Chiquitito Coração escrita por Nadia Luz


Capítulo 2
Capítulo 2




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— Oi minha princesa – disse Carol chamando sua atenção. Ela levantou o olhar e logo notou a presença do Fernando ali e recuou, com medo. Ele já tinha ouvido Carol falar de tudo o que tinha concluído sobre a pequena, por isso não se surpreendeu, apesar de sentir o peso daquele olhar temeroso. – Tudo bem meu amor, ele é meu amigo e ele cuida dos dodóis, sabia? Ele veio ver os seus dodóis, você está com algum dodói? – a menina abaixou o olhar e concordou brevemente.

— Tudo bem minha princesa – disse o jovem médico colocando seu nariz de palhaço e chamando sua atenção. Foi quando notou que o sofrimento daquela menina era muito grande. Ele já tinha visto todo tipo de criança em seu trabalho, incluindo as do orfanato e as mais doentes dos hospitais em que trabalhou, todas elas riram quando ele colocava o nariz. Quando não queriam rir, ao menos abriam um leve sorriso, mas sempre davam um sinal. Tudo o que ele viu naquela menina foi o olhar triste e profundo. Ele esticou a mão para segurar a sua mãozinha e ela se encolheu. – Tudo bem pequena, eu não vou te machucar. Se você quiser, depois pode me ajudar a examinar a sua boneca também, o que acha? – Ele tentou buscar sua mão novamente e dessa vez ela não o evitou. Depois disso, com o seu jeito incrível com as crianças, ele começou a examinar a pequena e logo ele e a Carol se encheram de tristeza mais uma vez, quando ele pressionou a costela direita da menina e por causa disso eles ouviram a primeira palavra que saiu de sua boca, revelando uma voz rouca e ainda muito meiga “ai!”. Ela logo percebeu que tinha falado e fechou os olhos com dor, voltando para o silêncio absoluto. Os dois trocaram olhares preocupados. – Carol, ela vai precisar fazer alguns exames de sangue, mas eu acho que você fez bem de não leva-la ao hospital, acho que está melhor aqui.

— Mas então o que fazemos?

— Eu posso tirar uma amostra aqui mesmo, se estiver tudo bem por você. Levo ainda hoje para o laboratório e assim ela não precisa se incomodar.

— Ai Fernando, isso seria ótimo.

— Meu amor – disse ele se referindo à pequena – eu vou fazer uma picadinha no seu braço, mas não vai doer nada, tá bom? – ela concordou com a cabeça. Foi mais uma oportunidade para notarem mais um pouco sobre as experiências e a personalidade da menina. Quando ela viu a agulha, nem piscou, nem ligou. Fernando avisou sobre a picadinha, mas quando ele injetou a agulha, ela não reagiu, como se não sentisse nada, quando uma menina da sua idade normalmente reagiria. Fernando fez uma anotação mental: “seja lá o que foi que fizeram com ela, fez com que ela fosse resistente à dor”.

Depois de terminar o exame ele ensinou a menina a repeti-lo na boneca e depois a presenteou com um pirulito. Perguntou se ela não preferia ir brincar com as crianças, mas ela se lembrou da Dani e que não sabia muito bem como brincar, então como resposta simplesmente abraçou a sua boneca e voltou para o seu cantinho.

— Tudo bem meu amor – disse a Carol, dando um beijo em sua testa logo em seguida – eu vou lá em baixo com o Dr. Fernando ok? Qualquer coisa, você sabe onde me encontrar. – a menina sorriu brevemente e concordou.

Os dois foram até a cozinha, onde Carol serviu um copo de suco para cada um e eles se sentaram para conversar.

— E então, o que você me diz?

— O que eu pude concluir com o exame clínico é que definitivamente ela apanhou – ele fez uma pausa – bem mais do que apenas uma vez. Ela tem hematomas recentes, mas tem vários hematomas em estados diferentes de cura, sem contar que está com a região da costela muito sensível. Ela também está muito abaixo do peso ideal, por isso pedi o exame de sangue, tenho quase certeza de que está anêmica e também para garantirmos que não tem nenhuma infecção ou doença que eu não consiga detectar no exame clínico. E, como eu já sei que você vai perguntar, pela arcada dentária dela eu posso afirmar com quase toda certeza de que ela tem cinco anos, cinco e meio. E por fim, você viu assim como eu a prova clara de que ela não tem problemas clínicos que a impeçam de falar, ela só está presa no seu trauma.

— E então, o que fazemos agora?

— O que estamos fazendo meu amor. Eu estou contigo nessa e juntos vamos ter a certeza de que esse anjo não vai mais ter o que temer. Ela é especial, eu entendo agora o que você e o Beto disseram sobre ela.

— Ela não está comendo direito, eu não sei mais o que fazer.

— Eu sei que você e o Chico vão resolver isso logo. Mas já pensando nisso eu trouxe umas vitaminas e um nutrem para que ela implemente a dieta a partir de hoje. Ela precisa ganhar peso.

— Quanto ela está pesando?

— Ela está com 9,750kg e 1m de altura. Isso significa que o IMC dela está em 18,5, o que é considerado extremamente baixo.

— Qual é o peso e a altura ideais?

— Na idade dela a média é de 1,8m de altura, o que a deixa 8cm para trás e em média 18kg. Mas não se apavore, vamos fazer uma dieta com todos os nutrientes e eu tenho como meta recuperar esse peso em pelo menos três meses.

Na segunda-feira Fernando pegou os resultados do exame de sangue assim que chegou no hospital e os analisou. Logo pela manhã, após as crianças terem ido para a escola, Carol estava desenhando com a Maria e atendeu seu celular, que estava com o Fernando na outra linha.

— Bom dia amor, tudo bem?

— Tudo e as minhas princesas?

Minhas? Como assim, posso saber? – disse ela rindo

— Você e a Maria, agora eu tenho duas princesas!

— Ah, então tudo bem, ela pode! Estamos bem, estamos desenhando, né Maria? Por que está me ligando tão cedo?

— Eu estou com o resultado dos exames e não queria esperar para falar com você.

— O que foi Fernando, alguma coisa séria?

— Nada sério, não se assuste, só é mais do que eu estava esperando. Como eu imaginei ela está bastante anêmica, mas não apenas da forma que eu imaginei.

— Fala Fernando, como assim?

— Ela tem um probleminha no seu sistema imunológico, o que chamamos de IDP. Isso faz com que ela seja também anêmica, ainda que se alimente normalmente, sempre terá mais tendência à anemia. Isso explica o motivo da desnutrição tão severa, com a falta de nutrientes para quem já tem essa predisposição, o quadro se assevera. Apareceu também uma infecção, quero dizer o início de uma infecção no seu sangue, o que também se deu devido à IDP.

— E isso significa o que? Ela vai ficar bem, certo? O que fazemos agora?

— Agora precisamos começar alguns tratamentos e fazer mais alguns exames. Caprichar na dieta é uma prioridade. Vamos decidir os próximos passos depois desses exames. Antes disso ela vai começar a tomar os antibióticos para eliminar essa infecção e termos um problema a menos.

— Fernando, o que isso significa para a vida dela?

— Que ela tem muito mais facilidade de contrair doenças e infecções. Mas se cuidarmos bem dela, ela vai ter uma vida totalmente normal. Não se preocupe, tá bom? Vamos fazer esses exames e seguiremos daí. Ela já está muito melhor meu amor, ontem nem estava mais com medo de mim!

— Tudo bem. Você vem aqui hoje?

— Claro, não quero ficar longe da minha princesa

— Você pode ir lá em casa se quiser

— Não me leve a mal meu amor, eu estava falando da outra princesa – os dois riram e se despediram.

A manhã passou depressa e logo as crianças voltaram da escola para o almoço.

— Oi galerinha! Como foi a escola hoje?

— Chata! – disse Binho

— Muito chata mesmo! – respondeu Tiago

— Vergonhosa! – disse Vivi – a Cris fica andando pela escola com essa tiarinha horrível de gato achando que tá arrasando e eu tenho que passar vergonha!

— Vivi – repreendeu Carol – cada um tem que usar aquilo que gosta, e a gente não pode ter vergonha dos nossos amigos!

— Foi o que eu disse! – Mili afirmou.

— Viu Vivi? Bem feito! – disse Cris mostrando a língua.

— E as pequenas, onde estão?

— Elas foram direto pro quarto. Parece que plantaram um pé de feijão no algodão e foram guardar antes de comer. – Carol sorriu e foi atrás das caçulas da casa. Dani, Tati e Ana eram as mais novas e as três tinham oito anos, estavam na mesma turma da escola. Ela abriu a porta devagar, sem que as meninas notassem que ela estava entrando e observou a dinâmica entre as meninas por um momento. As três conversavam animadas sobre os feijõezinhos e Maria as observava, sentada na cama de Mili, abraçando a sua boneca.

— Eu acho que o meu vai crescer muito rápido! – disse Ana – você quer ver Maria? – Carol ficava admirada com o carinho e a atenção que todos pareciam ter com a Maria, menos a Dani. A pequena ruiva se aproximou da mais nova caçula e mostrou seu pezinho de feijão.

— Olha o meu Maria – disse Tati fazendo o mesmo.

— Por que vocês ficam falando com ela? Ela nem sabe falar, é muito burra! – disse Dani e nessa hora Carol interviu.

— Daniela! – disse ela entrando no quarto. – Você não pode falar assim com a Maria! Nem com ela e nem com ninguém!

— Mas Carol...

— Sem mais e nem menos! Eu não quero saber!

— Você gosta mais dela do que de mim!

— Eu não quero saber de manha e de chantagem Daniela. Você sabe que não é nada disso, mas eu não posso permitir que você trate as pessoas desse jeito. Agora vamos todos pra cozinha porque o almoço está pronto.

As três saíram do quarto e foram até a cozinha, depois de deixar suas plantinhas no parapeito da janela para receberem a luz do sol. Maria e Carol ficaram para trás, a mais velha se aproximando da pequena e a abraçando.

— Não liga pra Dani, ela só tá com ciúmes! Mas daqui a pouco vocês vão ser boas amigas! – sorriu e acariciou o cabelo da menina – o que você acha de irmos comer também? – a pequena abaixou a cabeça – não Maria, você precisa comer pra ficar bem fortinha! Vem, eu te levo!

Maria aceitou a “carona” e as duas foram até a cozinha. Chegando lá, Maria avistou o Chico e as outras crianças conversando e não quis comer. Carol a colocou na mesma mesa em que Mili estava, pois já havia notado como a menina tinha jeito com a Maria. Ela decidiu deixa-la com as crianças e caso ela continuasse sem comer, iria falar com ela depois que as demais já tivessem saído da cozinha. Ficou aliviada quando viu o Fernando entrando e fazendo festa com todos, que sempre amavam quando ele aparecia. Ele se juntou à Carol e ao Chico e os três ficaram de olhos atentos na caçula, notando que ela estava ainda se sentindo intimidada e que não tinha tocado na comida. Por isso, depois que todos almoçaram e saíram da cozinha, os três foram conversar com ela juntos e ela deixou de ter medo do Chico. Conseguiram fazer com que comesse alguma coisa, e iniciaram a dieta com as vitaminas e o nutrem.

Os dias se passaram e a menina foi se soltando cada vez mais. O Fernando passou a visitar o orfanato todos os dias, e a acompanhou de perto durante todo o processo. Ela se sentia cada dia mais feliz e disposta dentro do orfanato e logo ela e a Dani começaram a se entender melhor, depois que a Dani decidiu dar a boneca de uma vez por todas para a Maria. A boneca, para ela, não era uma boneca qualquer. Se chamava Laurinha e era sua melhor amiga de todos os tempos. Quando estavam sozinhas, ela se transformava em menina e as duas conversavam sobre tudo, compartilhavam todos os segredos e tinham as mais divertidas brincadeiras. Certo dia as duas decidiram brincar de exploradoras e viram algumas cenas comprometedoras da diretora do orfanato, Cintia, da dona Carmen e da Ernestina. Elas estavam atrás de um tesouro no porão do orfanato e Maria as viu em ação. Depois disso ela começou a ser ameaçada pelas três e voltou a ficar com medo. Pouco tempo depois, Laurinha insistiu que queria descobrir o que tinha atrás daquela porta que as três estavam tentando derrubar e as duas foram explorar novamente. O que encontraram foi um novo amigo, que se chamava Miguel, mas que elas chamavam de fantasma. Miguel era o pai biológico de Mili e o amor da vida de Gabi, que estava se escondendo ali para descobrir quem era sua verdadeira filha. Ele tinha sofrido um acidente e tinha metade de sua cara queimada e usava uma capa, parecia mesmo um fantasma e Maria realmente acreditava que ele era um. Mas ela confiava nele, porque era bonzinho, e foi o primeiro adulto a conhecer a verdade sobre a Laurinha e o primeiro que conversou com a Maria em muito tempo. Depois desse dia ela passou a ter o costume de ir até lá com a Laurinha, para levar comida para o fantasma e conversar com ele.

Dessa forma ela voltou, aos poucos, a confiar nos adultos. Por começar pela Carol, a quem aprendeu a amar e a confiar plenamente, depois pelo Fernando que tinha se apaixonado pela pequena e não deixava de visita-la nenhum dia sequer. E então pelo Chico, que ela percebeu que era um homem muito bom e que amava muito a todos ali, além de fazer comidas maravilhosas. Laurinha tinha lhe contado que ele parecia com o cozinheiro mágico do mundo das fadas. E por fim, o fantasma. Ele se importava muito com a Maria e também com a Laurinha e era muito, muito bonzinho.

As meninas estavam todas muito animadas, porque tinham um baile da escola para ir. Todas foram alugar os vestidos mais lindos e estavam muito felizes em se arrumarem. Carol as levou para encontrar os vestidos, enquanto que Fernando foi com os meninos, depois de terem pedido para Cintia a verba para as roupas. A única que ficou no orfanato foi a Maria e ela voltou a ver o que não devia. Mas dessa vez levou uma bronca feia. Cintia a estava arrastando pelo braço para cima, quando encontrou todos de volta na sala, com os seus respectivos trajes. Carol e Fernando logo notaram algo errado.

— Tudo bem Maria? – perguntou Fernando, sem obter resposta.

— O que está acontecendo Cintia? – perguntou Carol

— Ah, vocês já voltaram – disse ela, dissimulada, soltando o braço da pequena. Fernando logo se baixou, chamando ela para abraça-lo e ela, tímida e incerta, foi. Ele sabia que tinha algo errado, porque ela costumava ir correndo para o seu colo. Ele a pegou no colo e olhou para mulher. – a Maria estava perdida, acabei de acha-la, sabe como ela é, sempre sumindo. Ah meninas, gostaram dos vestidos?

— Amamos! O meu é lindo! – disse Vivi

— Você quer ver Maria? – perguntou Pata, a pequena concordou e Fernando a colocou no chão.

— Eu preciso terminar uma papelada. Vejo vocês depois. – disse a diretora se retirando da sala.

Todas as meninas, uma por uma mostraram seus vestidos para a caçula e comentando sobre o baile. Fernando e Carolina observaram aquela cena e sorriram ao ver o sorriso voltando ao rosto da pequenina. Dani, mais uma vez, sentiu-se enciumada com toda aquela atenção que a nova caçula estava recebendo e resolveu dar um jeito nisso.

— Ai Carol – disse ela, mais tarde, quando todas estavam se arrumando – eu to com dor de garganta! Acho que não vou pode ir no baile.


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