Retalhos escrita por Victor Walker


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Bem, não sou lá um bom escritor, então relevem alguns erros. Espero que gostem da história.

Boa leitura



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Mais uma noite em claro, mais um copo de bebida virado goela abaixo, mais uma vez olhando as fotos de um passado que cisma em não ser esquecido. Tragicamente me pego pensando nele, sobre como foi rápida a maneira como ele entrou na minha vida e saiu. Antes dele nada parecia faltar, mas depois que ele se foi é como se eu nunca estivesse completo. Nunca tinha sido de fato ouvido, de fato sentido e, principalmente, de fato compreendido.

Sei que ele nunca pensou em mim como algo mais. Era para ele só um passatempo. Uma diversão. Uma transa fácil. Mas, para mim, ele representou muito mais. Ele chegara na minha vida num momento crítico. Não tinha razão para seguir em frente. Já fizera tudo que um dia quis fazer. Estava satisfeito, num nível de completo tédio da vida.

Mas eis que ele surge. Sem aviso. Sem alarde. Sem me deixar escapatória. Bastou apenas um olhar dele seguido do meu titubear que eu soube: fui pego. “Oi, quem é você?”, “Posso pegar seu número?”, “Quer que eu marque meu número para você”, “Você é lindo sabia” saíram dos lábios dele docemente. Tentadoramente.

Sem experiência e tentando costurar um coração partido cai nas doces palavras. Isso me lembra de como plantas carnívoras funcionam. Elas exalam um perfume doce, inebriante, atrativo. Os insetos são puxados por ela, hipnotizados pelo cheiro. Seduzidos sem nem imaginar o perigo onde estão se metendo. Um pouco mais perto. Mais doses de perfume. Talvez seja mel. Um pouco mais perto. Algo me puxa para lá. A felicidade mora logo ali. Um pouco mais perto. Toquei em suas pétalas. Como é doce ao paladar. Um movimento próximo. Algo está errado. Escuridão. Percebendo tarde demais os insetos se tornam alimento. Assim fui para ele. Percebi tarde demais.

Marcamos um encontro. Ansiedade alfinetava a alma, coração batia acelerado e suor escorria como um vazamento. Penso em desistir. O medo e a excitação disputam espaço na mente atordoada e inebriada com os acontecimentos. A última vence e compareço prontamente. Ele estava lindo naquele dia. Como em todos esteve.

Um diálogo se inicia aos trancos e barrancos. Conversa afiada aqui, conversa afiada lá. “Você estuda?”, “Faz faculdade de que?”, “Esse curso é legal?”, “Por que faz um curso que você não gosta?” pergunto mal articulando as palavras direito. Mal consigo respirar. Fazia tempo que não ficava tão nervoso.

“O que você fazia lá?”, “O que você gosta de fazer?”, “Também gosto de ler, que tipo de livro você lê?”, “Nunca li, é interessante?” articula ele para mim, relaxando-me, tentando montar uma pintura sobre “Quem é você?”. Percebo pelo olhar o real interesse dele. Fico admirado por ver que não é fingimento ou simpatia. Ele realmente estava interessado. Ou simulava muito bem isso.

“Quais são seus hobbies?”, “Sério que você curte viajar? Para onde você foi?”, “Viajou com amigos ou família?”, “Com quem você mora?”, tento montar o meu quadro sobre ele. Minha percepção me falha. O entusiasmo de falar com ele me engana. Não percebo que não compreendo o motivo dele falar comigo. Nem tento entender.

“Como é sua família?”, “Sua família sabe sobre você?”, “Você namora ou namorou?”, “Como alguém bonito e inteligente como você está sozinho?” algo na tonalidade muda. O olhar se torna afiado. O ar ao redor se torna estagnado. Os ruídos somem. Parece que só estamos eu e ele na multidão. A calmaria recém estabelecida é chutada pelo mesmo caminho de onde veio. O nervosismo volta. Suor escorrendo. Coração batendo. Sangue correndo e martelando os ouvidos. Respiração rápida. Faces ruborizando.

“Eu ... eu ... não sei ...” articulo debilmente. As palavras grudam a língua. Uma velha tristeza encharca o raciocínio. As rachaduras emocionais recém remendadas se abrem de novo. “Ninguém nunca me quis” digo monotonamente, desprovido de emoção. Os olhos dele focalizam intensamente em mim. Uma sobrancelha se ergue juntamente com um dos cantos da boca formando uma expressão sensual e cafajeste. Como se não acredita-se que fosse possível. Gostei dele.

Ele olha para o relógio da praça de alimentação. Resolvemos fazer o que todos os casais recém apresentados fazem. Ir no cinema. Não que fossemos um casal na época. Não que um dia seríamos. A ideia faz florir a imaginação. Nem compramos ingresso ainda. “Que filme você quer ver?”, “Pode escolher”, “Por que qualquer um menos terror?”, “Adoraria ver um terror contigo” o olhar de novo. A malícia inundando meus ouvidos. Emoção, excitação, calor. Tento me acalmar pensando que nada é o que parece. Falho miseravelmente.

Um filme qualquer é escolhido. Já vai começar. Corremos para sala para não atrapalhar ninguém. Sentamos próximo do fundo. Ele não parecia interessado no filme assim como eu. Sentamos lado a lado, eu à esquerda dele. Começa a passar os trailers infinitos. Um filme mais sem sentido que o outro. Faço um ou outro comentário sobre o que vejo tentando soar cômico e descolado. Ele retira o braço do banco que está entre nós e me puxa para perto dele. Não demonstro resistência. Meu rosto queima.

Após um trailer sem o menor sentido resolvo construir uma piada infame e olho para ele para contá-la. Prendo-me ao olhar dele. A mão dele segura meu queixo. As palavras voltam antes de serem proferidas. O coração falha. Ele se aproxima e fecho meus olhos lentamente. O mundo fica mudo.

Ele me beija.

Silencioso. Calmo. Simples. Como eu gostaria que tivesse sido o meu primeiro beijo. A boca dele é fria se comparada ao inferno térmico que sou. A saliva parece doce. Nossas línguas se envolvem e deslizam suavemente. Encerrasse o contato em busca de ar. Meus olhos deviam estar brilhando. Ele se afasta com um sorriso de quem acertou em cheio.

“Nunca tinha beijado nenhum garoto antes” digo num misto de vergonha e felicidade. “Você é o primeiro”.

Ele encosta a mão no meu peito verificando o turbilhão dentro de mim. Sorri comentando como meu coração é rápido. Diz que gostou de me beijar. Não demora e repetimos o ato. As mãos antes imóveis começam a querer fazer parte da ação. Ele coloca minha mão sobre a calça dele, fazendo-me apertar seu membro, enquanto a dele fica sobre a minha calça. Apertos. Amassos. Elas sobem para peito. Costas. Pescoço. Uma mordida na minha orelha. Um gemido. Alguém pede silêncio.

Abro os olhos e vejo duas garotas olhando divertidamente para nós. Ele sorri encantadoramente. Eu, envergonhadamente. Fico próximo a ele. Encosto minha cabeça no ombro dele. Ele me abraça. Olho para ele e ele devolve o olhar. “Por que você quis sair comigo?” pergunto num misto de medo e entusiasmo (os mesmos anteriores). Nunca lembro o que ele respondeu, só lembro que voltamos a nos beijar, agora mais comedidos. Mas nem tanto.

O filme termina sem que eu perceba. As luzes se acendem. Levanto num pulo. Risos dele nas minhas costas. Nossas mãos estão entrelaçadas. Sou puxado para perto. Um último selinho antes de sair da sala de cinema. Continuamos de mãos dadas.

Mais diálogos e conversas afiadas. Está próximo de irmos. Por algum motivo ele me arrasta para o elevador. Vou sem reclamar. Não penso mais. Só sinto. Estamos descendo os andares sós. Ele olha pervertidamente. “Tua boca é uma delícia, sabia?” sussurra ao pé do ouvido. Suspiro. Novos amassos. Beijos. Portas se abrem. Empurro ele para o lado de supetão. Ele ri do meu nervosismo. Ninguém entra. Portas se fecham. “Você fica lindo com vergonha”.

“Bobo”.

Acompanho ele até onde posso. Nos despedimos. Meu coração explodindo. Minhas sinapses saturadas. Minhas pupilas dilatadas. Adrenalina correndo nas veias. Algo havia sido construído dentro de mim em tempo recorde. Me apegara sem perceber. Me deixei ser seduzido. E adorei. Naquele dia. Mas, algo em mim sabia, que aquilo ia mudar.

Novos encontros. Novas conversas. Novas informações. O relacionamento indefinido se arrasta. Estou em êxtase. Um convite diferente. Nada de cinemas ou parques. Bibliotecas ou passeios. Ele quer que eu vá com ele para casa. Na minha paixonite aceito sem pestanejar. Ele caminha decidido e sorridente. Eu flutuo atrás.

Chegamos a humilde residência ou opulenta residência. A memória não guardou quase nada do lugar. Subimos ao quarto. Sentamos na cama. Sem diálogos. Sem conversar. Começamos a nos beijar. Uma excitação nova brota nele e o calor dele esquenta mais o meu. Minha mão desliza sobre a calça dele. Enquanto o beijo, ele a pega e coloca dentro da cueca para eu segurar o membro dele. Exito. “Estamos apenas nos conhecendo” sussurra na minha orelha e segura minha excitação sobre a calça. Solto gemidos e começo a mover minha mão na calça dele. Suspiros. Gemidos. Arfantes.

Sou empurrado sobre a cama. Continuamos a nos beijar. Mãos deslizam para debaixo da minha camisa. Logo ela vai ao chão sem restrição. A camisa dele encontra a minha também. Meu peito encosta no dele. Ele começa a ficar quente e eu pareço ser feito de brasas. Rápido. Sem cuidado. Amassos. Mãos sobre a calça. Cinto ao chão. Tênis retirados. Estamos apenas de cueca sobre a cama, eu sobre sentado sobre ele. Ele me lança um olhar malicioso. Meu pudor, vergonha e medo são atirados pela janela. Não sou eu. Sou um animal. Apenas instinto. Apenas desejo.

Cuecas ao chão. Ambos excitados. Camisinha sai da gaveta. Lubrificante a mão. Dor excruciante. Beijado na nuca. Abraçado por trás. Sinto o corpo dele unido ao meu. Dor cedendo. Movimento. Estocadas. Gemidos dele. Gemidos meus. Mais rápido. Prazer me inunda. Mais gemidos. Sem perceber começo a gritar por ele. Mais rápido. Subitamente para.

Muda de posição. Joelhos e mãos na cama. Mãos nas minhas costas. Força. Estocadas leves. Acelera. Sem esperar. Gritos dele. Gritos meus. Mais rápido. Um choque brusco. Corpo se cola ao meu. Desabo na cama. Ele sobre mim. Unidos ainda. Arfando ainda. “Eu te amo” digo ao vento. O cansaço passa e o ciclo volta, a fome não foi satisfeita ainda.

Novas posições. Mais gritos. Mais gemidos. Dominado em alguns momentos. Dominando em outros. Apenas instintos. Apenas desejo. Apenas calor. Sem pensar. Sem consciência. Sem refletir. Dando e recebendo prazer. Mais beijos. Mais amassos. Fazer amor novamente.

 Ficamos esgotados. Tomamos banho juntos. Um lavando o outro sem malícia. Um secando o outro. Eu seguro o rosto dele e olho no fundo dos olhos. Meu quadro sobre ele não está pronto. O dele sobre mim está. Deitamos nus. Adormeço sendo abraçado por ele.

Gostaria de dizer que tudo transcorreu assim para sempre. Mas não foi. Após aquele tarde tudo mudou. Havia dado a ele o que ele queria. Não notei que nunca houve amor. Estávamos apenas nos conhecendo. “Podemos sair amanhã?”, “Por que não?”, “Você mudou de horário no trabalho?”, “Quando puder me avise.”, mensagens de textos são trocadas. Sem ligações. Sem encontros.

“Quando você pode sair?”, “Posso ir na sua casa?”, “Meus pais vão viajar, se quiser vir aqui.”, nunca está disponível, nunca está presente. Sem ligações. Sem encontros.

“Você não gostou de fazer amor comigo?”, “Fiz algo errado?”, questionamentos me saturam por dentro. Rachaduras novas são criadas. O entusiasmo se esvazia. O truque fica claro. A planta fechou a boca e me dei conta que fui pego na armadilha mortal. Sem ligações. Sem mensagens.

“Sinto sua falta”, lágrimas escorrem feito um vazamento. Coração bate descompassado sem saber qual é o ritmo natural. Temperatura caindo.  Sem mensagens.

“Me responda, por favor”, gritos de dor. Algo está quebrado. Não entendo. Memórias alagam minha mente. Nenhuma resposta.

Um boato ao vento. Ele estava namorando. Fui esquecido. Descartado sem nenhuma cerimônia. Tudo que foi feito, foi aproveitado e abandonado. Nunca houve amor. Era apenas sexo. Me iludi.

Sofrimento constrói uma casa. Solidão se esgueira por baixo da porta. Dor invade as rachaduras. Ninguém entende, ninguém se importa. Afastando os outros. Não há cor em lugar algum. Estralo da porta fechando. Cerâmicas brancas brilhando. Um fantasma no espelho embaçado me encarando. O fantasma, percebo que sou eu. Torneira aberta. Água na pia. Água na banheira. Armário aberto. O objeto almejado lá, como sempre esteve. Pulsos fechados na água quente da pia. Veias verdes azuladas saltando. Movimento rápido. Leve pinicar. Ardência. Primeiro num depois no outro. Vazamento. Escorrendo. Empoçando. Entrando na banheira. Rosas pintando na água. Deito-me nela. Vazando. Forças faltando. Esferas negras. Borrões. Água da banheira tingida de vermelho. Pulsos ardendo em brasa. Batidas na porta. Audição sumindo. Submergindo na inconsciência. Algo arrebenta a porta. Um grito. Um puxão. Escuridão.

... ... ...

Um bipe monótono assalta meus tímpanos. Não consigo me mexer. Abro os olhos. A luz os fere. Fecho institivamente. Tento de novo. Tudo branco sem foco. Um piscar. Dois. Três. Aos poucos os borrões coloridos tomam forma. Estou deitado numa cama de hospital, com os braços e pernas amarrados levemente. Meus pulsos estão enfaixados e lembro de rosas na banheira, cheiro metálico e ácido e barulho de água. Lágrimas começam a molhar minha face. Uma enfermeira vem me acudir. Não consigo articular palavras e começo a me mexer na cama. Cada vez mais. Ela me seda porque ainda não estou pronto para encarar a realidade.

Após ao trágico incidente passo por intensa conversa com psicólogos e psiquiatras, todos brincando do jogo “Quem é você?”. Pensar nisso me nauseia. Medicamentos são receitados. Terapias agendadas. Mais diálogo. Mais conversa. Verdades vindo à tona. O tempo passa. As feridas se fecham. Rachaduras são removidas. O sofrimento empoçado é secado. A sombra da solidão é clareada. Os pulsos se cicatrizam. A lembrança não é mais dolorosa.

Mais uma noite insone pensando nele. Sobre como eu o amei, mas não fui amado. Ele havia montado quem eu era, sabendo que cordas puxar. Qual é a graça de brincar com uma máquina que é incapaz de te surpreender? Nunca fui amado por ele. Era apenas uma transa fácil, bastando dissecar o mecanismo para saber que botão apertar para eu me entregar. Penso como seria se ele tivesse me amado, se estivéssemos juntos. Às vezes me sinto como uma colcha de retalhos de memórias de como tudo poderia ter sido, mas não foi. Tais pensamentos nadam na minha mente de vez em quando. Um copo goela baixo para que eles se afoguem nela. Nada faltava antes, agora um vazio foi aberto. Mas não há dor e nem sofrimento. Apenas nostalgia e desejo de poder reviver o passado. Encho o copo novamente. Um brinde ao passado. Outro copo goela abaixo.


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Notas finais do capítulo

Se gostou ou se odiou deixe um comentário para eu saber sua opinião.

Obrigado por ter lido e espero ver vocês numa próxima.