A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos escrita por Lu Rosa


Capítulo 29
Vinte e oito




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De manhã, enquanto D. Constâncio saía apressadamente de casa acompanhado de três homens e sem dar satisfações a ninguém, Leonor ajudava as índias a prepararem o café da manhã dos homens da casa e dos empregados.
Quando a família Duarte da Meira reuniu-se para dar graças aos alimentos e comer, D. Bernardo olhou para a filha.
- Leonor, pensei em tua situação e decidi mandar-te de volta para Rio Santo. Lá ficarás sob a guarda de Mãe Maria e protegida pelos meus empregados.
A jovem olhou para o pai por alguns minutos, para então perguntar.
- E por que razão meu pai?
- Não é seguro para ti ficares aqui. Vou conversar com D. Constâncio para que ele faça valor para indenizá-lo.
- Indenizar D. Constâncio, meu pai? - perguntou Martim.
- Por quebrar o compromisso de casamento com tua irmã. Nenhuma aliança, por mais poderosa que seja compensará a minha dor de ver minha filha infeliz.
Leonor olhou para o pai como se ainda não compreendesse as palavras dele. Em seguida olhou para Martim, que tinha um sorriso na boca cheia de pão. Pouco a pouco as palavras de seu pai lhe foram penetrando a mente a fazendo entender que estava livre!
- Oh meu pai! Que Deus o abençoe! Estou livre, Martim. Livre! - a jovem levantou-se da mesa e abraçou seu pai. O rosto lavado por lágrimas de alegria.
- Fez a escolha certa, meu pai. - o rapaz bateu de leve no braço do pai à guisa de cumprimento. - Tenho certeza que irás bem feliz para Rio Santo agora, não é Leonor?
- Sim! Eu preciso dizer a Isabel... Ela há de ficar feliz com a minha alegria.
- Espera Leonor. Deixe que eu comunico aos Cubas. Não quero que vás sozinha lá.
- Mas meu pai...
- Menina, posso ser sentimental contigo, mas não sou bobo. Não porás os olhos no inglês até que eu decida se ele é digno de ti. - a voz de D. Bernardo não admitia réplicas. - Se ele provar que não é um biltre, então tratarei de arrumar uma colocação para ele na colônia para que vocês possam se casar. Se ele te amar como ele diz, esperará por vosmecê.
- Ele se tornará digno como queres, meu pai. - Leonor respondeu com o fervor dos apaixonados. - O senhor verá.
- Que assim seja. Agora vamos terminar o nosso desjejum que eu tenho coisas a fazer.
A moça tornou a sentar-se. Mas ela já não tinha mais fome. A notícia que seu pai lhe dera era auspiciosa demais para que pensasse em comida. Livre! Agora era livre para entregar seu coração ao seu verdadeiro dono. Se casaria com Thomas e eles seriam felizes para sempre.

***

D. Brás subiu em seu cavalo. Ele aguardou os outros homens que o acompanhariam até São Vicente se prepararem também para então falar a D. Paulo.
- Veja bem, Paulo. Não devo levar mais de três dias para voltar de São Vicente. Basta que eu veja o que há de errado nos engenhos de lá.
D. Paulo acenou com a cabeça concordando. O sogro nunca delegaria suas obrigações a ninguém. Ele nunca afligiria a esposa, mas tinha a ligeira impressão que a idade já começava a pesar para o sogro.
Mas vê-lo assim, paramentado para a viagem em cima do cavalo, lhe pareceu que D. Brás era invulnerável à passagem do tempo.
Sem mais demora, o grupo começou a se deslocar para o oeste na direção de São Vicente.
- D. Paulo. - chamou Thomas aproximando-se. - O senhor vai precisar de mim?
- Por enquanto não, Thomas. Vou aproveitar a saída de D. Brás para ficar um pouco com minha família.
Thomas sentiu uma ponta de tristeza pela família que havia perdido na Inglaterra. Mas, se Deus o ajudasse, ele poderia formar uma nova ali naquela nova terra. E só haveria uma mulher digna para ser a mãe de seu filho, pensou com o coração transbordando de amor.
- Eu... eu vou dar uma volta. Dar um mergulho no mar, quem sabe?
D. Paulo o observou afastando-se com um sorriso malicioso nos lábios. Sabia muito bem o que ele iria fazer. Ou quem iria procurar.

***

Leonor e Martim entraram na igreja. Caminharam ao longo da nave indo para os fundos do prédio. Ali estavam enterrados os fidalgos de sangue da vila.
- Aqui. - ela se abaixou e depositou uma guirlanda de flores em um montinho de terra onde uma tosca cruz de madeira estava fincada. A sepultura se diferenciava das outras pelas guirlandas de flores depositada sobre ela e pela pequenina adaga fincada da terra encostada a cruz.
- Ele já estava morto quando Agoirá o encontrou. Parecia que estava dormindo de tão tranquilo estava o seu semblante. Talvez nossa mãe tenha vindo busca-lo.
- Padre Afonso iria lhe penitenciar, Leonor, se a ouvisse. - Martim se abaixou junto da irmã.
- Ah Martim. Eu não peco por pensar assim. Um pouco de alento seria bom. - Leonor arrancou alguns matinhos distraidamente.
- Precisas alegrar-se minha irmã. Nosso pai já a vai livrar do compromisso com aquele sombrio senhor.
Leonor olhou para o irmão. Será que Martim seria um aliado em seu romance com Thomas?
Os pensamentos da moça pareciam estar estampados em seu rosto, pois o rapaz a puxou pelo ombro beijando sua cabeça.
- Tenha fé, irmãzinha. Eu lhe ajudarei no que precisares. Nosso pai me falou de um certo inglês que anda a te rodear
A jovem corou, escondendo o rosto no ombro do irmão e quando já ia falar sobre Thomas, eis que o próprio aparece, flagrando aquele momento fraternal.
- Thomas! - esquecendo-se de tudo ao redor, Leonor levantou-se e correu para os braços do amado. Ele cingiu-lhe a cintura fina com as mãos, espantando de ver como o seu coração batia rápido na presença dela.
- Minha amada! Senti tanta sua falta!
Martim levantou-se também olhando aquela cena diante de si. Uma parte dele sentiu ciúmes ao ver a sua irmã nos braços de outro. As longas ausências do pai tornaram os dois unidos como unha e carne. Leonor sempre cuidou dele e de João Guilherme como uma segunda mãe.
E agora vê-la assim tão enlevada nos braços daquele desconhecido... Mas espere! Sua irmã apresentava um brilho no olhar como ele nunca vira. E aquele homem olhava para ela com adoração. Eles se amavam profundamente. E Martim sentiu-se feliz pela irmã.
- Então, Leonor. - ele se aproximou dos dois. - Não vai me apresentar o seu inglês.
Thomas submeteu-se ao exame do outro em silêncio, embora com o cenho franzido. Quem era aquele rapaz que se dirigia à sua amada como tanta familiaridade?
- É claro! Thomas, este é meu irmão Martim. Martim, esse é meu anjo da guarda, meu protetor e amor para toda a eternidade Thomas.
Irmão! O inglês sentiu vontade de se estapear. É claro, ele pensou notando a semelhança entre eles. O sorriso que o outro lhe dirigia ao lhe estender a mão era quase igual ao de Leonor. Ele só não formava as covinhas que ele adorava ver no rosto dela.
Os dois homens apertaram-se as mãos firmemente sob o olhar contente de Leonor. Se tinha alguma dúvida de que o irmão seria seu aliado, ela se desvaneceu naquele momento.
- Então quer dizer que minha irmãzinha andou lhe dando trabalho?
- Defender sua irmã é meu dever. Eu daria minha vida por ela. - Thomas a tocou no rosto.
- Não é preciso tanto, meu amor. Se desse sua vida por mim eu imploraria para morrer junto. - Leonor pousou o rosto afogueado no peito do rapaz.
- Ah! Está bem! - disse Martim levantando as mãos em sinal de exasperação. - Eu já entendi! Argh. Deus me livre de ficar enamorado de alguém. Ficam todos melosos e doces demais. Ei, inglês. - Martim puxou sua espada. - Você maneja bem isso?
Leonor arregalou os olhos assustada.
- Martim, o que é isso?
- Ora mana... Não corte a brincadeira! Vamos lá inglês. Sabe manejar isso ou agora está mais interessado em poemas?
Poesia era algo estranho para os homens daquelas paragens. Delicadeza era uma palavra que não existia em seus vocabulários. Então, Thomas beijou a mão de Leonor e sacou a sua espada pondo-se em guarda.
- É claro que ainda sei manejar e muito bem. Aguente a sua mão, menino. Vais enfrentar o melhor soldado de Sir Francis Drake.
- Vocês dois estão loucos! Isso aqui é o pátio de uma igreja, e se Padre Afonso pegar vocês eu não quero nem ver.
Os dois começaram a cruzar as espadas. Primeiramente devagar, estudando-se. Depois com mais ardor, mas com cuidado. Afinal nenhum dos dois queriam ferir o outro.
- Olha aqui, se os dois marmanjões vão ficar aí brincando, eu vou me embora. Adeus.- Leonor saiu pisando duro.
- Adeus! - respondeu os dois em uma nova camaradagem.
Leonor entrou na igreja e resolveu agradecer a Deus pelas graças daquela manhã. Afinal, contrariando sua própria personalidade, seu pai havia voltado em sua palavra a liberando do compromisso com D. Constâncio e Martim e Thomas estavam se entendendo às mil maravilhas pelo que parecia. Era tudo bom demais para ser verdade.
De repente, ela se sentiu segura por alguém e tudo ficou escuro. Então, Leonor entendeu que não se deve duvidar das graças que Deus nos concede, pois elas podiam durar muito pouco.


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