Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 19
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Vocês já estão fazendo parte do meu grupo no Facebook? No domingo eu postei lá o primeiro POV do Harry!
Se não estão, deveriam...
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Acordei no dia seguinte sozinha na cama dele, me sentindo tão confortável quanto se estivesse na minha própria. Depois de me espreguiçar e esfregar os olhos por um momento me sentei e vi do meu lado meu robe pink e uma toalha de banho que eu já reconhecia de muitas outras vezes que usei.

Fui direto ao banheiro e saí de lá me sentindo ainda mais leve e muito mais apresentável, vesti minha peça confortável de roupa e saí do quarto para procurar Harry, que provavelmente estaria no sofá lendo. O encontrei exatamente como previ, sentado de lado em um dos cantos, uma perna dobrada sobre o assento e a outra esticada ao lado, correndo os olhos rapidamente através das linhas.

—Bom dia. - Desejei, anunciando minha chegada.

Em troca ele apenas ergueu a mão em um claro sinal de "espere e não diga nada" que eu já tinha recebido outras vezes e continuou o que estava fazendo.

Harry não gostava de parar no meio do capítulo, porque segundo ele perdia o clima. Não que eu entendesse sua opinião, mas não me importava de esperar que ele terminasse. Olhei com mais atenção a capa rosa do livro que ele tinha em mãos para identificar o título: Eu sou a lenda.

Sem falar nada deitei de costas no sofá e apoiei a cabeça em seu colo de modo que eu também conseguisse ver as páginas para onde ele estava olhando com atenção. Comecei a ler de um ponto aleatório, apenas para ter o que fazer enquanto esperava. Não tinha nenhum contexto para o que se desenrolava ali, mas não era de todo desinteressante.

—Espera. - Interrompi, segurando sua mão quando tentou virar a página. - Pronto.

A página seguinte já era o fim do capítulo, então depois que terminamos o livro foi fechado e colocado de lado.

—Bom dia. - Falou, se inclinando para me dar um beijo. - Dormiu bem?

—Muito bem, e você?

—Ótimo. - Respondeu com o semblante feliz.

—Por que você está lendo essa história? Tem o filme. - Perguntei enquanto ele enrolava uma mecha do meu cabelo.

Sua mão parou de se mexer assim que terminei a frase e ele a colocou no rosto com uma expressão quase de dor.

—Por favor, não diga isso na frente de mais ninguém, porque fica impossível te defender. - Pediu dramático, me fazendo rir.

Tirei as mãos dele do rosto e entrelacei nossos dedos antes de mudar de assunto.

—O que você e o Ron estavam conversando ontem?

—Achei que eu era a pessoa morbidamente curiosa aqui. - Desafiou, me olhando com um sorriso de canto.

—Mas você é mesmo. - Confirmei sem deixar me abalar.

—Achei que só eu. - Corrigiu da mesma forma.

—Só você. - Afirmei novamente. - Eu só estou interessada no assunto.

Ele revirou os olhos para mim, visivelmente se divertindo com a minha pergunta.

—E o que te faz pensar que o assunto em questão era do seu interesse?

—As pessoas que o estavam abordando. - Respondi sem pensar e os olhos dele brilharam com a frase.

Seu sorriso era presunçoso quando desvencilhou suas mãos das minhas e colocou as duas nas laterais do meu rosto antes de se abaixar e me dar um selinho mais demorado que o normal.

—Não era nada demais. - Contou ao se levantar. - Ele só me perguntou qual era a graça daquilo, e eu tive que concordar porque estava chato pra caramba, aí achamos uns assuntos mais interessantes e fomos tomar alguma coisa.

—Ah sim, legais são os jogos. - Ironizei.

—Por isso eu entendo que você passe o tempo todo tagarelando com a Lisa, ou dando uma volta sei lá onde ou fazendo sei lá o que que vocês fazem enquanto isso. - Argumentou.

—Eu fico pensando o que a coitada fazia antes de mim sem ninguém pra conversar enquanto você e o Michael xingam o time adversário.

Ele abriu a boca espontaneamente para dizer alguma coisa, mas desistiu e me olhou sem graça. Então me ocorreu que, é claro, a Lisa deveria ter uma companhia por jogo antes de mim, um milhão de pessoas diferentes com quem conversar e matar o tempo. Indo ainda mais longe, cheguei à uma pergunta que eu nunca tinha me feito antes: ela teria companhia também nas noites em que eu estava de plantão?

O incômodo que aquilo trouxe de repente me sobressaltou e eu senti minhas bochechas corarem quando me peguei querendo desesperadamente apagar aquela imagem da minha cabeça e as lembranças da dele, porque me parecia inaceitável que Harry se lembrasse de momentos assim que não fossem comigo. A irracionalidade desse pensamento me deixou mortificada de vergonha de mim mesma, porque ser racional era minha maior prioridade.

Para completar, eu não me lembrava do ciúmes como um sentimento que machuca, ou então nunca tinha sentido antes. Definitivamente não era algo com que eu soubesse lidar.

Desviei os olhos e me impulsionei para levantar do seu colo e ir fazer qualquer outra coisa que não o envolvesse presenciando essa cena patética, porque só de olhar seu rosto eu já sabia que Harry tinha acompanhado todo o desenrolar dos meus pensamentos.

—Não, vem cá. - Chamou, segurando minha cintura e me impedindo de levantar.

Seu tom de voz não escondia certa satisfação, mas não me atentei a ficar irritada com isso.

Ele tentou me fazer deitar de novo, mas me neguei veementemente a continuar olhando para ele e me acomodei encostada em seu peito com o rosto seguramente longe daqueles olhos verdes escrutinadores e sagazes. E lindos.

—Fala, o que foi? - Perguntou com o queixo apoiado no meu ombro e as mãos sobre as minhas ao redor dos meus joelhos.

—Você é que ia falar e desistiu. - Rebati com esforço para soar normal.

Ele pareceu pensar um pouco no modo de dizer antes de começar.

—Eu ia falar que antes de você Lisa foi poucas vezes com a gente, bem poucas mesmo, mas nessas vezes ela não ficava lá sozinha. - Explicou cheio de tato.

—Uhn. - Resmunguei sem deixar de fitar a moldura de gesso que contornava o teto.

—E nos dias do seu plantão ela sentou com a gente na sala nos dois dias que assistimos na casa deles, reclamando a cada dez minutos por você não poder ir também, e na terceira vez o Mike veio sozinho para cá, aí estávamos só nós dois.

A percepção que Harry tinha acerca dos meus pensamentos era algo que eu ainda não tinha conseguido decidir se gostava ou não, mesmo depois dos pouco mais de quatro meses que estamos saindo juntos.

—Uhn. - Repeti da mesma forma.

—Essa é a hora que eu falo alguma coisa legal, né? - Refletiu confuso e eu acabei rindo.

—Seria bom. - Incentivei, ainda na mesma posição.

—Nunca antes troquei um jogo de final de campeonato por qualquer outra coisa que fosse. Na verdade não me lembro nem de ter trocado um jogo qualquer do campeonato.

Sorri satisfeita para a parede à minha frente, apreciando o bem estar que trouxe o significado implícito daquela frase.

—E se quer saber, nunca vi Lisa se dar tão bem assim com ninguém antes, sabia? - Afirmou e eu olhei para ele, negando com um gesto de cabeça. - Deitada na cama dela com alguém para conversar, igual vocês estavam naquele dia na casa do Mike, então, nem com a Jess, nem com a Alice, nem com a...

Ele parou de novo, com a mesma expressão de quem tinha falado demais.

—Nem com a? - Incitei.

—Nem com a minha ex namorada, com quem fiquei uns três anos.

—Você teve uma namorada que durou tanto assim? - Perguntei, sem conseguir esconder a curiosidade.

—Uhum. Era amiga da Lisa na faculdade e nós começamos a namorar mais ou menos na mesma época que o Mike e ela. - Contou sem demonstrar nenhum tipo de saudosismo, o que eu achei ótimo. - Mike e Lisa pelo menos não foram uma total perda de tempo. - Constatou sem nada de ressentimento.

Ex namorada, que não se dava tão bem assim nem com a própria amiga e foi uma total perda de tempo. Gostei dessa definição.

—Mas e você? - Perguntou depois de um tempo e eu me virei para ele interrogativamente. - Você nunca conta nada disso, pode falar também.

—O que você quer saber?

—Sei lá, depois do fiasco do seu primeiro namorado, mas que era o cara mais popular da escola. - Começou debochando e me fazendo rir. - Alguém mais interessante? Tipo o cara mais popular do hospital?

—Sim. - Sua expressão de zombaria cessou quando ele me encarou acusador.

—Do hospital?

—É. - Confirmei e ele continuou me olhando de canto. - Quando era residente eu passava muito mais tempo ainda lá, então acaba acontecendo, se eu for te contar tudo o que acontece dentro daquele hospital você se assusta. Você nunca saiu com ninguém do trabalho?

—Não. - Negou sem precisar considerar o assunto, com se fosse óbvio. - Onde estão essas pessoas hoje? - Não conseguiu esconder totalmente o incômodo por trás das palavras.

—Estão lá, provavelmente trabalhando essa hora.

—E você está aqui, sendo feliz. - Afirmou me dando um beijo no rosto e em seguida me olhando subitamente preocupado. - Você está sendo feliz, não está?

Não aguentei e gargalhei, tombando a cabeça para trás e deitando em se ombro.

—Sim, estou sendo feliz.

—Viu? Que bom. - Falou e me deu mais um beijo.

—Mas estou sendo feliz com fome.

—Eu também estou sendo feliz com fome, estava esperando você acordar. - Concordou e me deu espaço para levantar.

Quando passamos pela mesa de jantar no caminho para a cozinha avistei a vasilha com brigadeiro ainda ali em cima e sorri com a lembrança.

—Nunca mais vou olhar um brigadeiro com os mesmos olhos. - Confidenciei e trocamos um sorriso cúmplice.

—Nem eu para a minha mesa de jantar. - Adicionou da mesma forma.

Harry me levou para casa assim que pedi, no meio da tarde, e aproveitei o resto do domingo para organizar algumas coisas no meu apartamento e dormir um pouco mais cedo para estar descansada no dia seguinte.

Durante a semana Luna e Colin me abordaram para perguntar se eu estaria livre no sábado a noite, pois coincidentemente os dois estariam e já fazia algum tempo desde que nos encontramos sem pressa pela última vez e precisávamos colocar as fofocas em dia. Confirmei que podiam contar comigo e escolher o lugar, eu estaria lá com certeza.

Quando voltei ao meu consultório digitei uma mensagem para Harry, comunicando a quebra da rotina:

"Não vou te ver no sábado, Ursinho, Colin e Luna me chamaram para sair."

Sua resposta demorou alguns minutos para chegar e eu só pude ler depois de finalizar a consulta em andamento num rapaz que torceu o pé.

"Esteja preparada para me recompensar no domingo ;)"

Eu tinha certeza que ele estaria totalmente disponível e ficaria radiante se eu o convidasse para ir conosco, mas não via motivo para isso e os momentos a sós com eles eram tão difíceis que eu preferi manter como estava.

"Aceito sugestões ;)", respondi antes de chamar o próximo paciente.

Quinta feira depois que ele saiu do trabalho passou na minha casa para jantar comigo e pouco antes de ir embora sugeriu:

—Eu estava pensando, podemos fazer alguma coisa diferente no domingo. Nunca fizemos nada assim.

—Não? - Questionei em dúvida. - Não sei quanto a você, mas deixar alguém me lambuzar de brigadeiro para lamber depois não é uma coisa que eu já tenha feito antes. E de olhos vendados ainda? Nunca! Isso é suficientemente diferente para mim.

Sua risada gostosa ecoou pela sala quando terminei de falar.

—Estou falando de uma coisa mais diferente.

—Mais diferente que isso? Bom, então chegou o dia que vamos precisar conversar sobre limites. – Interrompi

—Meu Deus, Ratinha, não estou falando de sexo. - Explicou revirando os olhos.

—Ah, não? - Perguntei confusa.

—Não, estou falando de alguma coisa diferente no sentido de, sei lá, ir a um lugar diferente. - Deu de ombros, indicando que era um exemplo. - Vamos?

—Vamos, mas eu só tenho um dia.

—É suficiente. Vou pensar em algo e te falo. - Prometeu satisfeito. - E sobre eu vendar os seus olhos, tire esse ultraje da voz, doutora. Você só é mandona enquanto está de roupa, todo mundo gosta de obedecer em algum lugar e o seu eu já sei bem qual é. - Afirmou convencido.

—E você chegou a essa conclusão sozinho ou contou com embasamento psicológico? - Perguntei sarcástica.

—Só precisei te observar.

—Está me observando demais, não acha?

Harry deu de ombros, como quem diz "o que você acha?", e então falou presunçoso:

—Você é boa com ossos, eu com relacionamentos. Cada um na sua especialidade, minha linda.

O olhei de canto por um tempo, mas optei por encerrar aquele assunto e ocupar o resto do tempo antes dele ir embora com coisas melhores do que conversar.

Acordei no sábado já no meio da tarde, recuperada da noite em claro no trabalho. Colin havia me informado no dia anterior o endereço do lugar onde nos encontraríamos, e eu reconheci como sendo o mesmo lugar onde me encontrei com os amigos do Harry pela primeira vez.

Me vesti de acordo com o ambiente que me aguardava e o clima gelado de fim de Junho e entreguei a chave do meu carro ao manobrista cinco minutos antes do horário marcado com eles. Pedi uma mesa para três pessoas e me acomodei para esperá-los já com um copo de suco na minha frente. Alguns minutos depois meu celular tocou e um Harry sorridente me olhou no identificador de chamadas.

—Oi. Que foto é essa que agora aparece quando você me liga? - Perguntei, achando graça da sua cara de pau.

—Gostou? Coloquei para te animar. - Respondeu no mesmo tom, me fazendo rir. - Atrapalho?

—Não, eles ainda não chegaram.

—Só liguei para te falar que já sei o que vamos fazer amanhã. - Contou empolgado.

—E o que é? - Quis saber, internamente tão empolgada quanto.

—Vamos passar o dia na praia.

—Não está meio frio para passar o dia na praia? - Comentei incerta, não querendo demonstrar que não achava aquilo uma ideia tão genial assim.

—Não no mar, Ginny. - Falou como se fosse óbvio. - Meus pais têm uma casa na praia e eu tenho uma chave aqui, vamos passar o dia lá.

A sugestão me pareceu bem mais atrativa assim, sempre gostei do clima do litoral.

—Preciso levar algo? - Falei, vendo ao longe Colin e Luna se aproximarem juntos da mesa onde eu já estava.

Fiz sinal para esperarem apenas um minuto e me concentrei em sua resposta.

—Não, pode deixar comigo. Passo para te pegar às seis da manhã.

—Estarei esperando. - Confirmei, disfarçando a ansiedade dos meus amigos acomodados à frente e me olhando com sorrisos de canto. - Eles chegaram, vou desligar agora.

—Até amanhã, Ratinha, divirta-se.

—Até, beijos.

Coloquei o aparelho na bolsa e me virei para as gracinhas que eu já esperava.

—Não é mais linda ainda com esse sorriso, Colin? - Luna perguntou como se eu não estivesse ali.

—Até eu teria esse sorriso no lugar dela, Lu. Vou começar a checar todos os pacientes que dão entrada na orto, quem sabe não chega um desse para mim? - Comentou esperançoso, nos fazendo rir. - Ou melhor, Harry não tem um irmão, não?

—Filho único. - Respondi me lamento falsamente e ele fez um gesto de derrota.

O garçom nos atendeu e pedimos as porções que dividiríamos, dando início à nossa noite descontraída e alegre. Nos divertimos muito enquanto Colin nos contava algumas coisas sobre um rapaz com quem estava, nas palavras dele, ficando. Algumas informações eram realmente legais, mas outras seriam muito dispensáveis se não nos fizesse rir horrores. Luna contou como estava achando legal não ser mais residente e agora fazer os procedimentos sozinha do início ao fim e se lamentou por alguns minutos porque Nev estava em uma viagem a trabalho que já durava três semanas.

—Está precisando, tadinha. - Colin afirmou malicioso, me fazendo rir.

—E você, Dra. Weasley, como anda sua vida noturna? - Ela me perguntou no mesmo tom.

—Essa aí tem mais vida noturna que eu e você juntos, Lu. - Ele respondeu por mim.

Luna o ignorou e continuou me olhando à espera da resposta.

—É isso aí que o Colin disse. - Confirmei sugestiva.

—Assim é demais, não é? - Ela comentou com ele, que confirmou com um aceno. - Você vai ter que nos contar alguma coisa.

Seu pedido me fez rir com vontade, porque compartilhar detalhes da minha vida sexual não é algo que eu veja muito sentido em fazer com quem não faz parte dela.

—Nem faça essa cara, vai ter que dizer pelo menos alguma coisinha para matar nossa curiosidade. - Meu amigo corroborou com a questão, me fazendo revirar os olhos.

—Mas o que de tão interessante tem isso? - Perguntei cruzando os braços, achando graça das suas expressões.

—Como assim o que? Olhe vocês dois juntos. - Luna apontou para mim. - Você tem uma foto de vocês aí? - Desbloqueei o celular e abri a galeria para que ela olhasse uma foto de nós dois sorrindo um ao lado do outro, em um restaurante mexicano. - Olha isso, como assim o que tem de interessante? - Falou novamente, olhando para a foto e depois passando meu telefone para o Colin.

—O que ela quer dizer, gata, é que vocês dois deve parecer a cena de um filme pornô de luxo, daqueles com orçamento folgado para contratar atores lindos, elegantes e bem vestidos. - Luna concordou veemente com ele enquanto eu gargalhava e puxava meu telefone de volta. - Até o fetiche já está montado: a médica e o paciente.

—Me senti até lisonjeada agora. - Comentei irônica, mas resolvi ceder alguma coisa. - Tudo bem, perguntem o que vocês querem saber. - Assim que terminei a frase me virei com o dedo em riste para meu amigo já com a boca aberta para a primeira curiosidade. - Não vou comentar detalhes anatômicos, Colin!

—Chata, tirou metade da graça. - Se lamentou e voltou a ficar quieto.

—Qual foi a melhor transa? - Luna começou, a empolgação visível.

—A primeira depois que ele tirou o gesso. - Falei sem pensar, mas depois me expliquei porque me pareceu injusto com as demais que essa tivesse todos os méritos. - Não é que foi a melhor, é que foi surpreendente porque nas vezes anteriores eu que fiz quase tudo porque era difícil se apoiar com o braço quebrado.

—E a mais inesquecível? - Colin se juntou a ela no questionário.

—Poxa, a mais inesquecível? - Repeti pensativa. - Uma só?

—Não! Diga quantas quiser. - Ele se apressou em responder.

Pensei por um momento, recapitulando as que eu me lembrava com perfeição, e identifiquei a primeira.

—Uma vez na minha casa, que eu nem me lembro o motivo, mas a gente já chegou tirando a roupa e paramos encostados do lado de dentro da porta mesmo. - Contei para seus olhares atentos. - E na semana passada, que ele... - Me interrompi, não tendo nenhuma dúvida de qual seria a próxima, mas sem saber como dizer.

—Ele? - Colin me incentivou a continuar.

—Vendou meus olhos e trouxe um pouco de brigadeiro para a brincadeira. - Falei normalmente, mas eles se entreolharam conspiratórios.

—É um filme pornô. - Colin constatou por fim.

—Com roteiro de qualidade. - Luna concordou acrescentando.

Ri de novo disso e ela abriu a boca para continuar o assunto, mas eu a interrompi:

—Chega de perguntas. - Determinei.

Os dois não pareceram muito satisfeitos, mas mudamos o foco da conversa para a Luna, bem menos relutante do que eu em compartilhar seus melhores momentos, e continuamos ocupando nossa mesa por longas horas até decidirmos encerrar o encontro e ir para casa.

Enquanto jogava os sapatos para o lado, já dentro da sala, mandei uma mensagem de boa noite para Harry, que me respondeu um minuto depois:

"Para que eu durma bem me conte algo que ainda não sei."

Pensei por um momento e escrevi rindo, sem entender por que me lembrei disso agora:

"Fiz ballet quando era criança."

Quase pude ouvi-lo rir, e tive certeza que essa foi a reação quando chegou a próxima mensagem:

"Roupinha rosa e tudo?"

Não consegui me manter séria com aquela conversa

"Roupinha rosa, coque no cabelo e duas apresentações de fim de ano em que me saí muito bem, fique sabendo."

Levei o celular comigo até o quarto e li seu próximo texto enquanto tirava a roupa.

"Não consigo te imaginar assim, mas deve ter sido algo bem próximo da coisa mais linda do mundo."

"Até que não era muito vergonhoso mesmo. Amanhã as 6?", digitei enquanto escovava os dentes.

Já embaixo das cobertas e com as luzes apagadas recebi sua confirmação:

"Amanhã as 6. Durma bem, Gin."

Respondi com uma carinha feliz e me aconcheguei para dormir.

Despertei ao som estridente do alarme do celular, indicando ser cinco e meia da manhã, e pulei da cama animada apesar do horário. Quando Harry chegou, tão pontual quanto sempre foi, eu já estava vestida e com a minha mochila muito pouco usada contendo algumas peças de roupa, caso eu precisasse. Abri a porta e dei de cara com sua expressão calorosa e animada de sempre.

—Bom dia. - Se adiantou me dando um beijo, os braços em volta da minha cintura. - Eu estava pensando numa coisa.

—Bom dia. O que?

—Você ainda tem aquela saia? - Perguntou com os olhos brilhando e eu o olhei sem saber a que se referia. - A do ballet.

Gargalhei com vontade diante de sua explicação.

—Eu tinha oito anos, Harry, devia ser inteira da largura de uma coxa minha hoje.

—Então? Imagina como ia ficar admirável. - Comentou com as mãos na minha bunda.

—Colin e Luna já acham que somos atores de um filme pornô de luxo com roteiro legal, bem vestidos e elegantes, então por favor não vamos estragar o figurino, não é? - Pedi ainda enroscada em seu pescoço e sua expressão se tornou subitamente confusa.

—Vou querer saber o contexto dessa conversa?

—Provavelmente não. - Afirmei e ele riu comigo.

—Sendo assim nem insisto. Vamos?

Confirmei com um aceno e me virei para pegar a mochila sobre o sofá. Descemos no elevador em meio a risadas sobre uma coisa ou outra, cumprimentamos o porteiro ao atravessar a portaria e fomos de mãos dadas até o carro dele, alguns metros a frente. Contornei o veículo ainda rindo sobre seu último comentário e esperei que destravasse a porta para entrarmos.

Enquanto eu tirava minha mochila das costas ele se acomodou no banco do motorista e bateu a porta no instante em que eu levava à mão até a maçaneta para entrar também, mas aquele barulho foi o que bastou para trazer novamente, depois de anos, todos os outros e tão nitidamente como se eu os estivesse ouvindo agora: os pneus cantando, o impacto me jogando para frente, o barulho de vidro se estilhaçando e um grito agudo, que depois eu soube que só podia ser meu.

Quase sem perceber dei um passo atrás, me recusando involuntariamente a correr esse risco com ele. Tentei mover meus pés para frente e me convencer de que era uma viagem besta de pouco mais de uma hora, mas nada me parecia suficientemente convincente para fazer isso. Não com Harry do lado.

Senti a respiração ficando presa na garganta, a sensação infelizmente conhecida de aperto no peito, as mãos começarem a suar. Internamente gritei comigo que essa não era a hora para ter um ataque de pânico, que eu não tinha mais isso, que não fazia mais parte dos meus problemas. Tinha alguma coisa que não deixava passar, as respirações fundas que me ensinaram não estavam fazendo nenhum efeito dessa vez.

O vidro do carro desceu e Harry me chamou um pouco preocupado, provavelmente com o tamanho que certamente estavam meus olhos.

—Vamos, Gin.

Olhei para ele ali dentro, o cinto de segurança já preso ao redor do tronco, e soube que havia de errado.

—Harry, sai daí. - Pedi, tentando soar calma apesar da falta de ar que aumentava.

—Oi? Por que? - Questionou sem entender e continuou onde estava.

—Sai daí! - Ordenei sem nenhuma paciência, os olhos saltando em sua direção.

Meu tom de voz alterado pareceu tê-lo alertado de que algo não estava bem, porque ele apenas concordou com um aceno, desafivelou o cinto e saiu do veículo.

Fechei os olhos ao vê-lo fora e tentei respirar fundo de novo, achando muito mais fácil dessa vez, embora eu ainda não me sentisse nem perto de estar normal. Senti a mão dele na minha blusa de moletom, tentando me puxar para mais perto, mas me soltei e dei outro passo atrás.

—O que foi? - Perguntou de onde estava, o tom de voz alarmado.

—Eu não quero mais ir. - Falei um segundo depois, já respirando com mais facilidade e olhando para ele.

—Por que, Ratinha?

—Por que não, eu quero ir para casa. - Repeti apenas, ignorando sua pergunta.

—Tudo bem, vamos para casa então e você me conta o que foi. - Confirmou e acionou o alarme.

Eu não queria explicar, eu não queria contar, só queria chegar na minha casa, sentar num canto e esperar tudo isso passar de novo, como sempre passava, mas Harry parecia não entender com aquela mania de sempre querer saber de tudo. Era tão irritante as vezes.

—Não, Harry, eu vou para casa. - Afirmei um pouco exasperada.

—O que aconteceu, Ginny? - Perguntou sério dessa vez, uma intensidade preocupada no olhar.

—Eu quero ficar sozinha. - Cruzei os braços e desviei os olhos dos dele.

—Mas por que tão de repente? - Pela primeira vez ele também pareceu irritado e adotou a mesma pose que eu.

—Você não pode parar de fazer perguntas e querer saber de tudo? - Falei com as mãos na rosto, me sentindo tão cansada quanto no final de um plantão, apesar da noite muito bem dormida.

—Você nunca me dá respostas, assim fica difícil parar. - Devolveu exaltado.

—Se eu não dou é porque não quero, você já deveria ter entendido. - Joguei de volta, o tom de voz mais alto que o normal.

Ele riu sem humor, debochado.

—E você só faz o que você quer, não é doutora? - Foi totalmente irônico ao dizer.

—Sim, isso mesmo, só o que eu quero. - Confirmei para encurtar o assunto e cruzei os braços também, mas olhei para o lado sem querer encarar de volta. - Vai embora, Harry, por favor.

—Sério? - Perguntou conformado, quase como se esperasse isso acontecer mais cedo ou mais tarde.

—Uhum, por favor. - Repeti ainda na mesma posição.

Ele bagunçou um pouco os cabelos e me olhou por um segundo a mais do que o necessário, mas virou as costas e caminhou em direção à porta do motorista sem dizer mais nada. Antes que ele a alcançasse me virei também e voltei quase correndo para a portaria do prédio. Não olhei para trás nem falei com ninguém até estar novamente no silêncio confortável da minha casa.

Deixei a mochila de qualquer jeito assim que fechei a porta e já me encaminhei ao quarto deixando a roupa pelo caminho, me livrando de tudo que de alguma forma apertasse e me concentrando em acalmar o coração acelerado. Apenas de calcinha e com a camiseta fina que estava por baixo dos casacos me enfiei novamente embaixo do edredom e fechei os olhos com força para esquecer aquela sensação de pânico e a péssima ideia que tinha sido essa viagem.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal! Tudo bem?
Estou ansiosa para postar esse capítulo desde que o escrevi, deve fazer uns dois meses ou mais!
Agora as coisas que aconteceram com a nossa doutora começam a encaixar, não?! Não vejo a hora de saber o que acharam!
Não deixem de me dizer, então comentem!
Beijos e até semana que vem.

Crossover: No capítulo de ontem de Backstage tivemos o desfile da Mione pela visão da própria, que o está preparando há meses. E coisinhas importantes aconteceram no final... Não deixem de ver!
https://fanfiction.com.br/historia/692675/Backstage/capitulo/16/