Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 26
Capítulo 26




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O clima na rua estava muito mais gelado do que dentro da minha casa, mas esse não foi o maior motivo pelo qual toquei a campainha incessantemente para ser atendida rápido. Ao contrário do dia anterior, meu irmão não pareceu surpreso ao me ver ali, embora eu suspeitasse de que ele imaginava um motivo diferente.

—Você não está com frio? - Perguntou olhando minhas pernas a mostra pelo short curto. - Que cara é essa?

—Ai, Ron... - Comecei sem saber o que dizer, passei por ele e esperei que fechasse a porta e se virasse pra mim. - Eu e o Harry terminamos. - Contei e precisei limpar uma lágrima teimosa.

—Oh! - Ele exclamou surpreso, me olhando de um jeito curioso.

—E eu estou com uma vontade absurda de chorar e de ligar pra ele, mesmo ele tendo sido um idiota incompreensivo. - Confessei, sentindo meu rosto molhado e esperando que ele entendesse que eu não sabia o que fazer com o que estava sentindo.

O Ron desviou o olhar de mim e riu um pouco descrente, como se aquilo fosse uma coisa engraçada, mas se recompôs diante do meu olhar ameaçador e foi até o sofá.

—Vem aqui, Gin. - Chamou quando se sentou em um dos cantos e eu me deitei com a cabeça apoiada na perna dele. - Me conta o que aconteceu.

Falei tudo de qualquer jeito, dando ênfase à parte em que ele não queria entender que eu tinha o direito de não falar sobre o que eu não queria, e quando cheguei ao fim, na parte em que ele jogou na minha cara que eu não aceitava nada que ele queria me dar e que eu era uma egoísta ingrata e sem sentimentos já estava gritando para um Ron espantado e pontuando cara palavra com um soluço que eu não sabia mais se era de raiva ou tristeza.

—Ele nunca tinha perguntado mesmo antes? - Foi a primeira coisa que meu irmão quis saber quando parei de falar e eu confirmei com um aceno. - E vocês falaram mesmo tudo isso um para o outro?

Acenei novamente e respirei fundo, limpando mais uma vez o rosto.

—Eu não queria que o que ele disse tivesse me atingido tanto, mas não consegui segurar e acabei me defendendo. - Me justifiquei, ainda que ele não tivesse dito nada. - Mas o Harry deixa tudo parecendo pior do que é, tudo mais intenso, que droga! E ele precisava ter pegado tão pesado? - Meu tom saiu tão magoado com a pergunta que o Ron voltou a fazer carinho no meu cabelo.

—Não, Gin, não precisava. - Respondeu, me olhando pensativo e paciente, como se tudo estivesse muito claro para ele.

—O jeito que ele falou era pra me machucar, dava pra ver. - Continuei do mesmo jeito.

—Quando estão brigando as pessoas querem mesmo machucar a outra. - Falou como uma constatação. - Você também quis machucá-lo, não quis? E falou algumas coisas que sabe que não são verdade, tenho certeza.

—No começo eu só queria me defender mesmo. - Me expliquei como se aquilo fosse uma acusação.

—Não precisa machucar ninguém pra se defender.

—Foi sem querer!

—Machuca do mesmo jeito, Gin.

—Para de defender ele! - Pedi irritada, cobrindo o rosto com as mãos.

—Não estou defendendo ninguém, só estou te dizendo que quando as pessoas brigam elas tendem a querer machucar o outro. Não deveriam, mas tendem. - Explicou puxando minhas mãos para baixo para me olhar. - E você se sentir mais afetada pelo que ele diz ou faz é normal também, porque você gosta dele.

—Claro que gosto, passamos muito tempo juntos e ele é super leg...

—Gosta mais do que isso. - Interrompeu e continuou me encarando, sem se deixar abalar pela minha expressão carrancuda.

Por fim me dei por vencida e desviei o rosto, por que eu ia negar pro meu irmão?

—Ron, você deveria estar falando mal dele comigo, não me dizendo que eu gosto do cara. - Cruzei os braços emburrada e ele riu.

—Tudo bem, vamos falar mal dele então.

—Ah, mas eu não quero falar mal dele. - Desisti quando senti meus olhos úmidos de novo.

—Quer jogar Poker e se distrair um pouco? - Sugeriu, prestativo.

—Não! - Neguei enfática e pisquei liberando a série de lágrimas que vieram com a menção ao jogo que também estava corrompido com lembranças dele.

—Tudo bem. - Concordou rapidamente, apesar de parecer confuso com a minha reação.

Ele não tentou sugerir mais nada depois disso e eu também decidi ficar quieta, aproveitando o conforto do carinho no meu cabelo. A minha intenção era chegar aqui, desabafar sobre o que houve, chorar tudo o que eu estava com vontade e me convencer de que agora tudo estava bem e não haveria mais perguntas inconvenientes. O que consegui, no entanto, foi a necessidade de obrigar minha mente, a cada cinco minutos, a parar de ficar imaginando o que Harry estaria fazendo agora, porque ele me pareceu tão triste ao sair da minha casa.

Muitos minutos de silêncio e muitas lágrimas depois, aceitei o fato de que aquilo não passaria em um dia e que para isso eu precisaria continuar minha vida como ela sempre foi. E eu tinha uma vida realmente ótima antes, o que a impediria de continuar ótima agora? Sequei o rosto decidida e me sentei com um movimento rápido.

—Chega! - Determinei e me virei de frente para o Ron, que permaneceu quieto. - Vou para casa e isso vai passar logo. Não adianta eu ficar imaginando o que ele está fazendo agora, adianta? Quero dizer, que diferença faria eu saber? Eu acho que ele está em casa, mas não é mais problema meu se ele quiser estar em qualquer outro lugar.

—É... - Falou incerto quanto ao que deveria responder para as minhas perguntas.

—E eu também não vou esquecer as grosserias dele e ligar, se é isso o que ele está esperando. - Afirmei mais para mim mesma do que para o meu ouvinte. - Eu preciso crescer e parar de correr para você por qualquer coisa, não é? - Perguntei diretamente a ele dessa vez, mas a ideia também era convencer a mim mesma.

—Eu não acho que você precisa parar de fazer isso. - Negou com segurança e eu lancei um sorriso agradecido.

—Eu já vou.

Ele normalmente me pergunta se eu não quero ficar para dormir, mas dessa vez minha postura decidida enquanto puxava a bolsa de cima da mesa de centro o impediu, então ele apenas se levantou para me acompanhar até a porta. Depois de pegar a chave do carro me virei e o abracei.

—Tchau, Ron, e obrigada.

—Não por isso. - Respondeu retribuindo o gesto. - Me liga se precisar de alguma coisa.

—Pode deixar. - O tranquilizei e saí.

Enquanto dirigia pelas ruas tranquilas, deixei minha mente vagar por todas as implicações do que aconteceu nas últimas horas. Não haveria mais ligações todos os dias a noite para saber se eu estava bem, não haveria mais relatos sobre as oscilações da bolsa de valores, não haveria mais companhia garantida nos finais de semana e nem um apelido ridículo para eu gostar.

—Ai, caramba, não vou mais chamar ninguém de Ursinho. - Resmunguei em voz alta, parada em um semáforo e me sentindo subitamente triste outra vez.

Eu já tinha até um apelido bonitinho para o Harry e ainda assim ele tem coragem de me dizer com todas as letras que eu não tenho sentimentos.

Se meu único problema fosse alguém para chamar por um nome fofo, eu poderia passar no primeiro pet shop que encontrasse, comprar um cachorro daqueles que pesam menos do que minha bolsa e chamá-lo de Ursinho. Aposto que no fim do dia ele me daria atenção, ficaria radiante em me ver, seria uma ótima companhia, faria gracinhas para eu rir e nunca gritaria na minha cara que eu sou egoísta quando estivesse indisposta para andar no parque. Mas eu duvidava também que ele conseguiria latir me chamando de Ratinha.

Estacionei o carro na minha vaga nem um pouco mais feliz do que quando saí e me arrastei para casa. Assim que fechei a porta atrás de mim, olhando mais uma vez para o sorriso esquisito da minha caveirinha pendurada na fechadura, olhei em volta e reparei na bagunça que ainda havia na minha sala, resquício do último dia que não passei sozinha aqui.

Eu precisava dormir, mas eu precisava antes arrumar minha vida de novo e decidi começar pela bagunça que eu conseguia ver. A da sala, com todos aqueles presentes escolhidos a dedo para me deixar com cara de idiota, eu resolvi deixar por último, e passei direto para o quarto, parando tempo suficiente para levar comigo os embrulhos que ganhei dos meus amigos.

Pendurei meu vestido novo, guardei a camiseta na parte destinada às minhas roupas brancas e enfiei o do Colin de qualquer jeito na primeira gaveta que abri. A roupa com que cheguei do trabalho ainda estava jogada no chão ao lado do guarda roupas, aguardando serem levadas para o cesto de roupas sujas, e eu puxei de qualquer jeito as peças para fazer exatamente isso. Assim que levantei a calça alguma coisa caiu do bolso e tilintou quando se chocou com o piso, chamando minha atenção. Me virei e larguei tudo de novo no chão quando dei de cara com a cópia da minha chave, colocada ali assim que o chaveiro me entregou. A intenção era dar de presente para o Harry quando nos encontrássemos, mas agora ela continuaria sem nenhuma utilidade que não me magoar um pouco mais.

—Esqueceu do idiota, Harry. - Falei com raiva quando me abaixei e a peguei para jogar de qualquer jeito dentro da gaveta do meu criado mudo, que era a coisa mais perto de mim no momento. - Egoísta, ingrata e idiota.

Isso foi o suficiente para acabar com a minha disposição em mudar qualquer coisa, a única coisa que eu queria agora era mudar de dia, de preferência para algum bem distante desse, para que o tempo fizesse logo o seu milagre de melhorar as coisas. Joguei de lado a blusa e o short que estava usando, apaguei a luz e me enfiei embaixo das cobertas para esperar o sono chegar.

Acordei me sentindo com quinze anos de novo, além de ter sonhado com ele em cada minuto que consegui dormir o meu mau humor estava irritando até a mim mesma. Me enfiei na primeira roupa que encontrei quando abri a porta do meu armário e passei pela sala sem olhar para os lados, direto para a porta.

Meu dia não teve trânsito, correria ou emergências graves, nem nada que demandasse atenção suficiente para me livrar dos meus próprios pensamentos. Na maior parte do tempo fiquei no meu consultório deixando os pensamentos vagarem por tudo o que aconteceu de diferente na minha vida nos últimos meses.

Conforme eu me via nessas lembranças, mais sentia raiva de como tudo acabou. Como Colin me disse, meses atrás, eu o deixei se aproximar, entrar na minha vida e fazer parte da minha rotina como nunca antes alguém fez. Apresentei o Harry ao meu irmão e aos meus amigos, cheguei ao ponto de me sentir tão a vontade na casa dele que não fazia diferença estar lá ou na minha, e ele vai embora gritando na minha cara que eu sou egoísta.

Prefiro pensar que o Harry não sabe o que é egoísmo, ou não teria dito isso a mim. Ou teria, como eu poderia ter certeza, afinal? Eu também achava que ele respeitaria meu espaço e fez exatamente o contrário. Eu vou ficar melhor sem ele, só preciso voltar à minha rotina de antes, parar de olhar todas essas fotos no meu celular e de ter vontade de chorar a cada dez minutos.

—Mas que droga! - Resmunguei, jogando o telefone em cima da mesa e limpando mais uma lágrima insistente.

Respirei fundo algumas vezes e voltei minha atenção ao computador à minha frente para me certificar de que realmente não havia mais nenhum paciente para atender na emergência. Enfiei o celular no bolso da calça e fui dar uma volta pelo hospital, já era noite, então talvez eu encontrasse alguma coisa para fazer.

—Onde você pensa que vai, gata? - Ouvi o Colin chamar assim que dei dois passos no corredor.

Me virei e dei de cara com ele e Luna, ambos com sorrisos enormes e caminhando na minha direção.

—Temos um jantar, lembra? E você está totalmente livre agora. - Ele completou satisfeito.

Até tentei sorrir de volta, mas não consegui reprimir uma careta ao me lembrar que eu ainda tinha um evento em minha homenagem para comparecer.

—E onde vocês estão pensando em jantar? - Tentei soar animada, mas os dois me olharam desconfiados.

—Não está a fim? - Luna perguntou.

—Para falar a verdade, não. - Fui sincera e os dois me olharam decepcionados. - Desculpem.

—Sem problemas, mas está tudo bem? - Meu amigo perguntou, se aproximando e repousando o braço no meu ombro em um gesto reconfortante.

—Está. - Sorri para ela da melhor maneira que consegui. - Por que não compramos uns lanches e comemos aqui no meu consultório? Estamos todos livres mesmo. - Dei de ombros e os dois concordaram.

Caminhamos em silêncio até a lanchonete e os dois pediram seus jantares antes de mim. Quando chegou minha vez, pedi um suco de laranja, meu lanche natural preferido e uma barra grande de chocolate branco, apenas porque me deu vontade de comer alguma coisa doce e ela estava muito atrativa no balcão.

Colocamos tudo sobre a minha mesa assim que tirei de lá todos os receituários, e os dois se acomodaram nas cadeiras de um lado enquanto eu assumia a minha de sempre. Os dois começaram uma conversa descontraída e engraçada sobre um karaokê a que foram juntos, sem mim porque eu estava comemorando o aniversário do Harry.

—Eu deveria ter ido, parece que vocês se divertiram muito. - Comentei enquanto abria meu chocolate.

—Mas você com certeza se divertiu mais. - Luna afirmou. - Como foi o aniversário dele?

—Foi legal. Jantamos e voltamos para casa. - Respondi, dando uma mordida na barra.

—Você já usou meu presente? - Colin perguntou com expectativa.

—Ainda não, gato, mas prometo que vou usar assim que encontrar alguém para fazer isso comigo.

Tentei soar o mais despreocupada possível ao dizer, mas isso não os impediu de me olharem espantados, os olhos arregalados.

—É por isso então? - Luna me perguntou como se algo estivesse fazendo sentido de repente.

—O que?

—Que você está toda tristinha.

—E se entupindo de chocolate. - Colin acrescentou, apontando para mim em meio a outra mordida.

Larguei meu doce sobre a mesa e encarei de volta sua expressão reprovadora.

—Vocês terminaram? - Luna perguntou.

—Uhum.

—Quando?

—Ontem.

—E a briga foi feia? - Meu amigo quis saber.

—Foi.

—Vocês brigaram por que? Pelo que você dizia estava tudo ótimo. - Luna se manifestou.

—Porque ele não consegue segurar a curiosidade mórbida dele e nem aceita quando eu não quero responder. - Falei me sentindo irritada de novo. - Preciso contar tudo pra ele? - Perguntei aos dois, que ouviram sem dizer nada. - Não preciso, não é?

Quebrei mais um pedaço do meu chocolate e enfiei na boca. Cruzei os braços enquanto os dois se entreolhavam.

—Teve grito?

—Uhum. - Murmurei, ainda de boca cheia.

—Dos dois? - Colin perguntou e eu assenti. - Ele chorou?

—Sim, tadinho. - Falei com uma pontada de dor ao me lembrar do Harry limpando a bochecha. - Tadinho nada, ele me falou um monte! - Acrescentei, me lembrando do eco dos gritos dele. - E por que você não me pergunta se eu chorei também?

—Porque nem precisa, dá pra ver na sua cara. - Esclareceu apontando para mim.

A ideia de estar andando por aí com o rosto inchado me irritou mais do que o suposto desinteresse do Colin pela minha tristeza.

—E você está bem com isso?

—Bem? Claro que não! - Falei como se fosse óbvio. - Estou com raiva, isso sim, porque eu perdi seis meses da minha vida com um cara que sai batendo a porta, sem olhar pra trás, e me chamando de egoísta.

—Ai! - Luna comentou, refletindo meu sentimento de dor com a ofensa.

Ficamos em silêncio por um tempo, sem saber o que dizer, até o Colin perguntar astutamente:

—O que é isso que você está segurando o tempo todo?

Olhei para baixo e reparei que estava com o pingente preso entre os dedos, coisa que eu ainda nem tinha reparado que estava fazendo.

—Um dos presentes que ele me deu de aniversário.

Assim que terminei de falar os dois se debruçaram sobre a minha mesa e aproximaram os rostos do meu pescoço, Colin apoiou com delicadeza meu pingente sobre os dedos para olharem de perto.

—Uau, que lindo! - Luna elogiou.

—Também achei. - Assumi, porque eu também não podia tirar o mérito da joalheria que confeccionou a peça.

—Um dos presentes? - Colin observou, se sentando novamente. - Quais foram os outros?

—Um monte de brigadeiro gourmet, que é meu prato preferido, uma lingerie super bonita, um chaveiro de caveirinha e um War, que ele ia me ensinar a jogar. - Terminei de contar com o cotovelo na mesa e o rosto apoiado na mão, uma pose deprimente até para mim que não estava me vendo.

Não encarei nenhum dos dois, apesar de saber que eles ainda podiam ver minha expressão triste. Lembrar de como foi legal ganhar tudo isso não me deixou melhor, e eu me sentiria ainda pior quando enfim tivesse tempo de tirar tudo do meio da minha sala.

—Que fofo. - Luna comentou, apenas para ter algo que dizer.

—Enquanto ele quer ser, é mesmo, mas quando decide magoar também é ótimo. - Desabafei e suspirei ao fim, reprimindo a vontade de chorar. - Vamos falar de outra coisa? O que acabou, acabou.

—Claro. - Colin se prontificou, não sem me olhar de um jeito muito observador. - Contei para vocês que agendei minha viagem de férias? - Nós duas negamos e ele começou seu relato a respeito da praia onde passaria seus dias de descanso.

Se eu bem o conhecia, ele esperaria apenas um momento conveniente em que estivéssemos a sós para trazer o assunto à tona. O que quer dizer que eu precisaria passar uns dias evitando me encontrar com ele sem mais ninguém.

—E quais os planos para o final de semana? - Ele perguntou depois de nos contar as maravilhas do seu destino turístico.

—Vou jantar com o Ron amanhã, vamos comemorar meu aniversário.

Empurrei para o fundo da minha mente a lembrança de que o Harry iria conosco e optei por não mencionar o fato. Ao invés disso, ouvi Luna se lamentar porque teria que trabalhar e não poderia passar o final de semana com o namorado. Reprimi minha vontade de ignorar a história do casal porque não queria soar mal educada nem amargurada, mas não consegui pensar em nada mais legal para dizer do que meu único comentário:

—Que pena.

Os dois se entreolharam diante da minha falta de empolgação, e eu vi meu amigo disfarçar a risada com uma tosse e mudar novamente de assunto. Ignorei de propósito aquilo e continuei ouvindo o falatório dos dois até que fui chamada na emergência.

—Pessoal, obrigada pelo jantar de aniversário, mas tenho que ir. - Me despedi rápido e saí, agradecendo internamente por não ter que continuar na nossa pequena reunião.

O problema não era com eles, eu é que não estava no melhor humor possível e não tinha paciência para continuar com esses eventos. O acidente que precisei atender demandou minha atenção madrugada adentro, e não tive nenhum outro momento de folga durante aquela noite.

Quando saí do centro cirúrgico, andei sorrateiramente pelos corredores até o vestiário e saí do hospital evitando encontrar meu amigo na recepção. Eu sei que seria inútil tentar não conversar com ele, mas adiaria o quanto pudesse.

Não consegui impedir meu olhar de vagar pelo estacionamento do hospital apenas para confirmar que o Harry estava falando sério quando disse que não me procuraria. Não consegui me decidir se dava ouvidos ao lado que dizia que era melhor assim ou ao que tentava se convencer, muito esperançoso, de que ainda estava muito recente e na semana seguinte seria diferente.

Joguei a bolsa no banco do carona e dirigi devagar até minha casa, porque também não estava com pressa de encarar a bagunça da minha sala. Com o argumento de que eu precisava descansar, passei novamente direto pelo primeiro cômodo do meu apartamento e fechei a porta do quarto atrás de mim. Tomei um banho muito mais rápido do que o habitual e me enfiei embaixo das cobertas, deixando o sono me levar.

Acordei deitada de bruços e me sentindo um pouquinho dolorida pela posição incômoda, mas o que me irritou foi a primeira coisa em que pensei assim que despertei: “meu Deus, como o Harry consegue dormir assim?”. Bufei irritada com o rumo dos meus pensamentos e me virei de costas, assumindo minha posição de costume e fitando o teto escuro acima de mim.

Me concentrei em deixar a mente livre de qualquer assunto que não fosse o que vestir para sair com o Ron, e uma vez decidido o traje, puxei o celular para ver as horas e pensar no que fazer até a hora de sair.

—Puta que pariu! - Exclamei irritada quando vi que já era quase seis da tarde.

Chutei as cobertas para o lado e caminhei emburrada até o banheiro. Desde quando eu dormia tanto assim no sábado? Me enfiei embaixo do chuveiro praguejando o momento em que me habituei a ser acordada com uma ligação bonitinha em um horário decente. Se o Harry não tivesse me acostumado a isso, eu não teria dormido tanto e perdido praticamente o dia inteiro.

Só tive tempo de me vestir e sair correndo para a casa do Ron, porque nossa reserva era no primeiro horário e ele sempre me dava um belo sermão quando eu me atrasava, o que eu sinceramente gostaria de evitar nesse momento.

—Nossa, Gin, que cara de sono. - Foi o primeiro comentário dele quando abriu a porta para mim.

—Acordei agora há pouco. - Respondi sem vontade, me esticando para que ele beijasse meu rosto.

Fechei a porta e me virei a tempo de vê-lo se jogar de novo no sofá, vestindo o short que eu reconheci como sendo de um pijama de quando ainda morávamos juntos e uma camiseta mais ou menos da mesma época.

—Não estamos atrasados? - Perguntei me sentando do lado dele.

—Eu me troco rapidinho.

A cara dele mostrava a total falta de vontade de levantar dali até mesmo para ir até a cozinha, imagina a um restaurante. Se eu fosse sincera comigo mesma, também assumiria que eu passaria o jantar todo pensando que estava faltando uma pessoa.

—Quer pedir comida e ficar em casa? Estou meio desanimada hoje. - Sugeri, jogando os sapatos para o lado e colocando os pés sobre o assento ao meu lado.

—Mas é seu aniversário, a gente sempre comemora.

—Vamos comemorar aqui, não estou muito em clima de restaurante hoje.

—Nem eu. - Confessou com um sorriso agradecido.

Nos acomodamos no balcão da cozinha com uma pilha de cardápios de delivery entre nós e escolhemos nosso jantar em poucos minutos. Enquanto esperávamos, troquei a calça jeans pelo short do meu pijama e me acomodei novamente no sofá.

—O que foi, Ron? - Perguntei me virando para ele, que continuava pensativo.

Ele respirou fundo daquele jeito que sempre fazia antes de me contar algo delicado, e falou:

—Mione me deu um ultimato.

—Ultimato? - Questionei, curiosa por mais informações.

—Quarta ela veio aqui a tarde com aquele jeito todo autoritário dela, me sentou no sofá e falou que quer mais. - Deu de ombros antes de continuar, indicando que aquilo era o resumo. - Disse que não quer mais continuar com os nossos encontros casuais, que agora ela quer um relacionamento, ou não teremos mais nada.

—Ela enfim tomou coragem, então… - Comentei mais para mim do que para ele.

—Você sabia? - Perguntou com o cenho franzido.

—Que ela gosta de você? - Ele assentiu sem dizer nada. - E você não?

—Não, ela nunca demonstra.

—Meu Deus, Ron, você é cego? - Perguntei e ele me olhou com a cara fechada. - Enfim, o que vocês vão fazer?

—Não sei, ela deixou a decisão nas minhas mãos e eu não sei o que fazer. - Falou meio confuso.

A campainha tocou antes que eu pudesse responder, e me levantei para atender o entregador. Voltei até a sala no momento em que ele se acomodava novamente com dois copos e guardanapos para nós dois e deixei a caixa de esfirras sobre o sofá, entre nós.

—Olha, ela gosta muito de você, e para mim é bem óbvio também que você gosta dela. - Comecei e ele me olhou com atenção. - Então pensa bem antes de se decidir, e vê se não faz merda.

Ele revirou os olhos ao final do meu conselho e bufou irritado.

—Olha quem está falando! - Desdenhou e eu fechei a cara dessa vez. - A Mione não é a única apaixonada nessa história, e você é perita em fazer merda.

—Eu? - Perguntei indignada. - Tem certeza que sou eu?

—A cegueira deve ser de família também. - Completou, me olhando com superioridade.

—Quando foi que começamos a falar de mim? Estou tentando te ajudar, seu idiota.

—Também estou tentando te ajudar quando digo que você é totalmente minha irmã na arte de fazer merda. - Devolveu sem nada de humor.

—Obrigada pela parte que me toca. - Agradeci sarcástica. - E o que você falou?

—Nada.

—Eu te contei tudo, pode me dizer o que você falou também. - Exigi, colocando meu copo novamente sobre a mesa de centro.

—Estou dizendo, eu não falei nada. - Esclareceu exasperado.

—Nada, absolutamente nenhuma palavra? - Perguntei sem acreditar e ele confirmou com um aceno. - Ron, ela vem aqui, diz claramente o que quer e você faz o grande ato de ficar calado?

Até aos meus ouvidos soei indignada ao dizer isso.

—Eu deveria ter gritado um monte de grosserias? - Falou me olhando sugestivo.

—Eu não fui grossa. - Me defendi.

—E eu não disse seu nome. - Deu de ombros em um rompante de infantilidade. - Mas ta vendo? Até você sabe que foi um poço de grosseria com o moleque.

—Ai, Ron, não da para conversar com você. - Cruzei os braços irritada.

—Eu não soube o que dizer. - Confessou.

—E eu estava me defendendo, ele me magoou. - Repeti meu argumento, sem olhar para ele.

Nenhum de nós dois soube o que dizer depois disso, porque eu não fazia ideia de como consolá-lo e meu estado de espírito estava totalmente impróprio para tal ação.

—Você vai dormir aqui? - Perguntou ainda olhando para frente.

—Vou. - Respondi, terminando meu refrigerante.

Nenhum de nós dois disse nada depois, e o Ron acabou ligando a TV para preencher o silêncio.

O dia seguinte chegou com a mesma falta de coisas para fazer e se arrastou durante toda a manhã. Após almoçarmos, meu irmão se acomodou no sofá com um dos seus notebooks ultra modernos no colo e a mim restou assistir TV, deitada ao lado dele.

—Gin? - Ouvi sua voz distante me chamando e despertei aos poucos. - Seu telefone está tocando.

Pisquei algumas vezes para focar o ambiente e estendi a mão para que ele me entregasse o celular.

—Acabei dormindo, obrigada. - Comentei o óbvio enquanto olhava a tela do aparelho. - Alô?

—Dra. Weasley? É a Mary, do hospital, desculpe interromper seu final de semana. - Reconheci a voz da enfermeira simpática que fazia vários turnos no final de semana.

—Sem problemas, Mary, o que houve?

—Circuito de pedaladas na cidade no início da tarde, já recebemos vários casos e você sabe como é, teremos muitos mais certamente. - Rolei os olhos quando ouvi o motivo, porque nunca entendi o que leva pessoas a saírem de casa no domingo apenas para se quebrarem em cima de uma bicicleta. - Me pediram para chamar você também, porque não daremos conta.

—Tudo bem, Mary, obrigada, chego aí daqui a pouco.

—Obrigada, doutora.

Encerrei a ligação e me espreguicei antes de levantar, me sentindo empolgada por ter algo útil a fazer.

—Vou trabalhar. - Informei ao Ron enquanto ia até meu quarto trocar o pijama.

—Tudo bem. - Falou sem desviar a atenção do que quer que estivesse fazendo.

Passei na minha casa tempo suficiente para trocar de roupa, e cheguei ao hospital no fim da tarde. Não tive tempo para nada até o início da madrugada, a correria manteve minha mente ocupada o suficiente para eu não ter tempo de pensar em mais nada.

Trabalhar era realmente uma ótima distração e ainda me deixava feliz, então não tive nenhuma pressa de ir embora às seis da tarde, ao fim do meu turno, e acabei chegando em casa todos os dias depois das dez da noite. Era um ritmo cansativo, mas que me fazia dormir sem interrupções e nem sonhos.

O lado ruim foi não ter nenhuma disposição para arrumar a bagunça da minha sala, mas eu mal tinha tempo de olhar para ela de qualquer forma.

Meu último paciente agendado na quinta-feira saiu do consultório pouco depois da uma da tarde, quando eu já estava faminta. Me estiquei para alongar os músculos e levantei para ir até a lanchonete, mas me choquei com um jaleco tão branco quanto o meu assim que abri a porta.

—Aonde pensa que vai, gata? - Colin perguntou animado, me empurrando de volta para dentro.

Olhei derrotada para ele, porque eu já previa com precisão o motivo da visita.

—Só comer alguma coisa.

—Não precisa sair, eu trouxe para você. - Falou orgulhoso, levantando um lanche do meu sabor preferido e o suco de laranja que eu sempre tomava.

—Nossa, que gentileza, obrigada. - Tentei soar simpática, mas terminei olhando ameaçadora para ele. - Se eu não te conhecesse, diria que está me encurralando.

—E se eu não te conhecesse, diria que está fugindo. - Devolveu, se acomodando confortavelmente na cadeira em frente à minha mesa.

Sem outra alternativa, me sentei também e comecei meu almoço.

—Então, me conta. - Pediu com os cotovelos apoiados e me olhando com atenção.

—Já contei tudo, gato.

—Não contou como você está se sentindo nem por que essa briga começou. Vocês estavam muito amor um com o outro, e brigaram do nada.

—É difícil explicar por que começou, gato, mas basicamente eu não quis dizer a ele o que tinha acontecido, ele insistiu, eu neguei e brigamos. - Dei de ombros ao final da minha explicação vaga.

—Foi por causa do que aconteceu na quarta? Aqueles atendimentos que você não gosta de fazer?

—Colin, eu não quero falar disso.

—E nem precisa falar disso comigo, ou com a Luna, ou com ninguém daqui. - Esclareceu e eu o olhei sem descruzar os braços. - A gente nota que te incomoda e você não gosta de falar, mas pra gente não faz diferença. Para o Harry faz?

—Mais do que deveria.

—O que ele fala disso?

—Que não faria diferença se não nos afetasse. - Contei a contragosto, virando o resto do meu suco. - Obrigada pelo almoço.

—De nada. Ele que terminou tudo?

—Não, ele disse que queria que eu aceitasse tudo o que ele quer compartilhar e que eu compartilhasse também, ou iria embora e dessa vez estava desistindo.

—E você acha que ele falou sério sobre desistir? - Fez a pergunta que eu estava tentando evitar desde o começo da semana.

—Eu acho. - Assumi com um suspiro.

—Você deve ter sido cavala com ele também, né gata?

—Você é meu amigo, sabia? Meu! - Exclamei exaltada, ele me olhou divertido. - E já é a segunda pessoa que diz que eu fui grossa com ele. Por que você e o Ron não se juntam e fazem um grupo de apoio para ajudar o Harry? Vai ver ele não está conseguindo se recuperar sozinho de tanta grosseria. - Ironizei ao final da frase e ele riu.

—Olha só, que delicadinha. - Comentou sarcástico. - Deve ser porque eu e o Ron conhecemos seus momentos.

—Ou porque querem testar minha paciência. - Sugeri e ele riu de novo.

—E como você está com tudo isso? - Abri a boca para falar, mas ele me interrompeu. - Fora aquele papo da raiva que você disse pra mim e pra Lu, porque isso já deve até ter passado.

—Estou com saudade. - Confessei. - A gente se via muito, como eu conseguiria não sentir falta?

—Não tem como. - Concordou. - Mas e você, desistiu também?

—Ah, Colin, não é questão de desistir. - Comecei, sem saber ao certo como explicar. - Ele me machucou também, sabia?

—Imagino.

—Ele me chamou de egoísta, de ingrata e praticamente falou que eu não tinha sentimentos, por que eu deveria querer continuar? É coisa demais pra falar de alguém que a gente gosta, não?

—Bem, é, mas pra mim parece aquele monte de coisa que as pessoas falam na hora da raiva e nem acham isso de verdade.

—Na hora da raiva, ou não, ele também não foi nada delicado comigo.

—E quem briga delicadamente, gata? - Falou como se fosse óbvio.

Nem respondi a essa pergunta, apenas olhei de canto para ele.

—Eu acho que vocês dois deveriam conversar e pelo menos dar um fim decente para isso, foi muito legal o que vocês tiveram para acabar assim.

—Não acho uma boa ideia. - Teimei e ele rolou os olhos para mim.

—Acabou mesmo para você?

—Acabou, não é? Eu disse tchau, ele foi embora, me parece o fim.

—Então tira esse colar, se acabou tem que se livrar de tudo. - Falou desafiador, apontando para o meu pescoço.

Assim que ele citou a peça, notei que eu estava de novo com o pingente preso entre os dedos, brincando de deslizá-lo de um lado para o outro pela corrente.

—Não! - Neguei espontaneamente.

—Por que?

—Porque isso não tem nada a ver. - Afirmei séria e ele riu de canto para mim. - Colin, não quero mais conversar com você.

—Nem poderia, preciso voltar para a emergência. - Falou se levantando. - Mas não fique triste, eu vou dar um jeitinho de te ver com mais frequência.

—Ah, não se incomode, vou ficar muito bem. - Respondi de pirraça, mas terminei rindo com ele.

—Se cuide, gata. - Se abaixou ao meu lado e deu um beijo no meu rosto. - E pare de se entupir de chocolate, pelo amor de Deus! - Pediu exasperado, tirando a embalagem vazia do meu bolso.

—Pare de dar uma de nutricionista, pelo amor de Deus! - Devolvi na mesma forma, tirando o papel da mão dele e jogando no lixo embaixo da minha mesa.

—Isso de que chocolate supre carência é mito. - Afirmou sabiamente.

—Obrigada pela informação vital, não vou me esquecer.

—Sempre que precisar. - Riu e me mandou um beijo antes de sair.

Ignorei meu horário de saída mais uma vez e fiz uma ronda geral por todos os meus pós operatórios durante a tarde. Quando estava prestes a ir embora recebemos uma emergência grave e isso me prendeu noite adentro, me deixando livre apenas para ir para casa dormir.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!
Para o pessoal que queria Ginny sofrendo: está sendo suficiente? hahaha
Lembrando o quanto relacionamento é um assunto difícil, não dá pra querer que ela simplesmente decida que deve correr atrás dele, né?!
Ansiosa para saber o que estão achando!
Beijos e até o próximo.

Crossover: Em Backstage a Mione e o Ron também não estão num momento muito bom. Não se esqueçam que a Ginny e a Mione são melhores amigas, e quem melhor pra conversar num momento como esse né? ;) Não percam o próximo capítulo, será postado amanhã!
https://fanfiction.com.br/historia/692675/Backstage/