Imperium Lan - A Queda de Um Império escrita por Accord2


Capítulo 7
Olly prisioneiro




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A porta levantou-se num estridente metálico som que magoou os ouvidos de Olly. A luz forte que vinha do corredor picou-lhe os olhos como uma lamina. Os soldados da força entraram rapidamente e pegaram nos fracos jovens pelos braços arrastando-os para fora. Tinha perdido a conta dos dias em que estava naquele buraco imundo. Fazia escuro e não havia maneira de contar a passagem dos dias. Falava com Cesarus sobre a vida, sobre o passado. Depois de vários dias os assuntos de conversa acabaram por se esgotar e passavam o tempo simplesmente a tentar ouvir algo mais que o silencio. O comer era papas frias de aveia e mel e a água tinha um amargo sabor a metal. Foram arrastados pelos corredores da nave até uma grande sala onde o metal reluzia com a luz do exterior. Não tinham forças para andar nem para se manterem em pé e foram atirados para um solitário banco no centro da sala. O líder do esquadrão entrou com o seu manto negro sobre os ombros. Cesarus cochichou-lhe que aquilo significava ser de uma alta patente.

            -Então rapazes têm gostado da estadia? – Tirou do bolso da camisa um charuto e começou a fumar. – Gosto de dar aos meus convidados aquilo que merecem. Tenho alguns assuntos a tratar com vocês. Onde é a vossa base em Boris? Sabem tenho procurado e não consigo encontrar rasto dessa maldita base, preciso da vossa ajuda.

            -Não vais arrancar nem uma palavra de nós, seu sacana.

            -Será? Rapazes! - Um dos soldados trouxe um barril de água. – É verdade, já me ia esquecendo. Ainda não me apresentei. Sou Sor Janos Fox, cavaleiro honrado, nomeado pelo próprio imperador.

            -E eu com isso, até podias ser Abacus.

            -A insultar os deuses logo de manhã? Espero que sejas bom a aguentar a respiração. – A cabeça de Cesarus foi mergulhada no barril de água por uns minutos até que voltou a aparecer toda vermelha. – Então, enquanto estiveste debaixo de água lembraste de alguma coisa?

            -Sim, que a tua mãe devia-te ter educado melhor, os convidados não se tratam assim.

            -Bem parece que precisas de procurar mais fundo – E a cabeça voltou a desaparecer debaixo da água.

            Olly jazia sobre o banco com as mãos atadas. Olhava à sua volta à procura de uma escapadela mas não conseguia encontrar um plano suficientemente viável. Para se libertar das algemas eléctricas tinha que as mergulhar em água, até aí tudo bem, mas não conseguia ver nenhuma maneira para escapar áqueles guardas todos que enchiam a sala. Podia correr pelos corredores, não isso era demasiado perigoso. Pensou em quebrar as janelas e saltar, mas nem sabia sobre o que estava e não tinha garantias de sobreviver à queda.

            -Então, lá nas profundezas encontraste a resposta? – Cesarus nem teve tempo para responder e a sua cabeça foi mergulhada novamente. – Oh que pena, parece que mais cedo ou mais tarde vais conhecer o deus dos mares. Mais fundo rapazes, acho que ele gosta disto.

            -Nunca te vamos dizer onde é a base dos rebeldes. Nunca!

            -Bem parece que então não me fazes falta. Rapazes! – O dos soldados tirou a sua arma e disparou a sangue frio sobre Cesarus, que caiu morto no chão, fazendo uma enorme poça de sangue. – Chamem alguém para limpar isso. Já estou farto de interrogatórios, o outro fica para amanhã.

            Olly estava de volta à cela escura e nojenta. No escuro a sua única companhia eram os ratos que chiavam sem parar e as enormes baratas que mal cabiam numa mão. Não sabia o que pensar. Mil coisas passavam-lhe pela cabeça. Sentia que exalava má sorte. Todos os que conhecia eram mortos ou ficavam em coma e pelo andar da carruagem seria o próximo. Não sabia se devia ficar feliz ou triste com isso. Estava sem forças, totalmente de rastos. Nos últimos dias tinha-se esquecido da razão de lutar contra o império, era inútil, sentia. Os rebeldes eram impotentes contra a esmagadora força do império. Fitava a fina linha de luz que entrava por debaixo da porta e tentava ouvir as conversas no exterior. No último mês aprendera que os membros da Força também tinham um lado humano. Um dos soldados que costumava ficar a guardar a porta chamava-se Impertus e tinha dois filhos que o esperavam ansiosamente em casa. Outro tinha o nome de Maximus e tinha apenas dezanove anos e juntara-se à força para vingar um amor ceifado pelos rebeldes. Aquilo deixara-o pensativo. Afinal todos os monstros tinham algo de humano em si. Ouvira com o ouvido encostado à porta o adolescente contar como morreu o seu primeiro amor, como a perdeu sem aviso. Olly não sabia se havia de se sentir culpado ou não. De certo modo começara a simpatizar com o rapaz, com a sua causa. Estava tudo tão confuso que chorava no escuro sozinho. Afinal porque haveria de simpatizar com um dos imperiais que, meses antes, tinham morto a sua família. Mas os rebeldes também tinham morto famílias inteiras. Batendo com a cabeça nas paredes imundas perguntava-se quem teria razão, quem seria o bom da história. Não sabia, nada lhe fazia sentido.

            Não sabia quanto tempo tinha passado, apenas sabia que tinham havido três mudanças de turnos. Do outro lado da porta Maximus estava em pé fazendo o seu trabalho, sozinho. Sem saber porquê Olly abriu a boca e falou com a sua voz rouca e fraca.

            -Sinto muito pelo que te aconteceu.

            -Cala-te rebelde. Não é suposto falarmos.

            -Eu sei o que é perder alguém, sei o que é perder alguém que amamos. - O soldado não respondeu. – Vingá-la não a vai trazer de volta, acredita em mim.

            -O que percebes disto, rebelde? – Na sua voz notava-se alguma raiva. – Cala-te.

            -Sabes, a pessoa que eu gosto ficou ferida num ataque pelos rebeldes e a minha família foi morta no mesmo ataque. Lutei procurando vingança e isso não os trouxe de volta. Lutei e lutei e não me sentia melhor, apenas mais vazio.

            -Vocês tem de pagar pelo que fizeram, todos vocês!

            -Isso não te vai fazer sentir melhor, acredita em mim. - Maximus não voltou a falar e os dois ficaram em silêncio, cada um do seu lado da porta.

Na cela fazia frio e pingava água do tecto, fazendo ecoar um pingar que lentamente o levava à loucura. De certo modo sentia pena do rapaz, sabia que ia desperdiçar a sua juventude numa sede de sangue que o deixaria cada vez mais vazio. Queria traze-lo à razão, mas o jovem não o ouvia. Perguntava-se no que ele estaria a pensar. Se as suas palavras teriam tido algum efeito.

O tempo foi passando lentamente. Talvez dias até que a porta se voltou a abrir. Foi arrastado novamente pelos corredores da nave. Os cabelos estavam enormes e escorriam-lhe imundos pela cara e mal conseguia ver o caminho. Enquanto era arrastado pelos corredores olhava com os seus olhos castanhos Maximus. Tentava memorizar cada pormenor do seu rosto comprido, cada detalhe do seu corpo. Percebeu que simpatizava com ele porque tinha sido como ele no passado, ingénuo e determinado a procurar vingança.

Os corredores eram um autêntico labirinto e depressa perdeu o rumo. Já não sabia onde estava ou sequer o caminho de volta à cela. À sua direita e à sua esquerda haviam largas portas de onde entravam e saiam apressado pessoal fardado. A viagem pareceu-lhe uma eternidade e mil anos depois foi despejado numa sala. Era alta e espaçosa e havia mesas cheias de comida. Sobre um estrado havia um longo banco e nele estava sentado o sacana do líder que torturou Cesarus.

—Bem vindo caro amigo, a casa ainda está desarrumada da hora de almoço. Perdão por isso.

Havia sobre as mesas comida de todos as variedades. Frango assado que perfumava a sala, leitão no espeto que parecia suculento, porco com laranjas e uvas. Uma empregada serviu Janos com vinho e saiu deixando-os a sós com os guardas.

—Tenho refletido sobre o que te farei. Torturar-te não vai ter graça, já sei que não me vais dizer nada. Deixar-te ir embora, claro que não. Tem sido uma tarefa e tanto pensar num futuro para ti. Ainda agora estava a falar disso com os meus companheiros.

Olly olhava em silêncio. Custava-lhe manter os olhos abertos. Sentia-se morto. Tentou procurar uma saída mas era inútil. Havia naquela sala cinco guardas, tirando todos os outros que havia nave fora. As janelas eram grandes o suficiente para saltar, mas onde aterraria?

—E os deuses não me querem ajudar nesta tarefa. Talvez ... não, isso não. Ah que difícil que está a ser. – tirou um charuto e como costume pôs-se a fumar demoradamente.

—Podia pô-lo a trabalhar, precisamos de gente na oficina. – disse por fim Maximus.

Olly olhou-o boquiaberto, não esperava aquilo dele. O adolescente acabara-o de salvar de uma morte certa.

—Sim, por enquanto pode ser, agrada-me a ideia. Mas quero-o a fazer os trabalhos mais pesados e se não os cumprir batam-lhe.

Foi arrastado novamente pelos corredores até outra sala. Aí, um homem de mau humor cortou-lhe o cabelo e, embora tivesse ficado demasiado grande para o seu gosto, deu-se por feliz. Depois foi arrastado para uma sala de duches onde se lavou. A água escorria negra pelo chão e o sabão azul e branco devolveu-lhe o branco da sua pele. Uma idosa deu-lhe por fim um uniforme de prisioneiro lavado.

A oficina era tão grande que cabiam umas vinte naves individuais aí dentro. Várias estavam sobre os elevadores para arranjo, revisões de rotina na sua maioria. Outras estavam desmontadas e homens atarefados montavam e desmontavam peças numa corrida sem parar. O supervisor levou-o à sua equipa, iria trabalhar com eles até ordens contrárias. Eram quatro mecânicos, deviam ter uma idade perto da sua, não muito velhos. Os seus nomes eram Agnus, Sitius, Olius e Ius. Agnus aparentava ser o mais velho, com uma enorme barba ruiva e um sorriso de orelha a orelha. Sitius tinha a cara cheia de pequenas borbulhas que eram tantas que era quase impossível contá-las, Olius tinha uns enormes olhos cor de azeitona, talvez por isso a sua mãe lhe tivesse decidido chamar-lhe azeitona no idioma Lan. Ius aparentava ser o mais novo e tinha um curto cabelo loiro que mal se via.

—Prazer, Olly. Espero que nos demos bem. – Para uns imperiais pareceram simpáticos. – Vem, vamos te mostrar como funcionam as coisas por aqui. – Seguiram pela área de trabalho apontando para aqui e para ali. – Começamos todos os dias às cinco e só paramos às seis da tarde. A hora de almoço é do meio dia às duas. Aqui estão as nossas ferramentas, já as deves saber usar, espero eu. Este é o nosso elevador e neste momento estamos a arranjar esta nave. Se teres dúvidas diz.

De imediato começou a trabalhar. Tinham que consertar aquela nave até ao fim do dia. Tinha um problema no motor e não se ligava. Olly, apesar de achar a equipa simpática, preferiu ficar defensivo. Apenas dizia o essencial e quando lhe faziam perguntas respondia da forma mais curta possível. Não queria se aproximar muito, não fossem eles querer-lhe mal.

O resto do dia passou a voar, entretido de volta do motor. Quando a buzina da oficina tocou todos deixaram as ferramentas e correram de volta às casernas. Olly foi levado por uns guardas ao chuveiro e dai para uma nova cela, maior e mais iluminada, assim como limpa. Deu-se grato com o pouco que tinha, sempre era melhor do que a anterior.

Passou essa noite a matutar sobre o que Maximus fizera. Tinha-o salvo e não percebia porquê. Era um imperial, membro da força e acima de tudo procurava vingança. A sua acção não encaixava no seu perfil. Aquilo não saía da cabeça de Olly, não conseguia perceber a lógica. Fechou os olhos e tentou dormir.


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