Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 27
Capítulo 27


Notas iniciais do capítulo

Olá, aqui quem fala é a Fe ;)
A Paulinha tem um dia super ocupado hoje, mas para não deixar vocês em crise de ansiedade, ela me pediu para postar esse capítulo que está pra lá de divo! Aproveitem para ler logo a roer as unhas de ansiedade e expectativa o tempo todo.
Antes do capítulo começar, a Paulinha deixou um recadinho muito importante:

“Na semana passada a linda da Izzie me surpreendeu com uma recomendação inspiradora, cheia de elogios e carinhos que me animou ao ler cada palavra. Então antes do capítulo tenho uma coisa a dizer: apesar da sua tentativa, esse ser aqui ficou se sentindo um tempão! Ahahaha Obrigada por animar meu dia com suas palavras e por acompanhar minhas histórias há tanto tempo, espero retribuir um pouquinho disso com o capítulo de hoje e todos os que ainda virão ♥
Agora sim, aproveitem a leitura!”



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/687490/chapter/27

 No meio da manhã de sexta, duas batidas rápidas na porta do meu consultório me fizeram levantar a cabeça do prontuário que estava preenchendo.

—Dr. Lupin, bom dia. Sente-se, por favor. - Cumprimentei com um sorriso o chefe de cirurgia e o esperei se acomodar.

—Bom dia, Dra. Weasley. - Me cumprimentou e levantou uma folha que eu já tinha visto muitas vezes, embora nenhuma nos últimos meses. - Eu até estranhei ver seu nome nessa relação depois de tanto tempo cumprindo tão bem o seu horário, mas essa semana você já trabalhou vinte horas a mais do que o permitido.

Me mantive atenta e impassível, mas por dentro soltei um gemido de frustração pelo que eu sabia que viria a seguir.

—Não me atentei a isso, doutor, desculpe.

—Sem problemas, mas isso me obriga a te mandar para casa agora. - Concluiu o esperado. - Nos vemos na segunda.

Até pensei em protestar, mas eu sabia que seria em vão, então apenas concordei e o esperei sair para ir embora também. Eu já não sabia o que fazer com dois dias livres, agora teria que preencher três.

Assim que entrei em casa, fui direto para o meu quarto e afundei na banheira com a água até o pescoço, onde fiquei por mais de uma hora até a baixa temperatura me expulsar. Comi uma salada, coloquei toda a minha roupa suja para lavar, joguei fora os papéis sem utilidade que estavam dentro da minha bolsa e esgotei todas as possibilidades do que fazer antes de parar de adiar o inevitável e me sentar no sofá ao lado de todos os embrulhos colocados sobre a mesa de centro.

Empilhei primeiro em um canto a caixinha do chaveiro e o estojo do colar, ambas vazias, e depois me virei para as demais. Meus brigadeiros continuavam tão apetitosos quanto no dia em que ganhei, e fora o único que comi na hora todos os outros estavam ali. Mordi o cantinho de um para me certificar de que ainda estava bom e coloquei a embalagem ao meu lado no assento para comer mais alguns quando vi que o gosto estava ótimo.

Levantei a lingerie e olhei com mais atenção todos os detalhes bem feitos da renda macia, não me surpreendi ao ver que o tamanho estava correto. A falta de etiqueta me chamou atenção e eu aproximei as peças do nariz para constatar o que o cheiro do amaciante das roupas dele me confirmou: estavam lavadas, era só vestir. O nível de detalhe me deu vontade de rir, mas ao invés disso coloquei um brigadeiro inteiro na boca e mastiguei enquanto dobrava com cuidado a calcinha e o sutiã e deixava sobre o móvel.

Abri a caixa do jogo e olhei a quantidade de peças pequenas e coloridas separadas por compartimentos. Estudei o mapa impresso no tabuleiro por alguns segundos e o voltei ao lugar destinado, apanhando dessa vez o pequeno livro explicativo de regras, na intenção de folhear as primeiras páginas.

Algumas explicações eram um pouco complexas e eu precisei reler para entender completamente, mas depois as coisas começaram a fazer sentido e eu continuei. Em algum momento me cansei da posição em que estava e deitei no sofá, transferindo a caixa com meus brigadeiros para cima da barriga e continuando a leitura. Perto do fim do folheto explicativo tateei às cegas a embalagem e me espantei quando não senti mais nada além de papel.

—Mas já acabou? - Comentei alto o suficiente para eu mesma ouvir.

Depois de uma olhada para a caixa vazia em cima de mim, observei todo o cenário em volta e cheguei à conclusão de que passar a tarde deitada, lendo as regras de um jogo com quem eu não tinha ninguém para jogar e me entupindo de brigadeiros era tão deprimente quanto eu achei que jamais seria.

Joguei tudo para o lado e me levantei decidida a fazer com meu tempo livre o que eu sempre fiz antes de ter alguém com quem dividi-lo. Vesti uma roupa em que eu me sentia bem, arrumei o cabelo e passei um pouco de maquiagem para melhorar a cara de desânimo. Parei apenas para pegar minha bolsa sobre a mesa de jantar e saí de casa disposta a encontrar um bom lugar para jantar.

O final de semana se arrastou igualmente monótono, minha única diversão foi passar a tarde de sábado com a minha vizinha no apartamento em frente, ajudando-a a fazer um bolo que nós duas comemos quase inteiro depois. O lado bom foi que ela também não estava muito bem humorada, então nos entendemos no nosso silêncio que durou boa parte do tempo e em conversas ligeiramente vagas sobre o que fizemos durante a semana.

Voltei da casa dela com metade do bolo que não comemos, o que não era muito, e um conselho com que eu não sabia o que fazer: se eu dei a palavra final para que Harry saísse, eu é que deveria ir atrás dele. A questão é que isso entrava no hall de coisas que eu não conseguia me convencer a fazer, mas guardei as palavras dela num cantinho onde eu conseguia ver de longe, os argumentos que minha amiga usou foram bons o suficiente para que eu não as descartasse de imediato.

Entrei no hospital segunda de manhã e a primeira pessoa que vi, inesperadamente, foi o Colin no balcão da enfermaria.

—Bom dia, gato. Plantão de domingo? - Perguntei depois de me abaixar para dar um beijo nele.

—A Mary me pediu para cobri-la, e ela sempre me ajuda. - Explicou e desviou o olhar para o meu pescoço. - Já tirou o colar, doutora? - Provocou, me chamando do mesmo jeito que ele sabia que o Harry chamava.

—Ai, Colin! - Exclamei exasperada, rolando os olhos e saindo de perto para não ouvir o resto da conversa.

A caminho do vestiário ainda pude ouvir sua risada descontraída, demonstrando que não se importava nem um pouco que eu não quisesse escutar. Pouco antes da hora do almoço, aproveitei o tempo livre e fiz uma ligação que estava adiando desde sábado, mas que era necessária.

—Oi, Gin! - A voz feliz me atendeu no terceiro toque.

—Oi, Lisa. Tudo bem?

—Tudo, eu e a Meg estamos ótimas. - Falou tão radiante que eu acabei sorrindo. - Mas e você, como está? - O tom da voz dela confirmava minha certeza de que eu não precisaria contar a novidade.

—Bem também. Me desculpe por não ter ido no chá de bebê da Meg, sábado eu… - Pensei em inventar uma desculpa, mas era desnecessário. - Espero que você entenda.

—Claro, Gin, não se preocupa com isso, entendo perfeitamente.

—Mas eu queria me encontrar com você e te entregar os presentes, você acha que tem um tempinho?

—Lógico! Quando você está livre? Eu já não estou mais trabalhando. - Confirmou tão visivelmente empolgada que acabou com qualquer dúvida que eu pudesse ter de que essa ligação não fosse uma boa ideia.

—Na quinta eu saio mais cedo do hospital, podemos marcar para o final da tarde em algum café, o que acha? Você pode escolher o lugar e me mandar o endereço.

—Perfeito, eu conheço um ótimo que você vai gostar, te mando por mensagem.

—Então confirmado, até lá. Beijos, Lisa.

—Já estou ansiosa! - Afirmou alegre. - Beijos.

Voltei minha atenção ao que estava fazendo e almocei rápido antes de entrar numa cirurgia que durou a tarde toda e me deixou cansada o suficiente para não querer ficar até mais tarde. Depois de todos os trâmites necessários após sair do centro cirúrgico, fui direto ao vestiário e me preparei para ir para casa.

Parei no balcão da emergência e ignorei com sucesso os olhares sugestivos que o Colin me lançava, concentrada em finalizar as informações no prontuário do paciente para que ele pudesse arquivar. Enquanto eu assinalava os exames realizados, ele falou a frase certa para me fazer levantar a cabeça imediatamente:

—O Harry veio aqui.

—Que horas? - Olhei em volta quase involuntariamente.

—Já faz uns quarenta minutos. - Informou, me observando com atenção. - Pediu para eu te entregar isso.

Meu amigo terminou a frase puxando uma sacola preta de trás da própria cadeira e pousando sobre o balcão à minha frente. Aquela era a sacola com que saí da livraria dias antes do aniversário dele, meu primeiro impulso foi pensar que eu iria agora mesmo na casa dele e o faria engolir cada palavra daqueles livros se fossem eles ali dentro.

Me inclinei para conseguir enxergar o conteúdo e encontrei apenas as poucas peças de roupa que acabaram ficando na casa dele ao longo desse tempo e em nosso último fim de semana juntos, o que não me deixou muito mais feliz do que a opção anterior.

—Ele estava ocupado demais para esperar meia hora? - Perguntei voltando minha atenção ao que estava fazendo e me concentrando em não demonstrar toda a minha frustração.

—Na verdade ele nem perguntou se você ia demorar, gata, só me pediu para te entregar.

—Claro, ele deve ter coisas mais importantes para fazer do que isso. - Finalizei ao mesmo tempo em que assinava com força suficiente para rasgar um pedacinho do papel.

—Quem tem compromissos na segunda-feira? Obrigado. - Colin tentou me animar, pegando o prontuário da minha mão quando o entreguei.

—Ele teve e não pareceu se importar a primeira vez que saímos juntos, vai ver é um hábito. - Respondi puxando a bolsa e a sacola de cima do balcão, sem conseguir esconder minha raiva. - Até amanhã.

Não dei a ele tempo de me responder e saí pisando firme até o meu carro. Desde o dia em que eu e Harry brigamos, essa foi a primeira vez que não teimei em procurá-lo com o olhar enquanto cruzava o estacionamento, o gesto dele deixava mais do que claro que qualquer possibilidade de contato era nula.

O recado muito claro que ele mandou junto com as minhas coisas me fez sentir um buraco enorme nascendo no lugar onde antes era meu estômago, não bastasse o tanto de coisas que vinha dele e eu não sabia lidar, a ausência estava se mostrando a pior delas. Agora além da saudade, eu também precisaria aprender o que fazer com a sensação incômoda de deixar algo muito importante escapar e ir para cada vez mais longe.

Destravei as portas e joguei as coisas de qualquer jeito no banco do carona, depois me acomodei e encostei a testa no volante, me sentindo muito mais triste do que qualquer outra coisa, diferente do que demonstrei ao meu amigo um minuto atrás. Fechei os olhos e engoli em seco, porque eu me recusava a chorar de novo, embora a vontade estivesse quase me vencendo. Engoli com força o nó na garganta e respirei fundo antes de ligar o carro e ir para casa.

Passei pela porta da sala decidida a não olhar mais para nada daquilo, então antes mesmo de tirar o sapato fui direto até minha mesa de centro. Larguei a bolsa de qualquer jeito no sofá, virei minhas roupas também em cima dele e substituí o conteúdo da sacola por todas as caixas de presente que ainda estavam jogadas ali, o próximo destino delas seria a lixeira do prédio. Olhei por alguns segundos para a caixa do jogo ainda aberta e a lingerie dobrada ao lado, tempo suficiente para me decidir que ambas ficariam ótimas dentro da gaveta da sala, aquela que eu raramente abria e onde a chance de encará-las seria quase nula.

O amontoado de peças em cima do sofá continha uma calça jeans, um sapato de salto que eu usava com frequência e combinava com tudo, duas camisetas, um casaco, lingerie e as peças brancas que eu estava usando na última vez que fui do trabalho direto para a casa dele. A falta do meu robe chamou atenção, afinal se Harry estava devolvendo tudo o que é meu, eu queria isso também.

Peguei o telefone e comecei a discar o número dele, que há muito eu já sabia de cor, mas parei a meio caminho de completar a chamada e apertei o aparelho com raiva entre os dedos. A minha maior vontade nesse momento era fazer uma ligação muito pouco educada, exigindo que ele passasse amanhã e deixasse com o Colin o que estava faltando, mas desisti porque eu provavelmente só estaria mais magoada ainda quando desligasse o telefone.

Joguei o celular de novo dentro da bolsa e resolvi ser prática, resolver apenas o que estava ao meu alcance. Afastei a vontade de aspirar o cheiro nas minhas roupas, que certamente também estavam agora com o mesmo perfume das dele, e só enfiei as peças de qualquer jeito no guarda roupas antes de me despir e entrar embaixo do chuveiro apenas para ter algo que fazer. O tempo já estava passando, isso queria dizer que eu tinha que sentir menos tudo o que estava sentindo, então por que eu tinha a impressão de que a dor só aumentava?

Encontrei a Luna sentada sozinha no refeitório quando fui almoçar no dia seguinte e imediatamente tive uma ideia do que fazer com meu final de semana. Pedi meu lanche no balcão e me juntei a ela para sugerir minha ideia.

—Oi, Lu. – Cumprimentei, me acomodando na cadeira à frente.

—Oi! – Respondeu com um sorriso animado.

—Estava pensando numa coisa, o Nev vai ter esse final de semana livre também?

—Vai. – Falou desanimada, porque ela trabalharia.

—Quer trocar comigo? – Sugeri sob seu olhar de surpresa. – Você me cobre na noite de sexta para sábado e eu te cubro no plantão de vinte e quatro horas do fim de semana.

—Não vai te atrapalhar? – Perguntou receosa, me olhando cautelosa.

—De jeito nenhum, vai até me ajudar.

—Então eu aceito, obrigada. – Agradeceu com o cenho franzido, não soando totalmente convencida.

Terminei de comer sozinha porque ela precisou sair correndo, mas no pouco tempo que tivemos recebi mais agradecimentos do que julgava necessário.

Colin já estava me irritando com a mania de me mandar tirar meu colar e nenhuma das minhas ordens para que ele se calasse surtiram efeito. Muito ao contrário, ele parecia ainda mais determinado a me importunar sempre que eu o respondia mal por isso e colocava o pingente para dentro da roupa, longe do seu olhar esperto.

O lugar sugerido por Lisa não poderia ser mais a cara dela, todo decorado de maneira delicada, em cores neutras, um ambiente que se dividia entre romântico e elegante. Me sentei numa mesa vazia e aguardei poucos minutos até vê-la passar pela porta com sua barriga enorme, caminhando já sem toda a facilidade e elegância de quando nos conhecemos.

A cumprimentei com um abraço apertado e nem precisei me esforçar para retribuir o sorriso, eu realmente gostava muito dela e sentia que era recíproco.

—Você está cada vez mais linda. – Elogiei, pousando a mão na barriga dela assim que nos sentamos. – E essa mocinha está enorme.

—E pesada! – Resmungou sem parecer menos feliz.

Pedimos algumas coisas para tomar café da tarde e assim que o garçom se afastou ela se virou para mim com um sorriso.

—Você deveria ter ido no sábado, foi tão divertido!

Ouvi com atenção enquanto ela relatava as brincadeiras, todas as pessoas que foram, o que havia para comer, como estava a decoração e todos os presentes lindos que ganhou. Fiquei esperando o tempo todo ela falar alguma coisa sobre o Harry, mas seu tato não a deixou chegar nem perto do assunto e a única vez que citou o pai da criança, era pra falar do Michael, que tinha aparecido apenas para tirar fotos com ela.

—Deve ter sido divertido mesmo, mas você provavelmente estava acabada no final do dia, não estava?

—Demais! – Confirmou minha suspeita. – Foi tudo ótimo, mas quando todas as convidadas foram embora e o Mike despachou os amigos, meus pés estavam enormes, precisei de mais de uma hora de massagem para voltar a senti-los.

Eu ri do exagero e ela me acompanhou, dando uma trégua enquanto bebia um pouco do seu chá. Aproveitei a pausa no assunto para entregar a sacola na cadeira ao meu lado.

—Espero que você e a Meg gostem.- Falei enquanto ela abria o laço.

—Claro que vamos gostar. – Garantiu concentrada em desfazer o embrulho. – Não tem como não gostar do presente da tia Gin, não é bebê? – Conversou com a própria barriga, me fazendo rir de novo.

—É tudo tão lindo que foi difícil até escolher só esses, não conseguiria nunca trazer um só. – Justifiquei quando ela olhou confusa da pilha de pequenas peças dobradas para mim.

—Então obrigada. – Agradeceu achando divertido.

A cada peça que olhava seus comentários e a conversa com o bebê me faziam rir, não tinha palavra melhor para definir a Lisa do que radiante, e sua empolgação com tudo era contagiante. Muitos minutos depois e após comentar minuciosamente cada pequeno detalhe dos presentes, eles voltaram para dentro da sacola e ela me puxou para mais um abraço de agradecimento.

—É tudo muito lindo, Gin, obrigada!

—Fico muito feliz que tenha gostado. – Retribui e acariciei sua barriga novamente.  – E você também, mocinha.

—Ela vai amar!

—Você já sabe onde vai nascer?

—No hospital que você trabalha, ele é ótimo e fica do lado de casa.

—Não esquece de me avisar? Quero passar lá para ver vocês.

—Claro que não! – Garantiu como se meu pedido fosse até absurdo. – Te aviso assim que estiver indo para lá, aí se você estiver livre e quiser, vai ser ótimo poder conversar um pouco enquanto passo dor, porque o Mike com certeza não estará em condições de falar nada.

A observação a respeito do marido nos fez gargalhar.

—Se eu estiver disponível, pode contar comigo.

Não sei se o silêncio depois disso foi proposital ou não, mas achei que era o momento perfeito para minha pergunta propositalmente casual:

—E estão todos bem?

Apenas o jeito que ela arqueou a sobrancelha na minha direção foi suficiente para me deixar vermelha.

—Por todos você quer dizer uma pessoa específica ou todos mesmo? Posso te falar de todo mundo. – Deu de ombros, me olhando com cumplicidade, mas não me esperou responder. – O Harry está bem. Andou meio rabugento esses dias, mas já passou, quem aguenta os desabados é o Mike, comigo o papo é mais descontraído.

—Uhn. – Não consegui pensar em mais nada para dizer.

—Posso? – Pediu com a mão já sobre a minha, puxando o pingente para si e olhando com atenção para ele. – Bem que ele me disse, é lindo mesmo.

Eu realmente precisava abandonar esse hábito.

—Também achei. – Opinei quando ela soltou e se afastou. – Achei que você tivesse visto antes de eu ganhar.

—Não, ele só me contou o que tinha comprado e que deu o maior trabalho encontrar do jeito que queria. Eu ia pedir para ver, mas acabei esquecendo porque já faz mais de um mês disso, aí me lembrei quando te vi segurando.

De repente o tanto que eu agradeci não me pareceu o suficiente pelo tempo gasto em procurar o que eu achava ser um colar bonito comprado na primeira joalheria que ele entrou, como se eu precisasse de mais alguma coisa para me fazer sentir mal em relação a tudo o que aconteceu.

—Gin, me desculpe, mas eu preciso ir. – Se lamentou.

—Não tem problema, eu te acompanho até lá fora e já vou também.

Pagamos a conta e eu esperei que ela se levantasse com movimentos muito mais lentos do que os meus para caminharmos sem pressa até o pequeno estacionamento.

—Obrigada mais uma vez, amei tudo!  - Falou enquanto me abraçava, ao lado do próprio veículo.

—Fico feliz que tenha gostado, e não deixe de me avisar quando ela nascer.

—Fique tranquila, não vou me esquecer.

—Mande um beijo meu para o Mike. – Pedi tirando a chave do carro da bolsa e me virando.

—Pode deixar. Tchau, Gin.

Fui dormir novamente chateada, pensando que teria sido melhor não fazer pergunta nenhuma.

A sexta feira me presenteou com nenhum momento livre, o que foi ótimo para eu não ter tempo para nada que não envolvesse o monte de pacientes que havia na minha agenda. Quando a Luna chegou, no fim do dia, transferi para ela tudo o que ainda estava pendente e terminei o paciente que estava sob meus cuidados, o que levou mais três horas, antes de encerrar o dia.

Cumprimentei meu amigo com um beijo e ele esperou quieto enquanto eu preenchia o que faltava para deixar tudo em ordem.

—Gata?

—Uhn.

—Eu acho mesmo que você deve abandonar o hábito de usar esse colar que você quer esquecer.

Olhei brava para ele, porque essa deveria ser no mínimo a quinquagésima vez que eu ouvia algo semelhante em apenas quatro dias.

—E você deve abandonar o hábito de cuidar da minha vida, Colin! – Respondi irritada e isso arrancou dele uma gargalhada descontraída, como se eu tivesse dito alguma coisa maravilhosa.

—Uma lady. – Elogiou irônico.

Não me dei mais o trabalho de responder, apenas terminei o que estava fazendo e fui até o vestiário pegar minhas coisas para ir embora. A intenção era visitar meu irmão, mas o horário já não me deixava muito tempo livre e eu precisava dormir antes de enfrentar o plantão durante todo o final de semana, então fui direto para casa e me afundei na cama após um banho rápido.

No fim, acho que eu acabei perdendo o ritmo desse horário louco do final de semana, porque quase perdi a hora na segunda feira e precisei de um pouco mais de café do que o habitual. Cheguei em casa com uma cólica nada bem vinda que completava o péssimo dia, e disposta a dormir antes das oito da noite, mas assim que saí do banho minha campainha tocou.

Reprimi a vontade de ignorar, abri a porta vestindo o robe por cima da minha camisola e dei de cara com minha vizinha ainda em roupas de trabalho.

—Oi. – Cumprimentou sem a empolgação habitual. – O Ron me contou, sinto muito, eu não fazia ideia.

A frase final me fez estacar por alguns segundos, porque pela primeira vez minha amiga havia entrado no único assunto intocado entre nós. Eu queria acreditar que havia um bom motivo para que meu irmão dissesse tudo a ela, porque também o envolvia, mas ainda assim não era o suficiente para eu me sentir confortável.

O conforto necessário veio da expressão normal com a qual ela me olhava, sem se ressentir ou sentir pena, só querendo conversar. Isso me fez respirar fundo e continuar a conversa, porque se o Ron se sentiu a vontade para falar disso só podia significar que ele resolveu parar de fazer merda.

—Vocês se acertaram?

—Sim.

—Entra. – Convidei, dando espaço para que ela passasse.

Ao invés do sofá, nos acomodamos na mesa de jantar.

—Foi por isso que vocês brigaram, não foi? Você e o Harry.

—Mais ou menos, mas é basicamente isso. – Falei sem olhar diretamente para ela. – Não é um assunto que eu goste de falar, Mione.

—Entendo porque.

—E eu sei que não deveria me afetar tanto, mas afeta.

—Não deveria mesmo, Gin. - Concordou serenamente. – Posso fazer uma pergunta um tanto particular?

—Posso não responder se for particular demais? – Tracei minha rota de fuga para o caso de não me sentir a vontade.

—Claro. – Me tranquilizou e eu concordei com um aceno. – Do que exatamente você tem medo? Porque por mais que eu sempre tenha percebido que você não toca em alguns assuntos, isso nunca nos fez brigar ou nos afastarmos, a mesma coisa o Colin e o Ron, vocês se dão muito bem. Qual o problema com o Harry?

—Não tem um problema com o Harry. – Neguei enquanto tentava achar um jeito de explicar sem parecer tão absurdo. – O problema é a posição que ele estava ocupando, eu não quero um ponto fraco, Mione, nem quero ser um para alguém.

Seu olhar se iluminou de compreensão assim que concluí minha explicação sucinta.

—Mas aí o que adianta? – Continuei, disposta a dizer o que estava sentindo, agora que comecei. – Ele não está aqui, mas eu continuo sentindo a mesma coisa, só que com um monte de saudade e ressentimento pelo que eu disse, pelo que eu ouvi e por tudo. Você vai dizer que é besteira, não vai?

—Não, eu não acho que é besteira, mas acho que é um escalonamento gigantesco do que aconteceu. – Opinou sinceramente. – É claro que eu nunca vou saber como você e o Ron se sentem, mas não deve ser nada bom refletir isso tão diretamente para a própria vida. Você não pode controlar tudo, mas pode se controlar e faz isso muito bem.

O comentário me fez rir sem um pingo de humor.

—Não quando o Harry está envolvido. – Confessei me sentindo um pouco envergonhada. – Uns dois meses atrás houve uma explosão de gás no prédio em que ele trabalha e eu não conseguia falar com ele porque estava em reunião em outro lugar, até hoje quando me lembro da minha reação eu não me reconheço naquele descontrole. Aquela não era eu.

—Mas é normal se preocupar, não é?

—Daquele jeito?

—Se fosse o Ron ou qualquer outra pessoa que você ama, tenho certeza que seria a mesma coisa.

Eu não tinha padrão de comparação para poder opinar, então não disse nada.

—Eu acho que vocês dois deveriam conversar. – Sugeriu um tempo depois.

—Não sei, Mione. – Ponderei pensativa. – Nunca mais nos falamos, já tem mais de duas semanas. Eu nem sei se ele quer falar comigo, semana passada foi até o hospital levar minhas coisas que estavam na casa dele e só deixou na recepção, nem perguntou por mim.

—Ele estava muito mal no dia em que vocês brigaram.

—Como você sabe?

—O encontrei saindo daqui. – Respondeu rápido demais e eu pensei ter visto as bochechas dela um pouco vermelhas, mas ignorei o detalhe.

—E se quiser falar comigo, ele quer saber o que aconteceu e eu não sei nem começar a contar isso para alguém, não sai! E também não sei se eu quero contar, em que melhoraria?

—Não melhoraria em nada, mas fugir do problema também não melhora. – Argumentou e eu não tive o que responder. – Se ele quer fazer parte da sua vida e você quer que ele faça, então o deixe participar por inteiro.

—Eu não sei como Mine, e não quero o olhar de pena dele. Aliás, eu não quero o olhar de pena de ninguém, mas especificamente dele eu sei que doeria mais.

—Quando souber, eu tenho certeza que ele vai te escutar, e sem um resquício que seja de pena ou qualquer outro sentimento ruim. – Assegurou confiante.

—Eu nem sei mais o que pensar. – Suspirei e me encostei na cadeira almofadada. – Estava tudo tão certinho e organizado antes dele aparecer com aqueles olhos verdes enormes e felizes o tempo inteiro.

—Mas as vezes é bom uma baguncinha, não é? – Perguntou divertida e eu acabei rindo.

—Você está feliz demais para os seus padrões, Mione, volte a ser como antes. – Brinquei, olhando de canto para ela e a fazendo rir descontraída.

—Tive um bom final de semana. – Deu de ombros, como se não fosse nada demais.

—Me conte sobre vocês, agora está tudo certo?

O assunto mudou rapidamente de foco, tirando a luz principal de cima de mim e voltando para ela, que não pareceu triste em dizer que agora realmente havia uma relação entre ela e meu irmão, ainda que fosse recente demais e precisasse amadurecer.

A conversa com ela não me saiu da cabeça do momento que nos despedimos e fiquei sozinha novamente até o final da tarde do dia seguinte, em que ocupei cada minutinho livre do meu dia com as palavras ditas. Ao fim, não sei se eu realmente concordava com o que ela tinha dito ou se estava apenas me forçando a achar que faz sentido, a questão é que eu já considerava seriamente a possibilidade apresentada.

Caminhei pelo estacionamento do hospital já com o celular no ouvido, esperando minha ligação ser atendida. Assim que a voz do meu irmão soou do outro lado da linha, perguntei se ele iria sair e informei que estava indo jantar com ele.

A porta estava destrancada quando cheguei, o que me poupou o trabalho de tocar a campainha ou procurar a chave na bolsa, e eu o encontrei na cozinha finalizando nossa comida.

—Cheguei. – Anunciei deixando minha bolsa no sofá e caminhando em direção a ele, que se abaixou para receber meu beijo. – Tudo bem?

—Tudo ótimo, e com você?

—Bem também. – Respondi me acomodando num dos bancos altos ao lado da bancada, o queixo apoiado nas mãos.

—Que cara desanimada.

—Essa semana está muito cansativa, estou exausta.

—Já estou terminando, aí você pode ir cedo para casa. – Anunciou colocando a assadeira no forno.

—Sem pressa.

Ele abriu a geladeira e puxou uma jarra de suco, serviu dois copos e se acomodou do meu lado.

—Você contou pra Mione? – Comecei o assunto que me levou até ali.

—Contei.

—E como foi?

—Sei lá, um pouco estranho. – Deu de ombros. – Nunca é legal falar, mas não foi tão ruim e ela só ouviu, não opinou nem nada.

Batuquei os dedos no mármore à minha frente por um tempo, perdida em pensamentos, até que ele puxou assunto de novo.

—Você e o Harry se falaram?

—Não.

—E tudo bem com isso?

—Não também. – Suspirei antes de continuar. – Já era para estar tudo bem com isso, mas não consigo estar nada bem com essa distância.

—Eu sei como é.

—Como foi quando ela foi embora, Ron? – Perguntei me virando para ele e sabendo que eu não precisaria dar mais detalhes para que me entendesse.

—Desse jeito, mas com cinco anos de coisas para lembrar e não três meses.

—Seis meses. – Corrigi e ele rolou os olhos, indicando que não fazia a menor diferença.

—Me senti exatamente assim, mas ela não valia a pena e a decisão não era minha.

Adicionei mais esses argumentos na minha lista e tomei um pouco do meu suco. Antes de voltarmos a falar, o timer anunciou que nosso jantar estava pronto e ele se levantou para nos servir.

—Eu não sei como contar aquilo pra alguém. – Comentei enquanto ele mastigava.

—Você só tem que falar se quiser, Ginny, não porque querem que você conte.

—Eu sei, mas se eu não contar nada vai mudar nunca, não é? E uma hora as pessoas cansam. – Expus o que estive pensando durante todo o dia.

Ele pousou os talheres no prato e limpou a boca com o guardanapo antes de se virar muito sério para mim.

—Gin, eu nunca te disse isso antes, mas agora vou me forçar a enxergar que você não é mais criança: você precisa parar de deixar o que aconteceu te impedir de ser feliz com quem claramente te faz feliz. E se é aquele moleque que te faz feliz, ótimo. – Deu de ombros como se não houvesse nada que ele pudesse fazer.

Nem era engraçado, mas eu acabei rindo porque quem o escutasse falando assim com certeza imaginaria alguém completamente diferente do Harry.

—Fazer é mais difícil do que falar, mas vou levar em consideração. Obrigada.

Terminamos de comer em meio a assuntos mais leves e eu fui para casa cedo na intenção de dormir, mas tudo o que consegui foi rolar de um lado para o outro sem chegar a nenhuma conclusão do que fazer, mas com a certeza de que eu deveria fazer alguma coisa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Nossa senhora dos empurrõezinhos básicos, o que falta para a Ginny ir atrás do Harry? Providencia logo pelo amor dos nossos corações!
Pra mim já é claro que a Ginny não conseguirá tirar o Harry da cabeça, mas mesmo assim ainda não foi fazer o que todo mundo está esperando ansiosamente. Já teve esse conselho por parte de praticamente todos os personagens de DV, mas se precisa de mais um: Ginny, largue de ser besta, junta a coragem e vai atrás do seu boy!
Tá certo que ele decidiu dar uma cutucadinha e mandou as coisas dela pro hospital, mas dá pra culpar? Eu ameeeeeei a indignação dela, e quando ela quase (por que só quase?) ligou pra ele.
Foi muito fofo ver os momentos que ela passou ao lado daquele mundo de presentes que ganhou dele, mais um indício que ela não vai se desprender do lindinho dela. Agora eu espero sinceramente, que ela abra bem os olhos no próximo capítulo, porque tá difícil aguentar!! Pobre do Harry.... A curiosidade está grande para saber o que de fato aconteceu para a impedir de deixar o Harry virar o seu “ponto fraco” como ela mesmo disse (meio tarde para isso, não?)
Eu já escrevi praticamente uma dissertação aqui nas notas, me perdoem a impossibilidade de síntese huahuha
Mas agora é a vez de vocês, não esqueçam de fazer os seus comentários lindos que vão deixar a Paulinha super feliz! Quem sabe não a animam a postar bem cedinho o próximo capítulo? Façam o melhor que puderem hauhauha

Bjus da Fe