Os Howard - Fanfic Interativa escrita por Soo Na Rae


Capítulo 5
Chapter IV


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores! Essa semana eu não postei, mas aqui está, um capítulo maiorzinho para compensar. Sei que eu disse a muitos que iria escrever sobre a Jane, mas eu notei que isso ficaria fora do contexto que eu quero levar a história e por isso ainda não farei do da Jane. Obrigada pela compreensão ^.^ Boa leitura.



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Chapter 4

“O destino é o grande culpado de todas as más ações da humanidade inocente” – Machado de Assis

Il Volo – Canzone per te

A casa era grande, digna de um duque, com certeza, embora estivesse vazia, sem móveis, criados ou cor. Apenas as camas dos quartos principais, uma camareira pessoal e a antiga poltrona do Senhor Havington. Estavam todos em luto. A cor negra estampava janelas e camponeses, a aldeia mais próxima, onde o corpo do lorde fora velado na catedral, exibia suas condolências. Perdiam um governante, embora não o mais amado de todos. Jack imaginou quanto tempo levaria até que eles se acostumassem a ter um “igual” como lorde. Claro que governaria com mãos firmes, porém tentaria compreendê-los, como os nobres de nascença não conseguiam. Suspirou. E teria de dividir o mesmo teto com uma deles. Sua noiva, a duquesa Havington. Tinha o título provisoriamente, até que se casassem e se tornassem definitivamente os duques, porém já agia como tão, dando ordens e usufruindo da fortuna de Jack. Não que ele a quisesse questionar, nunca fora sua vontade ter o ducado de Northumberland para administrar, ter uma esposa que pudesse fazê-lo ajudaria muito.

Enquanto pensava nisso, caminhava apressadamente pelo hall de entrada, onde a camareira arrumava um vaso de flores que levariam para Birmingham, junto de alguns quadros pequenos de ancestrais pintados da família Havington, o baú de sua senhora e papel e tinta, por algum motivo que Jack não entendia. Camareiras sabiam escrever? Isso era interessante. Não imaginou que uma mulher que arrumava a cama e os cabelos de uma duquesa precisasse saber ler e escrever. Quanto mais mandar cartas.

Mas talvez estivesse subestimando as casas da aristocracia e seu cuidado com os criados, talvez não fossem todos maus. Mas com certeza Havington tinha de ser uma exceção, não poderia ter conhecido apenas nobres preguiçosos e tolos na vida, e no fim descobrir que eram a minoria. Jack queria acreditar que estava certo.

Foi quando a ouviu tocando, não sabia que o piano permanecera na casa. Talvez fosse um dos objetos que Katherine não abrisse mão. Se assim fosse, não via problema de preservar o instrumento, ele gostava de música e já tocara por algum tempo. A menina tinha ritmo e tinha destreza com os dedos. Ouvi-la tocar não era perturbador como ouvi-la falar.

Parou ao lado do batente da porta, encostando-se com o ombro e cruzando os braços, como se estivesse satisfeito. Era perceptível que Katherine havia decorado toda a partitura de Fur Elise, o que, para ele, não era tão difícil. A menina movia-se conforme as mãos cresciam para a parte mais aguda do piano, os dedos se movendo com maestria, a cabeça quase não se movia, e seus olhos estavam fechados, os lábios abertos, como se cantasse a letra inexistente da canção.

Poderia continuar ali, olhando-a, se a carruagem já não estivesse pronta para levá-los a Birmingham, ao baile dos Claret, para o qual foram ambos convidados (Jack nunca entenderia o que fez o casal de aristocratas aceitar tão bem um simples filho de rameira), então deu alguns passos a frente, sabendo que Katherine o ouviria chegando. Entretanto ela não parou de tocar, apenas quando ele chegou a cinco passos do piano, suas mãos congelaram no lugar, e ela ficou imóvel. Completamente petrificada. Se seu silêncio já era estranho, o modo como ela parara era incômodo. Talvez estivesse infringindo alguma regra de etiqueta, Jack nunca conseguiu decorar todas. Caso fosse isso, teria de pedir perdão à senhorita-futura-esposa.

Entretanto, Katherine ergueu o queixo, exatamente isso, ela ergueu a cabeça, deixando os olhos fixos no teto, e as pálpebras cobrindo-os. Então Jack compreendeu que ela ainda não o havia percebido. Suas mãos permaneceram nas posições em que parara de tocar, o dedo indicador sobre o ré e o menor de todos extremamente esticado até o dó uma oitava acima. A mulher respirava com os lábios entreabertos, seus cabelos longos caíam para trás dos ombros, a tez alva com suas imperfeições, sardas, manchas, veias aparentes... era tudo muito humano. E ele conseguia observar por cima de sua garganta o corpete do vestido, alto o suficiente para não o observar quando ela estivesse em pé, baixo o bastante para vasculhá-lo quando estivesse sentada. As curvas de seus seios eram visíveis, quase palpáveis, mesmo por detrás do tecido, o que parecia muito sedutor e lhe trouxe um calor de excitação.

Não era segredo que Katherine fosse uma mulher tão bela, porém deliciar-se com algo que só pôde ver em sonhos tinha um gosto de proibido que os homens sempre adoram.

Queria se inclinar e beijar-lhe o pescoço, subindo lentamente até sua boca, porém não o faria de modo algum. Ora, já tinha vinte e nove anos, construíra seu próprio império, era mais rico que muitos duques e condes. Conseguiria resistir a sua noiva. Ao menos enquanto ainda não fossem casados e enquanto ela ainda não fosse sua.

Essa com certeza era uma das partes mais empolgantes do casamento. Não o fato de herdar os bens e o ducado dela, ou o fato de que agora poderia exibi-la a todos os jovens que babavam por ladies de nariz erguido e vestidos cheios de rendas. Para Jack o mais fascinante seria o fato de que agora poderia dormir com alguém sem se sentir culpado, não seria como estar com uma cortesã, que já tem seus suspiros e espasmos combinados previamente, mas seria real, ela realmente iria adorar ou odiar. E estava louco para descobrir qual dos dois. Não que fosse sádico. Tudo bem, talvez fosse, mas ele não queria machucar, apenas saber se usava aquilo para parabenizá-la ou torturá-la. Abriu um sorriso sarcástico. E não importava qual dos dois, a partir do momento em que estivesse unidos para sempre, ela teria de obedecê-lo em todos os momentos, suas opiniões seriam as mesmas que as dele, suas vontades seriam as mesmas que as dele. E se quisesse trancá-la no quarto por uma semana inteira, ela não poderia fugir.

Então deixou sua vontade de agarrá-la passar, jurando a si mesmo que recompensaria tudo na noite em que o bispo os abençoasse.

— Temos de ir, querida. – disse, sabendo que sua voz soaria sarcástica e grave. Katherine virou-se abruptamente, quase em pânico, com o rosto vermelho e as mãos automaticamente unidas ao corpo. Ela devorou cada pedaço de seu rosto, tentando descobrir se ele a estava ordenando ou pedindo, o que o deixou numa posição adorável. Então ela se levantou, arrumando o vestido, e sua sobrancelha de arrogância (todos os nobres possuem uma, é incrível) subiu, junto do nariz.

— Eu sou Katherine de Havington, duquesa de Northumberland, não sou sua querida.

— Ironia que seja você que aquecerá minha cama daqui algumas semanas. Eu nunca almejei ter uma duquesa, mas acho que algumas pessoas nascem com sorte. Afinal, que filho de rameira suspeita em um dia conseguir abrir...

— Cale a boca! – ela disparou, o rosto ainda mais vermelho. Completamente humilhada. Não era segredo que Katherine o odiasse, não, mais que isso, que o quisesse morto. Ele não ia terminar a frase, na verdade, não iria constrangê-la tanto, mas o fato dela o interromper no momento certo só deu mais impacto ao que ele pretendia. Ela sentia raiva do que teria de fazer, condenava seu finado pai a um segundo inferno, mas que culpa ele tinha? Ah, é verdade, fora ele quem endividara o ducado e deixara ela com uma pilha de libras para pagar à diversas pessoas ricas e influentes que poderiam destruir qualquer um relacionado aos Havington... e a única pessoa disposta a comprar o terreno e sarar todas aquelas dívidas era ele. Grande ironia. Às vezes Jack pensava que tudo em sua vida era uma grande ironia.

Sejamos francos, Jack não a odiava. Ele não queria torturá-la tanto quanto fazia, não era cruel ou sarcástico com frequência. Mas vê-la tão vermelha e enraivecida o enchia de... encanto. Sim, era essa a palavra, ver Katherine irritada o encantava mais que vê-la tocando ou mesmo nua. Era doentio, de fato, mas ela era a única mulher que, quanto mais falasse, mais o faria incitar aquela fúria. Seu fogo era vívido e consumia tudo, ela tinha um orgulho implacável e arrogância de uma aristocrata, e aquilo era muito mais que um simples corpo dizendo “sim” ou “não”, como a maioria das mulheres era. Talvez o que o mais fascinasse em toda aquela história fosse o fato de estar se casando com um ser humano pensante, não uma boneca de porcelana chinesa muda e bem pintada.

Quase com um sorriso cruel no rosto, Jack ofereceu-lhe o braço.

— É extremamente vulgar uma noiva tocar o braço de seu noivo. – ela resmungou, ofendida. Mas evidentemente desconcertada.

— Perdão – ele fez um gesto displicente com a mão – Permita-me – e segurou-lhe a luva, pela ponta dos dedos, sem se importar com o fato dela ter exclamado um insulto sobre falta de respeito e má-educação de filhos de rameira, mas Jack já caminhava em direção a porta de saída, onde a carruagem realmente os esperava. Katherine não soltou-o, pois fazê-lo poderia significar que o estava recusando, embora permanecer com a mão sobre a sua era o mesmo que confessar estarem com “algo a mais”. Jack não entendia aquelas regras tão contraditórias, tocá-la era o mesmo que abusar e não tocá-la era o mesmo de não ter interesse? Como os jovens cortejavam suas esposas, se mal poderiam conversar com elas sem um acompanhante?

Entraram na carruagem, ela primeiro e depois ele. O interior do veículo era aconchegante, porém Katherine logo se inclinou para frente, abrindo a portinhola que os separava do cocheiro. Jack vislumbrou os dois cavalos que levavam a carruagem, ambos de pelo escuro, embora um fosse marrom e o outro amarelo. Mordeu o lábio inferior, tentando conter a ansiedade que revirava em seu estômago. Não sentia enjoo por andar em carruagens, desde que ignorasse o fato de que estava sendo guiado por dois animais enormes e com cascos que conseguiam escalar rampas de pedra com uma carruagem nas costas... antes que percebesse, estava apertando firmemente a própria calça. Mas Katherine não notava, estava ignorando-o, olhando pela janela ao seu lado.

Se quisesse morar em uma casa no campo, cujo estábulo tinha diversos cavalos, era melhor vencer aquele medo irracional. Principalmente quando Katherine adorava tanto montar. Droga, desde quando ele tinha de pensar em vencer seus medos para deixar a esposa feliz? Ela não merecia isso, não, ela não tinha direito a isso. Ela deveria agradá-lo. Não o contrário.

º    º    º

Birmingham era uma cidade grande, muito grande, não como Londres, mas o suficiente para ser a segunda maior do país. Há alguns anos a Temporada era realizada apenas na capital, mas como muitos nobres moravam em Birmingham viram que não havia por quê realizar apenas uma Temporada. Os solteiros poderiam variar os locais viajando em cada ano, o que diversificava as possibilidades de casamento. Não para ela. Estava presa a um homem frio e cruel, alguém que trabalhava durante o dia. Francamente, que tipo de duque tinha um emprego? Era detestável vê-lo tão bem dentro daquele terno, com os braços grandes e musculosos, as costas largas e a pele mais bronzeada pelo sol. Como se fosse um trabalhador do campo, um trabalhador extremamente bonito. Mas ainda sim, sem um pingo de sangue nobre. Ela era descendente de uma família muito antiga, que carregava o ducado há muitas gerações sob o sobrenome Havington, e agora um filho de rameira, não, um filho de prostituta iria herdar tudo, e ainda usaria seu sobrenome. Katherine sempre imaginou que quando fosse chamada de “Senhora” teria de se acostumar com um outro nome. “Senhora Adams”, “Senhora Brodie-Stewart”.  Mas seria apenas “Senhora Havington”, morando no mesmo lugar em que nascera, com os mesmos criados, as mesmas vilas, o mesmo campo... nada mudaria. Apenas o fato de que teria de dividir as memórias que fizera lá com as memórias de um casamento infeliz e cruel com Jack Mason. Estremeceu. Ser a senhora Havington com certeza era melhor que ser “Katherine Mason”.

Tentou não correr para dentro do salão de baile, onde encontraria centenas de outras pessoas que a entenderiam. O mordomo ajudou-a a descer e ela entregou o convite, recebendo seu cartão de danças. Amarrou-o ao pulso, enfiando o papel por dentro da luva curta, enquanto apressava-se a erguer um pouquinho a saia para subir os degraus. Então seu noivo segurou seu cotovelo.

— Deixe-me anotar meu nome.

— O que eu disse sobre tocar o braço? – sussurrou, tentando fingir que fora um acidente, sorrindo enquanto movia a mão desculpando-o. O mordomo apenas ergueu uma sobrancelha, indo ajudar os novos convidados que chegavam. Ela entregou-lhe o cartão, sabendo que em qualquer dança que Jack marcasse ali estaria fadada a ser um fracasso. Ele escreveu seu nome com letras curvilíneas e muito bem treinadas, com um J muito bonito, em sua opinião. Quase como uma clave de sol. Isso a fez analisar melhor como ele anotava, como se fizesse aquilo mil vezes ao dia, assinando documentos e cartas.

Quando terminou, Katherine não conseguiu esconder a vontade de ver qual dança seria.

Três? — exclamou, deselegante. Enquanto pigarreava, tentou simular um engasgo e então sorriu gentilmente. – Três? — repetiu.

Jack abriu um sorrisinho de lado, cruel.

— São seis danças e você marcou três? – repetiu, pois ele não a estava respondendo. – E em intervalos de uma dança?

Teria de aguentá-lo o baile inteiro?

— Me perdoe. – ele disse, enfim, com o rosto de uma criança travessa – Eu não sei dividir.

Sentiu a raiva tomar conta de seu peito, enquanto erguia o dedo para apontá-lo em sua direção e soltar uma torrente de indignação, mas quase que por um milagre Katherine tomou controle da situação, reprimiu toda a sua vontade de gritar e como uma perfeita dama assentiu, virando-se para subir as escadas.

Curando todas as suas feridas recém abertas, o salão estava completamente enfeitado, velas iluminavam cada espaço, haviam volantes servindo todos os convidados com bebidas não alcoólicas (pois os Claret detestavam convidados inconvenientes) e quinze músicos italianos. Katherine Havington puxou as luvas para cima dos pulsos, ajeitou as mangas finas do vestido, passou a mão sobre a sai e respirou fundo. Caminhando corajosamente para o centro do salão. Os convidados amontoavam-se onde a atenção deveria ser depositada, em damas debutantes e belas, nos convidados mais nobres e ricos, ou nos anfitriões. Katherine esforçou-se para não acotovelar todos os homens que caminhavam em grupo, rondando donzelas inocentes. Senhora Claret viu-a no mesmo instante, abrindo a boca em um largo sorriso.

— Katherine! – a mulher exclamou, abrindo os braços e depositando dois beijos em cada bochecha de Katherine. – Menina, como está bonita! Muito mais desde quando nos abandonou.

— Não abandonei, Lady Claret, sabe muito bem que tive de cuidar de meu pai, que não passava bem de saúde.

— Por anos! – ela deu de ombros, descartando a justificativa da menina. – E mesmo assim continua uma garotinha. – e tocou seu queixo, olhando bem para seu rosto – Quem diria que é uma solteirona?

Aquilo a acertou como um soco. Tinha apenas vinte e quatro anos, não poderia ser considerada uma solteirona. Não se tivesse debutado no tempo certo, ao invés de passar mais de seis Temporadas encalhada. Katherine sentiu os ombros se curvando, mas logo recobrou a pose, abrindo um sorriso calmo a Lady Claret. Nunca tinha se visto como uma solteirona, ela nunca precisou pensar em sua idade e em como estava passando do tempo para casar. Decerto nenhum solteiro se importaria com uma moça de vinte e poucos anos, desde que ela fosse bela, inteligente e tivesse um bom dote. O que Katherine com certeza tinha, se for comprar o ducado com... quem ela estava querendo enganar? Seu ducado não valia dez mil libras, quem o desejaria? Alguém que não teria outra chance de se tornar um duque tão facilmente e que tinha dinheiro suficiente para sustentar a terra. Jack.

— Pensei que já sabia das boas novas. – disse, gentilmente. O que surpreendeu imediatamente a Lady Claret. A velha sempre sabia de tudo.

— Sobre seu pai? Meus pêsames, mas não acho que sejam boas novas.

— Não, não falo de meu pai, que Deus esteja com ele, mas sim de meu noivado.

— Noivado? – sua voz subiu uma oitava – Quem?

— Sir Jack, um baronete das nossas terras. Meu pai achou que seria bom deixar o norte com os nortistas. – mentiu, sabendo que Lady Claret odiaria quando descobrisse quem era realmente seu noivo.

— Jack Mason? – ela sorriu. – O rapaz novo? Ah, com certeza era de se esperar. Um menino muito esperto, se me permite dizer. Meu marido achou escandaloso convidá-lo, mas eu sabia que logo ele não seria apenas um desses burgueses orgulhosos.

Katherine ficou boquiaberta, para falar o mínimo.

— Não sabia que seu pai o havia promovido a baronete, muito gentil da parte dele. Espero que o dinheiro de Jack ajude a reerguer Northumberland, sempre foi um lugar adorável.

— Foi bem recente. Nos casaremos no final do mês. – sorriu, enquanto insistia na ideia, para que Lady Claret perdesse o interesse nela e em sua situação. O que funcionou.

— Ah, sim, imagino. Jack me parece um futuro promissor. Terão filhos lindos, sim. – e então dispensou-a com um movimento de mão. Agora que já havia falado com a anfitriã, tinha liberdade para aproveitar o baile. Seu último baile completamente solteira, até que Lady Claret espalhasse a todos que ela estava noiva de Jack Mason. Tentou não estremecer, enquanto caminhava confiantemente até as cadeiras dispostas em linha reta. As damas solteiras e viúvas que não tinham sorte conversavam sobre temas que nunca a interessaram. Quando lançou um olhar rápido sobre elas, porém, surpreendeu-se ao ver alguém que não esperava.

— Mary Howard, que prazer encontrá-la! – sentou-se ao lado da garota, que estava brincando com a própria luva. Mary era irmã de Bernard, o duque de Norfolk, um dos ducados que tinham estreita amizade com Northumberland. A garota tinha cabelos louro-avermelhados, uma tez branca e olhos claros, que mudavam sempre de verde a azul.

— Katherine! – ela sorriu, como sempre, gentilmente. Mary Howard era capaz de arrancar sorrisos das pessoas mais frias e de arrebatar os corações mais duros. Era incrível que estivesse ainda solteira. – Há quanto tempo?

Era óbvio que Katherine nunca frequentara os bailes com Mary, afinal se ausentara antes da garota debutar, porém conhecia muito bem a família Howard, estivera presente na maioria dos aniversários e jantares que a família fez. Por muitos anos, Katherine achou que se casaria com Bernard, o filho mais velho. Ele com certeza tinha mais prestígio, mais honra e mais nobreza que Jack Mason, mesmo sendo o primo do antigo duque, ainda fazia parte de sua família.

— Muito mais do que eu gostaria. Como está Bernard e Henry?

— Muito bem. Bernard parou com a universidade e está cuidando de nós, Henry voltou recentemente de lá, parece que até agora não cometeu nenhum crime. O que me impressiona.

Katherine riu. Por Deus, ela se casaria até mesmo com Henry se assim pudesse evitar Jack Mason.

— E Juliane? Ela debutou há pouco tempo, não?

— Sim. Mas se acostumou muito mais rápido que eu. Às vezes me pergunto por quê sou a irmã mais velha, evidentemente mamãe quer que ela se case primeiro. Está em cima dela até agora, arrastando-a por todo o salão. – Mary fez uma careta, pouco educada para uma dama, mas quem incriminaria Mary Howard?

— Garanto que ela está apenas preocupada. Não acho que você tenha problemas em logo arranjar um marido.

Mary ruborizou, unindo as mãos no colo.

— É muito mais difícil do que se parece, Kathe... – e então suspirou, infeliz. Aquilo fazia Katherine querer animá-la, mesmo que ela não tivesse responsabilidade nenhuma. Era o superpoder de Mary, fazer os outros se importarem com ela, mesmo quando não era o dever deles. E isso era assustador. – Até hoje não recebi qualquer pedido de casamento.

— Como? – Katherine segurou suas mãos – Eu aposto que não é assim. Provavelmente você é tão bela e tão educada que todos acham que você tem o mundo aos pés e que por isso não têm chance alguma. Homens não gostam de ter seu orgulho ferido, por isso não lutam batalhas perdidas.

— Mas e como fico? Se todos desistem de mim sem nem mesmo tentar? – e então ela encolheu os ombros, de forma infantil e melancólica. Katherine sentiu pena. Mas ao menos Mary ainda tinha uma chance. Ela estava condenada.

Antes que Katherine pudesse responder, porém, alguém cobriu-as com sua sombra. Quando ergueu seus olhos, vislumbrou um príncipe. Não literalmente um príncipe, poderia ser mais um rei, mas era muito parecido com um príncipe... quer dizer, não que ela soubesse como os príncipes seriam, mas... não percebeu que estava prendendo a respiração, até que sorrisse e sentisse que estava sem fôlego. Ele devolveu o sorriso, os olhos se iluminando pelo reconhecimento. Era Bernard, o irmão de Mary, seu ex-futuro-noivo, ou o que ela mais imaginara perto de ser. Bernard era alto, bem alto, com ombros largos e um rosto expressivo. Seus cabelos ruivos e escuros formavam cachos perto da gravata, onde eles terminavam. A barba crescia vermelha como fogo, e os olhos eram do mais claro verde que Katherine vislumbrara.

— Kathie, que bom revê-la.

Desde sua partida, a voz de Bernard também engrossara, parecia mais velha, porém não calejada ou rouca, apenas mais... experiente, como se agora ele soubesse exatamente como fazer alguém se levantar em sua presença, inclinar de leve a cabeça e balbuciar:

— É bom revê-lo também, Lorde Howard.

Então o rapaz riu. E Katherine sentiu as bochechas enrubescerem, as mãos se agitarem ao lado do corpo e o sorriso abafado de Mary. Droga. Estava agindo como a mesma garotinha de dezoito anos que um dia fora. Mas era impossível não agir assim em sua presença.

— Desculpe por interromper sua conversa com Mary, mas Senhor Stewart pediu para vê-la. Ele adoraria sua companhia na próxima valsa. – o irmão piscou para Mary, que assentiu, pensativa.

— Mas como irei acompanhá-lo? – e então ela se iluminou – Vou levá-lo aos jardins, aposto que lá será mais confortável. – então se levantou.

— Espere, não quer que eu a leve?

— Me levar até Sr. Stewart? Sou uma criança? – e então torceu o nariz – Não. Fique aqui e faça companhia a minha amiga, Kathe. Ela acabou de chegar a cidade e provavelmente este é o primeiro baile em anos. – e então a menina piscou para Katherine, que teve de controlar-se ainda mais para não voltar a ruborizar.

Bernard teve de concordar, embora a contragosto, e viu sua irmã partir como uma dama, caminhando calmamente e com leveza. Assim que ela desapareceu entre as pessoas do salão, ele se virou para Katherine, que prendeu novamente a respiração. Era impossível não se sentir atraída por ele, e era impossível não se sentir traída por si mesma. Afinal estava prometida a Jack Mason, e não havia nada que pudesse fazer contra isso. Bernard tinha uma fortuna, mas não o suficiente para arcar com as despesas de Northumberland. E quem ela queria enganar? Obviamente o Duque de Norfolk já possuía senhoritas suficientes em seus pés, todas jovens, belas e tontas. Não era disso que os homens gostavam?

— Minhas condolências por seu pai. – ele disse, seriamente. Katherine aceitou com um meneio, embora não estivesse tão ressentida quanto ele. Seu pai morrera e lhe deixara um ducado endividado e Jack Mason como esperança. Era incrível como não adorava a sua morte, mas também não sofria por ela. – Eu também perdi o meu recentemente.

E então Katherine viu toda a tristeza nos olhos de Bernard, as noites em que ele ficara acordado, sem conseguir dormir, e como sofrera para aprender a cuidar de um ducado e da família. Provavelmente tudo estava sendo bem mais difícil para ele que para ela. Como poderia pensar em seu próprio sofrimento, quando Bernard perdia um pai que o amava e ganhava uma responsabilidade que nunca sonhara. Ele até mesmo desistiu da universidade!

— Você gostaria de dançar?

Aquilo a tomou completamente. Surpresa e extasiada, Katherine assentiu veementemente, enquanto segurava a mão de Bernard e permitia que ele a conduzisse até o centro do salão de baile, sem se importar com o cartão de danças ou os olhares furtivos de fofoqueiras. Elas diriam hoje que viram Lady Katherine de Northumberland dançando com Lorde Howard de Norfolk, e amanhã estariam comentando o noivado dela com um bastardo. Por que não aproveitar o pouco de fama que podia ter?

Quando se colocaram em posição de dança, Katherine se perguntou se conseguiria dançar apropriadamente. A última coisa que queria era pisar em seu pé e estragar tudo, mas ela também não dançara nos últimos três ou quatro anos... com medo, ouviu os sinos de início da valsa e então eles seguiram os passos um do outro. Por incrível que pareça, Bernard era muito delicado, ele mal lhe tocava as costas e segurava sua mão como se pudesse quebrá-la. Não sabia se isso significava que ele não estava interessado em se aproximar dela, ou se realmente não queria abusar da cortesia. De repente o rosto de Bernard se aproximou dela, e Katherine sentiu o peito dar um salto instantâneo.

— Soube sobre o ducado. Sinto muito. Ninguém deveria ter sobre as costas um fardo tão grande.

— Não é de fato um fardo. Meu pai tratou de arranjar um... uma resposta. – disse, delicadamente.

— Isso é muito bom, digo, muito atencioso da parte dele. – ele limpou a garganta. Estava... nervoso? Não, não podia estar, quem ela era para deixar Bernard nervoso? – Me contaria qual resposta é essa?

— Eu... – e então Katherine entendeu o quanto detestava sua própria situação. Não queria que ele soubesse. Não queria que perdesse as esperanças. Talvez, só talvez...

— Tudo bem, eu entendo. – Bernard sorriu – Segredos de família. Mamãe anda muito estranha. Antes não se importava, mas hoje de manhã ela me obrigou a escolher ao menos uma possível esposa. Mas não é tão fácil.

— Eu imagino. Para quem tem a escolha nas mãos.

— Deve ser horrível para vocês, mulheres, apenas esperarem os pedidos de casamento. – ele concordou. – Mas acho que vou conseguir chegar a uma conclusão. Não é possível que todas sejam... entediantes. – e então riu – Eu até pareço um duque, mesmo, avaliando as “possibilidades”. Devo parecer ridículo.

— Não, essas são as aflições dos homens, nós temos as nossas próprias aflições. – ela concordou. – Quem se casaria com uma dama de vinte e quatro anos, com um ducado endividado? – ela queria, não, ansiava, que ele se voluntariasse.

— Não é desta forma, eu tenho certeza. Você não é velha, nem feia, e mesmo que o ducado esteja endividado, ainda é um ducado. Nada que trabalho duro não pague.

Katherine ouviu o burburinho ao seu redor. Eles estavam conversando por tempo demais, então afastou a cabeça de perto da dele e sorriu. Bernard compreendeu e continuaram a dançar em silêncio. Ao término, saíram do salão e pararam novamente perto das cadeiras. Mary ainda não havia voltado, mas Bernard não parecia preocupado com isso.

— Katherine de Northumberland, tenho uma pergunta para você.

Katherine sentiu o ar se extinguir do mundo, abrindo a boca, quase perplexa, embora ele ainda não tivesse dito nada. O que falaria? Qual seria a pergunta? Por favor, por favor, ela implorava para que fosse aquilo! O que Bernard era em comparação a Jack? Era um duque, tinha riqueza, uma família centenária, a rainha tinha parte de seu sangue. Todos sabiam como os Howard eram amigos da realeza. Antes que notasse, estava mordendo os lábios, ansiosa, não, desesperada.

— Por favor, a faça, Sr. Howard.

— Posso considerá-la uma possibilidade?

Katherine soube que Deus existia naquele instante.

— Evidentemente.


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Notas finais do capítulo

Pergunta: Seu personagem está em Birmingham? Ele irá para Birmingham? Deseja que ele permaneça onde está, ou que vá para a Temporada?
Vi que muitos fizeram personagens de diversas nacionalidades, sendo que a fanfic se passa na cidade de Birmingham, então fiquei na dúvida. Se quiserem que eles permaneçam em suas terras natais, não se preocupem, irei fazer isso, eles só ficarão longe do enredo principal. Desde já, obrigada e... EU AMO IL VOLO! ♥ Italianos ♥