Águas Obscuras escrita por Alph


Capítulo 21
A queda


Notas iniciais do capítulo

Foi mal a demora, HISTÓRIA ENTRANDO NA RETA FINAL, espero que gostem♥
Comentem aí o que acharam♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/682683/chapter/21

Não sei definir como me sentia naquela altura do campeonato. Durante algumas semanas eu estava confinada naquele maldito Santuário. O branco do mármore me agoniava, pois parecia que em algum momento eu ia me tornar uma estátua como aquelas que estavam lá. A presença de Hammys era confortante, mesmo ele não me tocando de forma alguma e evitando contatos visuais que demorassem muito, de Damysis e Tamara também, mas eu queria mesmo era ver Héclyro.

Era horrível toda a manhã acordar e não sentir o tamanho da minha barriga crescer como deveria, eu estava com a sensibilidade à flor da pele. Minhas oscilações de humor estavam gritantes e todos ao meu redor notavam.

Sempre que tocava a pele do meu ventre sentia leves estalos como correntes elétricas que percorriam meu corpo, aquela sensação era uma das coisas mais belas que já tive, me fazia sentir confortável comigo mesma em momentos de nervosismo e era como se eu e a cria estivéssemos interligadas mais do que fisicamente.

Minha relação com minhas melhores amigas estava um pouco fragilizada depois de alguns debates sobre a paternidade da minha cria que sempre vinham como assunto em pauta de nossas conversas. Mentir para elas era mentir para mim, mesmo sabendo que desde o início eu suspeitava, talvez só não quisesse acreditar. 

No entanto, passei a não me importar com isso, pois o que eu mais queria era ter essa cria e cuidar dela. Dar todo amor que uma mãe pode dar a um bebê, o amor que foi tirado de mim.  E mesmo as sereias duvidando da minha gestação ou paternidade, elas jamais iriam conseguir tirar da minha cria o que me foi roubado.

 

 

Em uma noite de caçada enquanto estava com a lua cheia, sentia meu corpo estonteante como nunca, era como se eu estivesse extremamente revivida. A cada um desses três meses que haviam passado progressivamente eu ia ganhando uma força interior que me fazia sentir extremamente ligada a minha espiritualidade e ao mar, mesmo eu evitando rezar para Amidh e qualquer deus maior ou menor.

Às vezes eu notava algumas vibrações das ondas e pulsações nas paredes dos templos, principalmente perto da floresta marinha, era como se tudo estivesse interligado. E eu contei isso para as meninas naquela noite que Hammys e as outras sereias caçavam. Eu havia pedido a companhia de Damysis e Tamara para ficarem comigo no templo e ele e Lyria prometeram trazer carne humana para nós três.

Apenas Tamara conseguia entender o que eu queria dizer, mas ela dizia não sentia na mesma intensidade. Disse que percebeu algumas diferenças sutis em si própria, não por causa da lua cheia, mas durante o último mês. Contudo, esse assunto acabou caindo no esquecimento, pois ela achava que eram coisas comuns devido a mudança de temperatura das águas. Como eu e ela e tínhamos magia no sangue, duvidei que fosse algo que envolvesse isso, pois Damysis era uma sereia nula.

Naquele dia eu usava a tiara que Damysis havia me dado de presente e o colar de Héclyro que quase tinha perdido no templo da Marissa, que por sinal ainda não havia voltado. Eu amava usar aqueles acessórios, era como se eles estivessem próximos a mim.

— Você fica linda nessa tiara. — Damysis sorriu tirando uma mecha de seu cabelo escuro que flutuava pelo seu rosto combinando com a escuridão levemente iluminada do lado de fora da janela do Santuário de Encubação. — Fora que sua barriga aumentou um pouco, bem pouco, mas aumentou — disse olhando-me de cima a baixo.

— Esse colar realça a cor dos seus olhos junto a essa tiara — falou Tamara lixando suas longas unhas com corais afiados. — Será se essa cria terá seus olhos ou os do pai? — Senti a indireta, pois meus olhos eram cinza e o de Hammys azuis, então não seria uma grande diferença. Ela estava meio ácida ultimamente, mas eu entendia seus motivos.

Eu fiquei calada e olhei para o chão. Parecia que nós três havíamos entrado em um consenso de que sabíamos quem era o pai da cria, mas preferíamos evitar falar isso no claro, pois dialogar em aberto sobre aquilo era o mesmo que atrair o mal para si. Tamara voltou a lixar a unha e Damysis ficou meio desconfortável.

— Espero que os do pai — rebati evitando encarar ela.

— Já pensou no nome? — questionou Damysis mudando o assunto.

— Tinham alguns em mente, mas estou em dúvida, acho que é um pouco cedo. Estou torcendo muito que seja uma sereia para ela ficar na tribo comigo, pois se for tritão nem farei muita questão em escolher o nome, já que Hammys que vai ficar com ele.

— Vai ser sereia. Pelo menos é o que todas esperamos. — Tamara me fitou. — Vai ao encontro do pai e pede opinião dele, vai que ele ache um nome diferente e legal. — Achei pesada essa.

— O.K, Tamara, já entendi que você literalmente está me odiando por isso, mas não precisa ficar jogando na minha cara o tempo todo! — Minhas brânquias estavam agitadas e minha voz elevou o tom bruscamente.

— Você só pode culpar a si própria — disse Tamara calmamente observando os dedos.

— Ai, concordo com ela Ally — falou Damysis.

— Damysis até você vai me atacar? — Arregalei os olhos para ela.

— Sim, ninguém mandou você se acasalar com um humano, sabia muito bem dos riscos que corriam e mesmo assim fez o que eu disse várias vezes para não fazer! E ainda selou um pacto de ligação entre vocês dois quando o conheceu — interrompeu Tamara com a voz elevada. — A culpa é totalmente sua, vou jogar isso na sua cara até essa cria nascer, Allysa.

— Ally, não é porque somos suas amigas que vamos ignorar a realidade — interveio Damysis.

— Exato! Já imaginou se essa cria nasce com os cabelos castanhos e olhos negros como os do humano? Como você iria explicar isso para a bancada? — Tamara me fuzilava. Realmente nossa relação estava extremamente frágil, qualquer coisa nós acabávamos discutindo.

— Ele não é humano, é meio humano! — Esfreguei a palma de minhas mãos na testa estressada. — Por que vocês sempre me vêem como a errada da história?

— Ally? Oi? Não fomos nós duas que fomos atrás de um humano. — Damysis contraiu a boca em indignação franzindo a sobrancelha.

— Quer saber? Saiam daqui, aproveitem que a caçada ainda está acontecendo e vão lá! Eu preciso ficar sozinha. — Toquei minha barriga fazendo carinho. — Somente eu e minha cria.

— Somos mais velhas que você, nos dê ouvido, Allysa — pediu Damysis colocando a mão em meu ombro.

— Esquece Damysis, Allysa é muito cabeça dura, vamos. — Tamara puxou Damysis e saíram pela janela.

— Isso mesmo, vão, me deixe aqui com minha cria. Só ela me entende mesmo — gritei para elas. Minha face queimava de ódio, as queria por perto, mas se fosse para jogar as coisas na minha cara era melhor tê-las longe, não precisava delas desse jeito, pois eu já me sentia muito culpada e humilhada.

Elas nunca iriam entender o que eu havia sentido por Héclyro, para mim era algo tão diferente e único, elas nunca passaram pelo que passei. Eu sabia no meu interior que estavam certas, mas admitir aquilo para elas era mais difícil do que a mim mesma.

Pelo menos uma pessoa eu sabia que não iria me julgar.  Sabia que ele estaria a minha espera e se eu fosse atrás, independentemente do que eu estivesse passando, iria me ajudar. Sendo assim, foi apenas uma questão de tempo para eu sair do templo e me ligar a Héclyro pedindo a presença dele no nosso ponto de encontro.

Eu precisava vê-lo, pois ele era o único que iria me entender. Sentia-me completa e protegida na presença dele. Precisava sair daquele templo, não aguentava mais ficar-me auto-depreciando por erros, tudo estava me deixando muito abalada.

 

 

Já fazia um certo tempo que eu estava a espera de Héclyro no nosso ponto de encontro nas rochas. Todo o meu corpo estava ouriçado, as brisas marinhas que eram jorradas a mim arrepiavam-me. Sabe quando você sente que algo está estranho? Pois então, era isso que aparentemente toda a minha extensão física queria me avisar.

De repente os minutos se transformaram em hora esperando por Héclyro e finalmente ele chegou montado em Elis, seu Hyfiros. Conversamos sobre coisas bestas e dos nossos cotidianos. Eu evitava tocar nos assuntos da discussão que tive com as meninas, por motivos de: não queria despejar meus problemas nele e nem estragar o momento.

Estava deitada sobre o peito de Héclyro enquanto ele tocava minha barriga fazendo carinho, por mim sua mão poderia ficar ali o tempo que ele quisesse. Aqueles simples gestos me faziam querer que essas madrugadas durassem vários dias.

Intercalávamos entre breves conversas e caricias, mas o que eu mais gostava era poder ficar apenas em silêncio observando as estrelas com ele. A falta do que falar entre nós não era constrangedora, mas sim confortável. Isso eu só conseguia com minhas amigas e Hammys.

Desconcentrei minha visão das estrelas ao aspirar todo aquele cheiro gostoso que vinha de Héclyro, era tão bom que parte de mim queria matá-lo ali mesmo e comer sua carne e a outra parte queria fazer coisas que só pernas humanas me proporcionaria naquele instante. Ao inalar todo aquele odor minha mente entrava em êxtase, era incrível. Entretanto, tudo que é bom dura pouco e logo ele fala algo tirando meus pensamentos sujos da cabeça.

— Tu não me contaste como passou o dia, Ally.

— Nada demais.

— Conte-me, sei que deve ter ocorrido algo. Tu andas muito pensativa — disse ele com aquele sotaque lindo e beijou minha cabeça.

— Tudo bem. — Respirei fundo e comecei a lembrar dos fatos.

Contei para ele tudo que havia acontecido, Héclyro me escutava calmamente e parecia bastante confuso, e com razão. Ao terminar, ele repetiu o que eu havia dito como se tivesse fazendo um resumo tentando assimilar os fatos, então disse:

— E onde elas estão erradas, Ally?

— O quê? — Levantei-me do peito dele e o encarei. — Vai ficar do lado delas? Pensei que não gostasse da minha espécie, Héclyro.

— Não que eu não goste. Só as acho complicadas. — Ele parecia medir as palavras com medo. — Eu concordo com elas no sentido de tentar honrar os compromissos, Allysa. Contudo, entendo teu lado. — Ele veio beijar meu ombro querendo me acalmar.

— Complicadas? Como assim? — Me afastei sem nem notar.

— O vosso povo é muito ruim, Ally. Vocês têm regras estranhas, uma cultura amarga e as sereias ou se amam ou se odeiam ao extremo. — Ele falou em certo tom de desprezo. — Não que os humanos sejam santos, longe disso, mas ainda sim prefiro meu povo.

— Claro que prefere. — Olhei para o horizonte evitando contato visual.

— Calma, tu não me entendeu, Ally.

— Eu entendi perfeitamente. — Passei as mãos nos meus cabelos aliviando o nervosismo, que não passava. — Quer saber, eu acho engraçado que você nos ache estranhas, mas gosta de mim. Sequer não passa na sua cabeça que é estranho uma sereia se apaixonar por um humano? Você fala das minhas irmãs com certo nojo, isso me magoa. — Ele me fitava com os ombros caídos. — Estranho são vocês, humanos. Em todos os navios que observávamos, notávamos algumas pessoas sendo tratadas como lixos enquanto outras pisavam nelas, as chicoteavam e as acorrentavam. Algumas eram extremamente gordas que chegavam a vomitar em nossos mares para comer mais enquanto outras se ativaram nas nossas águas se matando, pois a fome e a magreza os matavam por dentro.

— Calma, Allysa. — Seu tom de voz foi elevado e segurou meus braços e o encarei. — Isso deves ser a sua gravidez, respire fundo.

— Chega a ser irônico você preferir os humanos já que nem é um inteiro. — Acabei soltando com raiva ignorando tudo que ele estava me dizendo.

— Espera... O quê?

— Sério que você não acha estranho que goste tanto do mar e de mim? Humanos pensam que gostam de sereias porque hipnotizamo-los para isso. Nossas espécies não se conectariam dessa forma em nenhuma hipótese. — Entrei no mar deixando as ondas tomarem meu corpo.

— Espere! Como assim? — gritou

— Fale com sua querida avó, talvez entenda sua ligação com ela e com minha estranheza de sereia. — Não conseguia esconder o sentimento de angústia e desprezo na voz. — Quer saber, você não me merece aqui.

Quanto mais eu me afundava nas águas, mais os gritos de Héclyro chamando meu nome eram abafados até eu entrar em completo silêncio nas profundezas do mar. Como ele ousava falar do meu povo daquela forma? Só eu podia falar mal delas! Eu precisava de um tempo só para mim, mas ao mesmo tempo eu não queria ficar sozinha.

Minha mente estava em um turbilhão de pensamentos aleatórios negativos. Não imaginava que iria brigar com Héclyro, mas aquele comentário me magoou.  A avó dele passaria a me odiar eternamente a partir daquele momento, mas eu não ligava. Parecia que tudo que tinha para dar errado deu.

 

 

Quando eu estava chegando perto de Neferice eu avistei a Vala do Exílio, fiquei pensando se entrava para conversar com Eryus, mas tive medo de acabar me magoando com algo ou falar alguma coisa que não deveria, então passei reto. Ao chegar à floresta de algas rente a tribo, notei que as luzes mágicas ainda estavam acesas, o que eu estranhei, já que era tarde.

Fui aproximando lentamente, estranhando o silêncio absurdo no mar, mas ainda sim um leve som de nadadeiras circulando. Eu me sentia tão tensa que parecia que eu estava imaginando coisas. Comecei a fitar tudo ao meu redor já que meus sentidos estavam aguçados estranhamente.  

Nenhum peixe ou ser vivo passava por perto, então cada vez mais eu nadava lentamente e minha garganta estava contraindo. Sentia minhas brânquias mais tensas e um nó se amarrando em meu estômago. O silêncio estava tão absurdo que ao nadar perto das pilastras e estátuas de Amidh na entrada de Neferice eu escutei o som de Conchas soando tão forte da torre de vigilância que levei um enorme susto.

Em questão se segundo sereias caçadoras me circularam tampando minhas saídas laterais, lanças eram apontadas para mim. Meu corpo todo se sentia ameaçado e minha forma de escapar foi por cima, ironicamente um campo de força vindo de magia no sangue era fechado ao meu redor impedindo minha fuga.

Vi uma mulher da Santa Bancada das Sereias Antigas chegando perto conjurando a magia e comecei a bater na redoma com símbolos das sereias antigas que me tampava, os socos não adiantavam de nada, pois a barreira quebrava como estilhaços de diamante e logo voltava ao normal. Meu nervosismo estava a mil, todas as coisas erradas que fiz começaram a passar na minha mente tentando explicar o motivo desse ataque.

Logo depois as caçadoras abriram o cercado dando passagem para sereias da bancada. No fundo havia uma platéia de curiosas me observando. Meu coração batia tão forte que parecia sair do meu corpo.

Quando as bancada se posicionou, Marissa saiu lá de trás passando entre elas com Natísys ao seu lado. Sua expressão era fria como de costume, mas seu olhar estava carregado com uma emoção distinta que nunca a vi. Natísys permanecia com sua rotineira expressão de deboche, e ao ver ela eu me lembrei de Tamara que por sinal não estava ali, e nem nenhum dos meus outros amigos.

Encarei todos ao meu redor e tudo que eu sentia era vergonha, nervosismo e angústia. O pior de tudo era saber que eu não sabia de nada e a incerteza do que aconteceria comigo a partir dali. Marissa nadou um pouco mais a frente e olhou no fundo dos meus olhos tão severamente, mas ainda sim com uma tristeza profunda e disse:

— Allysa Mesdhia, você está presa em nome da Bancada das Sereias antigas por romper com o Festival da Colheita, consumar sua relação com um humano e destruir o laço com Neferice e nossa deusa mãe, Amidh.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Capítulo sem betagem.
Quem gostou bate palmas, quem não gostou paciência.
Se tiver erros, me avisem por favor.
Obrigado a todos que abriram o capítulo para ler.

Caso tenha gostado comente aqui em baixo.
Obrigado por estar acompanhando a história. Continue nadando com a nossa tribo!
Venha fazer o quiz para saber qual tribo você mais se identifica: http://aguasobscuras.weebly.com/

Fanpage no facebook: https://www.facebook.com/aguasobscuraslivro/

Tumblr da história: http://aguas-obscuras.tumblr.com/

Trailer1: https://www.facebook.com/aguasobscuraslivro/videos/1018471554932640/
Trailer2:
https://www.facebook.com/aguasobscuraslivro/videos/1205141756265618/

• Posters de divulgação: http://imgur.com/pYwpxoQ.png
http://i.imgur.com/kNnCocS.png

• Mapas dos territórios onde a história se passa:
http://imgur.com/a/oLcBB



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Águas Obscuras" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.