Águas Obscuras escrita por Alph


Capítulo 14
Fuga da Realidade


Notas iniciais do capítulo

relou ----------EI LEIA AQUI--------------------- ( desisti da história)





(brinks, n desisti) Foi mal a demora e não desiste de mim.Tive alguns probleminhas pessoais e o ano está apertado para mim, então resolvi postar um cap bem grandão para compensar meu descompromisso com vocês♥
Comenta aí, não vai consumir 3 min do seu tempo, pf♥ Ajude nossa tribo a crescer.
PELO AMOR DE AMIDH NÃO ME MATEM CASO APAREÇA ALGUM ERRO.
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Capítulos são sujeitos a revisões e mudanças.
MUITO OBRIGADO PELOS COMENTÁRIOS.♥
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As luas se passaram. Todas as noites que podia eu visitava Héclyro, e inevitavelmente nos beijávamos. O perigo para mim sempre havia sido mais interessante. Aparentemente ser proibida de fazer algo, só me deixava com mais vontade de provar do errado.

Na última vez que fui ao nosso local de encontro, Héclyro me mandou voltar no dia seguinte novamente, no entanto, antes do Sol se pôr, pois seria o dia do baile. Havia perguntado a ele o motivo dessa festa e ele me disse que era por comemoração aos trinta e quatro anos de reinado de seu pai.

Sentia um enorme frio no estômago. Durante o dia no mar eu não pensava em outra coisa a não ser esse baile. Ao mesmo tempo, eu estava nervosa por não conhecer os costumes humanos e não saber interagir muito bem com eles, porque geralmente eu me alimento da carne deles para manter minha beleza, além que também tinha o receio que a aproximação da lua cheia, que era um dia depois da festa, fosse surtir algum efeito em meu jeito de tratar os outros ou na minha aparência, naquele dia importante para a família de Héclyro.

Não queria deixar nada escondido para Tamara, então informei a ela sobre tudo. Obviamente ela foi contra, mas não me proibiu. E disse para eu ter cuidado. Como sempre, ela iria guardar segredo. Abracei-a involuntariamente, pois me deixava alegre ter com quem contar.

O cuidado que Tamara afirmava para eu ter não era com os humanos, mas sim com o meu jeito perto deles, já que com a aproximação da lua cheia, conseguiria matar dez homens sem nenhum esforço na forma humana.

Nem havia me dado conta, mas senti a água do mar ficando mais quente, mais peixes estavam circulando em nosso oceano. Então percebi que o verão tinha chegado, talvez um pouco mais cedo, mas sua presença era inegável. O azul frio que predominava em todos os lugares por onde eu olhava dava espaço para outras tonalidades mais variáveis.

O verão era sempre a estação em que as espécies do mar se reproduziam, inclusive a sereia selecionada no Festival da Colheita, por isso o festival começava no final do inverno. As sereias ficam mais atraentes e sedutoras com o calor, mesmo em regiões frias como a minha.

 

 

Enquanto eu nadava rumo à superfície, o sol deixava tudo mais colorido e brilhante no mar. Certifiquei-me de que ninguém me seguia e que era seguro. Consegui fugir mais cedo, pois disse que estava indisposta então mandei Hammys assumir minha posição. Marissa torceu o nariz, mas concordou. Meu corpo transbordava ansiedade, um frio intenso na barriga, as batidas do meu coração e minhas barbatanas estavam agitadas. 

Ao chegar ao nosso local de encontro, Héclyro já me esperava. Seu cabelo estava molhado e penteado para trás, os tecidos que cobriam seu corpo eram bem simples. Ele exalava um cheiro diferenciado, mas era ótimo.

Subi em cima da rocha em que ele estava, deixei com que minha cauda ficasse fora d’água e se transformassem em pernas para a magia já ir se estabelecendo. Héclyro fitava-me com voracidade, o que não me incomodou, talvez porque já estivesse acostumada.

— Então... O que devo fazer? — perguntei.

— Segure-se em mim. — Ele abaixou-se perto de meu rosto dando-me um beijo na testa. Eu queria na boca, mas me conformei.  Estendeu meu corpo em seus braços me segurando no colo. Apoiei minha face em seu peitoral sentindo o seu cheiro.

Ele me levou até Elis, seu Hyfiros, que esperava na areia deitado. Colocou-me em cima dele e depois montou junto a mim. Héclyro mandou segurar-me nele fortemente enquanto cavalgávamos até a entrada secreta. A brisa mais aquecida do verão batia em nossos corpos enquanto Elis aumentava a velocidade.

Quando chegamos à porta da entrada secreta em frente à muralha, Héclyro tirou-me de cima do Elis, me colocando em seu colo.  Ele olhou para o Hyfiros e passou a mão em sua grande cabeça.

— Vá para a porta do castelo, garoto. Lá os guardas te levarão para seu quarto. — Achei que ele não iria obedecer, mas estava enganada. Quando Héclyro se calou, Elis foi velozmente subindo a mata.

— Não tem perigo de quererem machucá-lo no caminho, Héclyro? — perguntei.

— Que? Os camponeses? Eles sabem que é um animal da realeza.

Subimos as escadas da passagem até um pequeno corredor vazio. Héclyro me observou um pouco frio, como de costume e sentou-me em uma cadeira. Ele passou a mão em meu cabelo e tocou meu queixo.

— Hoje tu estás extremamente mais bonita. Fez algo de diferente? — Ele ficou me fitando como se estivesse encantado.

— Não, mas obrigada — afirmei observando o chão. Olhei para a janela e vi que o Sol já se escondia, então tirei a conclusão que a lua cheia de amanhã já começava a surtir efeitos em minha aparência. Barulhos de movimentações estavam muito fortes, então coloquei minha mão no braço de Héclyro. — O que faremos agora?

— Bem... Nós vamos nos arrumar. Tem uma torre seguindo ao norte, lá tem algumas coisas que escolhi para ti. — Ele respirou fundo e colocou-me em seu colo novamente. — Eu estava pensando e decidi que queria entrar na porta da frente contigo, por isso escolhi aquela torre que dava acesso ao portão de entrada do Salão do Trono.

Apenas assenti. Héclyro tomava cuidado para que nenhum guarda nos visse. Quando chegamos à torre, estava tudo iluminado com aquela luz alaranjada. As paredes eram de uma pedra azulada e o chão de pedra polida. A decoração era bem inferior a da minha tribo e com menos janelas. Ele me colocou em uma cadeira e respirou fundo, cansado de subir escadas.

Comecei a esticar minhas pernas, alongando-as. Tentei perceber se a magia já havia fixado no corpo, devido o tempo que havia passado. Mas estava enganada, ainda faltavam alguns minutos para poder andar. Héclyro aproximou-se perto de uma mesa pegando uma bolsa preta.  Ele deu um sorriso de lado quando me olhou de soslaio.

Ele abriu uma bolsa, retirou de lá um tecido que era bem fino, quase que transparente. Sua cor era de um vermelho tão vivo quanto sangue de sereia. Héclyro deixou o pano escarlate dobrado em cima da mesa. Sua atenção voltou-se para a bolsa, e de lá pegou um colar, algo de usar nos pés e uma coisa dourada. Eu observava atenta e encantada os objetos que ele retirava.

— Tomei a decisão de escolher algumas coisas para ti. Espero que goste. — Ele pegou a coisa de usar nos pés e colocou em mim. — Perdão caso as sandálias ficarem um pouco apertadas. Usei o corpo da minha irmã como medida para ti. Aliás, quero que tu a conheças.

Subiu um gelo em meu corpo só de pensar em interagir com pessoas humanas, ou metade humanas. Olhei para meus pés calçados na sandália e achei bem estranho, mas não ficou feio.

— Será um prazer conhecer sua família — menti.

— Não precisas ficar tensa, Allysa. — Ele sorriu enquanto tocava meu joelho com a mão. Sorri de nervoso. — Eles vão te tratar bem.

— Estou com medo — assumi.

Héclyro voltou para mesa pegando o tecido e o abriu mostrando sua transparência e delicadeza, realmente ele era lindo. Julgava eu que aquilo talvez fosse um vestido, cujo ele havia dito há um tempo. Colocou-o no seu braço e veio até mim.

— Apóie seus braços em meus ombros. — Obedeci com certa dificuldade de ficar em pé bambeando os joelhos.

Ele segurou minha cintura com o braço esquerdo, e com o direito começou a colocar o vestido em meu corpo. Senti um breve arrepio percorrendo pelo meu corpo com seus toques. Só consegui ver quão grande era seu comprimento quando ele estava em mim. Ajustou-se perfeitamente, e Héclyro abriu um sorriso deixando os ombros caírem.

— Agora vou colocar em ti algo que é tradicional de nossa região. — Ele se distanciou de mim. Forcei-me a permanecer em pé com intensa dificuldade apoiando-me no braço da cadeira. Héclyro pegou uma coisa que parecia ser feita de ouro. — Este é um cinturão de ouro bordado com jóias. Quanto maior ele, maior é o status da família que o usa.

Quando ele colocou o cinturão em meu corpo, senti minha cintura ser comprimida. Em todos os momentos Héclyro foi bastante carinhoso comigo, eu queria de alguma forma demonstrar o tanto que aquilo me fazia bem, mas palavras pareciam não suficientes.

Por fim, ele ajustou o colar em meu pescoço dando um riso nasal. Eu poderia me acostumar com tratamento que esse humano estava me dando. Héclyro selou rapidamente meus lábios com um beijo rápido e logo ficou de costas para mim.

— Irei me arrumar agora. — Ele puxou outros tecidos da bolsa e começou a se despir em minha frente. Sentei-me novamente e fiquei fitando ele. Héclyro olhou de soslaio para mim, talvez pensasse que eu fosse ficar chocada, mas pelo contrário. Já vi humanos nus quando arrancava as roupas deles para dilacerar a carne com minhas unhas. Entretanto, olhar para o corpo dele, era diferente.

Nunca havia visto Héclyro nu, só agora me dei conta o desperdício que deixar esse detalhe escapar era. Seu corpo era bronzeado delineado por belas curvas musculares, suas costas largas se contraíam a cada movimento junto a suas nádegas. Não sabia se o desejo era de comer aquela carne ou de outro tipo. Meu corpo ardia respondendo à visão.

Logo Héclyro estava coberto de tecidos azulados pesados adornados com prata, havia ficado realmente muito belo. Ele estava de alguma forma elegante. De todos os marinheiros que matei, nenhum era páreo a ele quando o assunto era beleza. Sua aparência só competia com seu lado carinhoso.

 

 

O céu já estava escuro, os barulhos e odor de pessoas já eram bastantes presentes. Meus sentidos estavam se aguçando, e era bem mais fácil sentir as coisas ao meu redor em terra firme. Tudo ficava mais forte e presente.

Fiz um penteado simples com meu cabelo que agora estava seco, e senti que a magia já havia se estabilizado. Coloquei-me de pé e percebi que minhas pernas ainda estavam bambas, mas resistentes o suficiente para dar passos.

O vestido estava atrapalhando minhas tentativas de caminhar por causa do comprimento que se espalhava pelo chão. Héclyro estendeu o braço e eu o segurei, dei um passo quase caindo, mas comecei a treinar e ele foi bastante paciente comigo.

Fiquei tentando manter o equilíbrio em pé por alguns minutos até perceber que não iria cair na frente de humanos, me estressar e sair matando todos.

— O peso do cinturão não está te incomodando? — perguntou.

— Não, está tudo bem. — Consegui me manter em equilíbrio e fiquei de frente para Héclyro. — E agora?

— Agora tu vais acompanhar-me até a porta de entrada do Salão do Trono, onde está acontecendo o início da festa. — Ele estendeu o braço como cavalheiro e fiquei ao seu lado.

Por um instante Héclyro parou, virou sua face para mim, tocou meus lábios com seu polegar. Fiquei surpresa e sem reação com sua atitude aleatória deixando meus ombros caírem. Ele sorriu para mim, passou o nariz em meu cabelo aspirando o cheiro que tinha e depois depositando um beijo. Sua gratificante demonstração de afeição me fazia esquecer quão ferrada eu estava se me descobrissem.

— Que foi? — perguntei calma.

— Não sei... — Sua testa estava colada a minha. — Só estou muito contente por tu teres aceitado, jurava que não irias vir. — Ele selou meus lábios com um breve beijo. — Tu estás muito linda, Allysa.

— Obrigada. — Fiquei totalmente desconcertada, então sorri. Héclyro parecia sempre gostar de me ver sorrindo, como se chamasse a atenção dele. — Você também está bonito. — Ele me abraçou e depois me guiou para o destino que ele queria.

Saímos da torre, e eu caminhava apoiando-me em Héclyro. Dessa vez, os guardas nos viam juntos e fixavam seus olhares nele. Um frio subiu em minha coluna. Se minhas barbatanas estivessem em meu pescoço na forma humana, com certeza elas estariam agitadas.

Ao chegar ao pátio aberto, vi a lua. Ainda não era a cheia, mas meu corpo respondeu de uma forma mágica ao brilho que ela emitia. Todos ao redor que conversavam e ou somente passavam olhavam para Héclyro fazendo reverência logo em seguida.

Dois guardas estavam na frente da grandiosa porta com listas em mãos. Eles observaram Héclyro e depois me fuzilaram com um olhar de curiosidade.

— Minha acompanhante, abram a porta — ordenou Héclyro com um leve tom de arrogância. Ele parecia não ter gostado nada dos olhares dos guardas em mim.

Ao abrirem a porta ouvi vários sons, cheiros e luzes. Tudo me deixou atordoada de uma boa forma, o brilho era mais intenso vindo de lá. Muitas pessoas circulavam o local. No saguão, eu conseguia escutar música e os sons eram diferentes dos que as sereias compunham.

— Vossa Alteza, Príncipe Héclyro Lavyrio Fahíerys II Torysme Areldes Mórfies, da casa Lavyrio — anunciou um homem que estava ao lado da porta com uma enorme lista. Seus olhos pairaram sobre mim. — E sua acompanhante.

No primeiro passo que demos, todos do salão pararam o que faziam e se curvaram para ele. Não sabia que uma pessoa podia ter tantos nomes. Acho que só naquele momento eu havia me dado conta de quão importante Héclyro era para aquelas pessoas. A multidão o encavara descaradamente como se fossem comê-lo, e essas atitudes começaram a me incomodar.

— Nunca me disse que tinha tantos nomes — sussurrei a ele.

— Não saio dizendo esse tanto de nomes a todos que conheço. — Ele sorriu.

As pessoas usavam roupas com tons claros. As mulheres jovens vestiam tecidos com uma transparência marcante destacando seus seios e o cinturão que usavam, enquanto as já mais velhas estavam mais extravagantes. Os homens usavam tecidos com cortes retos, alguns trajavam panos que cobriam até os pés. Flores caiam do teto combinando com a luz amarelada do ambiente. O Salão tinha sua beleza, mas não era tão belo como os templos da tribo. Eu me sentia estranha, pois era a única que usava um vermelho tão chamativo.

Descemos as escadas até chegar a multidão instalada no meio. Quando passávamos, as pessoas abriam espaço para nós. O que eu queria muito mesmo era conhecer a mãe de Héclyro, cuja que agora eu tinha certeza que era uma sereia.

Olhei de soslaio para a porta e mais gente chegava e ficava observando Héclyro. Minha calma estava sendo desafiada por humanos e a linha tênue entre minha sanidade e minha fome começou a se cruzar.

— Héclyro, não estou gostando dessa sensação, todo mundo está olhando para você como se fossem te devorar. — Tentei parecer calma, mas algo em mim parecia queimar. Sentia que ele era meu e eu não queria dividir olhares com mais ninguém. Minha face queimava de ódio, mas eu disfarçava fitando o chão.

— Allysa, eles não estão olhando para mim. A nobreza e os convidados me conhecem há tempos. Eles estão olhando para ti. — Visualizei o local ao redor e percebi a sintonia de olhares que realmente estavam caindo sobre mim. — Eles estão te achando linda, tu chamas atenção. Sua beleza não é real aos olhos humanos, e também é a única jovem com cabelos cinza. 

Permaneci calada observando todos que me visualizavam. Estava tudo sendo bastante diferente para mim, pois na tribo as sereias são acostumadas umas com as outras. Minha cabeça estava a mil tentando assimilar essas diferenças que me cercavam. Os humanos eram feios, alguns fediam e suas vozes não eram bonitas e após eu ficar cercada deles, literalmente, isso só se realçava. Nunca tinha parado para analisar dessa forma, pois quando estamos na caçada, ficamos mais preocupadas em nos alimentarmos.

— Allysa? — Héclyro cortou meus pensamentos.

Quando eu ia respondê-lo, a música tocada parou e sons agudos, que eu não conseguia identificar de que instrumentos eram foram soados no saguão. As pessoas que me olhavam agora deram atenção a uma longa escadaria lateral.

— Vossa Alteza, Princesa Elenia Lavyrio Fahíerys Torysme Areldes Mórfies, da casa Lavyrio — disse o senhor com a lista em mãos de forma rápida enquanto a moça descia das escadas. Moça essa que julguei ser irmã de Héclyro. — Vossa Alteza, Príncipe Amell Lavyrio Fahíerys Torysme Areldes Mórfies, da casa Lavyrio... — também deveria ser irmão de Héclyro. — Vossa Alteza, Príncipe Helyno Lavyrio Fahíerys Torysme Areldes Mórfies, da casa Lavyrio. — E esse que desceu por último também deveria ser. O senhor estava respirando fundo com seu peitoral farto subindo e descendo agitadamente.

Os rapazes que vinham atrás da moça na longa escadaria logo se misturaram na multidão. Héclyro tocou carinhosamente meu ombro e me guiou até sua irmã.

— Venha conhecer minha irmã.

Ela conversava com outra moça e quando o avistou, abriu um sorriso cujo era bastante semelhante ao dele.  Elenia jogou uma mecha do seu cabelo loiro para trás das costas caindo sobre seu vestido azul claro transparente. Héclyro ia abrir a boca para falar algo quando foi cortado.

— As serviçais falaram que havia uma moça linda de cabelos de cor cinza no saguão, mas não acreditei. — Fiquei sem reação. — Então és tu quem anda tirando o sono de meu irmão... — disse sorrindo. Enquanto ela falava, suas sobrancelhas arqueavam-se arregalando seus olhos negros como os de Héclyro. Sua voz era tão suave, semelhante à de uma sereia.

— Elenia, essa é Allysa Mesdhia. — Héclyro interrompeu-a me puxando para mais próximo dele.

— Pensei que tu nunca fosses encontrar alguém, Lio — falou alguém atrás de nós. Olhei de soslaio e visualizei o rosto semelhante ao de Héclyro se movendo, sua voz grave brincava com as palavras que dizia. O rapaz passou as mãos sobre seus cabelos loiros e depois ajeitou suas vestes sorrindo da forma séria de Héclyro.

— Meu irmão Helyno. Como tu podes notar... Inoportuno, como a irmã. — Héclyro respirou fundo.

— Lio? — perguntei curiosa a respeito da forma que o irmão de Héclyro o chamou.

— Tu não sabes? — perguntou alguém que vinha atrás de Helyno, que também era outro irmão de Héclyro. — Lio não contou a ti sobre o seu apelido? — Seus olhos azuis pairaram sobre meu corpo. Héclyro fuzilou o irmão com reprovação e depois deu uma cotovelada em seu antebraço.

— Allysa, esse é Amell. — Héclyro passou a mão nos cabelos negros do irmão bagunçando-os. Amell batia na mão de Héclyro e depois tentou ajeitar o estrago no seu penteado.

— De que região tu és senhorita? Lá tem mais moças como tu? — Os olhos de Amell se voltaram a meu corpo novamente. Estava começando a ficar incomodada com a falta de respeito em sua atitude.

Héclyro puxou minha mão, me levando para mais perto de si. Todos seus irmãos pareciam ser mais novos que ele. E eu estava um pouco assustada, no entanto, seus irmãos ainda sim conseguiam transmitir uma áurea aceitável para mim, tal qual Héclyro, bem diferente dos outros humanos ali presentes.

— Amell, pare. Tu estás assustando-a. Tu consegues ser muito inconveniente — disse Elenia tocando meu ombro.

— Não estão assustando-a, estão me constrangendo. Isso sim! — Héclyro ressaltou sendo dramático.

— Ela tem língua? — perguntou Helyno sorrindo.

— Tenho sim. — Olhei para ele com um olhar travesso e depois para Héclyro. — Então, digam-me de onde surgiu o apelido de Héclyro. — Ele passou a mão em sua testa apertando o vinco entre as sobrancelhas como se não quisesse tocar naquele assunto, mas para mim era a única maneira de fugir das perguntas de onde eu era.

Os três tentavam falar ao mesmo tempo e Héclyro negava as afirmações, mas no final eles estabeleceram a versão da história final: era o apelido carinhoso que seu pai estabeleceu e que apenas sua família o chamava.

Héclyro sempre tentava fugir de alguns assuntos que se remetiam à sua infância, pois seus irmãos tentavam o constranger, enquanto eu só estava achando bem engraçado e realmente o tempo começo a passar rápido com as histórias. Os olhares voltados para mim ainda persistiam, mas eu comecei a ignorar, não tinha culpa de ter nascido com aquela beleza.

Os sons daquele instrumento novamente cortam as conversas e o silêncio se instala novamente até todos se focarem nas escadarias. Fitei o senhor com a lista que inflou o peito como se os nomes que viriam a seguir fossem tirar todo o seu fôlego.

— Sua Majestade Rei Elysio Lavyrio Fahíerys Anerio Vitalis Torysme Areldes Mórfies, da casa Lavyrio, primeiro de seu nome e Rainha Talísya Lavyrio Fahíerys II Thomas Torysme Areldes, da casa Thommas, A Rebatizada. — Todos fizeram reverencia e eu também os imitei para não parecer mais estranha do que já era no meio daqueles humanos.

Os nobres permaneceram curvados até ambos descerem das escadas. O rei caminhava até ao seu trono junto à rainha, a luz emitida no ambiente fundia-se com seus cabelos loiros com uma esplendorosa coroa de ramas e contrastava com seus olhos azuis. Agucei minha visão para rainha, analisei que ela estava coberta por panos de cor azul escuro todos bordados com dourado que me impossibilitava de ver sua face. Consegui enxergar apenas resquícios de um cabelo preto lustroso. Ela havia virado sua face tampada de tecidos para a minha, parecia me encarar por debaixo daquelas roupas.

— Vou lhe apresentar a meus pais — disse Héclyro tocando minha mão.

Ao chegarmos à frente das escadarias do trono, os irmãos de Héclyro vinham logo atrás, se aproximando de seus pais. Fiquei estática perante os degraus. Parecia que todas as minhas certezas tinham escorrido como uma correnteza em uma tempestade.

Deixei que Héclyro e seus irmãos fossem primeiro falar com seus pais. Tinha receio de me intrometer onde não devia. Fiquei em meio à multidão enquanto eu observava a apenas a rainha, escutei murmúrios atrás de mim “cadê a outra?”, “será se ela vai comparecer a festa? Faz anos que não a vejo.”.

Algo martelava em minha cabeça. Ainda estava com aquela sensação de incerteza, como se todas as minhas provas plausíveis tivessem ido junto com a maré. Minha mente estava a mil. Queria muito esclarecer essas dúvidas com Héclyro, mas ele estava longe demais no momento e eu não queria subir as escadarias para ir aos tronos sem ter sido chamada pelas majestades.

Voltei minha atenção para o rei dessa vez. Ele parecia já ter certa idade, no entanto ainda era bonito, e de longe tinha um cheiro semelhante ao de Héclyro, e fisicamente seus filhos tinham puxado bastante a ele.

Notei que o rei conversava com sua família. Héclyro parecia estar entretido no assunto. Tentei ouvir, mas estava difícil com o tanto de vozes ao mesmo tempo, além da música.

Forcei um pouco mais minha audição para escutar, mas quando senti meus ouvidos se aguçando preparados para escutar a conversa, aqueles instrumentos musicais humanos soaram novamente fazendo um barulho estrondoso. Parecia que facas cortavam minhas orelhas e farpas de madeira entravam em meus tímpanos.   

Fechei meus olhos e tapei meus ouvidos com minhas mãos tentando diminuir a agressividade do barulho. Quando os sons dos instrumentos pararam, guiei minha visão até os pais de Héclyro, cujo toda família presente no trono olhavam surpresos para as escadarias.

Voltei minha cabeça para onde não só a família de Héclyro dedicava atenção, como todos os nobres ali presentes. O rei e a rainha levantaram-se do trono e ainda estavam atentos para as escadas.

— Curvem-se a Rainha Mãe, Talísya Lavyrio Fahíerys I Anerio Vitalis Torysme Areldes Mórfies, da casa Lavyrio, A sábia, A seladora do reino e Desbravadora de portos. — Um peso caiu de minhas costas fazendo minhas suposições irem para o oceano mais fundo.

Tinha outra Talísya? Como assim outra Talísya?

Minha cabeça se tornou um completo vácuo escuro, como se eu estivesse no fundo da Vala do Exílio. Tentei fazer ligações do que estavam acontecendo, mas nada me vinha à cabeça como resposta. Eu estava totalmente nervosa com a situação.

Ninguém estava descendo as escadarias, mas ainda sim todos a fitavam. O silêncio predominava o ambiente e quando menos se esperava, uma figura toda vestida toda de branco com um véu que cobria sua face movimentava-se no corredor atrás da longa escadaria.

O que estava acontecendo?

Ela apoiou sua mão no parapeito e uma moça ao seu lado apareceu segurando seu outro braço. Delicadamente a figura de branco descia vagarosamente junto a uma servente, talvez devido parecer ter mais idade. Todos ali presente curvaram-se, até o rei e a rainha. As pessoas permaneceram fazendo reverencia até ela finalmente terminar de descer os degraus. Alguns nobres resmungavam “Vou ficar com problemas na coluna se ela não terminar de descer essas escadas logo”.

Talísya começou a andar pelos nobres que continuavam curvados para ela, até finalmente chegar ao trono, onde serviçais colocaram um grandioso assento de madeira ao lado do rei.

Novamente Talísya demorou a subir os degraus até chegar ao seu assento. Ao sentar, ela ergueu a mão direita e a serviçal reverenciou afastando-se e todos que estavam curvados se levantaram prosseguindo a festa. Héclyro avistou minhas sobrancelhas franzidas em dúvidas e ergueu a mão como se pedisse para que eu fosse ao seu encontro no trono, retirando-me da multidão.

De longe, a família toda reunida naquele local pareciam como uma das pinturas que eu havia visto quando caminhava até o salão. Cheguei próximo de todos e me curvei como eu havia visto todos fazerem. Não queria parecer desajustada ou passar vergonha. Fiquei ao lado de Héclyro e senti todos os olhares pousados em mim.

— Família, essa é Allysa Mesdhia. — Todos assentiram e continuaram me observando. — Allysa, esses são meus irmãos, que tu já conheces. — Guiei meu olha para quem ele falava. — Esse é o meu pai, o rei e ao seu lado minha mãe, a rainha.

Olhando mais de perto o pai de Héclyro, Elysio, tinha traços que eu parecia conhecer, sua áurea me agradava como a de seus filhos. Meus pensamentos estavam em confusão como se meu corpo tentasse reconhecer outro ser semelhante a mim ali presente.

— Essa é minha avó, Rainha Mãe Talísya. — Ela apenas balançou sua cabeça assentindo. Os véus brancos que cobriam seu rosto estavam perfeitamente segurados por uma coroa inferior a do rei, mas ainda assim bela.

— Prazer em conhecer a senhorita. — O rei fitou-me. Sua voz era bastante suave, mas não comparada a de uma sereia.

— Sinto muito pela tua perda — disse Elenia, irmã de Héclyro. A rainha de azul mãe dela ao seu lado olhou-me de cima a baixo como se me avaliasse.

Como assim perda?

Eu não havia entendido o que Elania queria dizer. Olhei confusa para Héclyro e ele interveio.

— Não seja indelicada Elenia. Allysa ainda está superando... Não é, Allysa?

Héclyro cutucou meu quadril com a mão. Não entendi o que aquela afeição queria dizer para ele, mas eu não havia gostado.

— Não me cutuque, Héclyro — O encarei séria.

— Allysa, eu só estava dizendo para eles de onde tu vieste e como se sentes mal pela perda da sua família devido à enchente na sua ilha. — Agora eu havia entendido, ele estava mentindo. Só então tentei entrar no seu jogo meio desajustada, mas iria reforçar sua mentira.

Héclyro deveria mentir melhor que isso. Misericórdia, Amidh.

— Obrigada. — Não queria parecer estranha, então fiz parecer o mais natural possível enquanto mentia descaradamente. — Ainda me dói muito. — Toquei no coração e fiz cara de pena.

— Como tu sabes nosso idioma? Pronuncias tão bem, sem sotaques — perguntou o rei mudando de assunto.

— Na Ilha Azul somos obrigados a aprender mais de sete idiomas — menti novamente.

— Nunca escutei falar dessa ilha. — O rei franziu o cenho coçando o queixo.

— Por que tu não comentaste para gente antes que ela é duquesa? Como a encontrou, irmão? — Amell perguntou virando-se para ele.

— Caminhando na orla — disse ele.

Acho que deveríamos ter inventado uma história melhor para que eles não fizessem mais questionamentos, no entanto, preferi ficar calada e deixar o Héclyro falar por mim. O clima havia ficado estranho e o silêncio tinha se predominado. As duas Talísyas não falavam nada, pareciam estar congeladas naqueles assentos e de certa forma era um pouco incômodo. Eu estava ansiosa em saber quem eram elas. No entanto, a de azul me chamou bastante atenção.

Tentava achar vestígios de que alguma delas pudesse ser sereia, tentei assimilar cheiros, mas estavam tão bem disfarçadas. Todo o ambiente estava me dificultando identificar, pois os irmãos de Héclyro tinham cheiros semelhantes a de seres do mar, então os odores pareciam misturar-se ali.

— Seja bem vinda, Allysa Mesdhia, à corte Lavyrio. — O rei falou por fim, cortando minha linha de pensamentos. — Caso tu precises de algo, pode contar conosco. Tentamos sempre oferecer o melhor aos súditos.

— Obrigada.

O silêncio se instalou e a festa prosseguiu. Todos dançavam, mas os homens quase não tocavam nas mulheres na dança, apenas as mãos. Héclyro conversava com seus pais e eu com seus irmãos. A conversa fluía bem, mas toda vez em que Elenia tocava no assunto de onde vim, eu tentava contornar trocando o rumo do diálogo. As figuras vestidas de branco e de azul não falaram nada desde que entram, mais pareciam estátuas apenas observando a todos.

Queria conseguir visualizar algo por trás daqueles tecidos de azul que a cobriam, mas meus instintos eram tampados. Até seu cheiro era indecifrável como o da outra Talísya. O reino tinha duas rainhas com nomes iguais, mas nenhuma das duas parecia uma sereia.

 

 

Héclyro puxou-me para dançar, mas eu não sabia. Então ele apenas abraçou seu corpo ao meu, instintivamente eu reclinei minha cabeça em seu peitoral e deixei com que ele guiasse meus movimentos. Nós éramos os únicos a dançar diferente, pois os homens nem tocavam nas mulheres na dança, já eu, estava abraçada.

Estava gostando aquela noite, mesmo minha cabeça estando muito confusa. Sentir o cheiro de Héclyro era tão reconfortante. Aquele breve momento da dança me fazia sentir que talvez aquela era a forma de carinho que eu precisasse ter para saber que não estava sozinha.

Novamente são tocados os instrumentos no saguão. No ambiente estabelece o silêncio e a nobreza olha para o trono. O anunciador aparece, mas dessa vez ele parecia mais aliviado.

Será se agora ele iria apresentar uma terceira Talísya?  Perguntei-me afastando meu corpo de Héclyro.

— O Saguão do Jantar está pronto para recebê-los.

Toda nobreza seguiu caminho para o saguão. Héclyro passou a mão em meus ombros.

— Uma pessoa muito importante para mim disse que quer andar contigo pelo jardim. — Héclyro tocou em uma mecha de meu cabelo. — Então eu disse que tu aceitarias. Pois sei que tu não comes comida humana, não queria ver-te desconfortável.

— Tudo bem. — Fiquei curiosa para saber quem seria.

Héclyro levou-me até o jardim, e disse para eu ficar na perto do chafariz onde essa pessoa viria ao meu encontro.

Depois ele partiu, indo para o saguão.

 

 

Estava observando o chafariz quando senti uma mão pairando sobre meu ombro. Subi meu olhar, notei que a pessoa vestia uma roupa branca. Era a avó de Héclyro.

— Então... — Tentei iniciar uma conversa para não parecer surpresa, pois eu tinha convicção que seria a mãe de Héclyro que viria. — A senhora queria conversar comigo?

Ela virou-se para mim e puxou o véu branco para trás de sua face mostrando seus longos cabelos loiros que caiam como um rio semelhante aos de Elenia. Seu rosto era tão simétrico como o de uma sereia. Os olhos negros vidrados em mim como os de Héclyro eram encantadores. No entanto ela não tinha nenhum traço de uma sereia nefericiana.

De fato minhas dúvidas começaram a serem saciadas, agora tinha a certeza absoluta que ela era uma sereia. No entanto, ainda minha mente queimava para entender o motivo dos nomes iguais, pois não deveria ser comum colocar nome de sereias em humanos.

— Acho que você já sabe o que sou. — Sua voz era tão suave e doce que hipnotizava qualquer humano. — Percebi que você era uma sereia na hora em que te vi.

— Agora sim, eu sei. — Deixei um sorriso de alívio escapar, após todos esses questionamentos que fazia em meus pensamentos que roubavam meu tempo, seres respondidos. Ainda sim a surpresa persistia, pois para mim sempre fora a mãe dele que era uma sereia.

— Então, Allysa, como encontrou Héclyro?

— Salvei Héclyro da morte no mar quando estávamos em uma caçada. — Fui lembrando-me dos fatos aos poucos. — Naquela época eu tentava entender o porquê de ter ajudado ele, mas agora eu entendo perfeitamente. — Foquei minha visão nela enquanto andávamos pela luz do luar.

— Você o salvou porque ele é metade tritão, assim como meus outros netos e meu filho, Elysio. Você sentiu necessidade de proteger ele pelo fato de serem da mesma espécie. É um vínculo, Allysa. Não pensou que fosse amor a primeira vista, não é? — Ela me fitou de cima a baixo.

— Não foi amor a primeira vista. — E realmente não tinha sido. Ela estava certa, era mais um instinto de proteção. — E você, como conseguiu isso tudo? Você é de que tribo? — Minha curiosidade falou mais alto.

— Sofri para conseguir isso tudo, mas não foi tão difícil assim. Sou de Fertilitais.

— Como você veio parar aqui, já que é uma sereia do Sul? — Estava assimilando todas as informações que recebia e meu estômago estava cálido de ansiedade.

— Fui exilada da tribo. Tentei competir ao cargo de anciã e acabei perdendo. A anciã passada não aceitava ter ideais contrários aos dela. — Ela jogou o véu branco sobre a face quando viu um casal de jovens caminhando e abaixou o tom da voz. — Procurei abrigo nas outras tribos, porque achei o motivo do meu exílio errado. Ninguém me ofereceu um lar. Desisti da vida de sereia, e a última tribo que visitei foi Neferice, então fui para a superfície de seu mar e me encalhei em uma praia esperando que eu morresse com o Sol.

Ela falava calmamente, Talísya tinha uma beleza fria e ameaçadora.

— Passei dois dias na praia, seca, recebendo luz do Sol esperando a morte vir. Estava desacordada e sentia minha pele descascando e morrendo aos poucos — falou aumentando o tom de voz quando estávamos mais reservadas. — Acordei com uma pessoa colocando água em minha garganta. E essa pessoa era um homem com roupas de metal, ele tentou tocar em meu corpo a força, mas não permiti. Ele havia insistido, então simplesmente o matei. A água me deixou pouco melhor, mas ainda muito fraca então resolvi comer a carne do humano. — Ela soltou um riso nasal enquanto lembrava-se da cena. — Estava trancada em uma cabana escura e escutei o barulho de pessoas entrando. Era mais de seis homens, todos eles me seguraram após me verem começando a me alimentar daquele homem.

Talísya sentou-se em um banco comigo perto de arbustos e continuou a falar.

— Eles me agarraram a força amarrando-me em uma corrente nua e abusaram de meu corpo. Senti os seis dentro de mim, tentei cantar para eles ficarem hipnotizados, mas taparam minha boca e quando eu insistia, me batiam. Quando terminaram, foram embora e me soltaram. — Ela não parecia gostar dessa parte, tanto que era notável o rancor em sua voz. — Levantei-me com uma enorme fraqueza, não estava morta, mas eu realmente queria morrer. Caminhei pela floresta onde a cabana estava, tentei fugir daquele lugar asqueroso. No entanto, novamente alguém me encontrou, e dessa vez foi o rei que voltava de uma viagem pelos arredores do seu reino. Ele me levou para o castelo, não tinha forças para lutar contra. E seja lá o que eles fossem fazer comigo, eu já estava preparada.

Eu estava calada apenas assentindo as informações.

— O rei cuidou de mim. Colocou-me em um aposento. E então consegui perceber quão grande era o poder que ele tinha sobre o povo, eu usei isso ao meu favor. Já estava me sentindo melhor e aos poucos o seduzi com meu charme de sereia. Ele estava apaixonado por mim, mas eu não sentia nada por ele, apenas mais nojo dos humanos.

— E o que aconteceu? — perguntei ansiosa por saber mais.

— Aconteceu que eu me casei com ele. Coloquei em prática o meu plano de vingança. No castelo eu percebi que as roupas de aço de quem me abusou, eram as mesmas dos guardas reais. Como eu tinha o poder de rainha, ordenei que todos os guardas se apresentassem para mim no Salão do Trono. E na apresentação quando eu vi os que me abusaram, eles tremeram de medo e aquilo alimentou uma felicidade em mim que eu julgava estar morta, meu instinto selvagem ficou tão alegre naquele dia. Pedi para que outros guardas reais escoltassem os culpados, levei-os até o fosso no subterrâneo do castelo e mandei prendê-los em celas separadas.  — Ela levantou o véu e olhou nos meus olhos sorrindo com um brilho estranho e selvagem. — Eles pediram misericórdia para mim e para os deuses, mas eu me lembro como se fosse hoje, eu disse: nem seus deuses serão capazes de escutar sua misericórdia daqui. Durante seis dias, mesmo bastante saciada e sem fome eu voltava ao fosso e matava de vagarosamente um, e no outro dia mais um e assim consecutivamente. Eles assistiam a morte uns dos outros. Cheguei a vomitar a carne humana ingerida, pois já era mais do que eu podia comer, mas valia à pena, e quando eu não aguentava mais eu jogava para os cachorros reais. Todos os dias eu transformava o meu trauma em alegria a conseguir escutar os gritos de sofrimento que eles sentiam. 

— E depois? — Estava amando a história.

— E depois me senti completa novamente. Dizem que a vingança não compensa, mas estão errados. Compensa sim! Principalmente quando bem elaborada. No entanto, ainda tenho lembranças negativas. Pelo menos o rei fez vista grossa para o sumiço dos guardas, e com o passar dos anos engravidei e tivemos Elysio.

— O rei antigo ainda está vivo? Como você conseguiu ter um filho sem ser escolhida no Festival da Colheita?

— Essa é a melhor parte — disse com entusiasmo. — O rei me amava muito, mas eu não sentia nada por ele. Eu nutria mais amor pela criança que eu gestava dele do que por ele. — Ela respirou fundo e prosseguiu. — Eu já tinha tudo que eu havia perdido, não precisava mais de um homem em minha vida. Então despejei o veneno de sereia de minhas garras junto ao vinho que ele amava beber. Ele tomou e depois de três dias morreu. Os nobres e o conselho real me colocaram como rainha regente até Elysio chegar aos dezesseis anos.

Ela era bastante maquiavélica e meticulosa. Seus olhos negros arregalavam-se toda vez que sua história encontrava um ápice. Seu lado selvagem parecia bem aflorado quando ela lembrava-se do passado.

— Fiz um ótimo trabalho como rainha regente. Consegui expandir portos de navegações daqui da Península Lavyrio. Firmei tratados com reinos vizinhos. Os camponeses me amavam por dar a eles o que queriam. Fiz esse reino melhorar em alguns meses mais do que os reis passados não conseguiram, em décadas. Único problema dos humanos homens, é que eles subestimavam minha capacidade, e também colocam as mulheres sempre lá em baixo, diferente do que é nas nossas tribos. — Ela suspirou. — E quanto ao ter filho sem precisar do festival, também foi um espanto para mim. Deixou-me muito surpresa também. Achei que fosse sair uma aberração de mim, mas quando Elysio nasceu ele era lindo como até hoje. Julgo eu que o pacto entre as tribos do Festival da Colheita só se limitam enquanto todas estão juntas, depois que você se torna uma exilada, esse elo de sereia com a deusa Amidh se rompe, por isso que muitas ficam completamente selvagens, devido à ausência de uma anciã para guiá-las na busca de alimentos. No entanto, eu consigo me alimentar sozinha, pois mando levarem ladrões para o fosso do castelo e deles que me alimento. Eu me tornei minha própria anciã.

— Você nunca teve outros filhos?

— Não, eu só fiquei com o rei uma vez em todo o nosso casamento, e foi nela que eu engravidei. As outras pseudo-relações eu iludia ele com meu charme. E por eu ser uma sereia de Fertilitais, logo eu aprendi a mexer com ervas da terra e fazer poções que fizessem o rei dormir. — ela pareceu se lembrar de algo e logo completou em seguida. — Falando em Fertilitais, eu me vinguei da minha ex-tribo. Mandei as rotas comerciais de embarcações que passavam pelos mares de lá, contornarem caminhos mais curtos. Assim, elas ficaram sem se alimentar dos humanos por um longo período, provavelmente chegando ao seu lado mais selvagem. No entanto, como tem sereias caçadoras, logo elas devem ter achado novas rotas por lá. — Sorriu.

— Você ainda tem dons ou magia no sangue depois de ser exilada?

— Eu perdi com o exílio. Tinha só magia no sangue, era uma exímia dominadora da magia com ervas.

— Por que tem duas rainhas com o mesmo nome? Quantos anos você tem?

— Ela é rebatizada, pegou meu nome para agradar a nobreza e os camponeses como se fosse chegar perto do que eu já fui. Ela tentou assumir meu lugar e eu quis matá-la, mas vi que Elysio a amava e não queria vê-lo triste. O conselho real que programou esse casamento contra minha vontade. — Ela parou alguns segundos e tentou lembrar-se de algo. — Deixei de contar minha idade depois que passei do segundo século de vida como sereia... Não vi utilidade, mas continuo linda e maravilhosa.

— Como o povo lida com o fato de você não envelhecer?

— Eles não lidam, havia boatos que eu passava sangue de crianças na face para não envelhecer. Hoje em dia, só saio raramente dos meus aposentos e quando preciso aparecer em público uso uma maquiagem de envelhecimento que desenvolvi sozinha. Não é muito real, mas engana a distância esses humanos burros. Apenas saí de meu quarto hoje porque uma serviçal disse que viu uma jovem muito bela de cabelos cinza. Então fiquei curiosa. Gosto de imitar uma velha e andar bem devagar, pois os nobres gordos têm que permanecer curvados até me sentar no trono, o que se torna uma tortura para eles e uma atração deliciosa para mim. — Ela passou a mão em sua face e sorriu. — Chega de falar sobre mim, conte-me sobre você. Também me conte sobre o fato de ser a escolhida.

— Como você sabe? — perguntei boquiaberta.

— Já fui escolhida uma vez, reconheço quão mais bonitas ficamos. Você não iria conseguir me enganar mesmo se quisesse. — Ela deu de ombros. — Você está cumprindo com seu papel de escolhida?

— Estou tentando, mas anda um pouco difícil. — Ri de nervoso.

— Não fuja de seu foco principal, seja lá qual for ele. — Ela deu com as mãos, como se não se importasse muito com os acontecimentos da nossa religião.

Talísya parecia nem se importar com o que se passava nas tribos. Ela tinha dois lados admiráveis que eu passei a gostar conversando com ela: seu lado protetor e o vingativo. O pano branco que a cobriam era bastante estranho para mim e eu não podia ficar sem saber o motivo das duas rainhas andarem cobertas de tecidos.

— Por que você e a outra rainha andam com tantos tecidos sobre o corpo? As mulheres que estavam no salão não estavam cobertas como vocês.

— É uma tradição. As rainhas em eventos devem assumir a cor da casa real que está imperando. A nobreza acha bonito, e fortifica a imagem de união entre as rainhas e o reino. — Ela tocava todo seu vestido. — Só aparência mesmo. — Sorriu em deboche.

Conversávamos sobre as tradições do reino de Héclyro, ela me explicava sobre como os humanos lidavam com outras situações. No entanto, ela mudou de assunto como se algo interessasse mais a ela: o motivo de eu e o Héclyro estarmos juntos. Dizendo ela, ele nunca apresentou nenhuma jovem à corte como fez comigo. Falou também que sentia falta de ver outra sereia como ela.

Comecei a contar para ela tudo o que havia ocorrido entre nós sem omitir nada. Senti que podia confiar nela, pois seu jeito sincero me atraia. Era como se já a conhecesse há séculos.

O tempo passava muito mais rápido, era interessante notar essa ligação instantânea que eu senti por ela. De cara comecei a admirá-la, pois não era para qualquer sereia ser tão autônoma como ela havia conseguido ser. E todo o caminho de sofrimento que ela passou, só provou o quão forte ela era.

Perguntei se seu filho sabia que ela era uma sereia. Talísya negou comprovando que ela sabia muito bem guardar sigilo sobre o que era e o que fazia. Ela dizia que sempre fora muito cuidadosa com suas ações.

Talísya perguntava-me se eu já havia consumido a relação com o tritão do festival, Hammys, e coisas do tipo. Fui totalmente sincera com ela em todos os pontos que pude e aos poucos fui me abrindo mais. Ela me dizia coisas que Héclyro gostava, desgostava e como ele era na infância. Para uma sereia ela já parecia muito humanizada, mesmo com seu jeito perverso e vingativo, que particularmente me atraia muito.

Aos poucos surgiram mais pessoas andando pelos jardins, sinal de que o jantar já havia acabado. Talísya disse que era melhor irmos para o Salão do Trono novamente. Ela abaixou seu véu e caminhamos de volta ao castelo.

— Sempre que precisar, Allysa, saiba que estou aqui e arrombarei as portas necessárias para que fiquemos aliadas. Conte comigo sempre. — Assenti. — Venha mais vezes aqui, sinto falta de ter alguém como eu para conversar.

 

 

Chegando ao Salão do Trono, Talísya que voltou a fingir ser idosa. Serviçais apareceram para ajudá-la a ir aos seus aposentos saindo do saguão. Caminhei um pouco mais a frente da multidão e vi a família de Héclyro novamente no trono e juntei-me a eles.

— Héclyro! — Uma garota subiu ao trono correndo e deu um gritinho chamando-o.

A garota descarada pulou em cima dele, abraçando-o e beijou as suas duas bochechas. Os cabelos negros dela acompanhavam seu saltitar junto ao seu vestido azul. Ao lado de Héclyro, eu observava toda aquela cena que havia me deixado sem ações.  O cheiro humano detestável dela me deixou atônita.

Quando eu tomei consciência do que estava havendo, meu rosto queimou de vergonha, uma sensação de nó foi instalada em minha garganta e parecia que o ar havia me faltado, como se minha respiração tivesse acabado. Não conseguia olhar aquela cena dos dois se abraçando e beijando, era como se me partissem ao meio.

Andei de costas até o final do trono surpresa, meus olhos se arregalaram e meu estômago havia gelado. Quase cai na escadaria por não ver onde eu estava caminhando. Virei-me para multidão saindo pelos degraus enquanto todo o som do ambiente parecia ter parado e meus pensamentos ficaram confusos.

Em todo aquele silêncio na minha mente só escutava alguns sussurros de Héclyro me chamando, ecoando em minha cabeça. Não queria olhar a cara dele, nem daquela garota. Enquanto andava pelas pessoas, todas me olhavam assustadas até eu me dar conta que estava as empurrando com raiva. Mas o tempo parecia estar líquido, pois estava tudo acontecendo lentamente.

Percebi que não estava me controlando e todo meu sangue fervia transformando minha frustração em raiva. Meu peito subia e descia pesadamente. Empurrava qualquer pessoa que estava em meu caminho. Eu não conseguia parar, era como se todas essas emoções tivessem triplicado.

Escutei os passos apressados de Héclyro no meio dos nobres gritando meu nome. O som de sua voz saia sufocado com o da multidão e a música contribuíam para que eu saísse na frente. Apenas senti um forte aperto em meu pulso. Era Héclyro quem me segurava. Puxei meu braço de sua mão, e sem querer, com minhas unhas que já haviam crescido mais do que o normal com minha raiva, acabei rasgando parte da manga de sua roupa e voltei a correr até o final do salão.

Pelo tumulto que eu havia causado, os guardas começaram a vir atrás de mim então corri mais depressa, no entanto, antes que eu escapasse pelas portas do salão eles empurraram-me por um corredor que dava acesso aos jardins. Um deles tentou escorar-me na parede, mas desferi um soco em seu peitoral de ferro, cujo amassou e ele foi arremessado para o outro lado do corredor.

Três guardas seguraram-me por trás, virei minha cabeça para olhar seus rostos e instintivamente rugi em tom ameaçador e meu corpo começou a se preparar para um ataque. Meu corpo emitia sons de ataque selvagens. Mais guardas apontavam espadas e lanças para mim, mas escutei a voz de Héclyro mandando eles me soltarem. Ele estava com uma das mãos segurando o braço que eu havia rasgado sua roupa, mas agora estava com uma mancha avermelhada e senti o cheiro de sangue.

Os guardas me soltaram, e eu corri para os jardins. Não iria ter ninguém que me segurasse ali dentro com aqueles humanos nojentos. As pessoas que estavam sentadas nos bancos ou caminhando pelos arbustos se espantavam com a cena. Não tinha percebido que havia cortado Héclyro, e mesmo furiosa, queria não tê-lo machucado.

Não vi mais ninguém atrás de mim, mas mesmo assim continuei andando. Fui pela saída do jardim. Mais um pouco a frente havia uma porta de metal coberta por plantas, não importavam onde ela dava acesso, só queria me ver longe daquele lugar e se fosse necessário eu arrombaria a muralha para voltar ao mar.

Consegui abri-la quase a arrancando da parede. O céu parecia ter fechado, as nuvens começaram a ficar mais carregadas e tudo indicava que iria chover.

Corri rapidamente até tropeçar em uma raiz de uma árvore. Então escutei Héclyro logo atrás. Ele chegou até mim e estendeu a mão.

— O que foi isso Allysa? Por que tu fizeste todo esse tumulto? — Sua voz estava alterada. Rejeitei sua ajuda e coloquei-me de pé.

— Por que você estava beijando e abraçando outra garota? — gritei. O som saiu mais agudo que devia e mesmo estressada, fiquei com medo de ter machucado mais ainda a ele.

— Ela é minha prima, filha da irmã da minha mãe. — Ele estava alterado, e ainda sim surpreso. — Isso é apenas relação de amor que temos pelo nosso sangue ser o mesmo! Não foi uma traição, ela veio de longe para ver minha família.

O peso de suas palavras caiu sobre minhas costas. Uma confusão se instalou novamente em minha cabeça. 

Bati com minhas mãos meu rosto com força. Não conseguia entender o porquê desses beijos e abraços que todos os humanos ficavam se dando, logo, eu interpretara de fora errônea. Estava com a respiração tensa e a minha face ardia. Sabia que estava errada.

Tentei assimilar tudo que acontecia e quanto mais eu pensava no que fiz, mais me sentia culpada. Héclyro ficou em silêncio, mas sentia seus olhos pairando sobre mim. Cocei minha cabeça com força e coloquei meus dedos sobre minha testa passando eles ferozmente.

Uma brisa fria bate em nossos corpos e um relâmpago cortou o céu. Fiquei cabisbaixa e tentei controlar a entrada do ar no meu corpo. Ele passou as mãos levemente em meus ombros fazendo um carinho terno.

— Tu estás muito pálida. — Talvez meu instinto selvagem aflorou mais do que deveria. — Calma, não precisa ficar nervosa — sussurrou.

Ficamos um tempo em silêncio com ele me segurando, minha cabeça estava abaixada fitando o chão, tinha receio de olhar em seu rosto e ficar com mais vergonha ainda dos meus erros. Aos poucos o senti me guiando para seu peito, me abraçando por completo.

Tudo no mundo dos humanos era mais colorido, mais novo, mais estranho. Desde suas afeições à forma de demonstrar que são da mesma família. Queria muito entender tudo isso, ou talvez participar disso. Porque o pouco de carinho com que venho tendo provém de Héclyro, que cada vez mais me ajuda a entender que não estou sozinha.

— Desculpa — falei desabafando.

— Tudo bem — sussurrou.

Permanecemos ali abraçados por um tempo, aproveitando o som da mata, sem barulho de música e humanos. Senti o cheiro de Héclyro e os sons do seu coração e respiração misturados. Ele passou a mão em meu cabelo descendo para nuca e depois depositou um beijo na minha cabeça.

Quando ele retirou a mão do meu corpo, notei o sangramento em seu braço. E esse ferimento foi mais um acréscimo na minha parcela de culpa. Ferir alguém que eu gosto não era e nunca foi um plano para mim naquele momento.

Tomei seu braço para minhas mãos sem a permissão dele. Preferi não ter troca de olhares, pois ainda não estava sentindo que minha mente estava completamente bem. Toquei o ferimento dele e aos poucos deixei que meu dom circulasse nas minhas veias. Senti o calor correndo da minha coluna até meus dedos. Deixei que todo o meu poder se esvaísse e o conduzi até o ferimento que criei em Héclyro. Aos poucos a ferida escurecida ao redor pelo veneno de sereia fosse curada de dentro para fora, trazendo de volta a cor rósea de sua pele.

— Não tenho palavras para descrever quão culpada me sinto por ter te machucado — confessei cabisbaixa.

— Não precisa se desculpar. Sei que em momentos de raiva fazemos coisas que não devemos.

Ele tomou-me em seus braços novamente. Minha respiração ficou mais calma, e o nó em minha garganta se esvaiu. No entanto, a única coisa que não passou foi minha vergonha.

— Quer ir para a praia? — perguntou ele quase que em sussurro quebrando minha linha de pensamento.

— Sim — minha voz saiu abafada pelas roupas de Héclyro.

— Vamos por aqui então. A passagem secreta que usamos para entrar já deve estar lotada de água com a maré alta. — Héclyro afastou-se segurando minha mão, voltando a caminhar.

 

 

Continuamos a caminhada em silêncio até chegar a um local da floresta onde a mata parecia abrir caminho para nós como mágica. A passagem pela plantas aparentava ter dado acesso a uma clareira que recebia uma luz avermelhada devido a uma grandiosa árvore de folhas escarlate que crescia junto a ruínas de um templo de mármore abandonado. Flores douradas caíam junto ao rumo da brisa.

As ruínas de mármore tinham uma pequena cúpula que servia de cobertura, o local tinha uma beleza mística encantadora, bastante semelhante aos templos de Fertilitais. O céu deixou um raio brilhar o local em seguida o trovão escapar.

— O que é aqui? — perguntei.

— Aqui era um antigo templo de Amidh que minha avó mandou construir. Mas logo foi esquecido, porque ela não tinha mais tempo para vir aqui quando assumiu a regência do reino.

Observei todo o ambiente, que era extremamente lindo. Os caules das árvores de um marrom sépia em contraste com as folhas avermelhadas. Decidi diminuir a intensidade dos passos para admirar um pouco mais, quando o inesperado aconteceu: a chuva.

Aos poucos, os pingos cobriam nossos corpos. O tecido transparente de meu vestido colava-se ao meu corpo. Tive receio de me transformar ali, caso eu ficasse completamente molhada.

— Allysa, a chuva. Tu vai se transformar. — Héclyro passou um braço sobre minha cintura e levantou-me do chão correndo para debaixo da cúpula que protegia o templo enquanto a chuva engrossava aos poucos. Lá havia um musgo muito macio totalmente coberto pelas folhas avermelhadas e flores.  Fui colocada no chão com calma e alguns vagalumes brilharam ao redor.

Uma brisa fria foi jogada em nossos corpos, vi Héclyro que estava em pé observando a chuva, arrepiar os pelos dos braços com o frio. Percebi que minha temperatura corporal havia aumentado para regular-se ao frio. Juntei os meus joelhos em meus seios e abracei as pernas.

— Deite aqui comigo, assim não ficará com frio — pedi calmamente. Ele veio até mim, ficando de frente a minha face ao ficar com os joelhos no chão.

Seu rosto tinha algumas gostas de água descendo. Senti a umidade da chuva aos poucos acalmando meu ânimo. Troquei olhares com ele e abaixei minha cabeça, fitando o chão.

— Eu queria desculpar-me novamente por ter feito você passar vergonha e tumultuar uma festa tão importante para sua família... — Tentei caçar palavras para descrever o que queria transmitir. — Mas quando eu vi aquela garota te beijando, senti meu corpo queimar. Era uma emoção que nunca senti antes.

— Allysa, não precisas se preocupar. — Ele pegou minha mão, e ainda de frente a mim, posicionou meus dedos em seu pescoço onde tinha a marca das rosas dos ventos que fiz nele no dia que nos conhecemos. — Eu sou seu. — Meu estômago gelou de uma forma boa.

Héclyro encostou sua face à minha, tomando meus lábios para si. Aos poucos o calor que envolvia minha boca ficou mais intenso. Era sempre prazeroso beijá-lo, pois eu sentia seu gosto, seu ardor.  Ele recuou e tornou a me olhar.

Ele puxou ar para si novamente, seu peito subia e descia e eu consiga sentir a pulsação dele aumentando. Meu corpo foi atiçado de uma forma diferente, como se eu sentisse necessidade dele. Todo movimento que Héclyro fazia chamava minha atenção, que ficava na linha tênue entre a vontade de comer sua carne e beijá-lo.

Puxei-o para mim com tamanha força que me surpreendi. Percebi minhas garras aumentando, mas não para machucá-lo. Minha respiração pesou, coloquei minhas mãos no seu rosto e beijei-o com mais intensidade que o necessário. Ele parecia ter se assustado, mas não recuou, pelo contrário, ele agarrou a minha cintura com a mesma força.

Héclyro guiou-me até o chão, deixando com que meus cabelos se espalhassem pelo musgo coberto de folhas avermelhadas. Um vento forte passou pelos escombros do templo varrendo as folhas avermelhadas do musgo deixando-o quase totalmente limpo.

Héclyro caiu sobre meu corpo exercendo uma pressão extrema onde pude sentir todos seus músculos que se enrijeciam. Vagarosamente ele puxou as alças de meu vestido enquanto beijava meu ombro. Eu sentia necessidade de mais dele, passei minhas garras sobre suas roupas superiores rasgando-as.

Arranhei lentamente suas costas e segurei seu pescoço sentindo o cheiro de toda aquela região. Meu corpo estava em fora de si, de uma forma nunca vista por mim antes. Minha língua percorreu o lóbulo de sua orelha descendo até seu maxilar.

Um tsunami se instalou dentro de mim, e derramou suas ondas sobre minhas ações, fazendo com que minha mão procurasse mais zonas que eu nunca havia explorado antes em Héclyro. Sentia cada músculo dele contraindo-se quando eu o tocava.

Ele arrancou suas roupas de baixo antes que eu as rasgasse, então ele retirou os poucos tecidos que me cobriam. Seus lábios percorriam cada parte de meu corpo, e em todos esses toques sensações novas se instalavam em cada centímetro da minha pele.

O som da chuva parecia abafar nossos sons sufocados em uníssono. Todo vento que vinha sobre nós arrepiava Héclyro, e minha visão era preenchida de prazer toda vez que via suas expressões faciais. Seus lábios semi-abertos imploravam por mais ar em seus pulmões nos segundos em que nossos corpos se tocavam.

Era sempre uma satisfação senti-lo em mim com seu toque das mãos pesadas sobre meus cabelos e nuca. Toda vez que Héclyro beijava meu pescoço, era como se uma onda forte atingisse meu corpo. Toda sensação se tornava diferente até os pelos de seu corpo que passavam sobre o meu deixava-me ouriçada.

A chuva grossa havia passado e apenas os pingos tamborilavam sobre as folhas das árvores do templo de Amidh. Assim a noite passou lentamente com nossos corpos enrolados um no outro até que eu me sentisse submergida no calor.


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Notas finais do capítulo

Se tiver erros, me avisem por favor.
Obrigado a todos que abriram o capítulo para ler.
Betagem feita por: Nayara (id:615077)

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