Os Howard - Fanfic Interativa escrita por Soo Na Rae


Capítulo 6
Chapter V


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo de apresentações, Jane de Lancaster e Alianora de Proença-a-Nova. Lembrando que aqui não está tudo sobre as personagens, apenas a introdução a elas. Boa leitura.



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Chapter 5

“A tradição é a experiência dos povos consagrados pelo tempo.” – Oswaldo Aranha

A Lancaster Abbey, em Birmingham, possuía duas portas grandes de entradas, e embora fossem próximas, lateralmente, eram chamadas de Porta da Frente, por onde convidados, a família e todos que importavam entravam para a sala de recepção, um amontoado de sofás, estantes com fotografias dos recém-falecidos duque e duquesa de Lancaster; e a segunda porta era chamada de Porta dos Fundos, embora estivesse na parede adjacente da casa. A Porta dos Fundos ligava o interior da sala de lazer com o jardim, ali apenas a família e os amigos mais íntimos poderiam entrar e sair. Claro que estas não eram as únicas entradas de Lancaster Abbey, mas quem iria reparar na porta da criadagem, literalmente na parte oposta a casa entrada principal?

— Milady Jane, passou bem sua segunda noite em Lancaster Abbey? – perguntou a camareira Daphne, com seu uniforme azul e branco, os cabelos presos com uma faixa de renda e o avental extremamente limpo. Daphne trabalhara para a última duquesa Lancaster, ela servira a casa por vinte anos e possuía pouco mais de trinta anos, o que dizia sobre a jovem. Jane não se impressionava com o modo como a criada torcia o nariz com seus erros de etiqueta e de tradição. Não sabia que Daphne deveria escovar e arrumar seus cabelos todas as manhãs, também não sabia que o café-da-manhã era servido assim que ela acordasse, e quem estabelecia o padrão seria ela, não haveria um despertador ou nada do tipo, os galos cantavam, mas Jane poderia ignorá-los.

— Muito bem, Daphne. A cama é maior em comparação com a que eu usava, mas acho que é um luxo que não me incomoda. – respondeu. Da última vez que a mulher perguntara sobre o banho de Jane, a resposta “Me parece muito exagerado. Com todos estes perfumes e óleos até me sinto ofendida. Estou fedendo?” não pareceu agradar a camareira, logo Jane supôs que a antiga duquesa gostasse de seus banhos daquele jeito, e tirar Daphne de sua rotina não parecia apropriado. Ela não desejava estar na Inglaterra, assim como Daphne não desejava perder sua Lady.

— Luxos não deveriam incomodar a ninguém. – ela disse apenas, tirando os cobertores quentinhos de cima do corpo de Jane e dobrando-os cuidadosamente sobre o pé da cama. Apenas um dos lados do dossel estava aberto, o que sugeria que ainda não era cedo o suficiente para Daphne querê-la arrancar de lá. No primeiro dia, quando acordou muito, muito tarde, a camareira havia puxado todas as cortinas e arrumado cuidadosamente todos os utensílios de higiene matinal, desafiando Jane a correr dela.

Entretanto toda a atmosfera sonolenta e agradável acabou quando Daphne deu três passos para trás, com as mãos nos olhos e o rosto vermelho. Jane ergueu as sobrancelhas, sem compreender a reação. Então voltou seus olhos para o próprio corpo: uma camisola de algodão, um pouco curta e puída, mas era uma lembrança de casa, algo que Jane não poderia abrir mão, ao menos para dormir. Seus pelos grossos e longos do braço estavam ligeiramente úmidos, pois fora uma noite quente. Sim, ela estivera em um inverno na Inglaterra, suando de noite. Mas havia uma boa explicação: as cobertas eram quentes demais. Se não fosse contrariar Daphne, Jane preferiria dormir como sempre fazia: sem cobertas ou lençóis, abraçando um travesseiro.

Mas com certeza não fora a exposição do corpo de Jane que fizera a camareira recuar horrorizada, provavelmente era o que estava um pouco mais abaixo, na mancha de sangue que cobria toda a camisola abaixo de sua cintura. As cobertas não se mancharam, talvez por sua grossura, mas o sangue escorria ainda pelo tecido e Jane sentiu uma gota quente percorrer a parte interna de sua coxa, deslizando até o colchão.

— Bem, é uma grande surpresa. – riu fraco, embora estivesse vermelha de vergonha. Engoliu em seco, sem saber o que fazer, normalmente essas coisas aconteciam com três dias de aviso, quando seu útero começava a se contorcer e ela tinha febre baixa. Talvez a mudança com o fuso horário e o clima da Inglaterra estivessem-na transtornando por dentro também.

— Vou preparar a banheira – disse Daphne, balbuciando as sílabas, enquanto dava mais passos para trás ainda com as mãos sobre os olhos. – Por favor, não se mexa, senhorita. – e desapareceu para fora do quarto.

Daphne foi um verdadeiro relâmpago, entrando e saindo do quarto de dormir. Ora saía para a despensa e buscava sabão e bacias, ora atravessava o quarto de trocar onde a banheira estava, quase pronta. Jane aguardou, obediente, embora começasse a se sentir desconfortável. O cheiro metálico do sangue preencheu o quarto e pouco a pouco sentia-se mais suja e... grudenta. Sentia mais sangue e mais sangue escorrendo pelas pernas. Imaginou que se esperasse mais um pouco, seus joelhos também estariam sujos, e logo mais seus tornozelos, os pés...

— Deixe-me ajudá-la. – disse Daphne, ao lado da cama, agora seria e recomposta. Não se importou com o sangue, nem com o estado de Jane quando saiu da cama. Ela se abaixou, segurando a barra da camisola, reconhecendo a peça de roupa comum dos criados. As pessoas do nível de Jane deveria usar camisolas com alças finas e tecido brilhante, algo que deslizaria dos ombros até o chão quando fosse tirar, mas as mangas cobriam-na até o fim dos ombros e a gola era justa. Por isso, tirou por cima, como fazia sozinha. Daphne nunca vira tanto sangue, nem mesmo consigo mesma em seus primeiros anos de florescimento. Lady Joan nunca sangrara em nenhum dos dias que Daphne a serviu, em todos os vinte anos. Tudo bem que era uma velha, mas Daphne nunca precisou passar por tamanhão humilhação.

Quando tirou a roupa de Lady Jane e pôde constatar o tamanho da gravidade, pensou que se tratava de um aborto, com certeza uma mulher não seria capaz de sangrar tanto. Não sem passar mal e quem sabe morrer. Quantos litros ela estava jorrando? Enrubesceu, sentindo que estava pensando coisas absurdas sobre sua própria Lady. Como podia ponderar uma gravidez quando Lady Jane era uma mulher solteira e virgem?

Jane observou o rosto corado de sua criada, os olhos dela fixos em suas pernas e como mordia os lábios, deixando-os brancos. Engoliu em seco, sem entender por quê, mas imediatamente sentindo-se exposta. Cruzou as pernas, como se isso a escondesse. Ninguém, desde os seus cinco anos, a vira nua. Era hilário como a primeira vez que alguém o fizesse seria naquela situação. Daphne a ajudou a chegar ao quarto de trocar sem sujar muito o chão. Jane teve a impressão de que suas pegadas ficariam marcadas para sempre no carpete branco.

Segurou a mão de Daphne, enquanto entrava na banheira, e logo se sentou. A água estava fervente, mas isso a agradava. Provavelmente não era a intenção de Daphne colocar a Lady em águas tão quentes, mas o desespero da camareira era justificado. Assim que se afundou na banheira, porém, a água cinzenta cheia de óleos e perfumes ficou vermelha-escura. Daphne entregou-lhe o sabão, enquanto se postava atrás de Jane, desfazendo a trança em seu cabelo. Imediatamente Jane soube que, assim que terminasse aquele banho, iria correr para outro. Como podia se lavar em águas tão sujas? E vermelhas...

Esfregou o sabão nos braços, ignorando a vontade de pedir uma pouco de palha para esfregar o sangue das pernas. Lavou-se com rapidez, implorando para que de algum modo tudo terminasse logo. O cheiro de sangue sobressaiu sobre os aromas doces que Daphne colocara na banheira. Assim que terminou de desfazer os nós dos cabelos de Jane, a criada buscou uma bacia de água limpa e jogou-a sobre Jane. O sabão escorreu e o sangue também se foi junto. Deixou a banheira e tentou pegar a toalha das mãos de Daphne.

— Eu a secarei, milady. – corrigiu-a a camareira, e Jane teve de aceitar. Era detestável que uma outra mulher a visse nua cheia de sangue, mas era ainda mais detestável que ela a secasse. Como se realmente precisasse de alguém para isso.

Porém não reclamou.

Assim que Daphne finalmente terminou, ela sentiu outra corrente de sangue vindo. Seu rosto entrou em conflito e a criada compreendeu, entregando a toalha imediatamente para Jane. Ela a colocou entre as pernas, e então tudo ficou úmido e quente de novo. Desta vez era ela quem mordia os lábios até deixá-los brancos.

— Buscarei a... – Daphne iria dizer “toalha”, mas era exatamente o que Jane estava usando no momento. Claro que se tratava de uma toalha molhada. – roupa. – e desapareceu. Buscou uma toalha menor e seca, as meias antigas de Lady Joan, que Daphne nunca precisou escolher para a duquesa usar, pois nunca foi necessário que elas cobrissem até a altura da cintura, um vestido matutino e sapatilhas. Voltou e encontrou Lady Jane trocando a toalha de lados, deixando a parte suja livre e a parte limpa recém-usada. Daphne engoliu em seco, retirando aquele objeto desagradável das mãos de sua Lady e (indelicadamente) colocando a toalha nova. Amarrou-a de ambos os lados da cintura de Jane, como uma fralda para crianças pequenas. Em seguida esticou as meias e a senhorita colocou um pé de cada vez. Daphne subiu as meias e desabotoou o vestido, subiu-o também pelo corpo de Jane e ajudou-a a colocar as mangas e a fechar os botões na parte lateral. Era a nova moda.

— Isso nunca aconteceu antes. – confidenciou em sussurro.

Daphne ergueu a cabeça para olhar nos olhos de Lady Jane, que apenas assentiu.

— Não com tanto sangue. – completou.

Daphne sentiu o pânico tomar conta de seu ser. Havia perdido sua Lady Viúva há algumas semanas e recém possuía uma Lady Moça, não queria perdê-la também.

— Quer que eu chame o médico?

— Não! – sua voz saiu esganiçada. - ...bem, pode chamar, eu acho.

º    º    º

— Não sabia que damas caçavam. – ele disse, arrogantemente, o que a fez odiá-lo ainda mais.

— Qualquer um no campo caça. – respondeu, apressando o cavalo. O pobre animal recebera todas as suas batidas na barriga com paciência, sempre obedecendo ao comando, porém assim que atiçava o corcel, Dom José Vitor Coutinho também se apressava com seu cavalo de batalha alto e forte. Nora tentara fugir do barão em todo o jantar da noite anterior e desde o começo do dia, quando papai anunciara a caçada com os convidados, e que ela iria acompanhá-los.

— Estou ansioso por vê-la então, senhorita. – ele acompanhou o ritmo, com um sorriso amigável. O mesmo sorriso de todos os outros cinco pretendentes que Lia dispensara por serem burros, sujos, tolos, prepotentes ou sérios demais. Talvez a justificativa mais plausível fosse que ela não queria se casar, que preferia ir a um convento e viver sua vida em dedicação a Deus, mas a verdade era que simplesmente nenhum deles se encaixava como o marido perfeito que ela queria, e não seria Dom José Vitor de Coutinho o primeiro a impressioná-la. Quando Lia não o respondeu, o homem manteve o silêncio educadamente, antes de interrompê-lo de novo. – Nenhuma de minhas irmãs pensaria em sujar seus vestidos com grama ou seu rosto com terra.

— Este é o problema delas. – respondeu, sem erguer os olhos para ele, olhando apenas a frente, segurando as rédeas com firmeza, cavalgando com sua calça e suas botas específicas para o evento. Não sabia como Dom José não percebera que ela não usava um vestido, mesmo que as calças fossem largas, não era possível que as confundisse com uma saia.

— Sinceramente, senhorita, não vejo como esse detalhe da feminilidade possa ser algo desagradável. Eu acho muito encantador.

— Não. – ela abriu um sorriso de lado, do lado que ele não pudesse ver. – Não foi isso que eu quis dizer. – e então respirou fundo, buscando a coragem que lhe faltava para terminar – Elas são suas irmãs.

E cutucou novamente o cavalo com a bota, mas desta vez com mais força e mais frequência, até que ele arrancou numa corrida e alcançou papai e Filipe. Seu pai e seu irmão estavam no meio de uma conversa animada e calorosa de barão e filho herdeiro, aquelas conversar comuns que excluem esposa, filhos do meio ou filhas, que apenas os homens do titulo tinham e dividiam com tanto segredo.

— Alianora – disse Filipe, virando o rosto para a irmã. Não disse como um cumprimento, mas sim como um aviso, para lembrar ao pai que eles não poderiam discutir e rir perto dela. O Barão de Proença se aprumou na cela de seu cavalo de caça. – A companhia de Dom José Coutinho não a agradou, minha irmã? – sorriu ele, sarcástico.

— Como se um velho cheio de pulgas fosse me agradar. – respondeu, revirando os olhos. Porém o olhar que recebeu de Filipe, e logo atrás de seu pai, a manteve com a boca fechada por mais alguns segundos. – Não vejo nele qualquer qualidade que me atraia.

— Por outro lado, é um barão, de terras férteis e de vilas ricas.

— Proença também tem terras férteis e vilas ricas. Pensei que meu pai e meu irmão me queriam um marido mais poderoso, para assim o nome da família ascender.

— De fato. – concordou Filipe, mal-humorado com o comentário de desagrado da irmã. – Mas te lembras de que é mulher e como mulher está debaixo de nossa tutela. O que decidirmos será melhor a ti. Será melhor a todos.

— É claro. – respondeu, sem olhar para eles. Manteve a cabeça erguida, porém, pois não seria como Honoria que se submetia aos tratos grotescos de seu marido, sem piar ou ruir. Nora tinha direito a dignidade e a autopiedade. E no momento escolheria o caminho do orgulho para se manter, pois era sempre este que a fazia acreditar que tinha alguma escolha em sua vida.

— Há algo que precisas saber. – disse o pai, até então calado. Barão Tomás de Proença nunca lhe dirigia a palavra, a menos que fosse importante ou necessário. O pai se dedicava a criação apenas do primogênito, enquanto deixava os outros dois filhos nas mãos de tutores e de Honoria, a esposa. – Te chegou uma carta de Tia Catarina, Inglaterra. Ela te convida a passar o inverno em sua casa de campo, em Effingham. É claro que deves saber do interesse de Dom José de Coutinho em ser teu esposo.

— Sim. – concordou somente, mais para deixá-lo continuar que por concordar.

— Todavia a escolha sempre esteve em tuas mãos, pois foi a promessa que fiz a Honoria, minha esposa, quando nos casamos. Que nossa primeira filha mulher não se casaria contra a própria vontade. É uma promessa que jurei nunca quebrar, mas cabe a mim julgar se és sábia o suficiente para escolher teu próprio esposo. Não aprovei tantas dispensas, mas nenhum era de fato bom, se me cabe dizer. – o barão apressou o cavalo a frente dos filhos – Podes escolher entre Coutinho ou sua Tia Catarina, desde que se proponha a procurar um esposo na Inglaterra. Soube que Catarina gosta muito dos bailes de solteiros que a sociedade organiza durante os seis meses mais frios do ano. Se fores para lá, jure participar dos eventos e conseguir um esposo digno.

Alianora piscou os olhos, atônita. Estava prestes a chorar.

— Pai meu, aceito o convite de Tia Catarina.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, este foi um capítulo mais para descontrair, tirar o foco dos bailes e da Inglaterra. Jane é a personagem que apareceu no Prólogo, como a dona da paixão de Henry, e Lia é uma das personagens que vão para a Inglaterra, antes que perguntem ela é de Portugal. Por favor, mandem comentários com críticas construtivas e suas opiniões, podem pedir ou mandar mais personagens, desde que sejam bons eu os aceitarei. Beijos da Meell.