A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos escrita por Lu Rosa


Capítulo 15
Quatorze




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Cavendish ergueu os olhos do mapa que estudava.

— Quem é?

— Horton, senhor.

            Cavendish reclinou-se na cadeira.

— Entre!

Thomas entrou na cabine, curvando a cabeça em cumprimento.

— Horton! Já faz tempo que eu não o vejo. – Cavendish levantou-se e contornou a mesa, batendo de leve no ombro de Thomas. – Então o que me diz? Vitória certeira, não foi? Fácil como dizia os documentos que eu recebi de nosso contato aqui.

Thomas assentiu.

— Um dos homens da vila quer propor um negócio ao senhor. – ele avisou.

— Verdade? – Cavendish pegou uma garrafa de vinho e colocou em uma taça. – Inglês?

— Não senhor. É um dos colonos. Disse que é bastante rico e influente.

— E por que ele não está preso com os outros líderes?

— Pura questão de estratégia. Ele sabe como camuflar-se na multidão. – Thomas respondeu, sem disfarçar uma leve ironia, contudo.

— Um homem de visão, então. – Cavendish sorveu um pouco do vinho, pensativamente.

— Sim, pode ser. Mas eu não confio nele senhor.

— Vamos ver que diversão ele pode nos proporcionar, Horton. Depois eu decido o que fazer com ele. – O corsário fez um sinal para que o outro abrisse a porta.

Thomas abriu a porta da cabine, fazendo um sinal para um dos piratas trazer D. Constâncio.

— Muito bem homem o que quer? Diga logo que eu estou ocupado. - Cavendish fez um sinal para Thomas traduzir em português.

Os dois se surpreenderam quando D. Constâncio sentou à frente dos ingleses, com uma expressão entediada e menosprezando a tradução de Thomas.

— Eu não preciso de tradução. Eu conheço bem a língua da sua pequena ilhazinha. Quero lhe falar a sós. – D. Constâncio declarou.

— Sem chance! - disse Horton. Ele olhou para seu capitão. - Esse homem tentou me lançar numa armadilha.

— Duvida que eu possa dar conta de um homenzinho desses? - Cavendish riu. – Besteira, Horton. Vá substituir Cocke com os prisioneiros. Eu me viro com esse aqui.

Mas Thomas não saiu da sala em definitivo. Ele queria saber o que o noivo de Leonor queria com o seu comandante. Sir Thomas era muito confiante, mas o inglês duvidava que D. Constâncio não estivesse tramando alguma armadilha.

— Pronto senhor. Agora será que podemos conversar?

— Ah sim. Bem eu quero lhe propor uma aliança.

— Sim?

Constâncio inclinou-se para frente, como se estivesse falando sobre o tempo.

— Quero que mate D. Brás Cubas e toda a sua descendência. – ele declarou sem rodeios.

— E porque eu faria isso? – Cavendish perguntou.

— Os motivos não lhe interessam. Basta saber que eu estou disposto lhe dar quarenta mil peças de ouro.

Cavendish deu um sorriso sardônico, reclinando-se na cadeira.

— Nós já roubamos toda a vila. Não há lugar que o senhor possa ter escondido essa fortuna.

— Acha mesmo? Como se eu não tivesse me preparado para a vinda de vosmecês... – D. Constâncio respondeu com voz de troça.

— O que? – O corsário endireitou-se, completamente alerta.

— Claro, meu caro capitão. Nosso ramo de negócio é uma estrada de dois sentidos. Aguardava sua vida desde os preparativos.

— Impossível! Ninguém de fora da Inglaterra poderia saber de nossa expedição.

— Exceto a pessoa que tornou isso possível. Vocês receberam alguns documentos da parte de John Whitehall, não foi?

— Sim, mas como o senhor...

— Sei disso? Por que fui eu que os enviou. É claro que John Whitehall mandou documentos para a Inglaterra. Mas eram para começar o comércio entre ele e seus associados na Europa.

— Mas os documentos não falavam disso.

— Os que vosmecê recebeu não. Instruí muito bem quem os levava. Não me interessa os negócios de Whitehall. É nisso que ele está interessado. Expandir seus negócios entre a colônia luso-espanhola e a Inglaterra. Para mim, o controle da colônia é mais importante.

— Então o senhor quer eliminar os concorrentes...

— Exatamente. – D. Constâncio levantou-se da cadeira e andou pela cabine. -  agora vamos a parte prática. Quanto tempo vocês ainda ficaram por aqui?

— Eu não sei.... Esse lugar é tão aprazível. Meus homens gostaram tanto daqui.

— Mas eu não quero esperar mais! – D. Constâncio deu um soco na mesa.

— Então, pague pela urgência.

— Você acha que eu sou só um reles comerciante de uma colônia selvagem, não é? Pois bem, - D. Constâncio começou a dobrar a manga de sua camisa. – Talvez isso o faça reconsiderar o valor pela urgência.

Constâncio mostrou uma tatuagem no formato de um corvo. Sir Thomas olhou para ele assombrado.

— Não pode ser... El cuervo negro..., mas ele é só uma lenda.

— Como vosmecê pode ver não é só uma lenda. Eu ainda assombro o Atlântico como o pirata mais sanguinário que já existiu. Mas, agora, apenas os meus navios circulam por aí. Eu resolvi aproveitar a vida. Mas nem por isso larguei os negócios.

— Entendo. Se que quiser navegar em segurança...

— Basta que entremos em acordo, Sir Thomas. E então? – D. Constâncio estendeu a mão. – Posso contar com sua ajuda, irmão?

Cavendish olhou para a mão estendida, sufocando o desejo de apagar aquele sorriso com uma bala no meio da cara do patife.

— Sim, irmão. Temos um acordo. – O inglês apertou a mão do ex pirata.

Thomas afastou-se da porta, odiando ter que prestar-se a isso. Então o noivo de Leonor era um ex pirata sanguinário... E ninguém na colônia sabia disso. Ele estremeceu ao pensar em sua amada a mercê de tal criatura.

Ele sabia que Cavendish não era um homem moralmente admirável, embora ele tivesse os seus momentos de dignidade. Mas fazer um acordo para eliminar uma família inteira por lucro? Isso era covardia. O inglês saiu rapidamente do navio para evitar ser visto por D. Constâncio ou pelo capitão ainda pensando nas implicações de sua descoberta. Leonor se casar com um ex pirata... Só se fosse por cima do seu cadáver! Sir Thomas poderia receber quarenta mil peças de ouro ao se envolver nos negócios locais. Matar um homem numa batalha era admissível, mas matar a ele e sua família? Não era certo, mas Cavendish era o seu capitão e como qual devia lealdade à ele.

Ainda perturbado por seus pensamentos, Thomas chegou até a igreja onde mantinham os líderes da Vila. Ele cumprimentou com um aceno de cabeça os homens que montavam guarda na porta.

O grupo de oito homens estava sentado em uma das laterais da Igreja. Todos num único banco, com uma fileira de condenados. Oito piratas os vigiavam com armas em punho. Aquilo o incomodou um pouco.

— Clarkson! – ele chamou um dos guardas. – esses homens já comeram?

— Sim senhor! O capitão Cocke permitiu que suas esposas viessem lhes trazer comida.

— Eu não sabia dessa concessão.... Foi uma boa decisão. Trouxe um grupo para render vocês. Avise aos outros.

Logo a “guarda” foi trocada. Os prisioneiros tinham permissão para levantar-se e andar pela igreja, sempre acompanhados de perto por um dos guardas. Para suas necessidades, eram acompanhados até a parte exterior. A humilhação nesses casos era visível quando eles voltavam. Aqueles homens eram rudes em sua vida, era verdade, mas eles também eram fidalgos; acostumados com o pouco conforto que a vida nas colônias podia proporcionar.

Quando chegou a vez de D. Brás, Thomas tomou a frente do guarda que o acompanharia.

— Deixe David. Pode deixar que eu vou com ele. Por favor senhor. – Thomas indicou o caminho.

Os outros prisioneiros entreolharam-se assustados. Se o líder do grupo levava um deles podia significar que ele seria soltou ou executado.

Brás não hesitou nem por um segundo. Era um homem de valores e coragem incontestáveis. Por diversas vezes servindo à Coroa Portuguesa em inúmeras batalhas para defender aquelas terras de invasores. Não seria agora, à despeito da idade, que ele iria fraquejar. Se aqueles carniceiros queriam sua vida, ele a daria de cabeça erguida e peito estufado.

Thomas observou o andar marcial do homem a sua frente. Quantos anos ele teria? Sessenta, setenta? Já vivera muito, considerando as condições da colônia. Mesmo assim, um homem como aquele deveria morrer numa batalha. Não num acordo entre piratas.

— Senhor Brás... – ele o chamou.

Brás voltou-se com toda a arrogância que fora capaz de reunir. Nunca daria a esse patife a ideia de que ele temia a morte.

— Sim?

— Eu queria dizer ao senhor que sinto muito. Eu sou um soldado, assim como o senhor e sei o quanto ser prisioneiro pode ser humilhante.

— Vosmecê não precisa se preocupar com isso, rapaz. Já passei por situação pior. – ele olhou a arma na mão de Thomas e suspirou. – Acredito que quer acabar com isso tão rápido quanto eu. Eu só peço que poupe meus filhos e minha casa. E diga a Isabel, minha filha, que ela foi uma grande mulher.

Thomas ficou por alguns minutos olhando admirado para D. Brás, como se ainda estivesse assimilando suas palavras.

— Não, eu não vou executar o senhor.

Brás olhou para o jovem.

— Não? Então por que me trouxe aqui?

— Quero falar com o senhor. Mas sem a presença dos outros, tanto do seu lado quanto do meu.

— Então diga.

Thomas pensou por alguns instantes em como começaria tal conversa. Conversa que poderia resultar em seu pescoço esticado na ponta de uma corda no mastro principal do Leicester.

— O que o senhor sabe de D. Constâncio Olinto de Siqueira?

— Que até alguns dias atrás ele era um fidalgo honrado. Agora penso que ele é um covarde.

Thomas respirou fundo. Era agora.

— E se eu disser ao senhor que ele deseja a sua morte?

— O que?! – sem perceber, D. Brás elevou a voz. – Ele ousa o que?!

— Ele deseja a sua morte e de toda sua família.

— Com certeza isso é um blefe não é, patife?

— Não senhor. Eu não tenho por que mentir. Ele nos ofereceu uma grande quantia pela sua cabeça. Tornar o senhor ciente disso, faria com que o meu capitão me enforcasse.

Brás era um homem experiente. Sabia quando um homem mentia. E aquele pirata, de olhar franco e direto, não estava fazendo isso.

— Como você soube disso?

— Isso não é importante agora. O importante é o senhor saber que o acordo já foi firmado. Basta apenas Cavendish receber o pagamento.

— Você poderia facilitar nossa fuga...

— Existem pelo menos dois de nós para cada um de vocês. Ninguém acreditaria que vocês conseguiram nos render. Mas... vinho em demasia pode deixar um homem fora de combate. E com algumas drogas...

— Entendo.

— Apesar de servir à Sir Thomas, não concordo com alguns métodos dele. Com eu disse ao senhor, eu sou um soldado. E soldados lutam contra outros soldados, não contra mulheres e crianças.

— Você me surpreende rapaz. Por que está agindo assim?

— Já muita morte senhor. Eu mesmo procurei por ela, muitas vezes nessa expedição. Mas descobri que viver é bem mais interessante. – Thomas revelou com um meio sorriso. Depois tornou a ficar sério. – Dom Brás, se por um acaso o plano de D. Constâncio der certo, não haveria ninguém que o senhor confiasse que fizesse frente à ele.

— O único que podia é D. Bernardo Duarte da Meira que, infelizmente, está fora. Mas, não adiantaria muito. O patife está para se tornar genro dele.

— E se isso acontecer?

— Ele se tornará a pessoa mais poderosa dessa região. – D. Brás sacudiu a cabeça, parecendo triste. – Pobre menina Leonor.... Estar à mercê desse biltre.

— Mas ela sabe muito bem se defender, D. Brás. – declarou Thomas.

— Sim ela sabe... – depois o ancião olhou surpreendido para Thomas. – Mas ... Como você...

— Isso é assunto para conversarmos outro dia, senhor Brás. Vamos. – Thomas o levou para dentro novamente.


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