A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos escrita por Lu Rosa


Capítulo 17
Dezesseis




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/682389/chapter/17

Nunca D. Eugenia havia corrido tanto em sua vida. Ela entrou na casa como um furacão.

— Constâncio! Constâncio! – ela chamou aos berros.

Constâncio veio de seu escritório extremamente irritado com a gritaria.

— O que foi, Eugenia? Porque vosmecê faz tanto barulho?

— Leonor... – a velha senhora tentava falar com o pouco ar que ainda lhe restava. – Leonor foi levada!

Ao escutar os gritos, Genoveva e Mãe Maria correram para acudir. A velha índia juntou as mãos no peito ao ouvir falarem de sua menina.

— Do que vosmecê está falando, velha tonta? Quem levou Leonor?

— Os piratas. O chefe deles a aprisionou.

Constancio empalideceu e logo em seguida ficou tão vermelho que Eugenia ficou com medo que ele tivesse um ataque.

— Como assim? – Ele gritou. – Como ele ousou?

— Estávamos perto da praia. – começou a senhora a contar, aceitando um copo de água que lhe dera Genoveva. - Padre Afonso rezava a missa quando esses bandidos caíram sobre nós. Leonor me escondeu e atraiu a atenção de um pirata para si. O índio, aquele que a segue como uma sombra, salvou a menina. Mas um dos piratas pegou a santa imagem de Santa Catarina e foi para o mar.

— E o que aconteceu?

— Ele a jogou no mar, Constâncio. A imagem de Santa Catarina, que veio de Portugal com D. Catarina Góis.

— Eu não quero saber de santa nenhuma! O que aconteceu com Leonor?

A senhora fungou, ofendida e continuou sua história.

— Leonor quando viu o que ele tinha feito, pegou uma pedra e jogou nele. É claro que ela fez aquilo por pura raiva. A pedra nem chegou a acertar o homem. Mas ele se assustou e balançou o braço que já não estava muito aprumado e caiu no mar.

— Decerto salvou-se o facínora...

— Não. O homem não sabia nadar e desapareceu na correnteza; sendo assim, o líder dos piratas aprisionou a menina Leonor.

Constâncio ficou olhando para a irmã como se ela fosse falar mais alguma coisa.

— E é só isso?

            - Só isso? - Perguntou D. Eugenia. - Sua noiva está nas mãos desses facínoras e você pergunta se é só isso, Constâncio. Pegue seu exército particular e vá buscá-la.

            - As coisas não são bem assim, Eugenia. Eu não tenho um exército com vosmecê diz. Tenho empregados, pessoas que nunca pegaram numa arma. E eu não vou entrar em conflito com esses piratas. Com certeza, irão pedir algum resgate por Leonor.

            Nesse momento, uma das índias chegou à porta do escritório.

            - O que é? - perguntou D. Constâncio.

            - Um rapaz, senhor. Quer lhe falar. Diz que traz notícias de D. Leonor. - ela estendeu um pedaço de papel para ele.

Constâncio rompeu o lacre e a leu. Olhou para a índia e ordenou:

            - Mande-o entrar. Anda, molenga!

            A índia correu para atender o seu senhor, enquanto D. Constâncio voltava-se para D. Eugenia.

            - Eugenia, suba para casa e não se preocupe com Leonor. Vou pagar o que for possível para tê-la novamente.

            Se D. Eugenia achou a mudança de atitude de D. Constâncio estranha, nada comentou. Saiu da sala e encontrou-se com o rapaz ainda nas dependências do comercio do irmão. Era um dos piratas.

            As mulheres são curiosas e D. Eugenia não era exceção. Ao invés de voltar para casa, ela entrou, por outra porta, numa saleta continua ao escritório do irmão. De lá podia escutar tudo o que se dissesse.

            - E então? O que o seu chefe quer de mim?

            - Um encontro D. Constâncio. Para falar da captura de sua noiva. No local que o senhor escolher.

            - Quanta consideração… Devo me sentir lisonjeado ou irritado com tanta deferência?

            O rapaz ficou em silencio. D. Constâncio levantou-se da cadeira, pensando em um lugar que fosse seguro, mas ao mesmo tempo discreto.

            - Diga a Cavendish que eu irei encontrá-lo em meu armazém. Diga-lhe para procurar pelo armazém cinco, no cais. Qualquer desocupado por lá o mostrará onde é.

            - Sim senhor. Eu direi a ele.

            - Agora vá. E diga a ele que quero minha noiva do mesmo jeito de quando ela foi capturada, senão eu desfaço o acordo entre nós, entendido menino?

            - Sim senhor. - ligeiro, Rob deixou o escritório de D. Constâncio.

            Sozinho, D. Constâncio deu vazão a sua fúria. Socou a parede a sua frente. Do outro lado da parede, D. Eugenia deu um pulo de susto. Então procurou sair dali o mais depressa possível.

***

            Enquanto isso, no Leicester, Leonor descia um lance de escadas levada por Thomas. O aperto em seu braço não chegava a machucá-la, mas lágrimas afloravam aos seus olhos.

            Ele abriu uma porta e a levou para dentro, fechando a porta em seguida.

            - Vá embora! Eu não quero… - ela começou a dizer.

            O inglês não lhe deu chance de continuar. Avançou para ela, segurando-lhe o rosto entre as mãos e a beijou selvagemente. Não havia a gentileza ou a doçura do primeiro beijo que trocaram, apenas urgência. Leonor deixou-se levar pela carícia, esquecendo-se que estava nos braços de seu captor.

Ele correu as mãos sobre o corpo dela, tocando-a sobre a tecido do vestido, gemendo ao sentir os seios firmes.

            Leonor afastou-se na mesma hora.

            - O que pensas que estás fazendo, seu patife? Não sou nenhuma marafona para tocar-me dessa maneira!

            Ele a fitou surpreso pela explosão.

            - Desculpe-me, meu amor…. Eu só quero ver se está bem, senti-la segura em meus braços.

            - Nunca mais se aproxime de mim, seu pirata infame. - se tive algo no aposento que pudesse ser jogado, com certeza Thomas seria um alvo perfeito.

            - Leonor, por que está assim? Não se preocupe, nenhum dos outros chegará perto de você.

            - Não estou preocupada com nenhum deles, mas sim com vosmecê. Não fizeste nada para deter aquele fanático. Deixou que ele levasse nossa santa e a jogasse no mar. Mas o que eu esperava? Que vosmecê se transformasse num homem decente apenas por ter me salvado? És um pirata e fui um tola em acreditar em tuas mentiras.

Ouvir o tom insultante nos lábios de sua amada enfureceu Thomas.

Sim, é o que eu sou! Um pirata! - gritou ele. - E você é uma doidivanas que acha que pode resolver tudo. Diz que é uma donzela, mas nem de longe seu comportamento é de uma. E não pense que apenas prostitutas passaram pelos meus braços. Nunca! Nunca, ouviu? Nenhuma prostituta beijou essa boca ou foi abraçada por esses braços. Apenas uma, antes de você. Minha esposa Alice. Uma criatura tão boa e doce, da qual você nem faz sombra com toda essa sua coragem e destemor, mas que só a colocam em encrencas. - ele esbravejou.

Leonor olhou para ele, totalmente atônita por aquela explosão. Ele a havia comparado com uma tal Alice e desfavoravelmente. Tudo o que ela era não valia nada para ele.

Toda a tensão daqueles dias a atingiu e, praticamente, ela desabou na cabeira, escondendo o rosto nas mãos e chorando copiosamente. Provocara a morte de um homem e iria para o inferno por isso. Não sabia se o pai estava vivo ou morto, se ele poderia ajudar a vila e se D. Constâncio a livraria dos piratas.

Thomas a olhou por um momento e passou a mão pelos cabelos tentando se acalmar. Não devia tê-la comparado com Alice. As circunstâncias eram totalmente diferentes. Alice vivia em um lar estável, seu pai era um pastor anglicano, sua mãe era a filha de um fazendeiro da vizinhança. Cresceram, casaram e tiveram seus filhos sem nunca sair de Glastonbury. Alice fora protegida como um bibelô de porcelana. Os dias frios costumavam ser implacáveis com sua saúde.

Já Leonor vivia numa terra selvagem, onde um homem, mulher ou criança podiam ser mortos a qualquer momento. Ataques de índios eram frequentes; e ela tinha visto a mãe morrer em um desses ataques. Seu pai vivia fora capturando índios e mesmo os de sua própria gente não eram confiáveis. Leonor crescera muito mais guerreira do que dama e ele fora um imbecil ao criticá-la por isso.

Ele ajoelhou-se aos pés da moça.

— Leonor, perdoe-me. - Thomas pegou nas mãos dela. Estavam frias.

— Eu quero muito ser diferente, mas não posso mudar quem eu sou, Thomas. Estou com tanto medo! - Leonor olhou para ele, o rosto banhado em lágrimas. - Será que eu vou para o inferno?

— Por ter matado alguém como Lewis? - Thomas a puxou para junto de si e os dois sentaram no chão. Ele a mantinha bem junto ao peito, ninando-a como se ela fosse um bebê. - Não, minha querida! Ele já estava lá há muito tempo.

Os dois ficaram em silencio por alguns minutos. Só sentindo a proximidade confortante de seus corpos.

— Você a amava muito?

— Alice? Sim. Não haveria ninguém que não a amasse. Alice era daquelas pessoas que tem o coração puro. Era um anjo de bondade.

—Era?

— Sim. Ela morreu no ano passado. Enquanto eu estava em batalha. Dois meses depois de nosso filho.

— Sinto muito por você.

— Por um momento eu achei que nunca conseguiria superar a morte deles. - ele se moveu para olhar para Leonor. - Mas então encontrei uma donzela que tanto tinha de corajosa quanto bonita. Mesmo que ela tenha me deixado furioso em nosso primeiro encontro.

Leonor riu. E ele ficou feliz por ter tirado a tristeza do rosto dela.

— Muito furioso?

— Muito. Mas ela tinha um bom coração, eu percebi ao vê-la debruçada sobre um ferido, cuidando de suas feridas. A compaixão em seu rosto me conquistou em definitivo.

— E você a acha bonita?

— Ah sim. Mesmo ela estando desgrenhada, suja de areia, com o nariz vermelho de chorar e as roupas amarrotadas, ela é linda.

— Não é um quadro muito bonito esse que vosmecê pinta.

— Mas ele é tão verdadeiro quanto o meu amor por você, Leonor. - Thomas se inclinou e a beijou novamente. Dessa vez, Leonor não quis se afastar.

Alguns minutos depois, Thomas acariciou o rosto dela.

— Você está bem? Não está com frio?

Ele se achegou mais a ele.

— Você me aquece. – Leonor inclinou a cabeça sobre o ombro dele, sentindo-se protegida. – O que será que seu capitão irá fazer comigo?

O inglês ficou alguns segundos sem responder, pensativo.

— Não irá lhe entregar aos outros homens. Isso eu lhe garanto. Nem que eu morra tentando impedir.

Ela levantou a cabeça olhando séria para ele.

— Se isso acontecer mate-me primeiro. Prefiro morrer pelas tuas mãos a cair nas mãos desses bandidos.

Thomas assentiu solenemente, acariciando os cabelos de Leonor


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.