Caminhantes escrita por Serin Chevraski


Capítulo 108
O impacto de entrar na vida de outra pessoa




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Lucy POV

Depois que o médico checou minha condição, ele saiu para conversar com Erza. Percebi que ela veio falar comigo, então tentou espantar um corvo, mas depois desistiu quando não conseguiu. 

Ela entrou e saiu da cabana algumas vezes. Falou comigo e me ajudou a comer. 

— Lucy, hoje eu trouxe um pouco de canja de galinha, especialmente o cacei para você.

Mas parecia não ter sabor.

— Lucy, você quer ler um livro? Fiz alguns mercenários ir na cidade para pegar para você, esse é especialmente sangrento, do jeito que você gosta!

Não apontei que o gênero da história parecia suspeito e nem olhei para o livro.

— Lucy...

Logo a voz de Erza parecia apenas um borrão e não pude entender mais o que ela dizia.

Algo molhado passou pelo meu corpo, e vi os olhos de Erza me encararam com um sorriso triste. O som de um pano sendo torcido e então sendo esfregado com gentileza pelo meu braço, era frio. Mesmo assim não me movi.

Senti meus olhos inchados, mas só pude encarar desfocadamente o teto. Então um par de asas pretas voou para o meu lado. 

— Lucy.

— ...

— Lucy.

— ... 

— Lucy...

— ... Zeref.

— ... Você precisa se levantar. 

— Você... Não tem compaixão...? -murmurei amarga. Sentindo a garganta meio seca. 

— ... Você não pode ficar tanto tempo na cama assim, já se fazem quatro dias.

Estive encarando o teto por quatro dias.

Mas isso não me pareceu tão importante.

— Eu... Estou... Só um pouco triste... 

Sim, estou apenas um pouco triste. O choro pareceu engasgar na minha garganta novamente.

— Zeref, é assim que você se sentiu quando seus poderes se manifestaram? Apenas por amar, tirou a vida inocente...?

— .... O que você quer dizer com isso?

— Porque fui eu quem o matei.

O corvo bateu as asas e mais uma vez pousou pacientemente na cadeira. 

Então fechei meus olhos novamente, com a mão levemente sobre meu abdômen.
 

Erza POV

Me sentei na frente da minha mesa e peguei um punhado de documentos. Enquanto li alguns relatórios que exigiram minha atenção, como a líder da Turtle Shetyw. A luz da vela iluminou levemente para a leitura, já sendo de noite. 

— Líder, sou Keno se apresentando.

— Pode entrar.

Um homem ao redor dos trinta anos levantou a entrada da barraca com a mão. O rosto dele pareceu tenso, mesmo assim falou. Incrivelmente mesmo que sua mão tremesse, sua voz saiu firme, embora meio nervosa.

— Líder, o relatório após a derrota dos Cannis, houve a perda de pelo menos cinquenta do batalhão de cavaleiros imperiais. 

— Quantas mortes? 

— ... Pelo menos trinta, e quinze gravemente feridos. Não parece que eles possam retornar como cavaleiros. Enquanto o resto está com ferimentos leves.

Apertei meus lábios em desgosto. Estar morto é o mesmo de ser perfurado em um órgão crucial, como pulmões, estômago, coração ou até mesmo a cabeça, não existe uma magia de cura para essas pessoas, porque os Paladinos não vão se mover. Ser gravemente ferido não significa um arranhão, e sim a perda de um braço, perna ou até mesmo olho. Uma pessoa assim que não possa usar mãos, andar ou ver, só pode voltar para casa como um inválido, e não existe um trabalho que possa ser realizado sem essas coisas cruciais. 

Ou seja, ou ele vai viver por favores... Ou... 

Fechei meus olhos, me lembrando de um dos meus subordinados que havia perdido os dois braços, mordido por um monstro enquanto protegia um dos seus companheiros.

Ele estava ali na ponta de um penhasco, parado na frente de um pôr-do-sol realmente bonito, a visão para uma praia pacífica. E suas duas mangas penduradas num vazio, balançando pelo vento do mar, em um aroma salgado. Esse rapaz tinha acabado de festejar uma noite de álcool pela sua maioridade de dezoito anos, antes da batalha contra os monstros em que perdeu os braços. 

Para você ser um mercenário, todos tem histórias complicadas. Mas na sua maioria era um refúgio para os que não tinham para aonde ir. E ele não era diferente. E a frase que ele me disse naquele dia...

"Líder, obrigado por cuidar de mim como se fosse minha mãe, como se preocupar como se fosse minha irmã, e me acolher como amiga. Eu nunca pensei que poderia realmente encontrar uma casa ou família novamente"

"... Não se mova e venha para aqui. Você está vivo, então isso é o que realmente importa. Quem liga para seus braços? Não seja imprudente!"

"E ser cuidado por você o resto da vida? Líder, eu não sou mais útil."

"Não diga bobagens!"

"... Sabe. Eu não estou arrependido... Apenas... Talvez quisesse ter podido retribuir um pouco mais por tudo o que vocês fizeram por mim"

"Você pode! Ainda tem muito o que você pode fazer!"

O sorriso desolado dele foi a última coisa que vi, antes de saltar e afundar entre as ondas. 

"Obrigado Líder"

Fechei meu punho ao me lembrar que um menino de dezoito anos acabou com a própria vida por se tornar um inválido.

Naquele dia um dos monstros havia conseguido me envenenar e meu poder selou por um tempo, não conseguindo ativar minha magia para salvá-lo. Mas até hoje me pergunto, mesmo se o salvasse, ele seria feliz?

Se... Eu não fosse tão jovem e tivesse mais poder, não teria sido envenenada em primeiro lugar. Então ele nem mesmo perderia os braços.

— E os sacerdotes?

— Reportando... Eles finalizaram a barreira. Não há nenhum ferido entre eles.

— ...

CRACK

Os olhos de Keno tremeram, encarando para o apoiador de braço da minha cadeira que se esfarelou.

Eu deveria apenas matar todos os sacerdotes?

E como se meu subordinado tivesse lido meus pensamentos, ele falou com cautela:

— Lider... Não é uma boa ideia se rebelar contra a igreja. 

— ... Eu sei.

Coloquei os dedos na minha testa. Com um suspiro apenas comendei, fechando meus olhos.

— Você pode ir agora. 

— Sim, me retiro. Tenha um bom descanso, Líder.

Com o som dele se afastando, descansei no encosto da cadeira um pouco mais. As pessoas lutavam para proteger umas as outras, mas o sistema estava podre. 

Para os cavaleiros que morreram, restaria apenas o cadáver ou nem mesmo isso, deixando para trás uma família à lágrimas. Mas também é considerado contra a lei não se alistar ao exército por pelo menos cinco anos. Caso não se alistasse, a punição seria uma multa aonde a maioria dos plebeus não poderia pagar, e se recusasse a multa, seria pena de morte por recusar à pátria. 

E esses malditos sacerdotes, por terem um pouco de magia acham que são algum tipo de ser superior. Arrogantes... Se eles ajudassem mesmo um pouco, o quanto as pessoas não sobreviveriam?

Meu humor ficou realmente ruim. Então me lembrei de Lucy. 

Aquela garota ainda estava deitada na cama como um cadáver de olhos abertos. Não achei que ela estivesse grávida. Embora não sei quem é o pai. Como Lucy nunca gostou que os outros interferissem em seus assuntos pessoais, então nunca perguntei nada sobre o passado dela. Esse é o mínimo de cortesia que posso dar a ela, afinal, Turtle Shetyw é cheio de pessoas com passados que não gostam de ser comentados. 

Mas isso não me impede de amar ela como uma amiga. E deixar de me preocupar com ela.

Suspirei levemente. 

Enquanto olhei distraída para a minha mesa, com a luz da vela fazendo sombras alaranjadas, tudo ficou escuro. A cera acabou e fiquei parada um tempo, esperando meus olhos se acostumarem um pouco com a noite. 

Já é tão tarde, eu deveria ir dormir. 

Belisquei entre minhas sobrancelhas, então me levantei da cadeira, indo para fora da barraca. Respirei fundo. Como nos instalamos perto da floresta, as noites são frias e muito frescas. As fogueiras já estavam apagadas e o som de roncos poderia ser escutados aqui e ali. 

Olhei para um homem sentado, é o vigia da noite e ele me cumprimentou com a cabeça. Eu me aproximei dele.

— Como está a patrulha?

— Tranquila, líder. 

— Bem. Estou indo descansar. 

— Sim, tenha uma boa noite. 

Me afastei caminhando para um pouco mais longe. Então escutei o som de passos no meio dos roncos. Parei levemente e franzi as sobrancelhas. 

Eram passos irregulares, meio arrastados. 

Invoquei uma pequena adaga na mão e me aproximei do som estranho. 

— Quem está aí? -chamei com cautela, mas não havia uma resposta. 

Ao virar a barraca, por onde estava o som, percebi que era próximo aos estábulos.

Então pelo luar prateado, com as árvores de fundo. Parada na frente de um grande cavalo negro, uma mulher loira e de costas frágeis esticou a mão para o focinho do animal. Dando um sentimento de impotência.

— Lucy...? -exclamei surpresa. 

Os olhos dela pareciam desfocados. Mas a garota que estava na cama por quatro dias como um morto, ficou de pé. Dei um passo para perto dela.

— Craw! Craw! Craw!! -um corvo me interrompeu repentinamente, voando na minha frente e me impedindo de aproximar.

— Esse maldito corvo de novo! -balancei a adaga- Sai da minha frente! 

Quando pensei seriamente se deveria usar meu poder e destruir esse pássaro do azar, uma voz fria soou perto de mim.

— Espera Erza.

Surpresa, olhei para trás e vi um homem de cabelos negros. Uma franja longa que escondia metade do rosto, revelando apenas um olho vermelho rubi. Seu corpo alto está escondido em uma manta negra, dando um mau augúrio, como um mago da escuridão.

O corvo ao ver que parei meus movimentos, ele voou para perto da loira e pousou no cerco do estábulo.

— Ryos -murmurei- Você voltou quando?

— ... Agora pouco. Terminei o que precisava fazer e voltei o mais rápido possível.

— Tsk... Mesmo te falando pra não sair porque uma amiga estava em uma situação grave...

Reclamei cheia de insatisfação.

Ele me encarou por alguns segundos e murmurou sombriamente:

— Não sou um mago de cura, não ia ajudar em nada.

— Mesmo assim...

— E não sou amigo dela. 

A voz dele era muito mais congelada ao dizer esse último comentário. 

— Esquece -me virei para a loira novamente- Lucy...

— Eu disse espera.

— O que? -grasnei para esse homem sem coração.

— Ela está em sonambulismo. 

Sonam... O que?

Então olhei para Lucy com mais atenção.

Sonambulismo era comum na guerra, pois é um trauma psicológico. O problema é que tentar acordar uma pessoa no meio de um sonambulismo pode trazer problemas, houve relatos que se tentar acordar uma pessoa assim, ela pode se assustar a ponto de ter um ataque cardíaco e morrer. 

O máximo que podemos fazer é zelar pela pessoa para não se machucar nesse meio tempo. 

E realmente, ela parecia estar falando algo, enquanto acariciava Estrela Negra. O cavalo de olhos vermelho a encarou pacificamente, deixando ser acariciado pelo seu mestre.

— Meu bebê. Eu perdi meu bebê.

Meus lábios comprimiram ao escutar os sussurros dela. 

— Desculpe. Me desculpe... Eu perdi o nosso precioso...

Os olhos dela derramaram lágrimas.

— Rogue... Eu perdi nosso tesouro...

Um nome desconhecido saiu da boca de Lucy. Um homem chamado "Rogue".

— Rogue... Me desculpe...

— O... Quê...? -Ryos murmurou ao meu lado.

Quando o encarei, ele parecia incrivelmente perturbado.

— O que houve Ryos? -perguntei.

Mas ele não me respondeu. Encarando Lucy de forma congelada.

— Rogue... Rogue... Eu sinto muito... Por favor... Aonde você foi? -ela perguntou numa voz rouca e cheia de tristeza.


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