A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos escrita por Lu Rosa


Capítulo 20
Dezenove




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Bernardo olhou para o sol à sua frente e calculou. Devia ser quase meio da manhã. Hora de apear-se e comer.

            Ele ergueu a mão direita e a tropa parou. Ele desceu de seu cavalo, dando tapinhas no pescoço do animal. Era seu companheiro de viagem. Um bom animal.

            Os tropeiros logo trataram de arranjar as caças para assar. D. Bernardo tirou do alforje uma botija de água. Ele nunca bebia vinho ou outra bebida enquanto estava em expedição.

            - Olhe meu pai. – Martim chamou a sua atenção. – Será um fugitivo?

Bernardo olhou na direção apontada pelo filho e estreitou a vista. Um índio corria na direção deles.

            - É Igaracê! – D. Bernardo acenou com a mão para o índio.

            - Igaracê?! Aqui?! – surpreendeu-se Martim. – Será algo da parte de Leonor, meu pai?

            - Isso nós vamos descobrir agora. – ele começou a se deslocar para frente ao encontro de Igaracê. O índio praticamente desabou aos pés de seu senhor.

            - D. Bernardo... – Igaracê ofegou cansado. – Finalmente eu encontro o senhor...

Bernardo ajoelhou-se no chão e lhe deu água para beber. O pobre bebeu grandes goles do líquido.

            - Gonçalves, vê algo para ele comer. O umbigo dele está chegando ao espinhaço. – mandou D. Bernardo. O homem correu para atender ao seu patrão.

            Mais tranquilo, agora que tinha achado o seu senhor, Igaracê fechou os olhos e começou a respirar mais devagar.

            - Diga Igaracê. Por que vosmecê está aqui? Foi Leonor? Ou João Guilherme? Aconteceu algo com meus filhos?

            - A vila foi atacada, D. Bernardo. – contou Igaracê.

            - Como foi? Quando foi?

            - Na noite do Deus menino. Todos estavam na oca dos padres.

            - Sei. Na igreja. E o que mais? – quis saber D. Bernardo.

            - Igaracê gosta da fala dos padres. Mas Agoirá não. Então Igaracê acompanhou moça Leonor para oca dos padres, mas esperou do lado de fora. Aí, Igaracê ouviu trovão vindo do navio e tudo caiu. Gente gritava e corria. Tudo mundo fugia.

            “Canhões...”, pensou D. Bernardo. “Foram piratas.”

            - E minha filha?

            - Moça Leonor correu para Igaracê e disse: “Igaracê, corre e encontra meu pai!” E Igaracê correu.

            - E depois? – perguntou Martim. – Minha irmã...

            - Igaracê ouviu moça Leonor gritar brava. Igaracê se escondeu para ver moça Leonor bem. E o homem levou moça Leonor de volta oca dos padres. Igaracê procurou D. Bernardo todo lugar, mas ninguém viu D. Bernardo.

            - Nós fomos mais para o sul. Mas é bom que estejamos perto de Cananéia. Chegaremos à Santos em dois dias.

            - Mas Leonor está sendo mantida refém! – declarou Martim. – meu pai, precisamos livrar minha irmã.

            - Calma Martim. – D. Bernardo bateu no ombro de Igaracê e o índio deitou suspirando aliviado por ter cumprido sua missão. – Não sabemos em que pé está tudo lá em Santos. Quantos piratas estão dominando a vila. Eu voltarei com Igaracê para a vila e levarei Romão e João Afonso.

Martim sacudiu a cabeça discordando.

— Meu pai... E eu? Quero voltar para Santos também.

Bernardo já se dirigia ao seu cavalo para prepará-lo.

— Vosmecê e os outros levam as peças para D. Pascoal e encontram conosco em São Vicente. Eu disse à Martim Afonso que nós estávamos necessitados de mais armamentos e soldados. Até quando ficaremos à mercê desses bandos infernais?

— Está bem, meu pai. – Martim capitulou. – Irei me preparar para irmos.

— Vosmecê é um bom rapaz. Não há mais ninguém que eu possa confiar a entrega das peças. Vosmecê é meu herdeiro, Martim.

Martim tentou esconder o quanto as palavras simples do pai o haviam emocionado. O pai não era dado a sentimentalismo e ele sabia o quanto aquelas palavras eram verdadeiras na boca de D. Bernardo.

— Igaracê! – D. Bernardo chamou.

Num segundo, o índio pôs se de pé. Atento, como se tivesse descansado a noite inteira e não apenas por alguns minutos.

— D. Bernardo?

— Vamos voltar para Santos. – D. Bernardo movimentou o cavalo e Igaracê correu ao seu lado, fiel como um soldado.

Para o lado oposto, Martim seguiu com os outros para São Paulo de Piratininga.

***

            Alguns dias depois, com a volta do Dainty e do Roebuck, Cavendish resolveu levantar ancoras. Reuniu todos os seus capitães e segundo oficiais e fez o comunicado.

            - Já ficamos por tempo demais nessas terras. É hora de dar prosseguimento à nossa busca por glórias. A perda do Black Pinnace é um sinal que devemos deixar essas águas.

            Como era de se esperar os homens comemoraram muito a decisão de seu comandante.

            Alguns, porém, e entre eles Thomas, mal conseguiram disfarçar a tristeza.

            Nesse momento, um dos piratas abriu a porta da cabine.

            - Com licença, Sir Thomas. Mas há um moleque índio dizendo que tem um recado para o senhor. Já falei para ele entregar a

            - Deixe- o entrar.

            Um rapazote de uns quinze anos entrou. Sua postura era quase tão arrogante quanto à dos homens que o observavam. Ele entregou o pedaço de papel para Sir Thomas.

            - Meu senhor mandou entregar ao senhor do navio.

            Thomas traduziu as palavras do indiozinho para seu comandante.

            - Sim, sou eu. – Cavendish estendeu a mão para o rapaz. Ele rompeu o lacre e leu a missiva. Um sorriso estampou-lhe o rosto.

            - Senhores, - ele sacudiu o papel – um convite à sorte de fazer negócios com as pessoas certas. Preparem os navios; quando eu voltar, zarparemos no mesmo instante.

            Os homens bradaram alegres.

            - Thomas, venha comigo. Precisarei dos teus serviços de tradutor. Cocke, Davies venham também. E tragam as armas. Duas para cada.

            - Sim senhor. – os homens saíram para dar as ordens de preparação dos navios para zarparem na maré cheia.

            Cavendish olhou para o papel em suas mãos. Um substituto para o navio que perdera. D. Constancio lhe oferecia um navio se ele lhe resolvesse outro problema. El cuervo negro queria outro homem além de D. Brás. E o pior é que ele gostava de Horton... Mas a vida era feita de escolhas. E Horton, infelizmente, havia escolhido mal o seu.

***

            João Guilherme terminou de subir a íngreme trilha e suspirou ao ver o mar à sua frente. Em uma das vezes que acompanhara Leonor até a igreja de Santa Catarina, enquanto ela rezava com as outras mulheres, ele e Agoirá haviam descoberto a trilha que levava a uma parte alta totalmente inexplorada.

            O menino fez o índio jurar segredo sobre a descoberta. Leonor tinha muito medo que ele ficasse em lugares altos.

            Gostava muito de explorar os arredores. Sempre olhava o mar pensando o que haveria além do horizonte. Que novos povos habitariam além do que a vista dele alcançava.

            Mas ele não tinha vindo até ali para ficar sonhando. Leonor estava muito triste ultimamente. E João Guilherme achava que era por causa do rapaz que encontrara sua bola algum tempo atrás.

            Leonor nunca soube que ele havia visto ela e o rapaz juntos. Mas, ao sair da mata, ela tinha um sorriso bobo no rosto e se ele era o responsável pelo sorriso da irmã, João Guilherme achava que poderia gostar dele.

            Ele começou a colher as flores que cresciam ao redor. Leonor gostava de flores, assim como sua mãe. Quando as tinha em quantidade suficiente, ele endireitou o corpo e começou a descer a trilha.

            De repente sentiu uma fisgada em seu peito. Ele olhou por reflexo e viu que seu peito tinha sido atingido por uma flecha e João Guilherme sentiu que caia.

            Mas antes que atingisse o chão, o menino foi amparado por braços suaves. Contra a luz do sol que despontava, ele viu uma mulher de longos cabelos escuros e vestes brancas sorrindo para ele.

            João Guilherme soube naquele momento que tudo estava bem. Sua mãe cuidaria dele dali em diante.


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