele e usei a ponta das minhas unhas grandes para desfazer com mais facilidade. – Aqui, só desfazer o laço agora.

—Obrigado.

O sorriso aumentou quando ele puxou de dentro um chaveiro em formato de ratinho e com um coração preso entre as pequenas patas dianteiras.

—Acho que estou apaixonado. - Ele falou sorrindo para o presente modesto.

—Acha? A essa altura é bom você estar mesmo e não ter nenhuma dúvida! - Exigi com o dedo apontado em sua direção.

—Agora eu estou arrependido de não ter comprado um chaveiro em formato de urso para você. – Comentou enquanto olhava todos os lados do objeto.

—Não, de jeito nenhum, a caveirinha já é tão a sua cara que eu a chamo de Harry.

—Lisonjeiro. – Falou com o cenho franzido, me arrancando uma risada.

Ele saiu do quarto e voltou segundos depois com a chave de casa nas mãos, prendendo ali o meu presente, estendeu para que eu pudesse ver também e se deitou de novo, me puxando para cima dele.

—Preciso fazer alguma coisa legal para você também, doutora. Não vou deixar nosso primeiro aniversário de namoro passar em branco de jeito nenhum.

—E o que você tem em mente? – Deslizei o nariz pelo rosto dele, aspirando o cheiro do creme de barbear que ele provavelmente usou enquanto eu dormia.

—O que você acha de jantarmos naquele mesmo bar onde você me disse que era a minha Ratinha?

—Adorei a ideia, será que conseguimos o mesmo banco no balcão também?

—Você lembra qual era a roupa que estava usando?

—De jeito nenhum vou de calça branca, essa parte não vai rolar. – Ele riu e nos virou na cama, ficando por cima de mim.

—Obrigado.

—Pelo que? – Passei a mão no rosto dele, pensando se algum dia eu pararia de achá-lo tão bonito.

—Apesar de alguns momentos que nem preciso citar, foi um ano maravilhoso para mim, você tem culpa direta nisso.

—Então obrigada também, eu não mudaria nada nesse ano, nem esses momentos. – Ele me olhou meio confuso. – Você já deve ter reparado que preciso de um empurrãozinho as vezes, né? Então, eles serviram para isso.

—Empurrãozinho? Que modesta, você precisa quase de um reboque.

Rolei os olhos exageradamente para ele.

—A gente começa sendo carinhoso e você estraga tudo sendo um ogro.

—Desculpa, vou ser um príncipe agora. – Adotou uma pose comportada, tirando a mão do meu quadril e colocando comportadamente na minha cintura.

—Também não é para tanto. – Empurrei a mão dele de volta para a minha bunda. – E depois, vamos fazer o que?

—O que você quiser, quer sair para dançar?

—Você dança? – Perguntei com a sobrancelha erguida, não era uma das coisas que eu conseguia imaginá-lo fazendo.

—Eu tento, e você?

—Eu fiz ballet, lembra? Pelo menos tenho ritmo.

—Ou seja, também não. – Concluiu, nos fazendo rir.

—Gostei da ideia de dançar, mas vamos jantar e voltar para cá, colocamos uma sequência legal e fazemos isso aqui na sua casa mesmo, sem plateia e sem precisar nos comportar, o que acha?

—Perfeito, Ratinha, vai ser o melhor aniversário.

 -Obrigada também por me dar uma data que valha a pena lembrar em janeiro.

Não precisei de maiores explicações para ele entender sobre o que eu estava dizendo.

—Foi em janeiro?

—Sim.

—Que dia?

—Já passou, você trabalhou até mais tarde no dia.

Ele me olhou com a expressão meio culpada.

—Não faz essa cara, Harry, é só mais um dia como qualquer outro.

Na verdade não era bem assim e ele sabia, mas não disse nada.

—Passei o dia todo no trabalho, falei com o Ron, atendi uma emergência complicada e fui para casa só para dormir, nenhuma novidade. – Reafirmei minha negação do pior dia do ano para mim.

—Então vamos nos concentrar no melhor dia de janeiro. – Se afastou com a mão estendida para mim.

—Vamos. – Aceitei o apoio que ele me oferecia e fui puxada para fora da cama.

—Sugiro começar alimentando a minha hóspede.

Ele se posicionou atrás de mim, e com as mãos na minha cintura me guiou até a cozinha.

O melhor dia de janeiro terminou num quarto cheio de espelhos e uma cama redonda, porque achamos que era uma data importante demais para simplesmente voltarmos para casa. Para compensar a falta de presente, Harry me acordou com café da manhã na cama, eu não podia reclamar.

A única novidade nas próximas semanas foi o Colin cada vez mais feliz sempre que o dia anterior coincidia com uma noite livre, e eu sabia qual era a companhia que o fazia ficar assim. Aos poucos vi os olhos dele brilhando cada vez mais ao falar do Ced, embora ainda o chamasse de “pavão”, uma alusão ao jeito dele, sempre muito cheio de pompa e brilho próprio, que provavelmente ofuscava alguns desavisados por aí.

Minha cunhada me ligou duas semanas antes do aniversário do meu irmão para dizer que estava organizando uma festa surpresa para ele, apenas para os amigos mais próximos. Confirmei para ela que não havia nem dúvidas, com certeza Harry e eu compareceríamos no dia e horário marcado.

Na semana da comemoração, marquei com o Colin par irmos até o shopping no meu horário de almoço para comprarmos os presentes do Ron, já que ele também havia sido convidado, assim já aproveitaríamos o dia para almoçar juntos e contar as novidades dos últimos dias, corridos o suficiente para não conseguirmos nos falar. Ele chegaria no hospital algumas horas depois de mim e prometeu que me procuraria para irmos.

Eu estava no meio de um atendimento, tirando as bandagens do pulso de um paciente, quando duas batidas rápidas soaram na porta e meu amigo passou por ela, a expressão mortificada no rosto. Minha reação ao olhar para ele foi quase incontrolável, tentei disfarçar o riso com uma tosse, mas não tive o menor sucesso.

—Desculpe. – Pedi ao paciente antes de gargalhar.

O rapaz, de pouco mais de vinte anos e muito simpático, não se importou e pareceu até achar graça da situação cômica que ele não entendia, mas era engraçada apenas por conter o Colin emburrado e a minha risada  alta.

—Só gostaria de avisar que estou esperando na recepção, doutora. – Ele falou com toda a dignidade que tinha e saiu do meu consultório.

Terminei o meu atendimento e me despedi do rapaz, só então pude ir ao encontro do meu amigo.

—Gato, o que é isso? – Me debrucei no balcão, de frente para ele.

—Eu gostei, se quer saber. – Afirmou com superioridade.

—Eu também gostei, você está lindo, mas esse cabelo não é nada sua cara. – Falei olhando com atenção o corte aparado nas laterais e com a parte de cima consideravelmente maior, arrumada sob uma camada de gel, cuidadosamente penteada para parecer despretensiosamente bagunçado.

—O Ced disse que valorizava o meu rosto fino e que o estilo despojado me deixaria aparentando alguns anos a menos.

—Você quer aparentar alguns anos a menos?

—Não, mas ele acha que sim. – Falou com o rosto sério, mas eu sabia que por baixo do desdém fingido ele tinha adorado.

—Se vocês dois gostaram, está ótimo, e se quer saber eu também gostei. – O encorajei, mas ele me olhou sem acreditar muito. – Vamos?

Ele concordou e me seguiu porta afora, em direção ao shopping. Optei por presentear meu irmão com um iPod de última geração que caberia mais músicas do que ele conseguiria escutar em um ano, gastei o tempo passeando com meu amigo pelos corredores, comemos alguma coisa diferente e voltamos apenas quando a minha agenda dizia que eu deveria voltar para os atendimentos da tarde.

Busquei o Ced no o início da tarde de sábado, e eu, ele e Harry fomos para a casa do meu irmão, organizar em seus devidos lugares o que foi planejado para a nossa pequena comemoração. Até tentei oferecer minha ajuda, mas o Ced foi categórico em negar e nem um pouco sutil em dizer que eu não era boa como ele nessas coisas, então melhor nem mexer em suas criações maravilhosas e deixá-lo trabalhar com perfeição.

Quando Ron e Mione passaram pela porta, tudo já estava devidamente organizado e meu irmão ficou realmente surpreso e feliz com a festa. Entreguei a ele meu presente, que rendeu minutos a fio de elogios para a minha escolha, aproveitei todas as guloseimas que havia para comer, confisquei uma bandeja inteirinha de brigadeiro para mim e conversei despreocupada com todos os convidados, inclusive Nick e Alex, amigos de muitos anos do Ron que eu não via há algum tempo, ambos simpáticos ao extremo e ótimas pessoas.

—Oi. – Cumprimentei minha cunhada, me sentando no braço da poltrona em que ela estava sentada.

—Está se divertindo?

—Muito! Esses brigadeiros estão maravilhosos. Quer?

—Obrigada. – Pegou alguns da minha bandeja.

—Estou adorando esse clima, sabia?

—Festivo?

—Não, familiar. – Ela olhou para cima e me lançou um olhar cúmplice e feliz, daqueles que só as melhores amigas conseguem.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal! Espero que estejam todos bem.
E essa brincadeira fofa sobre ter filhos? Impressionante que nossa mocinha nem corre mais dessas coisas, só acha engraçado... E ela não poderia estar mais confortável com a família dele, acho isso tão fofo.
Para os shippers Ced e Colin, parece que vai rolar, não é? ;)
Ansiosa para saber as opiniões de vocês.
Beijos e até o próximo!

Crossover: Para ler o jantar com o Colin e o Ced, vejam o último capítulo de Backstage.