Enfim eu havia tomado minha decisão e escolhido meu destino: a guerra. Não podia mentir, uma pontada de medo sobre o que aconteceria me assustava, ouvi histórias sobre a guerra é uma coisa, ser o centro dela é totalmente diferente. Mas aquela centelha de fúria ainda pairava sobre mim e me motivava. Havia um peso sobre as minhas costas que nem me escondendo na aldeia mais distante do reino eu poderia esquecer: o peso da liberdade da tirania. O fato da Rainha ser minha mãe, não me fazia pestanejar sobre a minha decisão, pelo contrário, fazia com que eu sentisse o dobro de responsabilidade. Agora ela era meu fardo e eu não via a hora de larga-lo.

Após anunciar minha decisão, o rosto da Nana se encheu de orgulho. Eu pensei que ela fosse chorar a qualquer momento, mas em vez disso ela colocou a mão sobre o meu ombro, encheu o peito e falou:

— Eu Naila, Chefe da Guarda Real do exercito de Ken IV da Nação do Sul, fico extremamente orgulhosa em aceita-la no nosso exercito, para conseguirmos enfim acabar com esse reino de tirania – e me abraçou, ela sussurrou ao meu ouvido – eu sabia Aika, sabia que você não negaria sua responsabilidade – ela estava orgulhosa de mim, eu fiquei feliz por isso.

Voltamos mais uma vez pra dentro de casa, Kedon anunciou que ia procurar mais cavalos, Nana indicou algumas pessoas onde ele poderia encontrar.

—Pra onde iremos? – perguntei aos dois.

—Iremos para a aldeia de treinamento, cara – Kedon respondeu – ela fica localizada ao leste, depois das Montanhas Zênites. La é onde você será treinada, não lhe jogaremos em uma guerra sem nenhum preparo. Mas antes passaremos em uma aldeia próxima daqui, ela tem alguns soldados e pessoas que nos ajudarão na aldeia de treinamento – uma onda de alivio invadiu meu corpo, eu seria treinada! Aposto que Nana ia ser uma excelente mentora, assim como foi em todos esses anos.

Kedon saiu à procura de cavalos e Nana trazia bolsas e mantimentos para o cavalo dele. Perguntei se ela queria ajuda, mas ela negou e continuou a busca frenética pela casa. Tudo que fiz foi sentar no chão, com Zandor ao meu lado.

—Aika, preciso avisar a algumas pessoas que estamos de partida, já volto! – e saiu pela porta. Olhei para a casa, estava completamente silenciosa agora. Quantas lembranças havia naqueles cômodos, dias de alegrias e tristezas, dias em que me escondia debaixo do cobertor da Nana com medo das tempestades, dias em que ela me ensinou sobre caça, sobre a natureza, sobre coisas que me pareciam inúteis para aquela época, mas eu tinha certeza que usaria na minha nova caminhada. Prometi algo pra mim mesma, prometi que nunca esqueceria minha origem, prometi que nem todo ouro ou prata me deixariam esquecer o local que me tornou quem eu realmente era, que apesar de tudo eu ainda era uma moradora do sul assim como os outros.

Kedon entrou e disse que tinha conseguido dois cavalos, eles não eram muito sadios, mas aguentariam a viagem. Depois pegou o resto das bolsas e começou a colocar em cima dos cavalos. Antes que ele pegasse minha bolsa, peguei meu casaco favorito e vesti, ia ser bom ter algo de casa por perto. Nana entrou e disse que só precisava fazer mais uma coisa, ela foi para o seu quarto.

—Já estamos prontos para partir – Kedon me disse.

—Tudo bem – respondi. Ficamos sentados no batente da porta em silêncio, está ao lado dele não era constrangedor ou estranho, era como se nos conhecêssemos há anos, era como está com Nana – Se Nana é chefe da Guarda Real, então o que você é? – perguntei curiosa.

— Nana assumiu a Guarda muito cedo, ela era uma pessoa de confiança do Rei. Eu e ela crescemos juntos e nos alistamos a guarda juntos também, bom, nós tínhamos um bom relacionamento – ele falou a ultima frase meio constrangido, elas eram namorados, com certeza  – o Rei, seu pai, contou para poucas pessoas sobre a visão, eu e Nana éramos uma delas, foi quando ela assumiu a responsabilidade de cuidar de você. Ela fez questão de fazer isso, quando aconteceu a traição e ela fugiu com você, eu fiquei no lugar dela, confiávamos um no outro – assenti, ele era o substituto de Nana.

Já fazia um tempo que Nana estava dentro de casa, eu segurava as rédeas do meu cavalo enquanto Kedon segurava as do dele e de Nana. Zandor estava de guarda ao meu lado, as pessoas ainda passavam olhando curiosas para nós, aposto que elas queriam me perguntar o que estava acontecendo, mas estavam intimidadas de mais com Zandor. A porta da entrada bateu e Nana saiu, mas ela não era a mesma. Ela estava com camadas de pele e tecidos sobre seu corpo, seus cabelos estavam soltos mais haviam tranças na lateral puxadas para trás e seus olhos estavam levemente escurecidos. Ela carregava a sua espada na bainha da roupa na cintura, Kedon abriu um sorriso ao ver ela, a líder da Guarda Real estava de volta.

—Como eu senti sua falta! – ele disse entregando as rédeas do cavalo para ela. Ela sorriu constrangida.

—Vamos – ela falou. Seguimos a pé puxando os cavalos em direção à saída da aldeia. Quando estávamos chegando, notei que havia um pequeno grupo na saída para a floresta, reconheci todos, eram três anciãos moradores da aldeia junto com Kali e Tanah – eles vieram se disperdi de você. – Nana explicou.

Tanah era branca como a neve e tinha os cabelos claros presos em uma trança, ela olhava pra mim com um olhar de preocupação. Entreguei as rédeas do meu cavalo para Nana e corri em direção a ela, ela me abraçou forte, eu ia sentir falta deles.

—Aika, no que você se meteu agora? – ela falou com sua voz angelical, eu rir.

—Eu sabia que tinha algo errado quando vi aquele lobo – Kali falou indicando Zandor.  Tanah olhou assustada para o lobo e depois olhou para mim.

—Eles disseram que você vai embora? – eu assentir triste – você sabe quando volta?

—Não, é algo importante – falei – mas espero ver vocês logo!

—Não sei o que está acontecendo, – falou Tanah - mas tenho certeza que você consegue lidar com isso Aika, você é a pessoa mais forte que conheço! Que Khosmos lhe proteja! – ela me abraçou mais forte. Kali colocou a mão sobre o meu ombro e disse:

— Vou sentir falta de você Aika, quem vai bagunçar essa aldeia agora? – ele brincou - Que Khosmos te proteja! – eu sorri

— Fiquem bem, - eu disse – vou tentar mandar notícias! – eles assentiram. Dirigi-me ao primeiro ancião, era o velho Lu. Perdi as contas de quantas vezes o velho Lu nos deu algo para comer, ele sempre batia na nossa porta com um pão velho ou alguma carne. Quando comecei a caçar, eu dividia o que conseguia com ele, apesar de ser dificil de convencê-lo a aceitar. Ele olhou pra mim com aqueles olhos profundos e claros e disse:

—Quando Nana me chamou para viver nessa aldeia, eu fiquei com duvida se era certo deixar Lupus pra viver em lugar tão afastado. Foi quando vi você Aika, apenas um pequeno ser com os olhos tão claros e indefesos, não imaginava o que estava prestes acontecer com sua vida. Foi ai que tive certeza, eu tinha que ajudar a proteger aquela pequena vida. Foi gratificante ver você crescer e se tornar essa criança forte, só me fez ter certeza que você é capaz de vencer isso! – tentei imaginar como havia sido pra ele ter que acreditar que uma menininha iria vencer uma guerra. Uma lagrima escorreu sobre o meu rosto, eu o abracei - Que Khosmos lhe proteja minha pequena guerreira! – eu sussurrei um obrigado. Fui em direção do próximo, era a senhora Kim, ela era considerada a curandeira da aldeia por saber lidar com as ervas e métodos medicinais.

— Lembro-me de uma vez de quando você era criancinha e chegou chorando na minha casa – ela começou, seus olhos eram gentis – tinha um passarinho ferido nas mãos e implorava que eu o curasse, um gavião havia tentando o comer e você o resgatou. Eu tentei explicar que aquele era o ciclo da natureza, que ele era o alimento do gavião, mas você não admitia isso, “porque o gavião não pega alguém do seu tamanho?!” você me questionava. Existe um grande senso de justiça em você Aika e é disso que nosso reino precisa: de justiça! Que Khosmos lhe proteja menina!- eu agradeci e a abracei. O último era o senhor Luke, ele era o companheiro da senhora Kim, ele sempre foi muito simpático comigo.

—Estamos esperando esse momento há tanto tempo Aika, que ainda não estou acreditando! - havia uma enorme felicidade estampada no seu rosto – Foi triste ver nosso reino se tornar essa terra morta e sofrida, mas agora nossa esperança está viva! Como um velho soldado do Rei, escute o que eu digo: guerras podem ser feias e sangrentas, mas quando acontecem a favor da esperança e da justiça, a vitória está garantida por Khosmos! Que Ele lhe guie! – ele bagunçou meu cabelo. Eu sentia que se dissesse uma palavra, cairia em lágrimas.

—Agradecemos a todos – Nana falou, ela conseguia ver o quanto eu tinha sido tocada por aquelas palavras – todos colaboraram por esse momento de alguma forma, só Khosmos sabe o quanto eu sou grata! A nossa casa vai ficar vazia agora, fiquem a vontade para utiliza-la caso precisem. Agora temos que ir – Kedon me ajudou a subir em meu cavalo e depois subiu no seu, assim como Nana. Olhei para a aldeia uma ultima vez, eu estava deixando meu lar, meu coração doía, mas eu precisava ser forte – quando nos encontrarmos novamente, será em uma Nação melhor. – ela falou séria. Todos acenaram enquanto cavalgávamos em direção à floresta, em direção ao meu destino.