Imperium Lan - A Queda de Um Império escrita por Accord2


Capítulo 9
Olly: Ela acordou




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Ela acordou. Tinha recebido a mensagem por fax, enviada pelo próprio médico.

Estava bela como sempre. Os cabelos castanhos caíam-lhe sobre o colo e os olhos olhavam vazios a parede em frente. Estava cega e não se lembrava de quase nada. Os médicos não sabiam quando ia começar a ver, se voltasse a ver, nem sabiam quando a memória voltaria.

            - Olly? – o rapaz ficou surpreendido por ela ainda se lembrar dele. Não se lembrava do fatídico dia nem se lembrava de muitas das coisas sobre si. A memória ia aparecendo aos poucos. – És tu, Olly? Estou tão feliz por te voltar a ver, embora não veja nada. – A rapariga sorria.

            - Estás bela como sempre. – Estava nervoso e tremia que nem um ramo verde ao vento. – Fico feliz por teres acordado.

            - Eu também. O que aconteceu entretanto?

            - Uma aventura dos diabos.

            O rapaz contou-lhe tudo. Nunca mais tivera oportunidade de estar com ela no hospital e milhares de coisas se tinham passado entretanto. Contou-lhe sobre o exército de Boris, de como foi cativo do império e de como foi libertado. O quarto era arejado e a luz do meio dia entrava por uma janela aberta, que deixava entrar também o vento fresco. O céu estava azul e aqui e ali viam-se pequenas bolas de algodão puro voando.

            - Isso é que foi uma aventura. – E perguntou baixando o tom de voz. – E como vai a guerra?

            - Isso é que não vai lá muito bem. Ganhámos uma batalha e perdemos mais do que isso. Agora temos alguns imperiais como reféns e esperamos trocar prisioneiros, outros foram enforcados.

            Ainda tinha bem presente na memória o que Maximus tinha feito por si. O jovem salvara-lhe a vida e Olly fizera-lhe o mesmo. Tivera uma discussão acesa com os rebeldes sobre isso e parecera-lhe uma missão difícil.

            - Porque haveremos de fazer isso? –  perguntou Ugs, um homem com quase dois metros e meio quando Olly lhe disse para lhe entregar Maximus. – Ele é um prisioneiro igual aos outros, por isso, não.

            - Por favor. Ele é diferente dos outros, ele salvou-me a vida, é o mínimo que posso fazer. Não peço que o solteis, só peço que não o magoais e que o colocais nas oficinas ou a fazer limpezas.

            - Nada temos a ver com o facto que te salvou a vida, ele é um imperial igual aos outros. O seu lugar é numa cela escura e nojenta com os seus companheiros. É o que ele merece depois de tudo o que a sua raça nos fez.

            - Eu responsabilizo-me por ele. É tudo o vos que peço. Por favor, senhor.

            - E porque haveria de o entregar a ti? – O comandante continuava desconfiado.

            - Como já disse, ele salvou-me a vida. Estou-lhe a dever isso.

            - O rapaz tem razão, um homem de honra paga sempre as suas dívidas, e creio que o rapaz tem uma grande dívida – interveio o pequeno Mão Queimada, um dos rebeldes mais conhecidos na galáxia. Lutara em mais de cem batalhas e o único ferimento que sofreu, foi a sua mão queimada, quando a sua nave se incendiou com uma avaria.

— Como queiras. Ele é teu, mas se fazer alguma asneira, quem fica sem cabeça és tu.

— Obrigado, senhor.

Levara Maximus pelo braço. O hangar era enorme e facilmente cabiam lá dentro quinhentas naves, mas não era o local indicado para falar com o imperial. Levou-o até uma das salas de interrogatório, aí tinha a certeza que ninguém os ia ouvir. Não podia arriscar arruinar a sua reputação.

— Obrigado por me teres salvado a vida, devo-te uma.

— Não tenho nada a ver com isso, tu és um rebelde.

— Sim, e tu és um imperial, já sei que entre nós não vai haver amizade. Tenho andando a pensar e não consigo perceber, porquê? Por que me salvaste?

Maximus ficou em silêncio. A sala tinha as paredes à prova de som e o silêncio era fantasmagórico. O imperial mexeu-se na sua cadeira e falou por fim.

— Não sei. – O rapaz não o olhava, apenas fitava o tampo da mesa. – Talvez porque tivesses razão acerca da vingança.

— Já não procuras vingança?

— E tu? Já não procuras vingança? – A questão atingiu Olly como um tiro. – Eu li os relatórios da tua interrogação e ouvi conversas sobre ti. Eu sei que tu também procuras vingança pelo que fizeram à tua amiga.

— Eu nunca procurei vingança. Eu alistei-me para combater pelos meus direitos! Donde foste buscar essa ideia?

— Será? Se assim fosse, tinhas ficado ao lado da tua amiga em Libertus e não... – Olly deu-lhe um estalo.

— Eu não fiquei ao lado dela porque os médicos não sabiam quando ela ia acordar. Devias estar-me grato, acabei de salvar a tua vida. Podias estar a caminho da forca.

— Tal como eu te fiz? E tu, estás-me grato? – A sua voz estava exaltada e a sua língua perfurava como um punhal.

— Sim, estou-te grato. Mas sabes, não sei se devia ter feito o mesmo por ti. Tu, para a tua idade, devias ser mais inteligente. E donde veio essa coragem toda agora?

Maximus não respondeu, apenas fitou em silêncio o rosto de Olly. O rebelde deixou-o numa cela. O imperial ia trabalhar nas cozinhas, lavar loiça. Sentia-se magoado. Como podem as palavras de um imperial aleijar-me tanto? Sentia que tinha levado uma punhalada nas costas. Talvez o gigante Ugs sempre tivesse razão.

Contou a história a Garci.

— Fizeste bem. Um homem de honra paga sempre as suas dívidas. Não ligues, os imperiais são uma raça mal agradecida e desbocada. – A rapariga tentava confortá-lo. A sua voz ainda estava débil e muitas vezes arrastada. – És bom moço.

Olly tinha uma coisa para lhe perguntar, mas não sabia como fazê-lo. Talvez não houvesse forma de o fazer. Queria contar-lhe como se sentia, como a amava, mas tinha medo dos seus sentimentos não serem correspondidos. Queria contar-lhe como temeu a sua morte, como sonhou com ela, como todos estes meses sonhou em abraçá-la e tê-la para sempre nos seus braços.

— Ajuda-me a levantar, estou farta de estar aqui deitada.

— Devias descansar, ainda estás muito fraca.

— Fraca uma ova. Vá, ajuda-me.

Olly ajudou-a a arrastar-se pelo quarto em direção à janela. Lá fora a cidade movia-se freneticamente como sempre. O sol beijou o rosto de Garci, branco como a neve.

— Que belo dia que está. Será que as enfermeiras se importam se formos ao jardim, lá em baixo?

— Suponho que sim, não devias sair da cama.

— Vamos lá, ajuda-me.

Os dois escapuliram-se do quarto às escondidas e foram para o jardim do hospital. Os enormes pinheiros faziam uma sombra fresca e o ar estava perfumado com o seu perfume doce. Nos bancos viam-se vários doentes, provavelmente com problemas respiratórios. Naquela cidade poluída aquele era um dos poucos sítios sãos.

— Vês, é muito melhor do que estar lá em cima. Maldito hospital e os seus malditos quartos.

Os dois caminhavam lado a lado, na sombra dos pinheiros. Garci tremia por todos os lados e tinha que se apoiar nos braços de Olly. Como sempre, Olly estava vermelho que nem um tomate, e ela, embora cega, apercebeu-se.

— Tu pareces querer-me dizer algo. Podes dizer.

— Eu... Não.

Não sabia como dizer. Não sabia se devia dizer. Tinha medo da sua reação. Supunha que todos os jovens se sentiam assim na sua primeira vez. Até Maximus se deve ter sentido assim. Acreditava que era humano ter aquelas dúvidas. Não disse nada, não lhe pareceu o momento mais indicado. Estaria só a inventar desculpas para justificar a sua cobardia? Como podia ser cobarde se já havia lutado em várias batalhas? Seria um cobarde na matéria do amor? Não sabia, só sabia que estava a ficar maldisposto.

—Tu gostas de mim, não gostas?

—O quê? – Se fosse feito de metal estaria agora a derreter de vergonha.

— Sim, foi o que tu ouviste. Podes dizer-me a verdade.

— Não. Por que dizes isso? – Burro, porque disseste que não?

— Hum, vou acreditar em ti. Pensava que gostavas de mim, já há muito tempo, não é de agora.

— Pois, mas não gosto. – És mesmo totó. E se ela também gostar de ti e estiver a sondar terreno?

Continuaram a percorrer em silêncio o jardim. Ela tinha um enorme sorriso estampado na sua cara, como se lhe tivessem contado a piada mais divertida da galáxia. Ele olhava fixamente em frente e suava como se estivesse estado o dia todo a correr.

Voltaram ao quarto pouco depois. Embora Garci não o dissesse, não conseguia aguentar-se mais de pé. Ligou a televisão e foi mudando de canal até encontrar um de que gostasse. Não havia nada do seu agrado e praguejou. De súbito, o programa sobre crocodilos que estava a ver foi interrompido. Notícia de última hora, dizia. Uma jovem jornalista com longos cabelos loiros anunciou o que mudaria para sempre o jogo. Os dois jovens ficaram boquiabertos com o que viram e não conseguiram esconder a sua felicidade. A notícia não era lá muito feliz, mas os rapazes ficaram eufóricos.

— Notícia de última hora – dizia a jornalista. – O imperador Marcus acabou de falecer, aos setenta e cinco anos de idade. Oficialmente ainda não se conhece as causas de morte, mas fontes indicam que foi de um ataque de coração.

Os dois jovens olharam-se e não podiam estar mais felizes. Aquilo significava uma coisa. O império estava fraco e os rebeldes iam ganhar a vantagem enquanto decorressem as eleições para o novo líder supremo. Por norma, decorria meio ano desde a morte de um imperador e a nomeação de outro. Nas eleições apenas os homens maiores de dezoito anos podiam votar.

—Garci, já viste isto? Não podia vir em melhor altura.

—Verdade. É desta que vamos ganhar!

            Os pais sempre lhes ensinaram que não se faz festa da morte de uma pessoa, seja ela quem for, dá azar, mas os dois jovens comemoravam. Aquilo não significava que a guerra estava ganha, longe disso. Mas os ventos podiam mudar e favorecer os rebeldes. Sem um líder a Força podia ver-se desorientada, o que dava a vantagem para os rebeldes. Mas isso também não significava nada, a Força tinha o seu próprio líder e podia dar ordens independentemente do governo. Porém, os jovens estavam eufóricos. Estavam cheios da ingenuidade da sua idade e acreditavam cegamente que o futuro seria rosas. Estavam enganados.

            Olly regressou essa noite à base. Deixou Garci para regressar novamente dias mais tarde, se tudo corresse bem. A jovem também se iria juntar àqueles rebeldes, quando estivesse mais forte. Nessa noite voltou a sonhar com Garci. Estavam os dois juntos na antiga vila. Tomavam o café numa esplanada, bem debaixo dos estandartes vermelhos da rebelião. Ela comia um bolo de limão e ele um de vinho e mel. Pareciam um casal e no seu íntimo desejava que o fossem. No dia seguinte ia lutar e estava arrependido por não ter confessado o seu amor.


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