Chiquitito Coração escrita por Nadia Luz


Capítulo 1
Capítulo 1




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A vida no orfanato Raio de Luz estava a cada dia mais turbulenta. Carolina estava cada vez mais preocupada com a situação de Daniela, com as notícias de que não conseguiria adotar a menina com tanta facilidade, quanto tinha imaginado. Quando estava saindo do prédio do conselho tutelar, caminhou por algumas quadras, enquanto decidia se ligava para o Júnior ou não. Quando decidiu por ligar, parou por um instante para pegar seu celular, mas se distraiu com um movimento estranho vindo de um monte de lixo e papelão. Ela voltou a guardar o telefone e observou por mais um segundo, concluindo que deveria ser um gatinho. Por isso começou a chamar pelo gato “shhh, shhh, gatinho!”. Mas nenhum gato apareceu. Ela se assustou, no entanto, quando uma menininha pequena e assustada surgiu daquele monte de lixo. Carolina ficou extremamente chocada e entristecida pela pequenina. Ela se aproximou devagar e se abaixou em frente da menina, que se encolhia cada vez mais contra o muro.

— Oi lindinha! O que você está fazendo aqui? – ela perguntou carinhosamente e não recebeu nenhuma resposta, que não fosse um olhar muito assustado – onde estão os seus pais? – dessa vez sua única resposta foi um rostinho triste, o mais triste que ela já havia visto, desviando o olhar e olhando para baixo, focando o olhar vazio para suas mãozinhas. Carol já entendeu o que isso significava – Você está sozinha? Você tá com fome? – apenas depois da segunda questão a menina levantou seu olhar com os olhos arregalados – pela carinha parece que sim, não é? Olha, eu não tenho nenhum dinheiro aqui agora, mas se você quiser pode ir até a minha casa comigo e eu posso fazer um sanduíche muito gostoso e um suco também! O que acha? – a menina apenas a encarou com medo e se encolheu mais uma vez – você não precisa ter medo, eu não vou te machucar – ela esticou sua mão para que a menina segurasse e ela pulou de susto – eu prometo pequena. – Nesse momento a pequenina olhou fundo nos olhos de Carolina. Seus olhos eram grandes e lindos, cor de mel. As duas sentiram uma conexão e conversaram através daquela troca de olhares. Carol sentiu o medo imenso que a pequenina estava sentindo e queria apenas abraça-a. – Eu juro, não vou deixar nada te acontecer, pode vir! – Foi quando ela viu uma mãozinha pequenina alcançando a sua própria, devagar, quase que pensando duas vezes. Mas quando as duas mãos se uniram ela foi se aproximando e Carol conseguiu lhe dar um abraço, sentindo algo que nunca havia sentido antes em sua vida e nem ao menos sabia o que era. Um frio na barriga, o coração palpitando. Só sabia que tinha a ver com aquela menininha e que não podia mais deixa-la ir embora.

As duas caminharam em silêncio até a casa de Carolina. Quando chegaram Carol percebeu que a menina não sabia muito como agir e que estava muito assustada. Ela disse que ela poderia esperar no sofá enquanto ela preparava seu lanche, mas quando voltou até a sala a encontrou do mesmo jeitinho, ainda em pé e encolhida, em vigília. Seu coração doeu ao ver a menina, não conseguia deixar de se perguntar pelo que aquela menina já tinha passado. Ela se aproximou devagar e colocou o lanche em cima do banquinho, em frente ao sofá. A menina observava atentamente sem se mexer.

— Pode comer, está uma delícia!

A menina se aproximou devagar, sem saber se deveria mesmo comer. Mas sentia algo diferente com aquela moça, sentia que poderia confiar nela. Se aproximou daquele banquinho, sentou-se no chão em frente dele e olhou para Carol, como se estivesse pedindo permissão, confirmando se podia mesmo comer tudo aquilo. Carolina, tocada e emocionada pela pequena, apenas concordou e observou enquanto a menina comia o que parecia ser a primeira refeição em muito, muito tempo. Sentou-se no sofá enquanto observava e aproveitou para notar cada detalhe que conseguia como psicóloga. Sabia que ela devia viver a muito tempo na rua, ou em condições precárias, porque não sabia que podia sentar-se no sofá para comer, estava mais acostumada com o chão; que não comia há muito tempo pela forma faminta que comia o sanduíche e pela magreza extrema de seu pequeno corpo; que sofria algum tipo de abuso pela forma assustada como agia e pelos machucados espalhados por todo o seu corpo e que já tinha sofrido pelo menos um grande trauma, porque não falava nada e como sabia que ela entendia tudo o que lhe era dito, sabia que as chances de ser realmente muda eram mínimas, ainda porque se fosse esse o problema, ela naturalmente tentaria se comunicar de outra forma e não era o caso. Já estava anoitecendo, então Carol arrumou a antiga cama de Dani para a pequena passar a noite. Colocou um pijama também da Dani em cima da cama e depois guiou a pequena assustada até o quarto e decidiu lhe dar seu espaço. Explicou que podia se trocar e ficar à vontade, que elas se encontrariam novamente pela manhã.

Pela manhã Carolina se levantou, depois de uma noite muito mal dormida. Não conseguia parar de pensar naquela anjinha no quarto ao lado. Tinha milhões de medos irracionais passando pela sua cabeça, o maior deles sendo de que ela tivesse ido embora. Não estava entendendo o que estava acontecendo, mas sempre acreditou que nada acontecia por acaso e que algumas pessoas se reencontravam nessa vida, sem compreender como ou por quê. Foi direto verificar como a menina estava e sentiu-se aliviada por perceber que ela ainda estava ali, mas também entristecia, por notar que ela continuava com a mesma roupa, dormindo encolhida no chão ao lado da cama. Decidiu deixa-la dormindo por mais algum tempo, enquanto preparava o café da manhã. Enquanto colocava a mesa Beto, seu irmão, saiu de seu quarto.

— Bom dia mana

— Bom dia!

— Dormiu com alguém hoje, hein? – disse ele provocativo, por ter percebido que estava colocando um lugar a mais na mesa.

— Não, seu bobo. – respondeu ela rindo – mas eu tenho que te contar uma coisa.

Então ela aproveitou a chance e explicou o que estava acontecendo para seu irmão. Ele não gostou muito da atitude da irmã, disse que ela não podia simplesmente trazer a criança para dentro da casa e pronto. Ela explicou que iria procurar alguma notícia, alguma informação sobre ela e que se não conseguisse tentaria conseguir uma vaga para ela no orfanato. Os dois pararam a conversa quando ouviram um choro assustado e os dois foram até o quarto. Carol logo notou que ela devia ter acordado com algum pesadelo e se assustou, mas se surpreendeu quando viu a reação da menina ao ver seu irmão. Ela começou a chorar e se escondeu de baixo da cama. Beto ficou sem reação, entendeu o que Carol tinha dito sobre precisar cuidar dela. Também sentiu tristeza pela menina. Carol pediu silenciosamente que ele se retirasse e então voltou-se para a pequena.

— Pequena, não precisa ter medo! Ele é o meu irmão, seu nome é Beto. – se abaixou e olhou a menina em baixo da cama. Nunca tinha visto uma criança com tanto medo, parecia que temia a própria vida. – Princesa, você já sabe que pode confiar em mim, certo? – disse esticando a mão para a menina. Depois de algum tempo ela aceitou a mão amiga e saiu de baixo da cama, dando oportunidade para que Carol a colocasse em seu colo. A pequena deitou sua cabeça no ombro da moça e chorou, com seu corpinho tremendo, enquanto sua nova guardiã acariciava suas costas, tentando acalma-la. Aos poucos ela se acalmou e se convenceu de que com Carolina ela estava segura e de que poderia confiar nela. – Isso meu amor, vai ficar tudo bem, eu prometo! Eu preparei um café da manhã pra gente, você quer? – e menina concordou com a cabeça e as duas foram para a sala, onde Beto as esperava.

Com a concordância de Carol ele se sentou à mesa com as duas e apesar de sentir que a pequena ainda estava assustada com a sua presença, agora conseguia ficar ali com ele. Ela comeu e então Carolina a levou para tomar um banho. Depois do banho mostrou para ela um desenho animado e ficou feliz por ver o primeiro sorriso no rosto da pequena desde que se conheceram. Beto estava tirando a mesa e ela se afastou da pequena para ajudá-lo.

— Acho que foi abusada pelo pai – ela disse em voz baixa, explicando o medo dela de figuras masculinas – é só uma teoria, mas ainda assim..

— Até eu imaginei que fosse isso. Eu te entendo agora – disse ele olhando para a menina que assistia à TV sentada no chão. – É assim com todas aquelas crianças do orfanato? – Carol secou sua mão em um pano de prato e parou ao lado do irmão, olhando para a menina.

— Não, não é. Todas tem uma história triste, é claro, mas nem sempre tão dolorida e traumatizada. Na verdade, eu nunca tinha vivenciado isso antes. Ela precisa de mim Beto, eu não vou deixa-la na mão. E ela é claramente mais nova do que qualquer um do orfanato também.

— Quantos anos você acha que ela tem?

— Ela tem tamanho de uma criança de quatro anos. Mas considerando que está claramente desnutrida e abaixo do peso, eu chuto que tenha cinco ou seis.

— A Dani com essa idade era bem maior do que ela. Isso é muito triste. – ele observou a menina por mais algum tempo – ela parece tão inocente.

— É uma criança Beto, ela é o que há de mais inocente, não importa o que tenha passado.

— Carol

— Oi?

— Pode contar comigo nessa. – ele disse simplesmente e entrou no seu quarto para se arrumar.

Carol passou o dia com a pequena e decidiu que precisava descobrir ao menos seu nome se quisesse buscar alguma informação sobre ela na segunda-feira. Ela juntou alguns papéis e lápis de cor e chamou a pequena para desenhar com ela. Ela desenhou um pouco para a menina ver que tudo bem, que podia brincar também. Logo ela pareceu se soltar.

— Pequena eu preciso saber como você se chama. É, porque fica chato se eu não souber né, já que vamos passar tanto tempo juntas. Mas você não pode falar né? – ela fez que não com a cabeça – e se você escrever? – a menina olhou para baixo, triste – não dá, porque você ainda não sabe escrever né pequena? – ela concordou. – então eu posso tentar adivinhar, o que acha? – a menina se animou – Então tá... deixa eu pensar... Amanda? – a menina negou e ela continuou tentando – Laura? Júlia? Camila? Elis? Carla? Não? É... Mariana? – aí a pequena concordou, mas depois fez que mais ou menos – quase Mariana? – perguntou Carol animada – então... Mariana... Mariana... Marina? Não? Deixa eu pensar... Ma... Maria? – a menina sorriu e concordou – Maria? É Maria? Que nome lindo minha pequena, Maria! – Carol sentiu uma emoção única, uma alegria imensa e um orgulho daquele nome e daquela menina angelical.

As duas passaram o final de semana inteiro juntas e amavam a companhia uma da outra. Beto cuidou de Maria na segunda-feira, enquanto Carol tentava contatar alguma autoridade sobre a menina. Ela não conseguiu nada, nenhuma resposta, nenhum sinal. Por isso entrou em contato com o Júnior e ele garantiu uma vaga para a pequena no orfanato Raio de Luz. Quando voltou para casa viu sua mais nova protegida sentada no sofá assistindo ao desenho, abraçada com uma boneca que a Dani não queria mais, de cabelo cor-de-rosa pela qual tinha se apaixonado e não largava mais. Sentiu-se um pouco mais feliz por saber que a menina estaria bem e por já notar que estava progredindo. Sentou-se no outro lado do sofá e sentiu uma alegria única, pela primeira vez, quando viu que a mesma menina que antes tinha medo dela, saiu correndo e sentou-se bem do seu ladinho, com a boneca e sorriu, feliz por estarem juntas. Carol a abraçou e contou a novidade sobre o orfanato.

Quando chegaram no orfanato na quarta-feira as coisas não correram muito bem. No dia anterior Carol tinha ido trabalhar no orfanato e deixado Maria com o Beto e contou para as crianças que ela iria se juntar a eles. Quando Dani ouviu a notícia já mostrou que não tinha gostado nada daquilo. Quando Maria chegou então, segurando sua antiga boneca, a menina surtou de ciúmes. Os dias foram passando e Dani não estava fazendo a adaptação da novata nada fácil no orfanato. Os outros, por outro lado, amaram a menina e sempre a defendiam e protegiam e por isso Maria começou a gostar de estar ali. Carol observava que ela sempre ficava mais acuada quando algum homem estava por perto e se recusava a comer a comida de Chico, o que a preocupava. No sábado o Fernando, médico do orfanato e novo namorado da Carol visitou o orfanato e finalmente conheceu a famosa Maria. A semana tinha sido corrida demais no hospital e Carol tinha comentado que a levaria até lá, mas não achou que seria uma boa ideia, porque estava notando que a menina estava ainda muito assustada.

— Oi meu amor – disse ele cumprimentando sua namorada. – onde está a mais nova princesinha?

— Ela está lá no quarto, está pronto?

— Pronto e ansioso para conhecer a famosa anjinha – ele sorriu. Ele cumprimentou as meninas mais novas que estavam brincando na sala e subiram as escadas. Carolina abriu a porta devagar e só depois de dar alguns passos os dois encontraram a pequena sentada no cantinho de sua cama, brincando com a boneca do cabelo rosa.

— Oi minha princesa – disse Carol chamando sua atenção. Ela levantou o olhar e logo notou a presença do Fernando ali e recuou, com medo. Ele já tinha ouvido Carol falar de tudo o que tinha concluído sobre a pequena, por isso não se surpreendeu, apesar de sentir o peso daquele olhar temeroso. – Tudo bem meu amor, ele é meu amigo e ele cuida dos dodóis, sabia? Ele veio ver os seus dodóis, você está com algum dodói? – a menina abaixou o olhar e concordou brevemente.


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