Inevitavelmente Sua escrita por Nah


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura, espero que gostem!!♥



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A terça-feira passou lenta e preguiçosa. Praticamente não saí do escritório, apenas para beliscar algo no almoço. Quando fui fazer isso, passei em frente a mesa do Bragança e o ouvi cochichar algo para o Fabrício, que ocupava a mesa ao lado da dele, e em seguida vários risinhos vindo deles. O fuzilei com o olhar, que me encarou de volta. Ele precisou colocar o papel que segurava para cobrir a boca porque não conseguira segurar o riso, nem mesmo diante da minha cara de raiva. O cara era muito abusado mesmo. Precisei de muito alto controle para não parar de andar e dizer umas na cara dele.

Na saída, ele fez questão de tentar ir comigo no elevador. A vontade de tirar o salto e jogar nele foi absurda. Por que, Deus, ele não pode ser como meus outros funcionários e ter medo de mim?

Hoje, quarta-feira, eu estava saturada de tudo. Não andava comendo bem e estava começando a sentir reais efeitos disso. Queria muito ligar para meu médico – quase o fiz –, mas só de imaginar ter que voltar a tomar todos aquele remédios me senti pior. Melhor ficar na ignorância.

Estávamos cheios de trabalho na empresa. Tínhamos acabado de embarcar em uma campanha de prevenção ao câncer de mama e o projeto estava a todo vapor. A cada momento chegavam coisas e mais coisas para analisar. Fiz vistoria em todos os setores, acompanhando de perto como estava indo tudo. Com um salto de 12 cm. Tenho certeza que chegaria em casa com os pés acabados.

Quando finalmente consegui sentar à minha mesa, os tirei por alguns preciosos segundos. Caramba, como eu precisava disso. Fechei os olhos, desfrutando daquela sensação maravilhosa de estar finalmente sentada e descalça. Me imaginei num daqueles spas incríveis que eu frequentava esporadicamente, recebendo massagem nas costas e... Alguém bateu na porta.

Soltei um grunhido irritado.

— Entra! – falei voltando a me sentar direito, começando a organizar os papéis que precisava analisar. Mais papéis. A porta se abriu e o Bragança surgiu no meu campo de visão. Ah não.

— Trouxe uns projetos meus para você analisar.

Ele entrou e já foi se sentando a minha frente, sem eu ter dito nada, e colocando mais papéis sobre minha mesa.

— Já tá se sentindo em casa? – falei com sarcasmo.

— Com certeza. Estou muito feliz de estar aqui. – ele até tentou parecer sincero, mas eu senti a pontinha de “estou entrando no seu jogo”.

— Você é o único.

— O que?

— Nada. – dei meu sorriso forçado e ele me olhou desconfiado. Patético. – Vou deixar uma coisa bem clara: você não está em casa. Nem na sua empresa você está. Está na minha empresa, portanto você é obrigado— dei bastante ênfase no “obrigado” – a seguir minhas regras, acatar minhas ordens e respeitar meus limites.

Ele pareceu confuso e me encarou por alguns segundos.

— O que eu fiz de mais? Você disse que eu podia entrar.

— Mas não te convidei a sentar. Nem sequer disse que estava disponível para ver os seus projetos. E não é você, é senhora. – ele soltou uma gargalhada, jogando a cabeça pra trás, seu cabelo bagunçando ainda mais.

— Você... Desculpe. A senhora só pode estar de brincadeira.

— Não, não estou. Não vamos misturar nossos níveis hierárquicos.

— Não posso tentar estabelecer uma relação amigável entre nós? Sei que as pessoas aqui te acham, me desculpe pelo termo, uma monstra, mas eu queria te enxergar de outro jeito.

Bufei e me encostei à minha cadeira, cruzando os braços contra o peito.

— Não quero nenhuma relação amigável com você.

— Então você quer mais? – ele falou, cheio de segundas intenções, com um sorriso safado nos lábios. Estava tirando comigo. Abri a boca, parecendo horrorizada.

— Ah cale a boca. Não quero nada com você. Você é meu funcionário e eu sou sua chefa. E é só. Não mantenho relações amigáveis com meus funcionários. Muito menos do sexo masculino. – fiz um gesto com a mão em direção a ele, mostrando meu desdém. Ele abaixou o olhar e olhou para a camisa, onde eu havia apontado. Revirei os olhos. Voltei a me aproximar da mesa, aumentando minha carranca. – Então você faça o favor de ter sempre em mente essa linha não tão abstrata que existe entre você e eu. Se ela não estiver clara, por favor, me diga que clareio com muito prazer pra você. Eu...

— Chega! Caramba, eu vim aqui falar da campanha. Tá difícil? – ele gritou. Ele gritou?

— Você gritou comigo? – falei indignada. Que vontade de atravessar essa mesa e apertar o pescoço dele entre minhas mãos. Odeio esse cara. Odeio os homens. Argh!

Antes que ele pudesse falar alguma coisa houve uma batida na porta e a pessoa entrou sem esperar minha resposta. Carol chegou bem na hora em que o Bragança e eu nos encarávamos como dois gatos prontos pra briga.

— Uou, o que tá acontecendo aqui? – ela falou, e congelou no lugar quando a criatura a minha frente virou o rosto pra ela. Caramba Carol, quanta sutileza!

— Nada Carol. Apenas estou colocando um de meus funcionários na linha. – ele fez cara feia pra mim e Carol soltou uma risadinha. Ela me conhecia bem.

— Não se preocupe, conheço bem meus limites, senhora. – ele falou o “senhora” com tanto escárnio que a vontade de enforca-lo voltou com mais força. Dito isso, se levantou, pediu licença e se retirou da minha sala.

Quando a porta se fechou atrás dele soltei o ar que nem sabia que estava prendendo. Arrisquei olhar pra Carol, que estava com a boca aberta e um brilho nos olhos. Lá vem.

— Meu Deus Mari, quem é ele? – ela parecia a ponto de ter um ataque epilético.

— Meu novo diretor de criação vulgo um babaca. Além de ser babaca, ele é homem. Ou melhor, é um babaca porque é homem. Horrível duas vezes.

Carol correu para sentar onde ele ocupara antes. - Mas Mari, ele é... Nossa! Ódio nenhum por homens me impediria de querer me jogar encima desse cara, porque ele não é um homem, é um deus grego.

— Menos Carol. Ele é só mais um idiota, que eu preciso colocar no lugar dele logo.

— O lugar dele é na minha cama. – ela fingia se abanar com a mão. Revirei os olhos.

— A que devo a honra da sua presença Carolina? Estou cheia de trabalho, não posso conversar.

— Estava pelas redondezas e aproveitei para vir avisar que já fiz reversa no nosso barzinho de sexta. Vou ficar ocupada o resto da semana no consultório, estou com uma cárie pra resolver do tamanho do mundo. E pelo visto você também tá muito ocupada, então...

— Tudo bem. Tá marcado. Assim que der, eu te ligo.

— Idem. – ela se levantou, dando a volta na mesa e me agarrando num abraço. A abracei de volta, e não pude evitar a tristeza que me invadiu. Estava me sentindo tão sozinha com as merdas que me assustavam. – Até sexta. E por favor, pegue esse homem. Não sei se é contra sua politica organizacional, mas se faça esse favor. Por ele vale a pena.

Tentei não sorrir fazendo cara de brava e a empurrei. – Tchau Carolina.

Ela saiu rindo e mandando beijo do meu escritório. Revirei os olhos encarando a porta. Caramba, tenho que parar de fazer isso. E de falar “caramba”.

Abaixei meus olhos para a mesa e vi que o Bragança havia deixado os projetos dele. Os peguei, começando a analisar. E puxa, eram incríveis. Do jeito que eu estava pensando para a campanha. Ele era realmente bom. No trabalho né, porque como pessoa ele conseguia ser um ser incomodante. Até demais.

*

No final do expediente, arrumei minhas coisas e saí em direção ao elevador, contando os segundos para estar em casa. Quando viu que eu estava me aproximando, o Bragança começou a se organizar para sair mais rápido e eu logo percebi qual era a intenção. Elevador.

Apontei o dedo para ele, em sinal de alerta.

— Nem pense nisso. – ele riu.

— Por que essa nóia com o elevador? Juro que não encosto em você.

— Ah claro. – falei com ironia me aproximando de sua mesa. Ergui os papéis de seu projeto na sua direção. – Impressionante.

Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso. – Sério?

— É, os amei. Estão dentro. – ele me ofereceu um enorme sorriso, de dentes perfeitamente brancos e alinhos. Senti um arrepio. Desviei o olhar e continuei meu caminho para o elevador.

Quando estava dentro, o vi vindo em direção a mim. Dessa vez não tentou entrar – não daria tempo mesmo –, apenas sorriu novamente, soltando um “obrigado”.

Me encostei na parede do elevador assim que as portas se fecharam e soltei novamente o ar que não sabia estar prendendo, sentindo minhas pernas moles. Com certeza era falta de comida.

O trânsito estava relativamente insuportável aquele horário e eu passei diversos minutos nele, impaciente e irritada. Quando do nada, o sorriso do Bragança me veio a cabeça. Me peguei sorrindo também, olhando pro nada.

Barulhos de buzinas me despertaram do meu torpor e me dei conta de que o sinal havia aberto e eu estava empacada impedindo a passagem.

Mas que merda aconteceu agora?

Revirei os olhos. Caramba, eu o odeio.

*

— Eu o detesto Carol.

Estava no celular com a Carol, enquanto escolhia minha roupa de trabalho para o dia seguinte. Havia chegado em casa acabada. Depois de um longo banho e um jantar bom demais da Cecília – eu realmente comi! –, o sono já estava me incomodando. Mas a Carol ligou, me impedindo de dormir.

— Ai amiga, eu não vou dizer o final dessa história porque você vai querer me bater. – ela falou, com um tom bem sugestivo.

— Me poupe Carolina.

Ela gargalhou. – Vou desligar agora. Você está cansada e eu vou acordar muito cedo amanhã.

Nos despedimos, e quando fui colocar o celular sobre a cama, meus olhos foram de encontro ao porta retrato na minha cômoda. Nela estava a minha mãe e eu. Eu tinha uns 10 anos de idade, sorria tão forçado que mal parecia um sorriso, mas a minha mãe sorria verdadeiramente.

Era a única foto de família que eu tinha comigo. Eu não era muito próxima da minha família. Sabia que eles sentiam pena de mim. O jeito que olhavam pra mim não escondia isso. E isso eu não suportava. Quanto mais eu ia crescendo e conquistando minha independência, mais eu me afastava deles. Não conseguia conviver com aquilo. Estar no meio de pessoas que sentiam pena de mim, que me olhavam como se eu fosse uma doente, e o pior: todos eles me lembravam das merdas do meu passado. Tanto só por olhar pra eles, como porque eles não conseguiam separar esse fato de mim. Era como se estivesse colado na minha testa, piscando em luz de neon.

Isso tudo era demais pra mim.


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