Em Prata e Ébano: Uma História de Dois Dragões escrita por Jéferson Moraes


Capítulo 11
Mentor


Notas iniciais do capítulo

Saudações leitores!

Desculpem a demora. Eu acabei me distraindo com um misto de faculdade, estágio, trabalho e Dark Souls (ganhei de aniversário. Fazer o que? Tenho a melhor namorada do mundo).

Mas enfim, vou tentar não ficar tanto tempo sem postar de novo.
Como sempre, boa leitura!



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Mentor

Edwin

 

4ª Era 201, 26 de Last Seed

 

Falion rosnou entredentes, repreendendo seu aprendiz.

— Você pode ao menos tentar espirrar mais baixo? Eu preciso me concentrar!

Coçando o nariz que ainda ardia, Edwin respondeu irritado.

Tsc! Pra você é fácil reclamar. Você já está acostumado com esse maldito frio.

Falion fazia reparos na barreira mágica que havia posto ao redor do vilarejo, como fazia todas as noites. A noite era fria, mas mesmo ajoelhado sobre a neve que cobria o pântano, ele não parecia se incomodar.

— Não seja dramático. Não está tão frio.

O mago vestia o corriqueiro manto azul-escuro que lhe cobria todo o corpo, bem como luvas e botas da pele de algum animal. No entanto, mesmo por de trás das sombras do capuz, Edwin podia ver que partilhava do mesmo tom de pele e olhos castanho-claros da irmã mais nova. Dito isto, Falion tinha traços mais fortes, bem como um nariz aquilino que muito combinava com seu tom petulante.

— Francamente... – o feiticeiro continuou – E você disse que estava indo para Winterhold?

Edwin ergueu uma sobrancelha.

— Você ainda não viu uma nevasca de verdade e já está espirrando desse jeito – Falion explicou – mas em Winterhold dias sem neve são raros, especialmente no inverno.

O breton engoliu em seco.

— E como vocês viviam lá?!

— Bom... – levantando-se, o mago bateu a neve das mãos – Quando eu era um membro do Colégio, costumávamos aquecer os quartos com feitiços de alteração. Quanto aos moradores locais... – ele deu de ombros – Nords se acostumam com tudo. Eu acho.

Não só os nords, ao que parece.

Falion, que dizia ter vindo de Hammerfell ainda jovem, dissera que Edwin se habituaria ao frio dentro de alguns meses, mas o breton tinha suas dúvidas. Ele começara a espirrar no dia seguinte à sua chegada em Morthal, e o resfriado apenas piorava desde então.

— Como está a barreira? – perguntou.

— Como eu disse, a barreira interna é só uma medida preventiva. É a externa que faz todo o trabalho.

Edwin assentiu.

— E quanto ao feitiço de runa? – o redguard perguntou – Você reclama, mas o frio pode te ajudar a lançar magias de gelo.

Muito pelo contrário...

Edwin logo percebeu que as roupas que trouxera de High Rock estavam longe do ideal para o clima de Skyrim. Ele agora vestia um manto de tecido escuro que lhe cobria todo o corpo, bem como grossas luvas e botas de pele, todos emprestados de Falion. A capa que comprara em Solitude ainda lhe cobria os ombros.

Ele deveria estar praticando o feitiço de runa de gelo que Falion lhe ensinara, mas era difícil concentrar-se espirrando a cada minuto. Para ajudar, seu mentor insistia em ensiná-lo somente à noite, temendo atrair a atenção dos moradores.

— Eles não precisam de mais motivos para me atazanar – o feiticeiro dizia irritado. Morthal era uma cidade pequena e de população supersticiosa. Em circunstancias normais a presença de Falion já causaria alvoroço o suficiente. Mas pelo que o redguard lhe contara, dois moradores haviam desaparecido pouco antes de sua chegada, alguns meses atrás, e um terceiro apenas dois dias antes da chegada de Edwin.

— Eu me distraí – respondeu – Além do mais, eu estava ansioso para aprender outro feitiço de conjuração.

Falion voltou um olhar de dúvida para o seu aprendiz.

— Eu não lhe ensinei a conjurar um scamp ontem à noite?

Edwin revirou os olhos.

— Aquela coisa não é muito melhor que um familiar— ele logo aprendera que “familiar” era o nome correto para os animais espectrais que habitavam Oblivion, como o lobo que costumava invocar – Você disse que eu tenho talento para conjuração, não disse? Você não pode me deixar empolgado desse jeito para depois me ensinar a lançar runas!

Com um humph, Falion deu as costas ao seu aprendiz, fazendo um sinal para que Edwin o seguisse.

— Você tem certa facilidade em trazer seres de Oblivion para esse plano. Isso é verdade. No entanto, ainda não está pronto para conjurar daedras mais poderosos.

— E por que não? – perguntou o breton ofendido.

Falion permaneceu em silêncio, desviando com cuidado de uma poça d’água. Ele caminhava com pressa, forçando Edwin a apertar o passo.

— Edwin – por fim disse – Como você acha que conjuração funciona?

Confuso, ele afastou os galhos de um arbusto antes de responder.

— Como é?

— O que eu quero dizer é: Porque você acha que o daedra obedece ao conjurador?

Edwin ponderou por um momento, relembrando todos os livros que lera na biblioteca de seu castelo.

— É uma troca equivalente, não? – respondeu – O conjurador permite que o daedra ande por Mundus por algum tempo, e em troca o daedra o obedece.

— É o que a maioria dos magos diz, sim. Mas não é uma resposta por todo correta...

“Entenda Edwin. Daedras pensam de forma diferente de nós, mortais. Mesmo os mais inteligentes, como os dremoras que servem Mehrunes Dagon, seguem uma espécie de hierarquia em que o mais fraco obedece ao mais forte, assim como os lobos mais fracos de uma matilha seguem seu alpha. Isso também se aplica à relação entre o daedra e seu conjurador. Para daedras menores e fracos, a conjuração em si já é uma demonstração de poder. O daedra pensa que se você foi forte o bastante para conjurá-lo, então provavelmente é forte o bastante para destruí-lo. Daedras mais fortes, no entanto...”

— Vão se julgar mais fortes do que eu – Edwin o interrompeu – e vão me atacar ao invés de obedecer.

Falion parou, voltando-se para o breton com um meio-sorriso.

— Você aprende rápido.

Edwin também parou e olhou ao redor. Eles estavam em uma pequena clareira. Seguindo ao norte, as retorcidas árvores que cercavam Morthal diminuíam em número até sumirem por completo, deixando à vista o pântano semicongelado que seguia em direção ao Mar dos Fantasmas.

O lugar já lhe era familiar. Falion colocara a barreira alguns metros além da clareira.

— Portanto não tenha pressa – o feiticeiro continuou – Continue seus estudos e eu lhe ensinarei outras conjurações... quando for adequado.

Edwin assentiu, ponderando em silêncio.

Embora resistente de início, Falion demonstrava evidente entusiasmo em ensinar Edwin. Ele logo descobriu que o redguard já tinha um aprendiz, uma garotinha chamada Agni, mas desconfiava que Falion sentia falta de lecionar para alguém mais velho – ele fora um professor do Colégio de Winterhold, afinal de contas.

— O Colégio não é como você imagina – o mago o alertou na noite em que Edwin bateu à sua porta – Eles dizem ter a mente aberta, mas rodeiam-se de regras. E mais se preocupam em não aborrecer os moradores do que em avançar seus estudos.

Falion lhe contara que havia deixado Hammerfell ainda criança, vindo para Skyrim quando ouvira histórias sobre o Colégio. Ele logo foi aceito e, dentro de alguns anos, chegou ao cargo de Mestre em Conjuração. Mas deixara o Colégio meses atrás devido à um desentendimento com o Arque-Mago.

— Você gosta de clavas, não é?

— Como é?

Removido de seus devaneios, Edwin ergueu o olhar ao feiticeiro, que encarava curioso a pesada maça pendendo de seu cinto.

— Por que pergunta? – ele levou a mão ao cabo da arma.

— Há um feitiço que eu posso lhe ensinar – Falion respondeu – Ele o tornará mais forte, se usado corretamente, e saciará sua ansiedade por novas conjurações também.

Muito bem. Estou curioso.

— E que feitiço seria esse?

Sem se importar em responder, o feiticeiro esticou as mangas com um floreio, fazendo um gesto exagerado com as mãos. A corriqueira luz arroxeada da escola de conjuração surgiu entre seus dedos.

Exibido.

A luz expandiu-se, sempre girando, por vezes mudando de forma. Edwin observou intrigado. O portal era pequeno demais para conjurar um daedra.

Quando se deu por conta, Falion segurava uma espada.

— O que é... Isso? – perguntou apontando para o objeto.

Isso— Falion balançou a arma – é uma espada daédrica.

E o que em Oblivion é uma espada daédrica?

Tratava-se de uma espada de uma mão. A arma era completamente feita em ébano, punho, guarda e lâmina, de modo que vê-la apenas sob a luz da lua era difícil.

Ou assim seria— pensou Edwin – não fosse pelas rachaduras.

A arma apresentava rachaduras em toda sua extensão, do cabo à lâmina. De cada uma delas uma forte luz vermelha emanava, como se algo quebrasse o ébano de dentro para fora, tentando sair. Não somente, mas a espada fora forjada de forma estranha. A lâmina era serrilhada, claramente feita para rasgar ao invés de cortar, e mesmo a guarda tinha espinhos para golpear o rosto do oponente.

A confusão de Edwin deveria ser nítida, pois Falion logo disse.

— Você não leu sobre armas daédricas? – havia surpresa em sua voz.

— Eu devo ter pulado esse livro – ele odiava quando duvidavam de seu conhecimento – Fale-me sobre elas.

Achando graça na reação do aprendiz, Falion respondeu:

— Armas e armaduras daédricas são forjadas e brandidas por dremoras. A técnica usada em sua forja faz com que sejam muito mais fortes e resistentes do que qualquer arma forjada por um mortal.

— O que há de tão especial nelas? – por mais estranha que a espada fosse, Edwin não via a utilidade de gastar magicka para invocar uma arma quando podia apenas carregar uma em seu cinto.

Falion indicou a luz vermelha que emanava da espada.

— É a forma como elas são forjadas...

“Cada peça de equipamento daédrico, seja uma espada ou uma placa de peito, contém a alma aprisionada de um dremora. Eles fazem isso para capturar a força de inimigos caídos em batalha. Portanto, quando um feiticeiro conjura uma arma daédrica, ele toma a força desse dremora aprisionado para si”

— Então é uma forma de encantamento? – Edwin perguntou – Mas ao invés de usar uma alma branca, utiliza-se a alma de um dremora?

— Não exatamente. Eu disse. É a forma como a arma é forjada. Um encantamento é algo acrescentado à arma, mas não faz parte da criação da arma em si.

Falion fez um gesto e a arma desapareceu de seus dedos com a mesma luz arroxeada em que surgiu.

— Dizem que os dremoras arrancam o coração de outros dremoras de clãs inimigos, e o jogam na forja para fabricar suas armas – continuou – Há até rumores de que mortais podem realizar o mesmo processo, desde que tenham um coração de dremora consigo. Mas eu nunca soube se isso é verdade.

Edwin coçava o queixo, absorvendo tudo o que o mago lhe dissera. Dremoras eram um dos tipos mais poderosos de daedra. A ideia de obter a força de um deles através de uma simples conjuração era um tanto interessante.

— E como se conjura uma arma daédrica?

Falion abriu a boca para explicar mas interrompeu a si mesmo. O feiticeiro olhou por sobre o ombro, fitando a floresta além da clareira como se ouvisse alguém chamar seu nome.

— Qual é o problema?

O mago permaneceu em silêncio por um instante, não ousando remover o olhar das árvores.

— A barreira... Algum animal encostou nela.

— Outro caranguejo-do-lodo?

Falion balançou a cabeça em negação.

— Parece um pouco maior do que um caranguejo. Um lobo, talvez.

Edwin observou o feiticeiro. Ele continuava fitando a floresta com seriedade, como se esperasse que algo surgisse dentre as árvores.

Mas é claro que isso não vai acontecer.

As barreiras de Falion se dividiam em duas camadas. A primeira aplicava um pequeno choque em qualquer animal que a adentrasse, persuadindo-o a dar meia volta. Já a segunda era composta por runas elementais, como uma medida de emergência.

Obviamente, Falion não projetara a segunda camada com a intenção de usá-la. Explosões de fogo e gelo em meio à mata não ajudariam em muito com a já desconfiada população de Morthal.

Por instantes que pareceram se arrastar, os dois feiticeiros permaneceram em silêncio, observando a floresta em um misto de expectativa e preocupação. Por fim o mago mais velho soltou o ar, dando um paço à frente.

— Foi embora – disse Falion – Venha. Vamos aumentar a força do choque e encerrar por hoje.

— E quanto ao feitiço?

Já a meio caminho da mata, o mentor voltou-se para o seu aprendiz.

— Eu o ensinarei amanhã, não se preocupe. Esse seu resfriado está atrapalhando demais. Peça um chá para Donna quando... Deuses!

Falion tornou a interromper-se, voltando-se mais uma vez para a floresta pantanosa.

Edwin correu para junto do feiticeiro, perguntando o que havia de errado.

— Não são lobos... – o mago respondeu balançando a cabeça para os lados – São muitos!

Seguindo o olhar de seu mentor, Edwin voltou-se para a floresta. Um instante depois as explosões começaram. Fogo, gelo e eletricidade explodiam entre as árvores, cobrindo a floresta com suas cores. O pântano parecia tremer com cada runa acionada, e uma nuvem de pássaros logo passou por sobre suas cabeças, voando na direção oposta.

Mas não eram as explosões que preocupavam Edwin.

Em meio ao barulho ensurdecedor da cadeia de explosões, outro som chegava aos seus ouvidos. Ganidos de dor, como se centenas de animais se atirassem contra as runas de uma vez em um ataque desesperado. Mas o som que faziam não era o de nenhum animal que Edwin conhecesse. O som lembrava o breton do choro de cães, porem era mais estridente, mais monstruoso.

— O que em Oblivion é isso?! – perguntou encarando seu mentor.

Ignorando sua pergunta, Falion pôs-se a correr em direção à barreira.

— Venha! Rápido!


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Notas finais do capítulo

Antes de mais nada obrigado pela paciência. Fiquei meses sem postar e ainda assim a fic não perdeu favoritos. Pelo contrário, só ganhou. Obrigado pelo apoio ;)

Observações:

— A explicação do Falion sobre conjuração foi baseada em uma das falas dele no jogo, mas não tem fundações concretas da lore. Então é uma interpretação minha.

— Notem que a invocação de armas daédricas aqui funciona igual aos jogos mais antigos da franquia, em que você literalmente invocava equipamento daédrico. Diferente do Skyrim em que você invoca armas espectrais de fogo azul =P

— Falando de equipamento daédrico, a explicação sobre a forja das armas e armaduras daédricas é canônica. O livro “heavy armor forging” fala um pouco sobre o ato de jogar o coração do dremora no fogo, por exemplo.

— No jogo o único feitiço de “familiar” é aquele básico de invocar o lobo. Uma vez que a palavra “familiar” em universos fictícios é geralmente usada pra se referir à animais ou criaturas que servem como mascotes para magos eu tomei a liberdade de expandir o feitiço para animais espectrais que vivem em Oblivion. Essa explicação não é canônica, e nem temos indícios se de fato há animais comuns em Oblivion. (lembrando que a pronúncia correta é “famíliar”, com ênfase na sílaba “mí”).

Glossário:

— Scamp: tipo de daedra menor e mais fraco, comum em vários planos de Oblivion, porém encontrado em maior quantidade no plano de Mehrunes Dagon. Atacam o oponente com as garras ou usam feitiços básicos. Em geral não são muito inteligentes, com algumas raras exceções.

— Dremora: Uma das espécies mais poderosas de daedras, e também mais inteligentes. São seres humanoides, porém mais altos que as raças de Tamriel e com chifres na cabeça. Eles se dividem em clãs e sempre servem à algum Príncipe Daédrico. Novamente, Mehrunes Dagon é conhecido por fazer grande uso de dremoras em seus exércitos, mas há indícios de outros Príncipes que também tem dremoras sob seu comando.

— Mehrunes Dagon: Príncipe Daédrico da Destruição, do Caos e da Mudança. Um dos maiores inimigos das raças mortais de Nirn. Tentou por várias vezes atacar e conquistar Mundus, sendo a tentativa mais notável a da terceira Era em que portais para seu plano de Oblivion se abriram por toda Tamriel num evento conhecido como a Crise de Oblivion.
Seu plano de Oblivion são as Deadlands: uma dimensão composta por um oceano de lava, terrenos vulcânicos, e construções em ruínas, representando bem a personalidade de seu mestre.



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