Caminhantes escrita por Serin Chevraski


Capítulo 107
A areia que escorreu entre minhas mãos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/685286/chapter/107

Lucy POV

Um par de olhos achocolatados e um par de olhos ônix se encararam.

A visão de uma maga com uma máscara no rosto, chamada de Platina Sanguinária. A mulher cruel do campo de batalha, uma tirana com seu chicote dourado... Encarando seriamente um corvo negro.

Balancei a cabeça freneticamente, ignorando o absurdo.

Não.

Vamos recapitular.

Zeref, o mago negro trevoso, rei dos demônios. A personificação da morte. Inimigo mortal da paz e tudo o mais.

— Você está passando mal ainda? -a voz daquele mesmo homem malvado... Saiu do bico do corvo.

— Coff -tive que tossir, como se contraísse uma doença crítica, bati no meu peito com o punho fechado- Coff Coff Coff.

Ele deu alguns saltos com as perninhas finas de um pássaro, se aproximando.

— Não, não venha perto -frisei as sobrancelhas.

— Qual o problema?

O encarei abismado.

Problema?

— Zeref... Certo?

— Sim. Eu disse que sim. O que houve?

— E por que eu to vendo um corvo? E não um homem? Zeref, você não era humano?

— ... Ah.

Como se uma ligeira compreensão aparecesse nos seus olhos, ele assentiu com a cabeça.

— Aconteceu um acidente -sua resposta veio calma.

— Que tipo de acidente tem que acontecer para que você vire um corvo!? -exclamei espantosa.

— Bom, eu não posso existir no mundo por causa do meu assassinato contra Lisanna -ele ergueu a asa direita para frente- Mas consegui fazer que você venha para esse mundo através da magia. Então criei um vínculo com a sua alma também, além da de Mavis e Natsu -então sua asa esquerda foi levantada- Então pude renascer, sem ser o eu norm...

E antes que ele pudesse terminar as palavras, a cabana foi aberta.

— Lucy! -uma ruiva veio correndo com um balde de água limpa nos braços.

Olhei a água espirrar para todos os lados quando ela colocou o balde de forma desajeitada no chão. Erza de pupilas trêmulas me encarou com urgência e um rosto pálido. Pisquei para ela e antes que pudesse dizer algo, a ruiva me atropelou com as palavras:

— Lucy, como você está? Ainda dói em algum lugar? -suas palavras saíram muito rápidas, e antes que pudesse responder, suas mãos pesadas pressionaram meu ombro- Por que você se levantou? Deite rapidamente! 

— Wow, que exagero -o corvo Zeref suspirou ao meu lado.

Então o rosto da ruiva se virou abruptamente.

— O QUE É ISSO? 

Meu rosto ficou pálido por um momento, como explico esse corvo falante?

— O QUE UM CORVO ESTÁ FAZENDO AQUI? -suas sobrancelhas franziram severamente, então ela empunhou uma espada prateada que apareceu do ar, invocada pela magia- LUCY NÃO ESTÁ MORTA! 

— Opa -o corvo bateu as asas, desviando do corte vertical de Titânia- Eu sei que o preconceito contra corvos é forte, principalmente para os que vivem no campo de batalha, mas isso é um pouco problemático.

— SAI! SAI, SUA ENCARNAÇÃO DO AZAR! 

— Bom, eu fui chamado de azar por trazer a morte, mas esse sentimento é novo.

— ABERRAÇÃO! SAIA DAQUI! NÃO TEM NENHUM CADÁVER PARA VOCÊ COMER!

— Hmm... Nunca comi um morto, embora? Não tenho um gosto tão nojento...

Um corte horizontal, seguido com uma curvatura e uma investida reta. Parecia uma dança de espadas bonita, deixando para trás uma pós imagem prateada. Mas uma bizarra visão de uma aura sangrenta e assassina contra um corvo calmo realmente me fez sentir estranha.

E mesmo que Zeref seja um corvo, ele ainda é tão bom em desviar. Até mesmo Titânia Invencível não consegue acertá-lo.

— Erza! -não consegui mais assistir isso e a chamei- Você não consegue escutar o corvo falar?

Quando proferi essas palavras, o corpo da ruiva congelou momentaneamente. Seu rosto descrente se virou para mim meio rígida e os olhos dela se arregalaram.

— Lucy... Você... Corvo falante?

— ... O corvo não está falando?

— Como um corvo pode falar?

— Mas... -então virei meus olhos para Zeref. 

O pássaro pousou numa cadeira e me encarou.

— Ela não pode me escutar, só você, porque estamos conectados -veio uma resposta do pássaro.

Meus lábios se abriram e fecharam. Então as mãos trêmulas de Erza deixaram a espada cair, fazendo um tilindar alto pela cabana, a palma áspera da maga guerreira segurou fortemente meus pulsos.

— Lucy, você perdeu tanto sangue a ponto de ter alucinações?

— Sangue? -não entendi direito o que ela quis dizer. 

Lembro que estávamos lutando contra vários monstros meio lobos, mas não me machuquei. Então uma dor. Sim, alguma dor muito forte como se esmagasse meu coração... 

— Ugh... -como se fosse lembrada disso, meu coração latejou levemente, junto com uma pontada de dor no meu abdômen.

— Lucy... -os olhos castanhos da mulher tremeram, senti sua mão agarrar mais forte. Então ela hesitou um pouco, antes de perguntar de forma estranha- Você estava gravida?

— O... Quê?

— Isso... Sangue, muito sangue saiu de você e... O doutor que chegou... Diagnosticou como aborto.

De repente a imagem de mim no trem, enquanto acariciava meu estômago, sentindo uma pequena e frágil semente, sendo protegida pela magia Dragon Slayer que ficou no meu coração, lutando e lutando persistente, passou pela minha mente.

— A... Borto?

Engasguei, com lágrimas brotando dos meus olhos. 

O filho que eu quis proteger. O bebê que me deu alegria por tão pouco tempo, que conseguiu me fazer amá-lo, mesmo sem ter a oportunidade de nascer. 

A minha criança. 

O rosto de Erza me fitou complicada, então ela suspirou.

— Lucy, desculpe... 

Respirei fundo, então fechei os olhos e desviei o rosto para o lado.

Nem eu e nem ela dissemos uma palavra. O silêncio ficou assim por um tempo, até que sua mão se soltou da minha e escutei Erza se levantar, caminhando para longe e então seus passos pararam um pouco.

— Lucy, eu vou trazer o médico para fazer uma checagem. 

E então a fricção do pano da entrada da barraca pôde ser escutada. 

Não consegui impedir as lágrimas escorrerem. Mordendo meu maxilar, murmurei para o corvo Zeref, sem me importar a aparência dele.

— Zeref... Esse bebê, é o meu bebê da minha vida passada? Ele também veio comigo?

— ... Não. Essa criança é de Lucy Knightwalker e Natsu Dragneel.

Eu sabia que era impossível. Meu bebê ficou para trás, naquele mundo de outono laranja, junto com o pai.

Mesmo assim, escutar que perdi meu bebê, me deu o toque de realidade que realmente o perdi.

— Os... Dragões tem um casamento por contrato. Lucy, seu coração que não ama Natsu rejeitou o mana que estava em seu coração. Você quase morreu por isso. 

Meu punho fechado sobre uma pedra em forma de colar se apertou. 

— Eu trouxe uma pedra de mana rara que poderia selar a mana de Natsu.

— É por isso também que o bebê... Morreu? A criança de Lucy Knightwalker.

— ... Sim. A semente não pode viver no corpo da mãe sem a mana do pai.

Eu perdi meu filho. Ela... Também perdeu o filho dela. Mas tudo foi porque eu entrei em seu corpo. De repente me senti como um monstro que matou um inocente. E as lágrimas continuaram a cair silenciosamente. 

E meu coração se apertou insuportavelmente.

Desculpe Lucy. Desculpe. 

Como se a verdadeira Lucy desse mundo soubesse, meu coração pareceu se rasgar mais e mais. 

Além de perder meu bebê, eu também matei o seu.

Nesse mundo esquisito, aonde as pessoas que conheço parecem estranhas. Me sentindo terrivelmente sozinha.

Lamentando pela perda, algo precioso que escapou dos meu dedos, como uma areia que escorreu entre minhas mãos.

Parece que algo quebrou dentro de mim.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Caminhantes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.