A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos escrita por Lu Rosa


Capítulo 28
Vinte e Sete




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O tropel de cavalos chamou a atenção de D. Brás que se ocupava em consertar uma das janelas quebradas durante o ataque dos índios.

            Envolto em uma nuvem de poeira vinha D. Bernardo com cara de poucos amigos. Avistou Thomas que se ocupava em serrar uma prancha de madeira.

            - Vosmecê! - ele disse em tom acusatório se encaminhando diretamente para Thomas até estar face a face com ele. - Se vosmecê se aproximar de minha filha novamente, eu não respondo por mim.

            Thomas olhou para o homem furioso à sua frente e entendeu que seu envolvimento com Leonor havia sido de alguma forma deturpado. Fez um sinal para deter D. Brás indicando que ele mesmo resolveria a questão.

            - D. Bernardo, eu amo sua filha. - declarou sem medo.

            - Canalha! - D. Bernardo desferiu um soco no rosto de Thomas.

            O inglês respirou fundo antes de endireitar-se enquanto D. Brás segurava D. Bernardo.

            - D. Bernardo! O que é isso homem?! Se acalme!

            - Esse maldito está a ponto de desgraçar a minha filha e pedes para acalmar-me? Eu quero mata-lo.

            Thomas olhou para D. Brás serenamente.

            - D. Brás, pode soltá-lo.

            O outro olhou para Thomas como se ele tivesse perdido o juízo. O inglês apenas assentiu com a cabeça.

            Relutantemente, D. Brás afastou-se de D. Bernardo. O jovem olhou para o homem mais velho com a mesma fleuma, o que surpreendeu o pai da moça.

            - O senhor não falou com Leonor, não é?

            - Eu não tenho nada para falar com ela. Basta-me saber que vosmecê a rodeia como um abutre...

            - Ela me ama! - Thomas elevou a voz pela primeira vez. - Nós nos amamos. Eu já matei um homem por ela, traí meu comandante, desisti de ir embora e estou aqui à disposição das autoridades dessa colônia por ela. Eu preferiria morrer a fazer mal a Leonor. Ficaria honrado em tê-la como esposa, mas compreendo que nada tenho a oferecer a ela no momento a não ser minha devoção eterna.

            - D. Bernardo, ouça o rapaz. Ele está aqui de peito aberto aceitando seu julgamento precipitado. Vosmecê baseia-se nas palavras venenosas de D. Constâncio, tenho certeza. Devia ouvir primeiro o que Leonor deseja também.

            - Leonor deseja o casamento com D. Constâncio, ela me disse. - rebateu D. Bernardo, sem mencionar que havia presenciado os sinais de que a filha nutria um sentimento profundo pelo jovem que agora o encarava perplexo.

            Thomas olhou para D. Brás como se buscasse ajuda e o português colocou a mão no ombro dele.

            - Não te afliges. Isabel me contou sobre Leonor. De sua tristeza com o compromisso com D. Constâncio. Com certeza há mais coisa nessa história do que estás, a saber, D. Bernardo. Mas agora, venha. Vou chamar Isabel para que ela mesma te conte tudo o que sabes. E quanto à vosmecê Thomas, vais botar um emplasto nesse inchaço. Com certeza, não estás mais bonito.

            O inglês se afastou não sem antes fazer um aceno com a cabeça a guisa de cumprimento a D. Bernardo.

            - Vês? O jovem é de valor, meu amigo. Vosmecê o agrediu e ele nem revidou ou perdeu a calma. Agora D. Constâncio...

— D. Constâncio não teria razão de difamar minha filha de propósito. - insistiu D. Bernardo.

— Estou lhe dizendo, meu amigo. Vosmecê está enganado em relação a D. Constâncio. Aquele homem é uma cobra peçonhenta. - respondeu D. Brás quando eles entraram na casa.

            - E vosmecê está baseando suas suspeitas na palavra de um pirata?

            - Este homem salvou a mim e minha família da morte certa.

            - Ah D. Brás... Pelo amor de nosso Senhor Jesus Cristo.  Piratas mentem, roubam como se respirassem. Eu não ficaria surpreso se Cavendish não estivesse aí, escondido em algum buraco só esperando um sinal desse biltre.

            Antes que D. Brás respondesse, um dos empregados entrou na sala.

            - O que é Francisco?

            - D. Brás, tem dois soldados da Sua Majestade querendo falar com o senhor.

            - Faça-os entrar, Francisco.

            - Pois não senhor. - o empregado saiu e voltou acompanhado dos dois soldados.

            - D. Brás. D. Bernardo. - um dos soldados cumprimentou os dois fidalgos.

            - Capitão Azevedo. - D. Brás adiantou-se para apertar a mão do capitão. - O que traz vosmecê à minha casa?

            - Queria eu que fosse uma visita, D. Brás. Estou aqui para levar o pirata Thomas Horton.

            - Ora... E por que? D. Thomas já não provou que quer ajudar a colônia?

            - Mas isso não apaga a forma que ele chegou aqui.

D. Brás socou uma mão na outra.

            - Por Deus! O homem teve a oportunidade de fugir com os piratas! Não o fez, salvou a mim e minha família e ainda nos ajudou contra os carijós. Na minha opinião apaga qualquer coisa que os outros piratas tenham feito.

            Atraídos pela voz alterada de D. Brás, Isabel e Thomas vieram da cozinha e tomaram conhecimento dos fatos.

            - D. Thomas é um homem de valor.  Estou disposto a me responsabilizar por ele.

            O inglês adiantou-se.

            - Não é necessário isso, D. Brás. Mais cedo ou mais tarde nós sabíamos que isso aconteceria. Eu resigno ao meu destino.

            Um dos soldados já se adiantava para prender as mãos de Thomas com uma corda.

            - Não! Meu pai, faça alguma coisa. - Isabel pediu. - D. Bernardo, Leonor morrerá de desgosto se D. Thomas for executado.

            A lembrança das lágrimas da filha enquanto queimava o ferimento do pirata fez D. Bernardo tomar uma atitude.

            - Não. Espere Capitão. Eu me responsabilizo pelo rapaz.

D. Brás olhou para D. Bernardo primeiro com surpresa depois com alivio.

            - D. Bernardo, com todo o respeito, o senhor sabe que qualquer crime realizado por este homem, o senhor também será responsabilizado? Se ele fugir, o senhor arcará com as consequências.

            - Eu ajudei a fazer as leis dessa colônia, Capitão. Estou a par de tudo. Deixe-o.

            Enquanto o soldado desamarrava as mãos de Thomas, D. Bernardo se aproximou dele.

            - Estou fazendo isso por que sou um homem considerado justo, rapaz. E não aceito que você seja punido pelos atos de outros. Mas lhe aviso: Mantenha-se longe de minha filha, ou vai preferir ter sido preso.

            - Eu lhe agradeço a confiança, D. Bernardo. E confio que Deus lhe mostrará o quanto eu posso ser digno de sua filha.

            Sem responder, D. Bernardo cumprimentou os outros com um aceno de cabeça e saiu da casa de D. Brás. O capitão Azevedo e seus soldados também se retiraram sem demora.

D. Brás sentou-se pesadamente em uma das cadeiras.

            - Jesus Cristo! Pensei que D. Bernardo ia matar-te Thomas.

            Thomas sorriu com a calma que lhe era característica, mas por nada no mundo ele confessaria que o pai de sua amada o havia assustado.

***

— Eu fiz a denúncia contra o pirata, Capitão. - D. Constâncio estava inconformado. - Tudo o que o senhor tinha de fazer era prendê-lo.

— Eu fiz exatamente isso, D. Constâncio. -  responde o Capitão enquanto D. Constâncio andava pela sala como um fera enjaulada. - Mas D. Bernardo Duarte da Meira tomou o rapaz sob sua custódia.

D. Constâncio parou de andar e apoiou-se na mesa do Capitão inclinando-se para a frente, como se quisesse intimidar o militar.

— Como? Assumiu a custódia dele. Então o levou para sua própria casa? "Será que ele havia calculado mal a raiva de D. Bernardo e aproximado ou invés de separar o inglês de Leonor?

— Não. O rapaz ainda está na casa de D. Brás, por enquanto.  E D. Bernardo sabe que será responsável por tudo que o pirata fizer.

D. Constâncio olhou para o militar com um brilho no olhar.

— Responsável?

— Isso. Como assumiu a custódia do pirata, se ele fugir ou cometer algum crime, D. Bernardo é acusado de cumplicidade. São as leis e ele sabe disso.- explicou Azevedo.- Por tanto, fique tranquilo D. Constâncio.

— Hum. " Talvez não tenha sido um tiro pela culatra então.", pensou D. Constâncio.

Leonor endireitou o corpo e olhou ao redor. A quietude da mata a acalmava assim como o barulho da água que corria no regato. Ela recolheu as roupas lavadas e as colocou na cesta. Acostumada a fazer os serviços da casa em Rio Santo, ela não agiria diferente na casa de Santos.

            Deu um suspiro de satisfação ao sentir a água fria bater-lhe nas pernas.

— D. Leonor! - gritou Carmo correndo em sua direção.

Leonor levantou-se da pedra e pegou a cesta. Ao sair da casa de D. Constâncio, Leonor fez questão de oferecer uma quantia pela índia.

— "Eu a dou a vosmecê."- lhe disse D. Constâncio.

— "Não é justo. Quero comprá-la." - respondeu Leonor pousando um saquinho de moedas. - Por favor diga-me quando queres por ela.

D. Constâncio a observou divertido. A moça era irredutível. Firme em suas opiniões. Uma qualidade admirável, mas desnecessária para ele. Com certeza, algo adquirido a partir da complacência do pai. Depois do casamento, ele haveria de torna-la mais maleável. Se não, tanto pior para ela.

— " Então está bem, minha querida.  Dê-me apenas 3 moedas por ela. É um preço justo por uma índia de casa."

E assim, Carmo foi para a casa dos Duarte da Meira.

— Seu irmão acaba de chegar, D. Leonor.

— Martim?! Martim está de volta? - Leonor não conteve um suspiro - Então não há mais razões para adoramos o casamento.

— Eu estarei com a senhora, D. Leonor. - Carmo assegurou.

A moça olhou para ela com um triste sorriso.

— Por ora vou me alegrar por não ter perdido outro irmão. Vamos Carmo.

Quando retornou a casa, os risos logo a alcançaram. Ela viu um homem abraçado a seu pai. Quando eles se separaram, mal pôde acreditar em seus olhos. Aquele era Martim? O rapazola que havia acompanhado seu pai ao sertão há pouco mais de dois meses? Aquele homem de pele curtida como outro bandeirante qualquer?

— Martim?

O homem olhou para ela e correu para pegá-la nos braços.

— Leonor! - rodopiou com ela diante dos olhares felizes e complacentes de D. Bernardo e Mãe Maria.

— Martim? É vosmecê? Mas... onde está o rapazote que acompanhou nosso pai para o sertão?

— Está aqui. Dois meses e meio de trabalho duro no lombo de um cavalo.

— Meu Deus! Estás um homem feito. Perdi meus meninos! Vosmecê agora é um homem e Joao Guilherme...- a voz dela tremeu nesse momento.

O rapaz a abraçou, encostando o rosto em seu peito.

— Nosso pai me falou de Joao Guilherme. Quisera eu estar aqui para te consolar, minha irmã.

Leonor enxugou as lágrimas que correram.

— Já me basta que vosmecê está de volta. Tenho muito a agradecer a Deus hoje.

—  Sim! - D. Bernardo abraçou os seus dois filhos – Hoje é dia de festa nessa casa.

***

            Mais tarde, D. Bernardo olhava as chamas da fogueira na frente da casa quando sentiu a presença de alguém ao seu lado.

            - Meu pai. - disse Martim tocando o ombro do pai.

            - Martim. Senta aí comigo. Não consegues dormir?

            O rapaz sentou-se no banco.

            - Passei muito tempo contando as estrelas acima de mim para agora trancar-me entre quatro paredes.

            - Um dia vosmecê se acostuma com o céu e o teto de uma casa.

            Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos apenas desfrutando a quietude da noite.

            - Mas há outra razão para que o sono me faça fuga... - comentou Martim

            - Talvez seja o mesmo que o meu. - respondeu D. Bernardo.

            - Leonor?

            - Sim.

            - Meu pai, não me lembro dos olhos de minha irmã serem tão tristes e a voz tão mansa.

            - Ela ainda chora pela morte de João Guilherme. - esclareceu o pai.

            - Mas mesmo assim combateu os índios.

D. Bernardo calou-se na dúvida se deveria ou não por Martim a par de sua aflição de pai.

            - A dor de tua irmã tem nome e sobrenome.

            - D. Constâncio Olinto de Siqueira? - quis saber Martim.

            - Não. Thomas Horton.

            - Não conheço esse.

            - É um inglês. Veio com aos piratas de Cavendish.

            - Um bandido! O que Leonor pensa?! - o rapaz exclamou surpreso. Sua irmã era uma pessoa sensata. Nunca cometeria um absurdo desses.           

— Ele parece ser mais um soldado do que pirata, Martim. Obtive algumas informações sobre ele e D. Brás o tem em alto conceito por ele ter se rebelado ao seu comandante a cometer assassinato a sangue frio dos líderes da aldeia.

            - Soube sobre isso. - respondeu Martim. - E por que meu futuro cunhado não foi feito refém junto.

            - Por que ele é mais negociante do que soldado. Não vou dizer a vosmecê que fiquei feliz com a postura dele. Um homem que se esconde atrás de saias das mulheres?! Mas também se ele não tivesse feito isso, talvez teríamos perdido Leonor para os piratas.

            - É. Ele me contou que pagou resgate por Leonor. - Martim endireitou-se no banco para enfrentar seu pai. - Mas meu pai, será que tanta gratidão vale a infelicidade de Leonor. Se antes ela não suportava a ideia de casar-se com D. Constâncio, agora, amando a outro, ela deve estar sofrendo muito.

            - Sim, e não te nego o quanto isso me corrói a alma. Mas o que posso fazer? Entregar Leonor, a minha filha querida, a um aventureiro estrangeiro sem eira nem beira?

            - Muitos homens chegam aqui sem nada, meu pai. E provam ser capazes de domar essa terra selvagem. Será que não seria o caso desse inglês?

            - Eu não sei. Queria tanto que esse rapaz fosse para longe daqui. Mas ele me afirmou que ama sua irmã e tudo fará para provar que é digno dela. Mas D. Constâncio me pressiona a dar-lhe Leonor.

            - Ora, meu pai. Tens como esmagar esse inseto inoportuno. Dê tempo para que o inglês possa te provar. Não obrigue Leonor a ser infeliz por toda a vida. - Martim levantou-se e deixou o pai entregue as mais profundas indagações.

 


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