Em Prata e Ébano: Uma História de Dois Dragões escrita por Jéferson Moraes


Capítulo 3
Segunda-Vez


Notas iniciais do capítulo

Saudações leitores! Como sempre, informações extras podem ser encontradas ao fim do capítulo.

Boa leitura!

Capítulo revisado e atualizado (05/06/2016)



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Segunda-vez

Edwin

 

É curioso observar como a mente humana trabalha em momentos de adrenalina. Concentrado em sua própria sobrevivência, Edwin sequer prestou atenção ao rosto do homem que acabara de matar. E agora, ironicamente, o selvagem tinha as feições irreconhecíveis: resultado do trabalho de sua maça.

Em resumo, Edwin tirara a vida daquele homem, mas jamais se lembraria de seu rosto.

Não que isso importe— Não era a primeira vez que o breton tomava uma vida.

Promover expedições de caça era uma prática comum entre a nobreza de High Rock. Evidentemente, os Silverbound partilhavam desta tradição.

Edwin tinha pouco interesse na matança de animais por esporte – ao seu ver, cabeças e peles eram péssimos objetos de decoração –, mas seu pai sempre insistia em levá-lo, junto de seu irmão e outros membros da corte.

Na maioria das vezes tais expedições eram tediosas. O grupo andaria pela floresta de pinheiros ao redor da cidade, guiados pelo faro de seus cães de caça, apenas para retornar ao castelo ao fim da tarde carregando triunfantemente a carcaça de um veado, javali, ou mesmo de um troll.

Mas, certa vez, o que começara com uma simples caçada terminara em banho de sangue.

Foras-da-lei atacaram a expedição. Estes haviam preparado uma emboscada, cercando o grupo. Sua intenção certamente era a captura de reféns. Aquela era, afinal de contas, uma expedição de caça organizada pelo Lorde de Jehenna.

Mas aqueles não eram forsworn, e sim bandidos comuns, e haviam subestimado a força de sua presa.

Duas foram as vidas que Edwin tomou naquele dia. Não com sua clava, mas sim com seus feitiços.

4ª Era 184, 21 de Heartfire — Edwin se lembrava bem daquele dia. Foi o dia em que matou pela primeira vez, e uma das poucas vezes em que viu aprovação nos olhos do pai.

Afastando as lembranças de sua mente, o breton olhou ao redor, avaliando sua situação.

Ele havia sido atacado logo após cruzar a fronteira com Skyrim, mas aquele selvagem estava sozinho. Ao que tudo indicava, o homem que jazia aos seus pés era um vigia, encarregado de observar a fronteira e avisar o restante de seu grupo afim de preparar uma emboscada.

Talvez, ao ver que Edwin viajava sozinho, o forsworn julgara ser capaz de matá-lo por conta própria.

Tolo.

Afastando-se do corpo, Edwin voltou-se para sua montaria.

A égua jazia na beirada oposta da estrada, caída de lado. Duas flechas destacavam-se de seu corpo, manchando de vermelho seu pelo grisalho. Uma no pescoço, e outra na cabeça.

Isso explica porque ela não correu— concluiu. Mesmo ferido, um cavalo não cairia tão facilmente. Mas a segunda flecha a abatera antes que pudesse fugir.

O breton soltou o ar em sinal de desânimo. Sua situação era pior do que esperava. Edwin não conhecia Skyrim, e não possuía meios de saber se havia alguma cidade por perto. E se o selvagem que o atacara de fato fosse um vigia, era provável que houvesse um acampamento de forsworn nas redondezas. Na pior das hipóteses eles estavam por perto, e haviam ouvido os sons do combate.

Completando seus problemas, Edwin perdera sua égua. Teria de andar a pé.

Boas-vindas calorosas para um país tão frio.

Edwin estremeceu, só então notando o frio. Sua respiração formava pequenas nuvens de vapor. Ele ouvira relatos do clima gélido de Skyrim, mas era ainda pior do que imaginava. A paisagem pintada de branco delatava nevascas constantes, e o Mar dos Fantasmas soprava um vento afiado.

Ajoelhando-se ao lado do cavalo, o breton desatou a bolsa de suprimentos que carregava na sela, amarrando-a por sobre o ombro.

Hora de seguir em frente.

Edwin voltou seu olhar para a estrada. Ele estava sozinho, e não ouvia sons de aproximação, mas não se permitiu o luxo de sentir-se em segurança. Ele não seria pego de surpresa uma segunda vez.

Concentrando-se, o breton evocou sua magicka.

Ele havia feito uma rápida visita aos comércios de Jehenna antes de partir em viajem, afim de comprar dois tomos de feitiço que lhe poderiam ser úteis. Felizmente, ambos se tratavam de encantamentos simples, e Edwin fora capaz de aprendê-los antes de chegar a fronteira, lendo enquanto cavalgava.

O primeiro, era um feitiço básico de proteção contra o clima chamado Pele de Lobo. Uma escolha obvia, considerando-se que Skyrim era a mais fria das nações de Tamriel. De fato, Edwin tinha este encantamento ativo naquele momento, uma vez que o lançara ainda em High Rock, quando sentiu o frio piorar.

O segundo feitiço chamava-se Silêncio, e ele o usaria naquele momento.

Edwin reuniu a quantidade necessária de magicka em sua mão, e a soltou. Energia mística de uma suave cor púrpura flutuou ao seu redor por alguns instantes, apenas para descer em direção ao chão, concentrando-se debaixo da sola de seus pés.

O aspirante a feiticeiro deu alguns passos, sem causar ruído algum. Era como caminhar sobre um tapete fofo e acolchoado.

Bom— Edwin sorriu em satisfação. Ninguém o ouviria se aproximando.

Terminados os preparos, o breton seguiu em frente. Cauteloso, Edwin manteve-se próximo à formação rochosa que acompanhava a estrada. Tudo enquanto ouvia atentamente, parando toda vez que um ruído suspeito chegava aos seus ouvidos.

Não muito distante dali, sua cautela o recompensou.

— Eu ainda digo que deveríamos checar, só pra ter certeza.

Edwin parou.

A parede de pedra terminava alguns metros a sua frente. Ali, o chão coberto de neve subia em direção à formação rochosa, dando acesso à uma porção elevada do terreno que ficava acima das rochas.

A conversa vinha de cima.

— E eu digo que o frio congelou seus miolos – respondeu uma voz de mulher.

A primeira voz, que pertencia a um homem, bufou antes de responder.

— Pare de caçoar de mim! Eu estou dizendo: eu ouvi alguma coisa!

Esticando o pescoço, Edwin espiou na direção das vozes.

Em um ponto estratégico, sob a elevação do terreno, havia uma velha torre de pedra. A torre havia se quebrado alguns metros acima da base e sua parte superior estava caída em direção oposta à estrada.

Iluminando os blocos de pedra escura, Edwin pôde ver a luz tremeluzente das chamas de uma fogueira. Ao que parecia, alguém havia tomado o que restava da velha torre como abrigo.

Um guerreiro forsworn montava guarda à alguns metros de distância da estrutura de pedra. Além das conhecidas peles de animais, o selvagem tinha o rosto oculto por um estranho capuz adornado com os chifres de um veado. De sua cintura pendia um machado de madeira e pedra.

Por sorte, o selvagem não olhava na direção da estrada.

— Vocês sabem que Braig sempre foi confiante demais para o seu próprio bem – o guarda continuou. Ele olhava por sobre o ombro, em direção à torre – E se o idiota tentar alguma coisa sozinho?

— Olha só quem fala... – respondeu a mulher em tom irônico.

— Eu já disse pra parar!

Edwin rosnou em frustração. Os selvagens haviam escolhido um bom lugar para se esconder. Embora a torre estivesse destruída, a elevação no terreno dava uma ampla visão da estrada a qualquer um que montasse acampamento ali. Não havia como seguir adiante sem ser visto.

Pense, Edwin.

Seu lobo espectral seria ineficiente como distração. Com dois deles, a criatura não duraria tempo suficiente para que Edwin pudesse passar despercebido. Além disso, suas reservas de magicka estavam perigosamente baixas.

Magicka é a energia mística que flui através do sol e das estrelas do plano de Aetherius, a dimensão dos aedra. Todo habitante de Nirn pode absorver esta energia e guardá-la dentro de si, para mais tarde usá-la na arte que os mortais chamam de magia.

Sendo um iniciante nas artes acanas, Edwin possuía uma curta reserva de magicka. Além disso, sua inexperiência o impedia de usá-la de forma efetiva. Como resultado, lançar alguns dos poucos feitiços que conhecia era suficiente para deixá-lo magicamente exausto.

A não ser que...

Edwin conhecia um feitiço que poderia ajudá-lo, mas lançá-lo esvaziaria por completo suas reservas de energia. Além disto, aquele não era um feitiço qualquer e a ideia de usá-lo novamente o incomodava.

Edwin nunca quis aprender necromancia. Ou, no mínimo, nunca tivera interesse específico nesta área das artes arcanas. Mas conjuração o fascinava. O ato de invocar seres de outros planos e dobrá-los a sua vontade era extremamente excitante. Ele visitara todos os comerciantes de Jehenna mas, além da invocação de lobo espectral, aquele fora o único tomo de conjuração que conseguira encontrar.

Que mal pode haver?— pensou Edwin com o tomo em mãos. Necromancia era ilegal perante as leis do Império, e visto como um tabu pela maioria das pessoas. Mas o aspirante a feiticeiro estava empolgado demais para ponderar suas ideias. Ele escolheria um local discreto, em meio à floresta que cercava a cidade, para estrear seu novo feitiço.

Mas alguém o viu naquela noite. Horas mais tarde, Edwin encontrava-se na sala de negócios do pai.

Com uma expressão fechada, o breton sacou a maça de sua cintura. Ele havia tomado sua decisão.

— Já chega vocês dois – uma terceira voz, também masculina, interviu – Estão me dando dor de cabeça. E além disso, Donnel – ele prosseguiu – Nana e eu não ouvimos nada. O vento pode estar brincando com seus ouvidos de novo. Você sabe que isso sempre acontece.

Maldição!— Edwin praguejou – Há três deles?

Ele hesitou por um momento, mas logo balançou a cabeça e afastou sua insegurança. Não havia outro caminho a seguir.

O terceiro selvagem continuou.

— Eu nem sei o que em Oblivion nós estamos fazendo aqui em primeiro lugar. Ninguém tem cruzado a fronteira nos últimos meses.

— Hun... – Donnel resmungou – O vento está bastante forte hoje...

Mais silêncio se seguiu. Ao que parece, o terceiro forsworn conseguira apaziguar os ânimos. Mas aquele não foi um silêncio duradouro. O vigia Donnel logo soltou uma exclamação, como se tivesse acabado de se lembrar de algo importante.

— Mas e quanto aos animais selvagens? Braig pode ter sido atacado por lobos!

Foi a vez de Nana bufar.

— Você não disse que ouviu um cavalo, cérebro de gelo? Decida-se.

Donnel rosnou antes de responder.

— Agora chega Nana...! – ele voltou as costas para a estrada enquanto resmungava.

Agora!

Edwin apertou os dedos ao redor do cabo da maça enquanto avançava a passos apressados.

Sendo um nobre – ou ex-nobre, naquele caso – Edwin fora submetido à treinamento marcial básico. Mas é claro que também achava essa atividade dolorosamente tediosa.

Seu irmão, William, empunhava a espada com maestria, mas o filho mais jovem de Lorde Walter achava lâminas complicadas demais. Ele preferia maças e clavas. Elas eram mais simples e fáceis de usar, seu treinamento não tomava tanto de seu tempo, permitindo que Edwin rapidamente voltasse aos seus estudos, e eram mais duráveis, não requerendo tantos cuidados quanto uma espada.

— … quantas vezes eu te disse pra...?! – o selvagem parou, olhando para trás – Huh?

Edwin balançou a maça horizontalmente, atingindo seu rosto em cheio.

Com um som grotesco, o maxilar do forsworn se quebrou, entortando-se para a direita. Um ruído abafado se seguiu quando o corpo atingiu chão.

— Donnel? – a mulher chamava pelo vigia – Donnel!

Edwin não tinha muito tempo. Evocando o que restara de sua magicka, uma pequena esfera azul-claro formou-se em sua mão esquerda.

Quando lançou o feitiço em direção ao corpo, o breton não pôde evitar um sorriso.

Este está sendo um dia de segundas-vezes, não está?

Ele matara pela segunda vez. E agora, lançara pela segunda vez o feitiço que resultara em seu exílio.

Envolto em uma sinistra névoa azul e negra, o forsworn pôs-se de pé mais uma vez.

Os dois selvagens restantes, correndo em direção ao ruído, congelaram diante da visão de seu companheiro zumbificado. Mas o espanto não durou muito tempo. Os forsworn não eram estranhos à necromancia. Sabia-se que suas crenças envolviam o culto às bruxas harpias, que por si só eram praticantes de magia necromântica.

Desgraçado...!— disse o homem em um misto de surpresa e fúria, libertando uma bruta espada de ferro de sua bainha.

Enquanto isso, a mulher arqueou as mãos, preparando sua magicka.

Vendo seu mestre em perigo, o zumbi sacou seu machado de pedra. Mas Edwin sentia o desespero tomando seus pensamentos. Não restava um, e sim dois forsworn, e um deles era um mago. Não havia como seu servo vencer. Ele poderia ajudar, mas temia expor-se aos feitiços da maga selvagem.

Gelo surgiu nas mãos da feiticeira.

Teria ele calculado mal? Ainda havia tempo de correr...

Nana lançou a magia em direção ao seu ex-companheiro. Um dardo de gelo do tamanho de um punho voou de suas mãos, plantando-se no peito do morto-vivo.

Brandido sua espada, o outro forsworn avançou contra seu inimigo.

Acabou— pensou Edwin.

Mas seu servo zumbi discordava.

Um simples gemido foi a única atenção que o guerreiro-morto-vivo deu ao projétil preso em seu torso. Ele continuou avançando de machado em punho.

Com um grito de fúria, o forsworn brandindo a espada desferiu uma estocada contra seu adversário. A lâmina cortou através de pele e carne, enterrando-se no peito do morto-vivo até a metade. Mas o servo de Edwin não pareceu se importar.

Com um golpe vertical de seu machado, o morto-vivo abriu o crânio de seu ex-companheiro em dois. Com a arma presa no corpo do oponente, o forsworn não pôde reagir a tempo.

A feiticeira soltou uma exclamação, vendo mais um de seus companheiros cair.

Morra maldito!

Cega pela fúria, ela preparava outro feitiço. Mas desta vez a forsworn não direcionava o ataque ao zumbi que corria em sua direção. Ela mirava em Edwin.

Mate o conjurador, e suas conjurações cairão— pensou Edwin enquanto o dardo gélido voava em sua direção. Aquele era um conhecimento comum para todo praticante de magia.

O morto-vivo pôs-se entre a feiticeira e seu mestre. O dardo enterrou-se em seu ombro esquerdo. Mas ele continuou avançando.

Outro dardo veio, atingindo seu abdômen, e ele continuou avançando.

Edwin olhou boquiaberto enquanto pavor tomava o rosto da maga forsworn. Ela andava de costas, lançando suas magias desesperadamente. Então, vendo o inimigo brandindo o machado diante dela, a mulher levou a mão a uma pequena adaga em sua cintura.

Mas era tarde.

Com um golpe horizontal, a lâmina do machado encontrou a garganta da feiticeira. Sangue jorrou enquanto ela caía de costas no chão.

Edwin contemplou em um misto de pavor e admiração enquanto seu servo montava sobre sua vítima e desferia o golpe de misericórdia. Terminado o serviço, o zumbi prontamente embainhou o machado e retornou para junto de seu mestre, encarando Edwin como um soldado que aguarda as ordens de seu comandante.

De fato, o reanimado constituía uma visão aterrorizante. Seu maxilar inferior pendia, quebrado, os dardos de gelo ainda decoravam seu torso, acompanhados da espada do primeiro forsworn que matara. O sangue da feiticeira pintava seu rosto de vermelho.

Uuhh...— o zumbi gemeu. Seu olhar era vazio, mas havia dor em sua voz.

No lugar do espanto, Edwin agora observava seu servo em um misto de satisfação e curiosidade. A criatura provara-se mais do que capaz de lidar com dois oponentes, lutando sozinha.

Interessante.

Outro som veio da garganta do morto-vivo. Desta vez, um suspiro de alívio.

O feitiço que o prendia expirara. O corpo caiu, flácido, ao chão, decompondo-se em cinzas dentro de alguns instantes.

O stress imposto ao corpo resulta em sua destruição, quando a magia expira — lembrou-se o breton.

Com a respiração ainda pesada, Edwin caminhou em direção aos cadáveres restantes. A neve sob seus pés estava grudenta com sangue.

Como esperava, uma fogueira decorava o interior da base da velha torre de pedra. Mesmo em ruínas, a estrutura parecia prover ao menos alguma proteção contra o vento.

Só então, Edwin se deu conta.

Ele estava vivo. Por duas vezes ele tivera de lutar, e ainda estava vivo.

Um meio sorriso surgiu em seu rosto.

— Bem vindo a Skyrim, Edwin – disse o breton para si mesmo, cercado por neve e sangue.


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Notas finais do capítulo

O feitiço pele de lobo: quem joga com o mod Frostfall talvez seja familiar à esse feitiço. O mod faz seu personagem sentir frio (entre outras coisas), e dá várias opções para combater o mesmo. Feitiços de proteção contra o frio são uma dessas opções. Obviamente, essas magias não fazem parte da lore.



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