Estavamos em uma espécie de estacionamento. A parte de cima, que devia ter sido o segundo andar, estava completamente destruindo, permitindo a entrada do sol. Havia alguns carros, velhos e enferrujados, espalhados pelo estacionamento. Algumas vigas ainda se mantinham em pé, outras estavam destruídas pela metade, seus pedaços, jogados ao redor.

Brandon e Scarlet estavam ajoelhados, as cabeças tombadas para  frente, cobertas por um saco de pano preto. Os braços amarrados para trás, sobre as costas.

Todos os sobreviventes observavam de longe. Os olhares duros, como se desejassem que morrêssemos logo.

Aquela garota, a tal da Rosalia, estava parada a alguns metros de mim, encostada em uma das vigas, os braços cruzados, avantajando o volume de seus seios. Um pirulito de cereja na boca. Ela me lançou um olhar demorado, como se estivesse me examinando.

E eu? Bem, aquele babaca mandou me amarrarem em uma viga. As cordas estavam apertadas demais, fazendo minhas mãos ficarem dormentes.

— Então heroizinho. – ele se aproximou. Seus olhos faiscando de raiva. Um sorriso maldoso nos lábios.

Revirei os olhos. Que babaca!

— Cara, não queríamos encrenca. Nós... – não consegui terminar, já que ele me acertou em cheio no estomago.

— Deveria ter pensado nisso antes de me acertar. – disse ele, quase em um grito.

— Ei idiota. – a voz de Brandon cortou o ar. – Eu não to conseguindo respirar com essa merda na minha cabeça. Será que tem alguma possibilidade de tirarem isso? Por obséquio.

— Alguém cala a boca desse garoto? Perguntou Octavian revirando os olhos.

— Vem cala. – resmungou Brandon.

— Octavia, que tal você parar de enrolar e matar logo eles? Perguntou Rosalia. Os lábios se abrindo em um pequeno sorriso, enquanto ela jogava o palito do pirulito fora.

— Porque assim não teria graça, irmãzinha. – respondeu ele. – Tragam a água.

— Água? Perguntou Brandon. – Pra que vocês precisam de água? Espero que seja pra bebermos, porque eu to morrendo de sede.

Dois sobreviventes, ambos garotos da minha idade, os cabelos preto, a pele queimada de sol,  sumiram em meio ao que devia ter sido um corredor. Alguns segundos se passaram, e eles surgiram, trazendo um enorme balde. Eles o largaram  um pouco à frente de Brandon e Scarlet.

— Quero me divertir um pouco. – disse Octavian caminhando na direção de Brandon. – Vamos começar pelo falador aqui.

— Ei, o que você vai fazer? Perguntou Brandon, virando a cabeça. Acho que ele estava tentando olhar através do saco.

Octavian segurou Brandon pela gola, o fazendo se levantar.

— Ei, me solta idiota. – Brandon se debateu, mas aquilo foi inútil.

— Solta meus amigos. – gritei, tentando me soltar. – Seu problema é comigo. Deixa eles irem.

Octavian me ignorou e forçou Brandon a ficar de joelho, a poucos centímetros do balde. Ele o segurou pela cabeça e a afundou dentro do balde. Brandon se debatia, enquanto Octavian ria.

— Larga ele. – gritei. – Por favor.

Brandon se debatia loucamente. Seus pés tentando se firmar em algo. Os braços, amarrados, se balançando de um lado para o outro.

— Mexe comigo idiota. – olhei para Scarlet. Ela se mantinha em silencio, como se estivesse com medo, ou apenas tentando se manter viva.

Octavian puxou a cabeça de Brandon para cima, e empurrou o garoto com força, o fazendo cair bruscamente no chão. Brandon tossia violentamente, o corpo parecendo ter espasmos.

— Se...seu...filho...da – tentou disser ele, entre uma tosse e outra.

— Bem, acho que agora é a vez da mocinha. – Octavian me lançou um sorriso maldoso e se dirigiu até Scarlet.

— Se você tocar nela. – gritei, cuspindo cada palavra. – Eu juro que te mato.

— Awn, que fofo. – disse Rosalia, rindo. Sua risada era sarcástica, mas doce ao mesmo tempo. Essa garota era uma mistura de perigo e diversão. E eu odiei isso. Me senti atraído por isso, na verdade. – Ele ta tentando proteger a namoradinha. Que tal eu fazer alguns cortes nesse lindo rostinho?

Rosalia ria enquanto caminhava na minha direção. Ela passou a língua na lamina da faca, de modo sedutor. Seus quadris se mexendo, como se ela estivesse em uma dança, cuja musica só ela podia ouvir.

— Morreria pelo seu amor? Perguntou ela me encarando. Seus olhos eram tão escuros, que mal dava pra ver a pupila. Estremeci, quando ela passou a lamina da faca em meu rosto.

Senti meu rosto esquentar, enquanto ela me dava um beijo na bochecha, perto demais da minha boca. Rosalia deu um passo para trás e deu uma piscadela.

— Faça o que quiser com a garota, mas ele vai ser todinho meu.

~ Droga Marck. Pensa em alguma coisa. Maldita hora, pra eles terem pego todas as nossas armas.~

— Escuta cara. Deixa eles irem. Você pode fazer o que quiser comigo, me torturar, sei lá. Mas por favor, solta eles.

Octavian parecia me ignorar, o sorriso metido no rosto. Ele puxou uma arma da cintura, fazendo a camisa cair para fora do short.

— Então boneca. – disse ele se ajoelhando ao lado de Scarlet. O rosto perto do saco.

— Vai pro inferno. – Scarlet disse aquilo tão alto e com tanta raiva, que até eu me assustei.

— Como é? – Octavian parecia tão surpreso quanto eu. O sorriso havia murchado. Ele se levantou. – Não percebeu gatinha? O inferno é aqui. – ele apontou a arma pro chão, e atirou a poucos centímetros do corpo de Scarlet.

Senti meu sangue começar a ferver. Olhei para Brandon, ele havia parado de tossir, mas ainda estava caído no chão. Rosalia soltou uma risadinha, tipo a daquelas garotas mimadas e fúteis, que estão tentando dar em cima de algum garoto. Acho que eu estava começando a ficar louco, sério, juro que comecei a ver as pedrinhas ao redor de Scarlet começarem a evitar.

— Então herói. – Octavian se virou para mim, a arma apontada na minha direção. – Que tal o próximo ser na sua cabeça?

— Atira, mas atira para matar cara. – respondi irritado. – Porque se eu sair daqui, eu vou fazer muito mais do que lhe dar um muro na cara.

— Até nessas horas, quer dar um de Batman. – ele me encarou. Os olhos castanhos, parecendo com os de um lunático, ou os de alguém que havia consumido muita droga.

Ele parou a poucos centímetros de mim, a arma sobre minha testa. O toque do metal frio me causou um leve arrepio.

— Escolhe. – disse ele sorrindo.

— Como é? Perguntei confuso.

— Você só vai poder sair daqui com um dos dois. Claro, depois de eu arrancar os seus dentes.  Agora escolhe, a garota ou o garoto?

— Você é louco ou oque?

— ESCOLHE! Gritou ele, algumas gotas de saliva caindo sobre meu rosto. – Ou eu mato os três.

— Marck, pega a Scarlet e fujam pra longe dessa cidade. – disse Brandon. Sua voz estava fraca e carregada de medo.

— Olha, o seu amigo pode estar certo. O que vocês acham?

Algumas pessoas gritaram: “Mata os três”. Outras gritaram. “ Deixa a garota viva, podemos nos divertir com ela”.

Ta, eu não tava ficando louco. As pedras ao redor de Scarlet estavam mesmo flutuando, e não eram mais só as pequenas. Eram pedras grandes, maiores que um punho fechado. E acho que não era só eu que havia percebido isso. Algumas pessoas exclamavam uns “Oh” ou “ O que é isso?”.

— O que esta acontecendo? Perguntou Octavian se virando na direção de Scarlet. – O que a sua namoradinha ta fazendo?

— Solta meus amigos. – a voz de Scarlet cortou o ar, mas havia algo de errado, ela estava mais grossa, como a daquelas pessoas, que ficam possuídas nos filmes de terror.

O vento começou a soprar forte, como se um tornado estivesse se formando ao redor de Scarlet. Algumas pessoas haviam saído correndo, outras olhavam incrédulas.

— Co...como? – a voz de Octavian falhou.

— Melhor sairmos daqui. – disse Rosalia com medo. – Tipo, agora.

— Eu vou matar os três. – disse ele apontando a arma para Scarlet.

O som da bala sendo disparada me fez gritar. Tudo parecia acontecer em câmera lenta. A bala cortando o ar lentamente, enquanto eu gritava e tentava me soltar. Ela estava a poucos centímetros da cabeça de Scarlet, quando se chocou contra algo invisível e caiu no chão.

O ar ao redor de Scarlet girava cada vez mais rápido. Só tive tempo de gritar seu nome e o de Brandon, antes de tudo ao nosso redor explodir.