A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos escrita por Lu Rosa


Capítulo 4
Três




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Maldito! És um maldito! – vociferava o capitão do navio espanhol.

Enquanto o capitão esperneava rendido juntamente com seus homens, os soldados de Cavendish levavam as arcas para dentro do Leicester.

— E então meu caro Dom Juan de Valez? O que mais levava das Américas para seu reizinho papista?

— Não interessa a você pirata herege! -

— Ah me interessa sim, caro capitão. Acho que vou mandar meus homens darem uma olhada no restante do navio.

— Não há mais nada para ser levado, seus chacais. – o capitão falou após trocar um rápido olhar com o padre que também estava no navio.

O olhar alarmado do padre não passou despercebido à Cavendish. Era notório que a Igreja Católica era muito rica. E agora com a expansão espanhola nas Américas os monarcas espanhóis deviam pagar muito bem pelas bênçãos de seus padres.

— Será que não, dom Juan? Vamos ver. – o pirata inglês virou-se para Thomas. – Horton, você já vasculhou um navio espanhol antes?

— Sim senhor. Muitos apreendidos por Sir Francis.

— Ótimo. Ravenhawk. – um dos nobres se aproximou. – Você como meu imediato, vasculhe a cabine do capitão junto com o senhor Horton.

— Sim, Thomas. – Ravenhawk olhou para Thomas e acenou com a cabeça para deixar bem claro quem era o líder.

Os dois desceram as escadas e o padre pegou o crucifixo que usava e começou a rezar.

Ravenhawk e Thomas entraram na cabine e começam a vasculhar. A experiência de Thomas o levou logo a mesa do capitão e usando sua adaga, começou a abrir as gavetas. Ravenhawk olhou os armários e começou a tirar os ricos gibões.

— Olha só... As vestimentas de um príncipe. Aposto que esse papista tem ligações com a casa real. Você encontrou alguma coisa, Horton?

— Algumas cartas náuticas e documentos das colônias. Provavelmente relatórios dos intendentes ou como eles chamam quem cuida das colônias.

Os dois começaram a recolher os papeis quando um dos painéis do armário se deslocou e um rosto feminino apareceu. Num rápido olhar, Thomas concluiu se tratar de uma freira ou uma jovem viúva vista que ela estava totalmente de preto.

Señorita... Nosotros no haremos daño.— ele estendeu a mão para ela. Os olhos escuros espelhavam o medo da jovem.

Independente da roupa totalmente preta, a jovem era linda. Não deveria ter mais de dezoito anos. A pele morena clara lembrava café com leite que Thomas tomara uma vez em Londres. Os olhos eram castanhos e a pele macia quanto à de um bebê. Provavelmente era filha de algum fidalgo entregue ao claustro que acompanhava o padre para alguma missão espanhola.

— Por São Jorge... – murmurou Ravenhawk. – Ela é real?

— Claro que é Sir. – ele virou-se para a jovem. – Señorita... ven conmigo. Yo te guiaré al Padre.

— Você fala espanhol, Horton?

— Sir Francis achava bom que alguns homens soubessem algumas palavras para interceptar mensagens, escutar conversas em portos.

— Interessante... Drake era um velhaco esperto. – Ravenhawk olhou para a jovem.

— Mas ela...

— Vou entregá-la para o padre. Esta claro que ela não carrega nada de valor, Sir.

— Quem sabe? Com toda essa roupa. – Ravenhawk deu uma olhada de cima a baixo e pegou no braço da menina. – Tire o vestido, papista.

Thomas o olhou assombrado.

— Sir, ela é só uma menina. Olhe como ela está assustada.

— Assustada ou não que ver o que ela tem debaixo dessas saias. – ele virou-se para a moça com um sorriso devasso. – Anda, tire tudo! – ordenou fazendo gestos para que ela tirasse a roupa.

A moça agarrou o crucifixo de prata em seu pescoço e começou a chorar e a rezar. Irritado, Ravenhawk começou a rasgar a roupa dela.

— Desculpe-me Sir, mas não vou permitir essa violência com a moça. – Thomas arrancou a freira das mãos de Ravenhawk.

— Como é?! – o nobre ficou possesso. – Você está louco? Eu sou superior a você, Horton. Você não é ninguém para dizer o que devo ou não fazer. – ele tirou a espada e apontou para o peito de Thomas.

A menina continuava a chorar e tirar a roupa, até que somente ficou em camisas intimas.

— Não faça isso, Sir. Ela não vale a pena que eu cruze espadas com o senhor. Então a deixe em paz.

O nobre o olhou abismado.

— Vou me queixar para Cavendish sobre você. Vou adorar ver você pendurado numa corda.

— Fique a vontade, Sir. Mas não deixarei o senhor fazer mal a essa menina.

— Então você morrerá com ela! – Ravenhawk avançou para Thomas brandindo a espada.

A menina encolheu-se num canto enquanto os dois duelavam. Thomas sabia que a sanidade do outro o havia abandonado. Por vários dias, ele havia presenciado Ravenhawk em atitudes insanas, como unhar-se até sangrar ou bater a cabeça repetidamente contra alguma parede. A permanência no mar deixava alguns homens loucos e, para Thomas, parecia que Ravenhawk havia chegado ao seu limite.

Talvez a demora dos dois houvesse chamado à atenção de Cavendish. Ravenhawk estava prestes a enfiar a espada no peito de Thomas quando o capitão chegou à cabine.

— O que está acontecendo aqui? – ele olhou para os dois combatentes e para a menina seminua encolhida e chorando.

— Esse biltre se rebelou contra nós, Thomas. Com certeza ele é um espião espanhol, pois fala essa língua papista e estava defendendo essa freira. – Ravenhawk cuspiu no chão.

— Não, senhor. – respondeu Thomas. – Eu falo algumas palavras em espanhol por orientação do próprio Sir Francis. E quanto à mulher, olhe para ela, é só uma menina. Não nos faria mal nenhum.

— Linus... Por que ela está nua?

— Queria ver se ela não carregava nada debaixo da roupa.

— E...

— Queria me divertir um pouco também, Thomas. Você não nos proporcionou nada nesse sentido.

— Nunca deveria ter trazido um devasso como você nessa viagem. Sabia que a falta de mulheres seria demais para você. E além dessa moça, vocês encontraram mais alguma coisa. – ele olhou para Horton.

— Alguns relatórios das colônias e cartas náuticas.

— Traga tudo com você, Horton. Vou ignorar o que aconteceu aqui, por que não posso mais perder nenhum homem. Mas mantenham-se a distância um do outro.

O tom de Cavendish não admitia réplicas e fazendo um sinal para que Horton o seguisse começou a sair da cabine.

— Senhor, - Horton o chamou. Cavendish virou-se com o cenho franzido.

— Horton, já lhe dei suas ordens. Não piore a situação.

— Senhor e quanto à moça. Posso levá-la para o Padre?

Cavendish olhou para a religiosa agarrada ao crucifixo.

— Um homem precisa se divertir de vez em quando. Não demore Linus... – dito isso ele saiu da cabine.

Incrédulo, Thomas olhou da porta pela qual o seu capitão havia saído para a espanhola.

Lo siento mucho.— ele disse a moça.

A religiosa acenou com a cabeça como se resignada com seu destino.

— Anda Horton. Sai logo daqui.

Thomas olhou com tamanho ódio para o homem, fazendo com que Ravenhawk recuasse alguns passos. Mas saiu da cabine sem retrucar.

Ao subir as escadas, alguns homens olhavam para ele com respeito. Os marinheiros de verdade desprezavam os nobres que só se aproveitavam de seus braços fortes para os trabalhos pesados e enriqueceriam com os despojos capturados.

O padre olhava para a escada como se esperasse alguém aparecer e de repente foi um grito feminino que todos ouviram. O capitão olhou com indisfarçada raiva para Cavendish que se manteve impassível junto à amurada do navio como se fosse sair a qualquer momento.

O padre persignou-se e pegando novamente o crucifixo recomeçou a rezar. Ainda arrumando a roupa, Ravenhawk subiu as escadas como um gato que come creme em quantidade.

— Pode fazer um desconto do meu quinhão, Thomas. A menina era prêmio suficiente.

— Vamos logo. Tenho a impressão que...

De repente, uma figura pálida sobe as escadas e aparece para todos. Era a pobre religiosa nua e desgrenhada olha para seu superior religioso. O homem avança para cobri-la o que ela recusa. Todos estão paralisados com aquela aparição. Dir-se-ia que ingleses e espanhóis haviam se transformados em estátuas.

Ela caminhou até Thomas e, tirando o crucifixo que usava, colocou nas mãos dele.

Gracias, señor. - era a proteção dele que ela agradecia.

Ignorando um nó que se formara em sua garganta, Thomas agradeceu o oferecimento com um inclinar de cabeça.

Em seguida ela olhou na direção de Ravenhawk e gritou

Usted es un maldito para la eternidad!

Em seguida ela correu na direção dele. Com a surpresa das palavras e o impacto dos corpos, Ravenhawk não conseguiu manter o equilíbrio e os dois caíram no mar.

Todos os espanhóis persignaram-se como se fossem um só. Com a distração, um dos espanhóis pegou a arma que carregava e apontou na direção de Cavendish.

Todos ouviram a explosão, mas a bala não atingiu o alvo. No peito do marinheiro todos viram a adaga que pertencia a Thomas Horton. Ele havia salvado a vida do corsário inglês.

O pirata olhou para Thomas. Thomas apontou para o próprio peito para mostrar à Cavendish que ele havia lhe salvado primeiro.

— Horton, eu quero vê-lo na minha cabine agora. Senhores, eu acho que já terminamos por aqui. – ele atravessou a prancha sendo seguido por Horton. Os ingleses voltaram para o Leicester, distribuindo insultos e caçoadas aos espanhóis.

— Senhor Swan, afunde aquele navio. – Cavendish ordenou quando todos haviam voltado ao Leicester.

— Sim senhor. Canhoneiros! Preparem-se para atirar!

— Canhões prontos, senhor.

— Fogo!

O navio espanhol foi bombardeado em vários pontos até afundar lentamente nas águas do Atlântico sepultando sua tripulação junto.

***

Cavendish depositou suas armas sobre a mesa e pegou uma garrafa de vinho e dois copos. Sentou-se pesadamente na cadeira

— Sente-se Horton.

Thomas sentou-se na cadeira. O pirata serviu os dois copos e estendeu um a Thomas. O marinheiro agradeceu com um aceno de cabeça, mas não bebeu do líquido vermelho escuro.

— Acho que eu lhe devo minha vida.

— Uma vida pela outra, senhor. Assim agem os companheiros de armas.

— Então o que Linus disse não procede? Que você poderia ser um espião espanhol?

— Eu admitira se fosse, capitão?

— Não, é claro. A luxúria de Linus devia ter lhe subido a cabeça. Ele diria qualquer coisa para justificar um assassinato.

— Alguns homens não conseguem lidar com a longa permanência no mar, senhor. Acho que Sir Ravenhawk chegou ao seu limite ao ver a beleza da menina espanhola.

— Isso nos leva a outra coisa. Você virou-se contra um superior para defender a espanholinha. Ela não era sua patrícia, para que você a defendesse com tanto ardor.

— Mas era uma mulher indefesa, senhor. Fui treinado para combater soldados, não mulheres.

— É louvável sua atitude. Mas somos corsários, Horton. Alguns nos consideram criminosos. E para onde vamos, é assim que vamos ser vistos. Por soldados, mulheres e crianças. E qualquer um deles terá ordem de nos matar. Você vai conseguir lidar com isso? Atacar mulheres e crianças para tirar-lhes bens preciosos?

— Vou seguir suas ordens, senhor. Não importa se concordo com elas ou não.

— Você é direto, Horton e gosto disso. E como estou sem imediato e você salvou minha vida, é justo que você assuma essa função.

Thomas olhou surpreso para o seu capitão.

— Me sinto honrado com o oferecimento, senhor, mas...

Os olhos de Cavendish estreitaram-se quando ele interrompeu Thomas.

— Não é um oferecimento, Horton. É uma ordem. A partir de hoje você é meu imediato, e qualquer hesitação de sua parte vou considerar como insubordinação.

Thomas engoliu os argumentos que iria apresentar. Como ele, um novato, poderia se apresentar como imediato para marinheiros que navegavam com Cavendish há mais tempo?

— Bem, senhor, como eu dizia me sinto honrado com a promoção e espero estar à altura de sua confiança.

— Eu também, Horton. Apresente suas novas atribuições para mestre Swan. E eu o aguardo a mesa do comandante.

Horton fingiu pensar.

— Senhor, com todo o respeito... Apesar de o senhor apreciar a companhia de seus companheiros de armas, acho que os outros nobres se sentirão estranhos ao compartilhar a mesa com um plebeu. Então, acho melhor que eu continue com os outros marinheiros.

Cavendish olhou para Thomas com o rosto fechado. De repente ele explodiu em ruidosa gargalhada.

— Você me surpreende Horton. Bem que Swan disse que você era imprevisível. Eu lhe ofereço a oportunidade se sentar-se a mais fina mesa dos mares e você prefere ficar com marujos rudes e mal cheirosos! Faça como quiser meu caro. Você foi uma ótima aquisição. Agora sei por que você era o contra mestre de Sir Francis. – ele bateu no ombro de Thomas. – Continue assim e você irá bem alto, meu rapaz.

Thomas tomou as palavras de seu capitão como um elogio. Mas também como um aviso.Continue assim e posso bem pendurá-lo numa corda. 


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Notas finais do capítulo

Então o que acharam? Nosso herói serve para ser um pirata? Ou ele sempre deixará o cavalheirismo falar mais alto? E quando ele encontrar nossa mocinha? Aguardem os próximos capítulos...  vocês não perdem por esperar.



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