Em Prata e Ébano: Uma História de Dois Dragões escrita por Jéferson Moraes


Capítulo 12
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Notas iniciais do capítulo

Diz que não vai demorar para postar o próximo capítulo.

Fica dois meses sem postar nada.

Esse sou eu pessoal. Esse sou eu.
Enfim, desculpem a demora. Esse foi um pouco difícil de escrever (tenho que trabalhar meus diálogos).

Como sempre, boa leitura!



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Edwin

 

4ª Era 201, 27 de Last Seed

 

     O breton olhava tediosamente a nevasca cair, cobrindo de branco os vidros da janela. Ele vira Falion pela última vez há pouco mais de uma hora, caminhando cabisbaixo em meio a neve antes de adentrar o salão da Jarl.

     – Tome conta de Agni até eu voltar – dissera o feiticeiro.

     Bufando, Edwin desviou a atenção da janela, voltando-se para o interior da cabana. Não passava da primeira hora da madrugada e um profundo silêncio cobria a residência, salvo pelo crepitar da lareira. Dela também vinha a única luz, que tremeluzia sobre o assoalho, sobre a estante cheia de livros ou a mesa de estudos de Falion.

     Em um canto recluso pôde ver uma pequena cama de madeira. A luz das chamas estendia-se até ela também, deformando-se sobre as cobertas que cobriam o pequeno corpo dormindo sobre o colchão de palha.

     Agni era uma garota jovem de cabelos e olhos castanhos, aparentando ter pouco mais de doze anos. Edwin sabia pouco sobre ela, ou sobre como a menina tornara-se a protegida de Falion.

     – Eu tomo conta dela agora – fora tudo que o feiticeiro lhe dissera.

   Se muito, Edwin falara com ela três ou quatro vezes, e apenas para trocar os bons-dias e boas-noites que eram de costume. Também havia observado seu treinamento uma vez, quando Falion lhe ensinara um feitiço básico de luz mágica. A garota não era particularmente talentosa, mas tinha entusiasmo, e parecia contente em aprender magia.

     Ao ouvir as cobertas se mexendo, Edwin voltou-se novamente à cama.

     – ... senhor Falion?

     – Falion não está – Edwin explicou – Ele deve voltar em breve.

   Agni pôs a cabeça para fora das cobertas, seus cabelos emaranhados prendendo-se ao rosto. Ela tinha feições delicadas e bochechas largas, o que lhe dava uma aparência meiga, senão um pouco engraçada.

     – Senhor Edwin? – ela o encarou por um instante, ainda sonolenta – Aconteceu alguma coisa? Onde está o senhor Falion?

     – Está tudo bem – mentiu – Ele está conversando com a Jarl.

    A verdade era que nem mesmo Edwin sabia como responder àquela pergunta. Nem ele ou Falion estavam feridos, mas seu mentor parecia bastante perturbado.

     – Jarl Idgrod precisa saber disso – dissera o mago fitando com espanto o que restara das criaturas que avançaram sobre as runas. Edwin perguntara ao seu mentor se ele sabia o que elas eram, mas Falion recusava-se a responder, dizendo nervosamente que “precisava ter certeza antes”.

     O breton podia descrevê-los apenas como cães horrendos, com um corpo sem pelos e uma pele tão escura que vê-los durante a noite seria quase impossível sem alguma fonte de luz. Tinham focinho alongado, com uma fileira de dentes assombrosamente longos que saltavam para fora da boca.

     Mas o que mais assustara Edwin foram seus olhos: vermelhos como sangue e cheios de ódio. Mesmo depois de mortos – nenhum deles sobreviera à fileira de explosões – os cães pareciam encará-lo com extrema agressividade, como se compelidos à atacar qualquer coisa que vissem pela frente.

     Novamente o som das cobertas. Agni agora estava sentada na cama, fitando Edwin com preocupação.

    – Ele está bem. Eu juro – disse o breton, tentando um sorriso tímido. Ele nunca fora bom com crianças – Algo importante surgiu e Falion precisa falar com a Jarl. É só isso.

     Suas palavras pareceram tranquiliza-la um pouco, embora um resquício de medo ainda restasse em seus olhos. Agni recostou-se na parede às suas costas e puxou as cobertas sobre si, ainda sentada no colchão.

     – Você se preocupa bastante com ele – Edwin observou.

     A menina assentiu.

     – Senhor Falion toma conta de mim desde que chegou.

     Edwin ajustou sua posição na cadeira, fitando a menina com curiosidade.

     – E quanto aos seus pais?

     – Mamãe ficou doente um ano atrás, e não melhorou. – ela disse – Meu pai era um soldado. Ele saiu para lutar na guerra quando eu era pequena... Não me lembro muito bem dele.

     Uma órfã, então.

    O breton permaneceu em silêncio, voltando seu olhar para as chamas que queimavam na lareira. Ele sabia que deveria dizer alguma coisa para consolá-la, mas temia se atrapalhar com as palavras.

     Por sorte, a garota tomou a iniciativa.

     – Senhor Edwin...

     – Não me chame assim – reclamou ele, revirando os olhos.

     Agni o encarou em confusão.

     – Não precisa me chamar de “senhor”. Faz eu me sentir velho.

     A menina levou a mão ao queixo, fitando a lareira numa expressão pensativa.

     – Mas o senhor Falion disse que eu deveria falar com adultos desse jeito...

     Edwin não pode conter o riso.

     É a cara dele.

     – E Falion tem razão. Mas eu lhe dou permissão para me chamar só pelo nome.

   Disse isso e sorriu novamente. Mas dessa vez o sorriso lhe surgiu com facilidade, naturalmente. Agni devolveu o sorriso, assentindo alegremente.

     – Você queria me perguntar alguma coisa?

     Ela novamente assentiu.

     – Eu só estava me perguntando... E quanto aos seus pais, Edwin?

     O breton estreitou o olhar.

     – O que tem eles?

     Em um instante o entusiasmo de Agni desapareceu. Ela tornou a puxar o cobertor sobre si, desviando os olhos para o chão.

     – Você ouviu minha conversa com Falion na noite em que cheguei, não ouviu?

     Ela assentiu, ainda encarando o assoalho. Edwin precisou de alguns instantes para perceber que a estava assustando.

   Malditos olhos— pensou ele, voltando seu olhar novamente à lareira. Lorde Walter podia ter orgulho dos olhos de gelo dos Silverbound, mas Edwin os odiava. Ele nunca fora bom com palavras, e não ajudava quando as pessoas constantemente evitavam seu olhar.

     – ... minha mãe também ficou doente – por fim respondeu – Ela estava fraca quando deu luz à mim, e não resistiu ao parto. Quanto ao meu pai... Eu e ele não nos damos muito bem.

     – Por que não? – Agni novamente fitava Edwin, encarando-o com curiosidade.

     O breton deu de ombros.

     – Eu e ele somos muito diferentes, e ele não gosta disso.

     – Foi por isso que ele... expulsou você de casa?

     Curiosa.

     – ... É um pouco mais complicado do que isso.

     Silêncio novamente cobriu a cabana, o estalar da lareira novamente audível. Agni brincava com o cobertor distraidamente, como se escolhesse a próxima pergunta com cautela.

     – Então você não conheceu sua mãe? – ela perguntou.

     – Não. O pouco que sei sobre ela me foi dito por meu pai e meu irmão.

     A menina saltou sobre o colchão, quase derrubando as cobertas.

     – Você tem um irmão?! – ela encarava Edwin com surpresa, inclinando-se tanto para frente que ele temeu que a menina fosse cair da cama. O breton não pode conter um pequeno riso, achando graça em seu entusiasmo.

     – Eu tenho! O nome dele é William. Você iria gostar dele. William é um cavaleiro com armadura brilhante e tudo.

     Agni encarava o breton com olhos brilhantes, novamente encantada com sua história.

     – Deve ser tão legal ter um irmão cavaleiro... Eu sempre quis ter um irmão, mas sou filha única – ela parou de súbito, assumindo uma expressão pensativa – ...Você também é um cavaleiro, Edwin?

     – Não. Eu nunca me interessei muito por esse tipo de coisa: política, esgrima... Mas eu praticava com William regularmente, mais pela companhia do que a esgrima em si – Edwin riu distraidamente, revendo suas memórias – É engraçado mas, apesar das diferenças, meu irmão e eu sempre nos entendemos...

   O breton surpreendeu-se, dando-se conta de que estava preocupado com William. Ele partira para Cyrodiil numa missão importante pelo Rei de Evermore, mas conhecendo seu irmão ele era capaz de voltar à High Rock quando soubesse do exílio de Edwin.

     Meu pai não deve estar ansioso para dar essa notícia a ele – pensou Edwin – Mas ele não esconderia esse tipo de coisa de William. À essa altura ele já deve ter enviado uma carta à Cyrodiil...

     Edwin podia não se interessar pela política de High Rock, mas William levava seus deveres muito à sério. Ele odiaria atrapalhar a missão do irmão com seus problemas.

     Agni chamou por ele, tirando-o de seus pensamentos.

     – Qual é o problema? – perguntou Edwin.

     – Bom... – ela encarava o teto de palha numa expressão de dúvida – Se você é tão diferente do seu pai e do seu irmão... Então por que você se dá bem com seu irmão mas não com seu pai?

     Edwin abriu a boca para responder, mas não pôde dizer nada. Era uma pergunta estranha, daquelas tão dolorosamente específicas que apenas uma criança poderia perguntar. E ainda assim nenhuma resposta lhe surgia.

     Por que?

     – Está tarde – por fim disse – Você deveria voltar a dormir. Falion vai estar aqui em breve e ele não gostaria de lhe ver acordada à essa hora.

     Agni recuou, puxando as cobertas sobre si.

     – Eu não quero dormir – disse ela em voz de choro – Eu vou ter pesadelos de novo.

     De novo?

     – Você tem tido pesadelos?

     Ela assentiu, respondendo com voz zangada.

     – É culpa do Joric! Ele fica me falando sobre as visões bobas dele pra me assustar!

     Aquele nome era familiar à Edwin, mas ainda assim precisou de alguns instantes para lembrar.

     O garoto que falou comigo na noite em que cheguei à Morthal. Aquela mulher o chamou de Joric.

     Novamente curioso, o breton indagou a garota o que ela quisera dizer com “visões”.

     – Bom, Joric é filho da Jarl Idgrod – disse Agni, ainda com alguma irritação na voz – Todos na cidade sabem que a Jarl tem visões estranhas. Joric também vê coisas, apesar de a família da Jarl tentar esconder isso de todo mundo.

     – Filho da Jarl? Então aquele garoto é um príncipe?

     A menina o encarou em confusão.

     – Nada. Esqueça – Edwin balançou a cabeça negativamente, lembrando-se de que os costumes de High Rock eram diferentes dos de Skyrim.

     Não há príncipes em Skyrim, Edwin.

     – De qualquer forma, que história é essa de visões?

     Agni deu de ombros.

     – Eu não sei. Os adultos não gostam de falar sobre isso. Tudo que sei é que a Jarl diz ter visões do futuro, mas alguns moradores acham que ela é doida.

     Tsc! Não é à toa que a cidade é tão supersticiosa.

     – E o que Joric lhe disse que a deixou tão assustada?

     Agni abraçou os joelhos, encolhendo-se debaixo das cobertas.

     – Ele disse que sonhou com o senhor Falion... No sonho, senhor Falion caminhava sozinho no meio da neve, mas fazia tanto frio que ele desmaiou e ficou caído no chão até a neve cobrir ele inteiro. Joric disse que “o frio vai ser mal para o Falion”.

     Ela então voltou-se para Edwin com um olhar cheio de preocupação, como se ele pudesse lhe dar uma explicação ou uma justificativa para afastar seus medos.

     O breton ponderou por um instante, sem saber ao certo quanto crédito deveria dar às supostas visões de uma criança. Toda aquela história lhe parecia bastante boba, mas ele temia que uma resposta cética não fosse tranquilizar a menina. Ele chegou a abrir a boca para responder, mas um movimento do lado de fora chamou-lhe a atenção.

     Voltando-se para a janela, Edwin notou que a nevasca estava mais fraca, quase parando. Também viu uma figura vestida num longo manto azul deixando o salão da Jarl. Era Falion, despedindo-se de um nord de cabelos escuros que o acompanhara até a porta. Edwin o reconheceu também: aquele era o homem que ele vira falando com os moradores na noite de sua chegada.

     Levantando-se, o breton voltou-se mais uma vez à garota.

     – Não se preocupe com isso. Ele provavelmente quis dizer que Falion vai pegar um resfriado – falou com indiferença, tanto mostrar tranquilidade – O que não me surpreende, considerando que ele ainda por aí vestindo só aquele manto azul. Eu vou falar com ele. Convencer ele a vestir algo mais quente.

     Disse isso e sorriu novamente, surpreendendo-se com a facilidade com que sorria para aquela menina. Agni sorriu de volta, claramente mais calma. Ela não disse nada em resposta, mas Edwin pôde ver gratidão em seu olhar.

     O breton dirigiu-se à porta, mas quando fez menção de abri-la tornou a ouvir a voz da garota.

     – ... Edwin.

    Ele olhou por sobre o ombro. Agni não parecia preocupada como antes, mas tinha uma expressão confusa, como se perturbada por algo que não compreendia.

     – Qual é o problema?

     – Joric... Ele sonhou com você também.

     Edwin deixou escapar um pequeno riso, trazendo novamente sua voz de tranquilidade.

     – É mesmo? E o que ele disse?

     – Foi um sonho estranho... Você não é canhoto, é Edwin?

     O breton fez uma careta, estranhando a pergunta.

     – Não. Eu sou destro – gesticulou com a mão direita, reforçando sua afirmação.

     – Joric disse que, nos sonhos, você usava a mão esquerda para tudo. Escrever, comer, lançar feitiços...

     Edwin riu, achando graça na ideia.

     – Nem todo sonho tem algum significado, Agni. Tente dormir, Falion já está voltando.

     Disse isso e abriu a porta, deixando a casa para trás.


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Notas finais do capítulo

E mais um capítulo que eu acabei tendo que dividir em dois. Agora eu entendo porque trilogias acabam ganhando um quarto livro e virando sagas...

Sem nada à acrescentar ao glossário com esse capítulo. Mas cabe fazer uma observação: Toda a história sobre a Jarl de Morthal e as visões? Canônico. Deem uma passeada pela cidade, falem com os moradores. É uma cidade bem interessante ;)

Como sempre, no caso de dúvidas é só deixar um comentário. É sempre legal ver o que vocês têm a dizer =)

Até o próximo capítulo!



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