Em Prata e Ébano: Uma História de Dois Dragões escrita por Jéferson Moraes


Capítulo 9
Cativo


Notas iniciais do capítulo

Saudações leitores! Finalmente saiu!

Ironicamente, este ainda não é o capítulo 9 como eu havia previsto, já que eu tive que dividir ele em dois. Estava ficando longo demais, semelhante ao capítulo 2.

Enfim. Tem informação extra no fim do capítulo, como sempre.

Boa leitura!



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Cativo

Edgar

 

4ª Era 201, ??

 

O som de passos despertou Edgar. O ruído era distante mas, ferido como estava, ele dificilmente caía em sono profundo.

O jovem nord ouviu com atenção. O som era diferente desta vez. Alguém caminhava com pressa, seus passos ecoando pelas paredes do calabouço. Geralmente, Edgar ouvia dois sons distintos aproximando-se da cela. O primeiro eram os passos metálicos do guarda-costas do torturador, sempre vestindo sua armadura. O segundo, o ruído abafado de botas de couro. Tal era o som que marcava o começo de cada dia.

Já está na hora?

O nord olhou para a tosca abertura no alto da parede às suas costas. Tímidos raios de sol passavam por entre as barras de metal, iluminando a minúscula cela e dando um aspecto brilhoso às pedras umedecidas que formavam as paredes e o teto.

Ele fora vendado no dia de sua captura, portanto não sabia onde estava. Mas, devido à água que escorria janela à dentro com cada chuva, sabia que estava no subsolo. O cheiro de mofo combinava-se com o fedor de seu balde de excrementos, dando um odor pútrido à sua prisão.

Logo, uma figura alta surgiu em frente à cela. O elfo vestia um longo manto negro com capuz adornado pela águia dourada do Domínio Aldmeri. Um rosto comprido de pele acobreada o encarou por entre as grades. O Thalmor sorria com deboche, fitando Edgar com grandes olhos verdes.

— Bom dia, Edgar – debochou Rulindil ao destrancar a porta – Está com boa aparência hoje.

Edgar não tinha a força necessária para responder.

Grossas correntes o prendiam à parede. Seus tornozelos estavam esfolados devido ao aperto dos grilhões. Seus cabelos castanhos grudavam ao rosto, sujos com suor e sangue. As únicas roupas que vestia eram calças de um tecido imundo, tão rasgadas que mal lhe cobriam as pernas. Por fim, cortes, hematomas e queimaduras cobriam seu corpo – os Thalmor valorizavam a diversidade em seus métodos de tortura.

O elfo adentrou a cela com um sorriso presunçoso, pisando como se fosse o dono de cada grão de poeira daquele lugar. Diferente da maioria dos altmer, Runindil tinha o queixo decorado por uma espessa barba de fios loiros.

Edgar notou a ausência do guarda-costas.

— O que... você quer? – perguntou com muito esforço. Geralmente, Runindil viria acompanhado por outro elfo. Eles então o levariam para outra sala, onde os instrumentos de tortura se encontravam.

— Conversar, é claro – disse o altmer como se falasse com um velho amigo – Este é um dia especial, afinal de contas.

— ...especial?

— Sim, Edgar! Este é o dia em que nós vamos fazer as pazes, e você vai me contar tudo sobre o seu miserável tio.

Só então Edgar notou que Rulindil tinha a mão direita coberta por aço. Ele duvidava de que a manopla servisse para proteção.

— Sabe, Edgar – disse o elfo enquanto se abaixava, aproximando-se do nord – Eu entendo sua timidez. Eu também não me sentiria inclinado a compartilhar meus segredos em frente àquele brutamontes que me acompanha. Por isso eu vim sozinho, para conversarmos às sós, como amigos.

— Eu já disse que eu não...

O Thalmor o esmurrou com a mão envolta em aço. Edgar caiu de lado, sentindo o familiar gosto de sangue.

— Você conhece as regras – Rulindil assumira um tom severo – Fale apenas quando eu lhe fizer uma pergunta.

Ele então agarrou Edgar pela garganta, forçando-o a se levantar. Com a outra mão, o altmer tirou o que parecia uma folha de papel de dentro do manto.

— Esta mulher. Ela está em algum lugar de Skyrim – ele aproximou a pintura, quase esfregando-a no rosto de Edgar – Acilius foi procurar por ela. Você sabe de alguma coisa? Sua mãe lhe disse algo sobre ela?

Edgar olhou a imagem em confusão. Era o retrato de uma mulher de cabelos loiros e olhos azuis. Ela parecia estar na faixa dos quarenta, com rugas marcando seu rosto de expressão severa. Apesar dos cabelos loiros, suas feições finas e queixo triangular deixavam claros que era uma breton.

Eles não querem o meu tio então?

O tio à quem se referiam era Acilius Bolar, um imperial que, junto do pai de Edgar, servira na antiga guarda pessoal do Imperador, os Blades. Seu pai morrera no ataque Aldmeri ao Templo Cloundruler, quando o Império abandonou os Blades afim de acatar à uma das exigências do Acordo Ouro-Branco. Mas Acilius nunca foi encontrado entre os corpos daqueles que pereceram defendendo o Templo.

Edgar não tinha ideia de onde o imperial poderia ter ido. Ele sequer chegara a conhecer Acilius, ou seu pai, tendo nascido pouco antes de a Grande Guerra terminar. Tudo o que sabia é que era um recém-nascido no dia em que a Cidade Imperial caiu, e que seu tio havia ajudado na retirada de certos indivíduos da capital antes desta cair, incluindo sua mãe.

Ele acreditava que os Thalmor pretendiam descobrir o paradeiro do imperial através dele mas, ao que parece, eles estavam procurando por aquela mulher.

Uma mulher que eu não tenho ideia de quem seja.

— Eu não a conheço – respondeu desviando o olhar, antecipando a reação do torturador.

O elfo tornou a esmurra-lo. Edgar caiu novamente, sentindo algo quente escorrer por seu rosto. Um corte abrira-se em sua bochecha.

— É claro que não – disse Rulindil com rispidez – Mas Acilius conhecia. Alguma vez alguém lhe falou a respeito dela? Algum legionário que conheceu seu pai ou seu tio, talvez?

Edgar balançou a cabeça em negação. Ele tentava explicar isso desde o dia em que fora posto à correntes. Sua mãe lhe falara pouco sobre Acilius. Ele conhecia histórias sobre seu pai, sobre sua lealdade para com o Imperador, sobre como ele rapidamente ascendeu dentre as fileiras da Legião Imperial, logo sendo convidado à juntar-se à Guarda-do-Dragão. Mas seu tio? Nada. Acilius fora uma pessoa reclusa, dedicando-se por completo aos seus deveres e envolvendo-se com poucos. Ninguém lhe falara nada sobre seu tio porque ninguém parecia conhecê-lo.

O rosto de Rulindil contorceu-se em fúria.

— Você acha que sua lealdade o levará à algum lugar?!

Ainda caído, Edgar tentou responder, mas o elfo chutou-lhe o rosto antes que pudesse dizer uma palavra. Por um instante o mundo escureceu.

Eu não sou tão forte quanto você pensa— pensou consigo mesmo. Edgar conhecia seus limites. Ele sabia que se tivesse a informação que o elfo desejava, já a teria revelado há muito tempo. Ele reconhecia a própria fraqueza, o que apenas piorava sua dor.

Rulindil havia montado sobre Edgar em algum momento, e agora martelava seu rosto com o punho metálico. Ele também gritava, mas o nord já não entendia suas palavras. Os gritos de fúria do elfo soavam distantes.

A ira de Rulindil diminuiu após alguns minutos. Ainda desnorteado, Edgar viu quando ele se levantou, com sua manopla manchada de vermelho.

— Você é um tolo Edgar – disse o elfo com a respiração pesada – Toda esta dor e sofrimento... E por que? Para proteger alguém que você sequer chegou a conhecer?

Edgar não respondeu, limitando-se a observar o sangue que escorria de seu rosto e manchava o chão de vermelho.

— Eu devo admitir, sua persistência é admirável – Rulindil continuou – No entanto, ela também é irritante.

— Eu não... sei!— com lábios sangrentos, Edgar forçou-se a repetir.

A postura de Rulindil enrijeceu, como se atingido por um golpe. Ele observou o nord aos seus pés enquanto uma expressão sombria formava-se em seu rosto.

— E ainda assim, você mente para mim... – disse com um pequeno sorriso – Felizmente eu tenho minhas maneiras de extrair a verdade de você.

Um calafrio percorreu a coluna de Edgar. O elfo proferiu aquelas palavras com uma dose excessiva de malícia. Ele nunca ouvira Rulindil falar daquela forma.

Com um movimento ágil, o torturador jogou de lado seu manto, revelando uma camisa de linho escuro e calças cinzentas. De sua cintura pendia uma maça.

Edgar vira ébano apenas algumas vezes em sua vida. Era um metal raríssimo e muito caro, geralmente visto em armas de membros da mais alta nobreza. Ele não sabia da posição de Rulindil dentre os Thalmor, mas nunca vira um deles armado com o curioso metal negro.

Mas havia algo de estranho na arma de Rulindil. Algo errado.

O ébano não fora forjado com elegância, e sim com brutalidade. Tratava-se de uma maça de flange, mas cada flange individual era serrilhado, com pontas e espinhos decorando a cabeça da arma. Por fim, um espigão destacava-se da extremidade do cabo, e ainda haviam as rachaduras.

Elas decoravam toda a extensão da arma, desde a cabeça até a empunhadura. Uma estranha luz vermelha brilhava do interior de cada rachadura, reluzindo contra o metal preto. A luz cobria o rosto do torturador com vermelho, constituindo uma visão digna de pesadelos.

Mesmo ferido, Edgar viu-se recuando, arrastando-se para longe do elfo e sua maça maldita. Ele resistira à uma diversidade de sofrimentos desde que fora capturado, mas aquela maça era errada. Ele não saberia dizer o porquê, mas queria afastar-se daquela arma demoníaca o mais rápido que pudesse.

— Eu odeio quando as pessoas mentem para mim, Edgar... A ideia de existirem aqueles que se julgam capazes de me enganar é... enfurecedora.

Rulindil caminhava em sua direção, desprendendo a maça de seu cinto.

— N-não... – o nord pressionava as costas contra a fria parede de pedra.

— Você não pensou que poderia me insultar com suas mentiras, pensou?

— Eu não conheço aquela mulher! – gritou Edgar – Você não acha que eu já teria dito algo se eu soubesse?

Mas Rulindil o ignorou. Com a mão livre, o elfo agarrou seu pulso direito, segurando seu braço contra a parede.

— Eu sempre consigo o que eu quero, Edgar. De um jeito ou de outro.

O nord protestou, tentando libertar seu braço, mas estava fraco. Impotente, Edgar observou em horror quando o elfo ergueu a monstruosa maça acima de sua cabeça.

Não!

E a maça desceu, esmagando seu braço contra a parede. O som de ossos se partindo preencheu a cela.

Edgar gritou em um misto de dor e horror. Ele puxava, esperneava e implorava por misericórdia, mas o elfo estava surdo às suas queixas. Com um sorriso asqueroso em seu rosto, Rulindil tornou a erguer a maça.

E a maça tornou a descer.

De novo.

E de novo.


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Notas finais do capítulo

Glossário:

Thalmor: facção política das Ilhas Pôr-do-Sol que atualmente lidera o Domínio Aldmeri. Em geral racistas e xenofóbicos, os thalmor são conhecidos por terem provocado a Grande Guerra.

Maça de flange: maça em que a cabeça não é constituída por uma peça maciça de aço, e sim segmentos individuais presos verticalmente à cabeça da maça, podendo ser afiados (sugiro procurar por "flanged mace" no google).

Espigão: ponta de aço aguçada, encontrada em várias armas medievais como uma forma "adicional" de causar dano, geralmente usada para perfurar armadura. Exemplo: martelos de guerra em que de um lado temos a cabeça do martelo, do outro lado o espigão.

Não acho que há mais termos a se observar neste capítulo. Dito isto, leitores e jogadores mais atentos vão reconhecer alguns personagens mencionados aqui ;)



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