Em Prata e Ébano: Uma História de Dois Dragões escrita por Jéferson Moraes


Capítulo 5
Ébano


Notas iniciais do capítulo

Saudações leitores! Como sempre, informações extras podem ser encontradas ao fim do capítulo.

Boa leitura!

Capítulo revisado e atualizado (14/06/2016)



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Ébano

Edwin

 

— E o que você vai querer? – Perguntou a dona da estalagem à alguns metros de Edwin.

O breton deixou-se cair em um banco de madeira, tomado pelo cansaço.

— ...algo quente – foi a única coisa que conseguiu responder.

Com um humph, a mulher lhe deu as costas, passando pelo balcão e descendo ao porão, onde provavelmente ficava a cozinha.

Edwin suspirou, aproveitando seu merecido descanso. Em seguida removeu as braçadeiras e as luvas, abrindo e fechando as mãos para flexionar os dedos endurecidos pelo frio.

Após seu segundo encontro com os selvagens, Edwin andara por cerca de uma hora antes de encontrar outra estrada. Suas pernas, não acostumadas com longas caminhadas, rapidamente começaram a doer. Para piorar, Edwin notou que o feitiço de Pele de Lobo expirara, e que não tinha magicka o suficiente para ativá-lo outra vez. O frio rapidamente se fez presente.

O breton não sentia os dedos quando encontrou a bifurcação. A estrada continuava seguindo em sentido leste, mas um segundo caminho surgia do primeiro, voltando-se para o sul. A nova estrada descia em linha reta, dando acesso à terreno mais baixo.

Na esperança de escapar do frio, Edwin optou por descer a estrada à sua direita.

De fato, a temperatura tornou-se agradável a medida que descia. Neve deu lugar à grama escura, e o vento que vinha do Mar-dos-Fantasmas cessou, bloqueado pelas rochas que deixava para trás. Alguns metros à frente, Edwin encontrou outra estrada, paralela à primeira, seguindo de leste à oeste.

Um sorriso formou-se em seu rosto quando olhou para sua direita. A estrada continuava sua descida. À alguns metros naquela direção, tetos de palha e madeira faziam-se notar, decorados por chaminés de pedra.

Finalmente.

O nome do vilarejo era indicado por uma simples placa de madeira: Ponte do Dragão. Edwin não demorou para entender o porquê de tal nome. Um rio estreito vinha das montanhas ao oeste, caindo em uma catarata que costeava ao sul do vilarejo. A catarata despencava em um grande despenhadeiro que separava Ponte do Dragão das planícies mais ao sul. Cruzando o despenhadeiro havia uma curta ponte de pedra, decorada no centro por um arco com a cabeça de um dragão, esculpidos do mesmo material.

A cidade em si não era muito grande. Constituía-se de algumas casas de madeira com fundações de pedra e teto de palha: típica construção nórdica. Além das residências, duas construções se destacavam. A primeira era uma serralheria ao sul do vilarejo, ao lado da ponte, movida por uma roda d'água. A segunda era uma casa comprida, com uma varanda também de madeira. Uma placa decorava sua entrada: Taverna Quatro-Escudos.

Sem pensar duas vezes, Edwin subiu a varanda, mal batendo as botas antes de entrar.

O estabelecimento era simples. Chão de pedra e paredes de tábuas combinavam-se à bancos e mesas feitos de madeira, dando ao lugar um ar rústico. A estalajadeira atendia seus clientes de trás de um balcão no canto esquerdo do salão. Ao invés de lareira, um comprido fogo de chão queimava no centro da estalagem, com uma abertura estreita no teto por onde a fumaça escapava.

Em outra ocasião, Edwin teria achado o lugar simples demais para o seu gosto. Mas estava cansado demais para se importar. Fechando os olhos, o breton exausto aproveitou o momento de descanso. Esforço físico não era a única coisa que o cansava. Pela primeira vez desde que cruzara a fronteira, Edwin sentia-se seguro.

O som de passos removeu-o de seu transe.

A taverneira vinha em sua direção, carregando uma tigela de madeira. Sua comida estava pronta. A mulher botou a tigela à sua frente ruidosamente, balançando algumas canecas de metal sobre a mesa.

Era ensopado, mas Edwin não sabia dizer de que. Grandes e gordos cubos de carne flutuavam em meio à batatas, alho-poró, cenouras e outros vegetais.

— Que animal é esse? – perguntou ele, referindo-se à carne.

— Horker – a mulher respondeu em um tom ríspido, dando-lhe as costas e voltando ao balcão.

Horker? — Edwin não tinha certeza se a mulher o respondera, ou se o insultara em algum idioma que não conhecia.

Faminto demais para se preocupar, Edwin provou o ensopado. Estava bom.

Ele trouxera alguns pedaços de pão e uma pequena roda de queijo em sua bolsa, mas o frio o convencera a gastar algumas de suas moedas em algo quente. O ouro fora bem gasto. O ensopado aquecia-o de dentro para fora.

Distraído com sua refeição, ele não viu o homem aproximando-se e tomando um lugar no banco ao seu lado.

— Primeira vez em Skyrim, breton?

Edwin ergueu os olhos de sua sopa.

Ao seu lado estava um nord calvo, de pele clara, vestindo roupas vermelhas e calças brancas puídas. O homem tinha um nariz pontudo e seus olhos eram de um azul mais escuro que os de Edwin. Um lenço sujo pendia de seu cinto. O homem parecia trabalhar ali.

Tsc. O que foi que me denunciou? – perguntou Edwin.

— Suas roupas, e o fato de não saber o que é um horker.

Ah. Então é mesmo um animal.

Edwin apenas sorriu em resposta. Mas o nord não parecia propício à sorrisos. Ele olhava para baixo com uma expressão desconfiada, suas longas sobrancelhas quase juntas.

Seguindo seu olhar, o breton encontrou a razão por trás do rosto fechado. Sangue seco ainda decorava a cabeça de sua maça.

— Você encontrou... dificuldades durante a viagem?

Edwin engoliu.

— Forsworn – não havia razão para mentir.

A sobrancelhas do homem se ergueram.

— Os selvagens? Aqui em Haafingar? – ele não parecia incrédulo, mas surpreso – Maldita guerra! Com todos os soldados lutando, ninguém toma conta das estradas.

Foi a vez de Edwin franzir as sobrancelhas.

Haafingar? Nós não estamos no Reach?

— Hun...? Não, não. Você está em Haafingar, viajante. Província noroeste de Skyrim, lar da capital Solitude – ele explicou – O Rech fica mais ao sul, cobrindo toda a região do extremo oeste.

Edwin bufou.

Terei de comprar um mapa.

O nord agora o olhava com curiosidade.

— Quantos você encontrou?

— Um pequeno grupo vigiando a fronteira. Quatro selvagens.

A voz do estalajadeiro veio tomada de espanto.

— E como você escapou?

Edwin observou o nord, segurando a colher em frente ao rosto.

— Eu não escapei. Eu os matei.

O olhar que obteve em resposta veio carregado de incredulidade. Edwin não se parecia com um guerreiro. A expressão do nord deixava isso claro.

— Eu os surpreendi – deu de ombros – Talvez isso tenha ajudado.

Silêncio se seguiu por alguns minutos. O ensopado de Edwin estava no fim.

Por fim, sua companhia quebrou o silêncio.

— E o que o traz à Skyrim, então? Você escolheu um momento estranho para viajar.

Sua colher bateu na tigela.

— Não foi uma escolha minha.

O nord estava claramente insatisfeito com aquela resposta, mas não exigiu explicações. Edwin estava grato por isso.

Mais silêncio. Aproveitando a pausa na conversa, o breton pôs-se a pensar.

Ele chegara em Skyrim, mas e agora?

— Você mencionou uma cidade? Solitude? – perguntou ao estalajadeiro.

— Sim. Capital de Skyrim. O que tem ela?

Seu conhecimento sobre Skyrim era curto, mas ele se lembrava do nome da cidade.

Skyrim era semelhante à High Rock em sua divisão política. Enquanto o primeiro se divida em nove províncias, o segundo dividia-se em cinco reinos. A única diferença era: com a exclusão de pequenas rixas e rivalidades, e da atual guerra-civil, as nove províncias de Skyrim permaneciam unidas. O próprio rei de Skyrim era escolhido através de uma votação realizada entre os jarls, líderes políticos de cada uma das províncias.

Enquanto isto. Os cinco reinos de High Rock constantemente apunhalavam uns aos outros pelas costas.

Skyrim não é tão ruim assim— concluiu Edwin.

— Como eu chego até ela? – por fim perguntou.

 

oooooooooooooooooooooooooo

 

Felizmente, Solitude ficava próximo à Ponte do Dragão, pouco mais de meia hora de caminhada em direção ao leste.

Diferente das simples construções de madeira do vilarejo que deixara para trás, a capital de Skyrim era construída com enormes blocos de pedra cinza. A cidade em si fora construída na extremidade de um alto despenhadeiro que pendia sobre uma baía natural. Um porto fora construído abaixo da cidade, sob o arco formado pelo despenhadeiro, onde vários barcos de diversos tamanhos encontravam refúgio dos ventos do Mar-dos-Fantasmas.

Sobre o despenhadeiro, encontrava-se Solitude. Cercada por uma alta muralha com torres de vigia.

Anoitecia. O sol começava a se pôr enquanto as duas luas, Masser e Secunda, já eram visíveis no céu. Edwin apertou o passo, passando por um grande arco que dava acesso ao interior da muralha, temendo que os portões se fechassem ao fim do dia.

Outra muralha, não tão alta, cercava a cidade em si. Um grande portão duplo de madeira e ferro bloqueava a passagem. Ao lado do portão, um guarda vestindo cota de malha por baixo de um manto vermelho vigiava a entrada. Seu escudo, tingido de vermelho, carregava o emblema de Solitude: a face de um lobo negro.

— Alto – o guarda o parou em frente à entrada – Quem é você? O que quer em Solitude?

— Apenas um viajante. Recém-chegado de High Rock.

O guarda o observou por trás do elmo, olhando-o dos pés a cabeça. Felizmente, Edwin se lembrara de limpar o sangue da maça.

— Pois bem, entre – disse ele, sinalizando para os demais guardas no topo da muralha para que abrissem o portão – Mas evite chegar tão tarde da próxima vez, a entrada é proibida após o pôr do sol.

Assentindo, Edwin passou pelo portão.

Uma grande fundação de pedra fora construída sobre o despenhadeiro, afim de nivelar seu terreno. Por consequência, Solitude era perfeitamente calçada em blocos de pedra, com alguns canteiros de flores decorando as ruas.

Todas as construções pareciam de madeira e pedra, sendo os tetos feitos de telha de barro. Mas estava escuro demais para observar com atenção. Braseiros recém-acesos iluminavam parcialmente as ruas da cidade.

Por sorte, a construção que Edwin procurava era a primeira à sua esquerda. Uma placa pendia de um suporte de madeira fixo à parede da casa de dois andares. Nela lia-se: Estalagem o Skeever que Pisca.

Edwin entrou, não sem antes perguntar-se por que alguém daria aquele nome à uma estalagem.

Música tomou seus ouvidos ao passar pela porta. O estabelecimento era amplo e tinha um fino assoalho de tábuas bem polidas. Vasos de plantas serviam como decoração. Logo a sua frente, encontrava-se um balcão de madeira onde algumas pessoas bebiam, gargalhando ruidosamente. À sua direita havia uma área mais discreta, com mesas redondas e cadeiras forradas onde mais moradores sentavam-se e comiam com conforto. Em meio às mesas, uma barda de cabelos loiros tocava sua lira.

Bem melhor— pensou Edwin. Ele podia detestar a dança das cadeiras da nobreza de seu país, mas apreciava os luxos que vinham com seu status.

— Bem vindo! Bem vindo! – disse o homem por trás do balcão enquanto Edwin se aproximava – O que o cavalheiro vai querer? Comida? Bebida?

O estalajadeiro era um homem loiro de cabelos curtos e olhos castanhos. Seu rosto quadrado tinha um sorriso simpático e era decorado por um fino bigode. Ele vestia uma camisa branca de mangas compridas.

Edwin ponderou sua proposta. Uma taça de vinho não seria de todo ruim, mas era uma cama que lhe interessava no momento.

— Um quarto, se houver um disponível.

— Certamente. O cavalheiro deve estar cansado.

Com movimentos rápidos e ágeis, o nord puxou um livro debaixo do balcão, abrindo-o com uma mão enquanto preparava pena e tinta com a outra.

— Por quantas noites deseja alugar o quarto?

Boa pergunta.

Ele não sabia. Edwin andara até capital, mas não sabia bem o porquê. Ele estava em um país desconhecido. Talvez pudesse encontrar trabalho na cidade, mas não tinha certeza se gostaria de ficar. Nem mesmo sabia se permaneceria em Skyrim. Afinal, nada o impedia de ir à Cyrodiil ou qualquer outro lugar de Tamriel. Desde que juntasse as provisões necessárias para a viagem.

Meu pai gostaria de me ter o mais distante possível, aposto.

O estalajadeiro notou a incerteza em seu olhar.

— Você pode alugar o quarto por uma noite e renovar o aluguel posteriormente, se desejar.

Saindo de seus pensamentos, o breton respondeu.

— Hun? Ah, sim. Farei isto – disse em um tom constrangido – Obrigado.

— Não há de que – o nord molhava a pena no pequeno pote de tinta – Só preciso que me diga seu nome, para o nosso livro de registros.

— Edwin – a resposta veio naturalmente.

— Seu sobrenome?

Novamente o silêncio. Seu pai deixara bem claro que Edwin não era mais um Silverbound, e que não desejava ter o nome da família manchado por onde quer que ele fosse.

O dono da estalagem o observava com curiosidade quando uma ideia lhe ocorreu.

Eu sempre fui a ovelha negra da família, não fui? — pensou o breton, com um sorriso de deboche.

— Ebonbound – finalmente respondeu – Edwin Ebonbound.


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Notas finais do capítulo

Tradução:

Ebonbound: de ebon (ebony) = ébano. E bound, que vocês já sabem o que é (notas do prólogo). Significa "ligado ao ébano" ou "ligação de ébano".

Uma observação quando ao ébano: não confundir com o ébano da vida real (que é um tipo de madeira fossilizada, usada em instrumentos musicais e móveis de gente rica). No universo Elder Scrolls, ébano é um tipo de metal.

Glossário:

Ébano: Metal de cor preta, muito raro e extremamente resistente encontrado em abundâcia em Morrowind, e em pequenas porções em Skyrim e Solstheim. Algumas culturas acreditam que se trata do sangue fossilizado de Lorkhan, o deus morto.

Horker: Animal nativo de Skyrim, baseado no leão marinho da vida real. Comumente caçado pelo marfim de suas presas e por sua carne.

Masser e Secunda: Sim leitores, Nirn tem duas luas. Uma grande e vermelha (Masser) e uma menor e branca (Secunda).

Skeever: Criatura comum na franquia. Uma espécie de rato, só que muito maior do que o normal (mais ou menos o tamanho de um gato ou um cachorro pequeno).



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