A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos escrita por Lu Rosa


Capítulo 30
Vinte e nove




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Exaustos com o exercício, Martim e Thomas descansavam a sombra de uma árvore. O irmão de Leonor olhou para o inglês.
— Vosmecê ama minha irmã de verdade, não é?
— Como eu disse antes, D. Martim, eu daria minha vida por ela.
— Leonor e o que nós temos de mais precioso. Depois da morte de nossa mãe, ela assumiu sozinha nossa família, uma vez que nosso pai estava sempre longe na caça aos bugres.
— Entendi no primeiro olhar que sua irmã era uma donzela forte. Ela me enfrentou no nosso primeiro encontro.
— Se alguém que ela amar estiver em perigo, Leonor não hesita. Ela enfrenta qualquer um.
— Com todo o respeito, sua irmã e uma joia raríssima.
— Então confio em você para cuidar bem dessa joia.
— Eu juro por meu sangue.
O rapaz português levantou- se.
— Bem, agora que já estamos resolvidos, eu vou embora. E lembre-se, D. Thomas, meu pai pode ser um grande aliado, mas também um inimigo formidável. E eu estou aprendendo a ser como ele.
— Não lhes darei motivo de serem meus inimigos, fique tranquilo. - Thomas assegurou, estendendo a mão para Martim.
Eles apertaram as mãos e se encaminharam para sair da igreja. Depois cada um seguiu o seu caminho.
Ao chegar em casa, Martim já foi logo dizendo a mãe Maria:
— Eu sei que estou atrasado para almoçar, mas já vou jogar uma água no corpo e...
— Leonor não veio com vosmecê?
— Não. Ela saiu antes. Ah, talvez ela tenha ido à casa de D. Isabel Cubas, não?
— Não. D. Isabel veio aqui procurar ela. - esclareceu Mãe Maria.
— Bem, ela gosta de D. Eugenia. Apesar de não gostar muito, eu acho que ela pode ter ido visitá-la. - respondeu Martim.
A velha índia colocou a mão sobre o peito e fechou os olhos. Cambaleou para o lado.
— Mãe Maria! O que vosmecê tem, minha velha? - perguntou Martim assustado.
— Minino! Corre! Avisa teu pai. Algo aconteceu com minha minina!

***

Leonor abriu os olhos e se viu em meio a paredes gastas e um telhado carcomido pelo tempo. A penumbra não deixava ver muita coisa, mas o barulho de água corrente a fez perceber que talvez estivesse em um engenho abandonado.
Sentiu as cordas que a prendiam e tentou se soltar. Nada. Olhou ao redor para achar algo que pudesse cortar as cordas, mas a busca foi infrutífera. Quem a levara até ali sabia exatamente o que estava fazendo.
Leonor sentiu raiva de si própria. Seu pai a havia alertado para que não saísse sozinha. Era de se esperar que um canalha como D. Constâncio haveria de praticar um ato vil como aquele. Por que somente ele teria motivos para raptá-la. A não ser que... Será que Cavendish havia voltado para a vila e ela seria novamente objeto de barganha para o pirata? O que ele havia de querer? Ouro ou a cabeça de Thomas numa bandeja de prata, como João Batista?
O pensamento a arrepiou. Tinha que achar um jeito de fugir! Tanto um quanto o outro não hesitariam em lhe causar mal. A lembrança do último encontro dela com D. Constâncio ainda lhe estava vívida na memória. Aquele homem a violentaria com certeza como fizera com Carmo.
Com cuidado, foi pressionando as costas contra a parede para levantar-se. Atrapalhada pelo vestido, após algumas tentativas frustradas, Leonor conseguiu se pôr de pé.
— Sabe, eu sabia que la señorita não demoraria muito em agir... - uma voz na escuridão a assustou e ela deu um pulo assustado.
— Quem és? Apareça para que eu possa ver o covarde que sequestra mulheres em igrejas.
— Tão corajosa... Já tinham me falado de tua beleza, mas estou surpreendido pela sua coragem. Geralmente donzelas como usted choramingam e rezam.
— Quem é vosmecê? Diga logo! - ordenou Leonor ainda tentando se livrar das cordas.
— Bueno... Todo o oceano me conhece como El cuervo negro, mas - a voz perdeu o sotaque espanhol - vosmecê me conhece como...
— D. Constâncio! - Leonor o interrompeu.
— Ora, parece que estás bem informada sobre mim, cara noiva
— Ex noiva, seu biltre! Por acaso não recebeste a visita de meu pai.
— Ah que pena! Não tive o prazer da visita meu caro futuro sogro. Mas não tem problema, eu o vejo quando voltarmos.
— Achas mesmo que vosmecê ainda tem alguma chance de se casar comigo?
— Mas é claro! Por que não teria? Vou ser o homem que te levará sã e salva de volta a Santos. Mas vosmecê me será tão agradecida que se entregará para mim e eu não poderei resistir ao belíssimo presente.
— Mas sonha... - a moça debochou. - Não tens limite em teus desvarios, não é?
— Não. Minha paixão por vosmecê não tem limites. Veja.
D. Constâncio aproximou-se de Leonor e segurando seu braço e jogou no chão. A moça gritou com a batida no chão. Ele jogou-se por cima dela, imobilizando-a com uma das mãos. A outra ele tentava lhe subir o vestido.
— Não! Solte-me, canalha! - Leonor lutava como podia. Movia as pernas tentando chutá-lo, erguia a cabeça tentando mordê-lo, mas tudo em vão. O violento homem conseguiu tocá-la no centro de sua feminilidade.
Ao sentir a mão dele em si, Leonor soltou um grito de puro ódio.
— Não! - Lágrimas de raiva escorreram dos olhos da moça.
Nesse momento, D. Constâncio levantou-se de cima dela. Leonor arrastou-se para a parede, encolhendo-se como um animal ferido.
— Queria apenas lhe mostrar, minha querida, que não podes vencer-me. Vosmecê é corajosa, mas é uma frágil mulher. Eu poderia ter dado um ambiente mais romântico para vosmecê para a nossa primeira noite. A espera será angustiante, mas será tão prazerosa. Volto mais tarde para colher a sua fina virgindade, minha cara.
Leonor sentia-se tão imunda e desesperada que não conseguiu articular nenhuma palavra.
Ele já ia saindo quando voltou para dizer mais uma coisa.
— Para seu consolo, saiba que seu amado inglês não saberá que seu pecado. Farei que o enforquem hoje mesmo acusado de seu rapto. - e sem esperar a resposta de Leonor, ele saiu.
A moça abaixou a cabeça e chorou com o desespero daqueles que se veem sem esperança de salvação. Nunca haveriam de acha-la.

***

Thomas olhava divertido a movimentação de D. Isabel e D. Paulo. O pobre homem estava parado completamente imóvel enquanto a esposa fixava alfinetes em tecidos para depois costura-los.

            - Ficas quieto, Paulo! Assim te farei uma calça com a perna mais curta do que a outra.

            Tentando manter a calma, D, Paulo olhou na direção de Thomas e o surpreendeu a sorrir divertido.

            - Ah, inglês! Estás a achar graça... Quero sé ver quando chegar a tua vez. Leonor aprendeu com Isabel a costurar.

            - Não te aborreces. Minha falecida esposa também me obrigava a parecer uma estátua quando cismava de me costurar roupas.

D. Isabel parou o que fazia e, tirando os alfinetes da boca, perguntou a Thomas.

            - Vosmecê quase não fala de tua vida além daqui. Como é tua terra, D. Thomas? É verdade que a rainha de lá não envelhece nunca?

            - A rainha Bess, como a chamam. Não, D. Isabel. Ela não é tão jovem agora. A Inglaterra... Era um lugar bom. Pelo menos onde eu morava. No campo... Neve no Natal, as macieiras em flor perfumando tudo... - lembrou Thomas. - Alice, minha falecida esposa, era minha conhecida desde a infância. Seu pai era o pastor da aldeia onde vivíamos. E, no verão...

            Thomas foi interrompido por um alarido que vinha de fora da casa. Rapidamente, D. Paulo livrou-se dos tecidos e dos alfinetes e saiu da casa acompanhado de Thomas e Isabel.

D. Constâncio apontou para o inglês.

— É aquele ali. Prendam esse miserável e o façam contar onde ele colocou a minha noiva.

            - O quê? - perguntaram-se ao mesmo tempo Isabel e Thomas.

O grupo de soldados avançou para cima do rapaz.

— O que isso? Estão loucos? - perguntou D. Paulo.

— Senhor Thomas Horton, o senhor está preso pelo sequestro de D. Leonor Duarte da Meira. - proferiu o capitão Azevedo

— Impossível! Como ele poderia?  Ele estava conosco todo o dia de hoje. - D. Paulo argumentou.

— Ele é o único que teria motivos para levar minha noiva. - acusou D. Constâncio. - Onde ela está, seu patife? Ela resistiu aos seus avanços e vosmecê a levou, não é? Diga, canalha!

—Estou vendo só um canalha aqui, senhor. Violador de escravas. Agressor de mulheres...

— Filho de uma cadela... - D. Constâncio ficou lívido de ódio. - Eu lhe mostro. - ele avançou para Thomas disposto a agredi-lo.

— D. Constâncio acalme-se. - pediu o capitão. - Fazê-lo falar é nosso dever. Levem-no!

            - Sim. Ele vai falar... - aquiesceu D. Constâncio com um sorriso sádico. - A verdade irá aparecer.

           - Vosmecê está errado. A verdade já apareceu. - falou Isabel convicta.

D. Constâncio olhou para ela surpreso.

— Não se preocupe, Thomas. Vou resolver isso. - prometeu D. Paulo.

— D. Paulo, descubra o que aconteceu com Leonor. Não se preocupe comigo. - o inglês respondeu enquanto o levavam.

Isabel abraçou o marido enquanto D. Paulo se perguntava como haveria de resolver aquele enrosco.

 


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