—Acontece Aika – Kedon continuou com o rosto sério – que o herdeiro era uma menina. Você é a herdeira, você é o lobo que derrotará o Tigre e acima de tudo, você é a nossa esperança. – tentei refletir sobre aquelas afirmações. Eu? Herdeira do Rei? Jamais! Como um herdeiro do Rei cresce passando fome? Como um herdeiro do Rei vive em uma aldeia de moradores extremamente pobres? Não podia ser possível, não havia como!

—Isso é impossível! Como... Como... – eu não conseguia nem refletir sobre isso. - não tem como ser real – sussurrei.

—Eu sei que pode ser dificil de acreditar Aika, mas essa é a verdade, você é a genuína herdeira do torno! Somente você pode vencer essa guerra. – Kedon continuou falando, ignorando minha confusão, eu tentava fazer que a aquelas palavras tivesse nexos com a minha vida, mas não conseguia. Era como se ele falasse de um fantasma, alguém muito distante. Olhei para Nana, ela olhava para o piso, como se estivesse com vergonha de algo.

—Nana – sussurrei – me diga que isso não é verdade... –Kedon  colocou a mão sobre o ombro dela, ela o encarou e depois voltou o olhar pra mim.

—Eu era a chefe da Guarda Aika,- ela falou- é verdade. – por um minuto fiquei sem chão, uma escuridão me agarrou. Eu? Eu era a herdeira do trono. Eu era a princesa do Reino. Eu era a esperança.  O Rei era o meu pai, Pai! Eu tinha um pai! E uma mãe...

—VOCÊ MENTIU PRA MIM? – Gritei para a Nana – A minha vida toda!

—Era pra sua proteção Aika, você é valiosa de mais – Ela respondeu na defensiva.

—Eu não acredito nisso! Como você pôde...- Meu corpo estremeceu, estava tudo acontecendo rápido de mais

—Aika, eu não podia correr o risco, tínhamos que esperar a hora certa – ela falou ainda na defensiva.

—E como vocês sabem que AGORA é a hora certa?!- Bufei.

—Por causa dele!- Falou Kedon apontando para Zandor - o lobo despertou Aika, a guerra se aproxima! – como se fosse ensaiado, Zandor se colocou de pé em resposta ao comando.

—Por Khosmos! Isso não pode ser real! - falei, já cansada daquela conversa.

—É real Aika, - Nana falou serena, ela puxou algo debaixo da mesa e colocou sobre ela. Era uma espada. E aquela era uma espada majestosa. Seu cabo era completamente dourado, tinha um lobo encravado na base da lâmina rico em detalhes e a lâmina era prata reluzente. Arfei com tamanha beleza.

— Isso é seu? – perguntei, ela assentiu em resposta.  Eu ainda não conseguia acreditar no que estava acontecendo, nunca algo assim passou pela minha cabeça, tudo que queria era sobreviver aquele reinado de horror. No fundo eu tinha esperança que as coisas podiam melhorar, mas não que eu fosse aquela esperança. Eu esperava que aquilo fosse uma brincadeira, mas as caras sérias dos meus companheiros de conversa não entregavam qualquer simulação de mentira. Fiquei de pé, tentando relaxar a tensão que percorria todo o meu corpo, minha cabeça rodava, minhas mãos tremiam, aquilo era de mais pra mim.

—Aika, acredito que seja confuso - Kedon recomeçou, todo aquele falatório estava me deixando mais tensa – mas essa é sua responsabilidade, estamos esperando há anos esse momento. Todo esse tempo, que vocês ficaram presas nessa vila, havia um só objetivo...

—JÁ CHEGA- grite, aquele falatório já tinha chegado no limite -  Você não sabe nada da minha vida! – saí em direção a porta.

—Aika! – Nana me chamou, ignorei, estava na hora de um tempo pra mim. Corri em direção à floresta, a escuridão banhava as árvores, deixei-me guiar pelo conhecia do caminho. Como era de se esperar, Zandor corria ao meu lado, me seguindo. Parei por um segundo, tentei escutar algo, pra ter certeza de que estava só. Tudo que ouvi foi um assustador silêncio, eu estava completamente sozinha em meio às árvores.

—Vamos Zandor - Andei sem me preocupar com a neve espessa que me rodeava, caminhamos por um bom tempo até chegar à beirada do rio congelado, agora era apenas uma manta branca lisa, brilhando sobre a lua. Havia sido ali próximo que havia acontecido o meu primeiro encontro com Zandor, fazia apenas um dia que aquilo tinha acontecido, agora parecia há eras. Observei o lobo parado ao meu lado, havia mesmo sido Zandor destinado a mim?  Ou era tudo uma coincidência infame? Tentei imaginar eu como uma princesa em um castelo, não consegui. Aquilo era absurdo de mais, como conseguiria guerrear? Contra a minha própria mãe? Aquela confusão estava me consumindo! Sentei na beira do rio, sem me importar com a neve. Fechei os olhos, tentando refletir sobre tudo que tinha acontecido. Por alguns momentos tudo que conseguia escutar era o vento batendo sobre as árvores congeladas, a respiração de Zandor e meu coração palpitando. Aquele silêncio era acolhedor. Sussurrei para Khosmos uma velha canção de proteção:

 “Khosmos, oh Criador, proteja-nos do frio glacial.
            Nos dê Esperança, nos leve a seu Manancial”

Um longo tempo se passou e eu ainda sentia uma grande confusão na minha mente, quando em meio aquela escuridão, houve uma explosão de cores no céu. Uma Aurora Polar lançava cores em todas as direções no céu, como um tapete de luzes. Havia presenciado esse fenômeno poucas vezes durante na minha vida, mas essa noite parecia que eu estava presenciando algo especial, como se eu estivesse presente no nascimento da aurora. O vento frio parou por um momento e tudo que conseguia fazer era admirar as cores brincando sobre o céu. Um som me faz desperta do encantamento, um uivo estrondoso de um lobo me estreme. Olhei em direção ao som e sobre uma rocha do lado oposto do rio congelado está um enorme lobo negro. Fiquei de pé num salto, encarei Zandor esperando sua reação e tudo que ele fez foi se encolher como se fizesse uma reverência ao lobo negro.

O lobo negro caminhou sobre o rio congelado em minha direção, ele caminhava com certa elegância e postura. Eu estava encantada com tamanha beleza, ele era muito maior que Zandor, o que me fez pensar que ele estava na idade adulta. Seus olhos eram dourados como ouro e seu pelo era negro como a noite. Eu não me senti ameaçada pela presença do lobo, algo nele me faz se sentir segura. Reuni a coragem que possuía e caminhei em direção ao lobo negro, paramos a poucos centímetros um dos outros. Pensei em algo pra dizer, mas nada me veio em mente, tudo que eu conseguia fazer era olhar para os olhos dourados do lobo.

Foi quando imagens começaram surgir na minha frente, imagens de pessoas do reino. Um menino que rouba comida dos soldados. Uma mãe que chora sobre um corpo inerte de um bebê. Um pai que divide um mísero pedaço de pão pra uma família inteira. Pessoas e famílias que sofrem com esse Reinado. O lobo estava me mostrando por quem eu deveria lutar. A dor deles eram minhas dores também. Eu sentia o sofrimento deles em cada parte do meu corpo, as imagens passavam como um raio sobre os meus olhos. Caí de joelhos sobre a neve, tudo ficou escuro, eu desmaiei.

 Quando recobrei a consciência, o sol já havia nascido. Minha primeira visão foi um céu repleto de nuvens cinza. Logo os eventos da noite passada surgiram na minha mente. Nana chefe da Guarda Real, eu herdeira do trono, Zandor o sinal do início da guerra, o lobo negro gigante, o povo do Sul morrendo cada dia mais. Procurei por sinais do lobo negro, mas tudo que restou foram suas pegadas na neve. Ele cumpriu seu objetivo, ele me mostrou importância da guerra. Eu precisava lutar não apenas por causa de uma profecia antiga, mas por todos aqueles que aguardavam por esse momento, todos aqueles que tinham esperança. O povo do Sul não merecia aquele sofrimento, eles foram vítimas de uma briga por interesse e todos aqueles anos vinham pagando por isso com dor e sofrimento. Uma centelha de ódio acendeu em mim, eu tinha que me apegar a ela, se não corria o risco de desistir de tudo isso.

Levantei-me da neve e encontrei Zandor me esperando na beirada do rio, do mesmo jeito que o deixei ontem à noite. Ele me encarou e agora eu sentia por completo a nossa ligação, era como se antes eu não o compreendesse por inteiro, mas agora eu sentia sua presença como uma parte do meu corpo. Agora éramos um só e tínhamos o mesmo objetivo. Encostei minha testa na dele e sussurrei “Está na hora”. O lobo uivou.

Caminhei de volta para a casa, mas tinha algo de novo em mim. Eu conseguia escutar com mais lucidez, eu conseguia ver as coisas a minha frente em mais detalhes, lembrei-me das recomendações da Nana sobre os lobos, o sangue do lobo havia despertado em mim.

Avistei a minha casa, não conseguia imaginar o que encontraria. Quando cheguei em frente a casa, a porta se abriu e Nana veio correndo em minha direção.

—Aika, me desculpa, eu queria ... – ela começou, eu levantei a mão para que ela parasse.

—Eu compreendo Nana – intervim – ontem à noite tive um encontro com um lobo negro, e acredite, ele foi bem convincente.

—Lobo Negro? – ela perguntou, ela refletiu por um momento e sussurrou: Titus! Você viu Titus? – ela perguntou boquiaberta.

—Se for um imenso lobo negro com olhos dourados, sim, ele veio até a mim – respondi – Porque Titus?

—Titus- falou Kedon se aproximando – Era o lobo do Rei, seu pai, Aika.

—ohh – com certeza tudo isso não era uma coincidência infame.

—O que nos resta a seguinte pergunta, - ele continuou- o que você vai fazer agora?- encarei Kadon, seus olhos expressavam curiosidade. Encarei Nana, seu olhar demonstrava um misto de compaixão com receio. Por fim, olhei para Zandor, seus olhos não continham mais aquela áurea misteriosa, agora eu podia me reconhecer dentro deles.

—Vamos à guerra – respondi por fim.