A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos escrita por Lu Rosa


Capítulo 18
Dezessete




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Constâncio andava de um lado para outro quando Cavendish chegou acompanhado de outros dois homens.

            - Está atrasado! – O português reclamou.

            Cavendish olhou para o homem e respondeu:

            - É, eu sei, mas gosto de manter um suspense. Trouxe o que eu lhe pedi?

Constâncio jogou um saco de moedas para ele. Cavendish a apanhou com agilidade.

            - Está aqui. Dez mil peças de ouro por minha noiva.

            - Fico feliz que tenhamos feito negócio. Devolverei a noivinha assim que voltar ao navio.

            - Espere! Minha noiva precisa de uma lição e um incentivo. Vou busca-la amanhã pela manhã. Assim, uma noite em seus porões a deixará bem maleável.

            Cavendish riu.

            - O senhor é um homem mau, D. Constâncio. Por que fazer isso com a pobrezinha?

            - Vai me dizer que ela o conquistou, Sir Thomas? Aliás, seu imediato também se deixou levar por seus encantos. Ele se bateu com meus homens por causa dela.

            - Horton?! Impossível! Aquele lá sofre com a morte da mulher e do filho e só pensa em encontra-los no além.

            - Bem, parece que, depois de conhecer a minha noiva, ele mudou de ideia. Quero-o longe dela, Cavendish! – exigiu D. Constâncio.

            - Ah, o amor... Pode deixar El cuervo. Não precisa ficar com ciúmes. Vou afastá-lo dela.

            O outro assentiu com um aceno de cabeça. – Vou buscá-la amanhã pela manhã. Até lá, cuide bem de meu investimento, Cavendish.

            O pirata fez uma reverencia zombeteira e saiu com seus homens. D. Constâncio sentou-se atrás de sua mesa voltando aos seus afazeres. Logo foi interrompido.

            - D. Constâncio! D. Constâncio! – clamou um homem entrando no armazém.

            - Ora essa! Será que um homem não pode trabalhar em paz! Quem é você, animal? – gritou ele levantando-se da mesa.

            - Meu nome é Luís Sanches. E sou marujo em um de seus navios, o Alentejo, senhor.

Constâncio voltou-se a sentar-se.

            - Muito bem. Ele trouxe as especiarias que pedi?

            - Sinto muito, D. Constâncio. O Alentejo foi atacado na costa da Capitania do Rio de Janeiro. Perdemos toda a carga, senhor.

            - O que?! Quem ousou? Reconheceram os patifes?

            - Sim senhor. O navio era inglês, comandado por um tal de Barker. Ele disse que estava às ordens de Sir Thomas Cavendish, corsário da Rainha Elizabeth.

            -Maldito! – D. Constâncio bateu com o punho na mesa com fúria. – Ele me leva dez mil peças de ouro e rouba um dos meus navios?!

            - Toda a tripulação foi morta, senhor e o navio afundado. Eu escapei porque nadei entre os destroços e fui resgatado por um navio espanhol que ia para as colônias espanholas. Eles me deixaram próximo da vila de Cananéia.

            - Sim, meu bom homem. Graças a Deus vosmecê sobreviveu. Vá, descanse e tome um trago por seus companheiros mortos. Aqui está. – D. Constâncio jogou uma moeda para ele e o pobre esfarrapado saiu fazendo uma desajeitada reverencia.

            - Simón! Simón, seu mandrião dos infernos, onde está vosmecê? – D. Constâncio gritou, enquanto rabiscava em um papel e o selava.

            Um homem barbudo correu ao encontro dele. Vestia roupas grosseiras e botas de cano longo. Seu rosto era marcado por uma cicatriz horrenda que cobria toda a lateral esquerda do seu rosto. Um tapa-olho cobria a orbita vazia. Dizia-se que ele havia sido atacado por um tubarão.

            - Si, señor. Estoy aqui.

            - Aquele patife do Cavendish além de me levar dez mil peças de ouro, ainda me afundou um navio. Leve isso para Sebastian em Guaya. Eu quero um dos navios daquele biltre.

            - Sí señor. Ahora lo hará.

Constâncio acenou com a mão para que ele fosse embora. Depois respirou fundo e voltou a se sentar. Aquele patife inglês iria ver o quanto lhe custaria àquelas dez mil peças de ouro.

***

            Leonor despertou ainda nos braços de Thomas. Nem percebera a hora que o cansaço a vencera. Ao erguer um pouco a cabeça, deu de cara com os olhos azuis de Thomas a fitarem.

            - Olá, meu amor. – ele a cumprimentou.

            - Fiquei a noite toda em seus braços. Vosmecê não está dolorido?

            - Já dormi em situações piores. Essa noite eu passei no paraíso. Mas eu tenho que ir. Logo Cavendish irá acordar e eu tenho que estar a postos. – Thomas saiu da cama.

            - Será muito cedo? – ela levantou-se também, alisando as roupas. Mas desistiu quando viu que não tinham jeito. Estavam muito amarrotadas.

            - Eu vou ver. Fique aqui quietinha. – Thomas pediu ao abrir a porta.

            Leonor colocou as mãos na cintura.

            - E para onde eu mais iria? Mas por favor, volte logo.

            Ele a tranquilizou com um sorriso e saiu, fechando a porta. Não reparou em um homem imerso nas sombras.

            Mesmo Thomas tendo pedido para que ela ficasse quieta, Leonor procurava um jeito de escapar de sua prisão. Mas era uma tarefa mais que impossível. Além de estar abaixo do convés, a porta estava fechada e o aposento não tinha janelas. Uma cadeira e um catre compunham todo o mobiliário do aposento. Depois de vasculhar por todo o aposento e dar de cara com um ou dois ratos, Leonor preferiu ficar em cima do catre. Com os pés para cima.

            Ela não tinha a menor ideia de quanto tempo ficaria ali. Será que D. Constâncio pagaria resgate por ela ou a deixaria para puni-la?

            A fechadura começou a mover-se forçadamente e ela estranhou. Não fazia tanto tempo que Thomas havia saído. Leonor levantou-se do catre e olhou em volta. Não havia nada com que ela pudesse se defender.

            E era preciso. Pois não foi seu grande amor que ela viu passando pela porta e sim um negro alto com roupas mouriscas.

            - Quem é você? Não se aproxime! – Leonor recuou até a parede.

            O mouro olhou para ela de cima a baixo. Sua expressão não deixava dúvidas do que ele faria com ela.

            A moça mediu a distância entre ela e a porta. Se conseguisse chegar, bastaria subir as escadas. Cavendish podia ser um canalha, mas com certeza era um cavalheiro. E como tal, ela esperava, capaz de salvar uma mulher de ser estuprada.

            Mas o mouro pareceu ouvir os seus pensamentos. Recuando, ele fechou a porta, eliminando qualquer esperança de Leonor de fugir.

            Quando ele avançou para ela, a moça gritou. Rápido, ele tampou a boca dela com a mão. Leonor tentou mordê-lo, mas o mouro mal sentiu. Parecia que sua pele era dura como pedra.

            Ainda a amordaçando; o mouro, que se chamava Rachid, rodeou Leonor com o outro braço e a levou para o catre. Ela sacudia as pernas, resistindo como podia, mas inutilmente.

            Quando sentiu a excitação do mouro contra seu corpo, Leonor sentiu-se afundar em desespero. Nunca conseguiria escapar daquele monstro e seria violentada. Cenas do sofrimento de Carmo passaram por sua mente e as lágrimas não tardaram a cair ao constatar que ela teria o mesmo destino.

            Rachid ergueu-se e sacou um punhal fino, mostrando-o a Leonor. A moça de olhos arregalados de pavor, não emitiu o menor som ao sentir o punhal roçando em sua pele e rasgando sem piedade o corpete do vestido, expondo seus seios ao olhar cúpido.

            Mas antes que ele descesse os lábios sobre eles, Leonor ouviu a porta abrir-se com um estrondo. Rachid olhou na direção do barulho e, aproveitando-se da distração, Leonor reuniu toda a força que podia e empurrou o bandido de cima de si, fugindo dele. Encolheu-se em um canto e tentou juntar os pedaços do vestido,

Ao olhar para a porta, seu coração acelerou-se ao ver Thomas parado com uma expressão no rosto que só poderia ser descrita como assassina.

***

            Ao deixar Leonor no quarto, Thomas subiu as escadas e foi para a cabine do capitão.

            Constatando que Cavendish ainda dormia, ele se dirigiu aos aposentos dos segundos do comando. Sorriu ao ver Swan roncando agarrado a um ursinho. Ele sabia do apego do contramestre ao objeto, uma lembrança da filha deixada há tanto tempo na Escócia.

            Ele foi até o catre que era seu e, debaixo do fino colchão, havia uma pequena caixa de madrepérola. Ali, havia algumas recordações suas: o retrato de Alice em um camafeu que ele acariciou com carinho; um sapatinho de Rudolph que ele havia pegado em sua antiga casa, entre outras coisas.

            Então ele achou o que procurava: o terço de prata que a infeliz noviça havia lhe dado ao dar fim à própria vida e a de Ravenhawk. Com certeza, Leonor haveria de gostar do presente.

            Ao descer as escadas, ele ouviu algo parecendo um grito abafado. Com certeza ela tentava achar alguma saída e não estava encontrando. Só viu que algo estava estranho quando percebeu que a porta que havia deixado trancada, abriu-se ao menor toque. Então ele ouviu outro grito.

            Thomas abriu a porta abruptamente. E a cena que viu a seguir, fez que seu sangue corresse mais rápido nas veias e o encheu de fúria.

Um dos piratas, um mouro de nome Rachid, estava deitado sobre Leonor tentando violentá-la. A moça  o empurrou com todas as suas forças e fugiu dele, refugiando-se em um canto da parede.

            Sem perder nem mais um segundo, ele avançou contra o bandido.  O jogou contra a parede, e olhou para Leonor. Ela tentava inutilmente se cobrir, os olhos que ela levantou para ele estavam escuros de pavor e a pele estava marcada nos braços e no colo onde as mãos rudes do mouro haviam tocado.

            Thomas sacou seu punhal e Leonor viu a disposição de seu amor para matar o seu oponente.

            - Seu animal! Eu vou matá-lo! – ele rosnou entre os dentes.

            O mouro jogava o punhal de uma mão para outra, como se incitasse Thomas a vir pegá-lo. Leonor gritou quando Thomas avançou contra ele e os dois se agarraram num abraço mortal.

            Encolhida em um canto, incapaz até de respirar, Leonor chorava enquanto assistia os dois avançando e recuando como numa dança. Uma dança macabra e mortal.

            Rachid avançou no espaço exíguo, o que limitava seus movimentos. Mas não prejudicava Thomas. Por duas vezes ele teve a oportunidade de ferir o mouro e não desperdiçou nenhuma das duas.

            Leonor sentiu-se mal, quando o sangue começou a jorrar do corpo do mouro manchando a calça que ele usava. Mas isso longe de incomodá-lo. Bastava ver-lhe as cicatrizes espalhadas pelo corpo para saber que uma disputa daquele tipo não era novidade para ele.

            Os dois seguravam os punhos um do outro, medindo forças, os punhais com as pontas para cima. Thomas deu-lhe um pontapé na perna, forçando-o a ajoelhar-se e em seguida deu-lhe uma cabeçada. O mouro sentiu-se tonto, mas logo se recuperou. Agarrou Thomas e o jogou contra a parede. Rapidamente Thomas levantou-se com o punhal em riste e começou a andar de costas, subindo as escadas. Rachid chutou sua mão e o punhal caiu longe.

            O pirata avançou contra ele, mas Thomas o repeliu com um soco direto no rosto e um chute no abdome. Enquanto o mouro recuperava o folego, o inglês pegou o punhal de volta e terminou de subir as escadas.

            Os dois atingiram o convés, chamando a atenção dos outros piratas que logo se reúnem para assistir a luta.

            Temerosa por seu amor, Leonor pegou o lençol que cobria o catre e enrolou-se nele correndo para o convés também.

            Os dois ainda enfrentavam-se quando ela chegou. Para seu desespero, Thomas também já tinha ferimentos feitos pelo punhal do mouro, apesar de em menor número. Mas ele já estava mais cansado do que o outro.

            Por azar, Thomas tropeçou em um cordame e Rachid jogou-se contra ele com um grito de vitória que se misturou ao grito apavorado de Leonor.

            Mas para espanto de todos, os dois imobilizaram-se. Por dois ou três segundos, não se sabia quem teria sido vencedor daquela luta mortal. Até que o corpo do mouro moveu-se para o lado para desespero de Leonor que já planejava correr, pegar o punhal de Thomas e morrer ao lado do seu amor.

            Mas, antes que ela tomasse a última atitude de sua jovem vida, Thomas levantou-se, enquanto olhava Rachid a fitar o céu com os olhos abertos sem vida. O sangue corria da ferida aberta em seu abdome e manchava o convés.

            Ela correu para o seu amor e nem se importou com os piratas ao redor deles. Jogou-se em seus braços, chorando copiosamente e ele apertou em seus braços depois de jogar o punhal no chão.

            Nesse momento, a voz de Cavendish fez-se ouvir por todos.

            - Que diabo está a acontecendo aqui?

            Thomas tomou a frente de Leonor como se para protegê-la e esclareceu:

            - Rachid tentou violentar a moça e eu o enfrentei.

            Por coincidência, subia a bordo D. Constancio acompanhado de mais três homens.

            - Sir Thomas, eu vim buscar o que me pertence. E pelo qual eu paguei um enorme resgate.

            Leonor virou-se ao ouvir a voz de seu noivo e apertou-se contra Thomas.

            - Chegou a um momento bastante oportuno, D. Constâncio. – declarou Sir Thomas apontando para Leonor. – Leve a sua noiva daqui, antes que ela cause a morte de mais algum homem meu.

Constâncio olhou para o homem caído a esvair-se em sangue e depois para Leonor e estendeu-lhe a mão.

            - Venha D. Leonor. Está salva agora.

            Thomas olhou para ela sobre o ombro e Leonor encostou o rosto contra as costas dele.

            - Não. Não deixe ele me levar...

            - Horton! – a advertência permeava a voz de Cavendish.

            Thomas virou-se para ela e a segurou pelos ombros. D. Constâncio avançava para pegá-la. Não tinham muito tempo. Ele pegou o terço no bolso do colete e entregou a ela.

            - Irei vê-la. Confia no meu amor. – ele disse baixinho virando-a na direção de D. Constancio e dando um passo para trás.

            Leonor sentiu as mãos de Thomas abandoná-la e serem substituídas pelas mãos de D. Constâncio a guiá-la para fora do navio.

            - Foi um prazer fazer negócios com o senhor D. Constâncio. – gritou-lhe Cavendish. O outro nem lhe respondeu.

            - Tirem essa carcaça infecta do meu navio e limpem essa sujeira. Horton! – Thomas o olhou com ar cansado. – Venha aqui agora! – deu as costas a todos e entrou em sua cabine.

            Thomas sentiu todos olharem para ele, mas não se importou. Se tivesse que enfrentar a todos para defender Leonor, ele o faria.


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