A Maldição Silenciosa escrita por Dama das Estrelas


Capítulo 19
Princípio do horror


Notas iniciais do capítulo

Fala, pessoal! Sejam bem-vindos a mais um capítulo! Quero deixar meu agradecimento a todos que estão acompanhando esta fic. Boa leitura!



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Maria não acordou bem. Sentiu uma dor excruciante em sua nuca, tontura e falta de sensibilidade nos extremos de seu corpo. Em sua boca o gosto amargo prevalecia como fel. A vista estava turva e tudo parecia girar. Percebeu então que o corpo estava imóvel. Talvez fosse efeito do corpo reagindo ao acordar após ser forçado a adormecer. 

Ao tomar um longo respiro na tentativa de se recompor, a primeira coisa que Maria percebeu foi o cheiro insuportável. Terrivelmente insuportável. Pior ainda que o odor vindo daqueles homens na carroça. Urina, mofo e o pior de todos: sangue. Mais sangue que antes. Um açougue, talvez? 

Onde estou... questionava-se num estado de semiconsciência. Pressentia que poderia vomitar a qualquer momento. Abaixo dela o chão era frio e um pouco úmido. Ao perceber uma superfície dura e fria atrás de si, percebeu que se encontrava sentada.  

Imaginava-se presa num pesadelo. A sensação era das piores e parecia não ter fim. O mal-estar não passava. 

— NÃ-... Ah!... 

O grito perturbador do que parecia ser um homem deixou a caçadora num e estado de alerta. O som ecoado pelas paredes rígidas a assustou. Foi um grito abafado, de alguém que não tinha mais forças para resistir ao ataque ou sabe Deus o que poderia ser. Arregalando os olhos na tentativa de afastar a visão turva, o primeiro movimento que fez com o corpo foi com os braços. Foi então que percebeu que não podia movê-los. O tilintar do metal lhe apontou o óbvio: estava acorrentada.  

Calabouço... pensou apreensiva. Tudo ao seu redor indicava que estava em um. 

Ao tentar puxar em vão as correntes presas em seus pulsos, Maria achou por um momento que teria um lampejo de força para se libertar. Errado. Em breve começaria a sentir seus braços dormentes, porém ainda não seria a pior parte. 

Temendo o que pudesse ver à sua frente, mas sem ter como evitar, a caçadora virou o rosto à procura de respostas. No espaço de dez metros por seis, o ambiente fétido, úmido, frio e mal iluminado continha apenas uma ocupante: ela mesma. Encontrava-se sozinha, sentada no chão e acorrentada pelos braços. 

— Deus... — balbuciou em lamento. Encontrava-se mais frágil que um filhote de ave.  

Por que fui tão inocente... 

Ela fez um esforço com os braços tentativa de se libertar das correntes novamente. Tão delicadas à primeira vista, revelaram-se impossíveis de se quebrar ao final da primeira e frustrada tentativa. Em outras situações teria forças para sair sem muitas dificuldades, mas desta vez era diferente. Seja lá o que a fizeram inalar era forte e continuava a fazer efeito. Caso se mantivesse imóvel poderia voltar a adormecer e isto não seria uma boa ideia. 

— Ah... meus amigos... por favor... me ajudem... — Ela sussurrou. Tentou se concentrar para ouvi-los, mas não conseguia ouvir nada, apenas um monte de vozes falando ao mesmo tempo. Vozes irreconhecíveis. 

Da última vez que se via numa situação tão delicada ainda era uma criança, sequestrada pelos servos de Drácula até seu castelo. Estava decepcionada consigo mesma. Uma guerreira como ela não devia cair em armadilhas tão banais. 

Um outro grito abafado transpassou aquelas paredes, despertando-a definitivamente para um estado de alerta. Era um homem, mas não sabia dizer a voz pertencia ao da pessoa que gritou anteriormente. Parecia estar de frente com a morte, flertando entre ficar neste mundo e partir. Uma experiência aterrorizante. 

— Tortura... — disse baixo, fazendo força para tentar mais uma vez se livrar daquelas correntes. — Deus...! — Continuava a forçar aquelas peças de metal rígido, mas mal parecia ter feito cócegas. A fraqueza em seu corpo era evidente. Estava 100% consciente, porém seus poderes não estavam. 

Estão torturando um homem... Deus... 

De repente, as imagens que presenciou naquela visão começavam a fazer sentido. Sangue, gritos, dor. Homens e mulheres sendo torturados sem nenhum sinal de piedade; até que morressem. As Criaturas Celestiais estavam alertando-a o tempo todo, mas ela não se deu conta do perigo do qual se aproximava. 

— Este é o meu castigo? — perguntou sem esperanças às Criaturas. Talvez fosse mesmo sua penitência por agir segundo seus próprios pensamentos. — Eu só queria ajudá-los... — Ela respirou fundo e abaixou a cabeça, fechando os olhos por uns instantes. — Será que sou mesmo digna de ser uma guardiã? 

Ela passou cinco minutos naquele estado, em silêncio e questionando-se o tempo todo até que ouviu sons de passos. 

— Ah!... — Um suspiro abafado de Maria a pôs no estado de alerta novamente. Alguém estava se aproximando da cela com rapidez. Passos rígidos, como se fosse o cavalgar de cavalos de guerra. 

Não... 

Ela se concentrou mais. Aquilo não estava certo, não parecia ser apenas uma pessoa se aproximando da cela. Eram mais. Tudo o que Maria menos precisava: se encontrar em desvantagem numa situação desfavorável. 

Não demorou muito para que a porta fosse destrancada. Pelo som da tranca o cadeado era rígido, daqueles que não se desfaria fácil com um golpe ou com uma técnica simples. Ao ser aberta a porta de metal emitiu um rangido grave desagradável. Atenção total para quem entrava na cela. Maria tentou se posicionar melhor, mas não houve tanta mudança. 

O primeiro a entrar foi, obviamente, o Serpente. Rosto impassível, sem apresentar segundas intenções. Portava-se como um soldado do qual foi contratado para ser. 

— Já acordou, pelo visto. — Ele disse enquanto entrava. Logo atrás dele vinham mais dois homens. O já conhecido Montanha e um outro; mais magro, porém de uma aparência física saudável. Os cabelos estavam quase todos raspados e algo a mais que chamou a atenção de Maria foram as cicatrizes em seu rosto. Duas grandes, bem visíveis. Mais um do qual não podia perder a guarda. 

Ao pensar sobre a aparência física dos homens, Maria não percebera de antemão que eles não apresentavam sintomas visíveis da doença — ou maldição — recorrente. Deveria ser gente de fora, contratada por alguém de dentro disposta a erradicar aquele mal quaisquer fossem os meios necessários. 

— O que você colocou naquele tecido? — Maria não poupou esforços. Queria saber que tipo de substância usaram contra ela para deixarem-na daquele jeito. Se bem que buscar por uma resposta à esta altura seria falar com as paredes. 

Mas Serpente não lhe deu ouvidos. Com um breve gesto mandou que os outros dois removessem aquelas correntes e a erguessem do chão. Sabia que o efeito da substância continuava ao perceber fraqueza no corpo dela. 

Os mercenários ergueram Maria de modo rude, cada um puxou-a pelo braço até que ficasse de pé. Naquele momento a caçadora tentou juntar todas as suas forças para lançar uma bola de fogo, não muito forte para matá-los, mas o suficiente para feri-los e afastá-los de si. 

— Seja lá o que está pensando em fazer, melhor desistir — falou o Serpente, estendendo uma espada curta e afiada rente ao pescoço dela. — Ou eu corto sua garganta aqui mesmo. Bruxa ou não. 

— Eu não sou uma bruxa. — Maria repetiu. Desta vez sua voz saiu carregada de raiva. — Quantas vezes terei de repetir? — Ela tentou buscar os olhos justamente do homem que a ameaçou. A calma abandonou o rosto da caçadora. 

— Não serei eu quem vai decidir isto. — Serpente moveu a cabeça num gesto para os dois homens, que a empurraram para seguir em frente.  

Sem ter controle sobre os próprios movimentos, Maria, que ainda estava com os membros dormentes, não conseguiu permanecer de pé e caiu no chão. Tentou usar os braços como amortecedores, porém estavam frágeis como um graveto.  

— Inferno. Não foi assim que eu mandei! — Irritado, o Serpente foi o primeiro a se aproximar de Maria e lhe ajudar a se erguer. — Deus os livre se estiverem cometendo o pecado de punir a pessoa errada! 

Ouvindo aquilo a caçadora chegou a sorrir ironicamente. Mais engraçado ainda pensar que o Serpente culpava os outros e se eximia do erro. 

Ela poderia falar por horas, gritar, mas nada parecia convencê-los do contrário. Talvez se a conhecessem teriam outra opinião. Queria muito que sua força voltasse. 

Serpente ajudou Maria a se por de pé e depois ordenou que os outros a sustentassem em seus ombros para que deixassem a cela. O provável líder daqueles homens sabia que ela não ganharia uma luta física nem se usasse tudo o que tinha naquela hora. Ficaria apenas de olho nos possíveis truques dos quais ela poderia tentar para se libertar deles. O que ouviu de seu pagador era que Maria sempre foi uma mulher astuta e poderia se valer de muitas habilidades. Todo cuidado era pouco. 

Enquanto caminhava obrigada sob o apoio dos dois homens, a sensação ruim que Maria sentia antes de eles chegarem começava a aumentar. Como se a caçadora estivesse prestes a ir para o matadouro, sendo levada cativa, sem chances de reagir. Pânico rondava sua mente e sem a menor ideia de como e quando teria sua força de volta, Maria começava a perder a calma. 

— Estão cometendo um erro — disse ela, fazendo esforço para libertar daqueles dois. — Eu sou uma caçadora de vampiros, céus! Não sou uma bruxa! 

Suas palavras foram ignoradas. 

Ao atravessarem a porta da cela, Maria se deparou com um corredor com uma largura de três metros, formado por outras celas das quais não tinha ideia se estavam povoadas com outras pessoas, vazias, ou cheias de cadáveres. Só sabia que aquele lugar cheirava a morte.  

Haviam dois caminhos visíveis por entre o corredor minimamente iluminado. À direita de Maria havia uma porta dupla de madeira reforçada com chapas de metal. À sua esquerda, uma escadaria que dava para cima. Talvez fosse a saída, visto que sua cela não tinha janela, a caçadora imaginou estar no subterrâneo. A cada minuto sua presença ali se tornava mais insuportável, quase digno de um dos cômodos do castelo de Drácula. 

Poucos passos a separavam do desconhecido à liberdade. Quisera ela ter forças o suficiente para invocar as Criaturas Celestiais e sair dali depressa. 

— Ahn... 

Os olhos de Maria se arregalaram após ouvir um gemido baixo. Desta vez era feminino e vinha de uma daquelas dezenas de cela. Com certeza era uma mulher ferida ou atingida pela doença. 

— So... corro... — Sua voz fraca evidenciava o sofrimento que estava sentindo. Maus tratos, talvez? Maria não tinha certeza se a mulher foi torturada ou apenas foi deixada por lá para ser "investigada" posteriormente. De uma coisa a caçadora sabia: aquela mulher estava morrendo. Se continuasse do jeito que estava não iria resistir por muito tempo. 

— Vamos! — falou um dos homens que carregava Maria. Serpente estava atrás dele, apenas observando seus movimentos. 

— Mas... a... a moça...! 

— Deveria preocupar-se consigo mesma neste momento — disse Serpente. 

Aos trancos e barrancos, Maria foi levada para o caminho da direita, para a porta de madeira de tamanho mediano. Em seus pensamentos, rezava pela alma daquela mulher, sofrendo fervorosamente por não conseguir ajudá-la. O que poderia ser pior do que ver alguém sofrer e ser incapaz de socorrê-la? 

Serpente abriu a porta que já estava destrancada e deu espaço para que os homens levassem Maria até lá dentro. Nem foi necessário se aproximar da porta para saber para onde estava indo: de encontro com os leões. 

— Deus... não...  

Ao entrar naquele cômodo, Maria se viu diante do que seria uma pintura viva do inferno. Seus olhos já estavam a lacrimejar. Haviam mais pessoas naquele cômodo. Estavam espalhadas por entre aqueles cantos repletos de mecanismos de tortura. Uma mulher presa à uma cadeira, seminua e parecendo desacordada; um homem acorrentado de pé contra a parede, repleto de marcas de açoites e cortes, desacordado e seminu, também. Outra cena macabra era a retirada de um corpo de outra mulher sendo retirada de um garrote. 

— Deus! O que fizeram com eles! — Ela exclamou em nítido desespero enquanto tentava se libertar daqueles homens. Com certeza aquelas eram pessoas de seu vilarejo. — O que vocês fizeram! 

Eles continuaram a induzi-la ao interior daquele cômodo. Os aparatos e objetos para tortura pareciam infindáveis. Uma cena de horror tentar imaginar o tipo de sofrimento que tiveram ao visar aqueles aparelhos. Alguns manchados com sangue fresco. 

— Era para isso que estavam levando os sãos?! Deus! Estão matando gente inocente! — Maria aumentou o tom. Olhos arregalados encarada com extremo horror aquele lugar. Nenhuma daquelas pessoas ali imóveis esboçava reação. 

— Deixe o lamento para depois. Deveria se alegrar, contudo, de que suas almas foram libertas do espírito do demônio. 

Espera, ela pensou apreensiva ao considerar aquela voz masculina familiar. 

Uma figura humana, afastada dos outros de início, veio de encontro a Maria a passos mancantes. Usava uma vestimenta preta e se valia de uma bengala para andar. Não era um mercenário. Para Maria, era pior que isso. 

— Padre Filip? 

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O cavalgar do cavaleiro solitário por entre as estradas precárias parecia não ter fim. Ele queria ir rápido. Mais rápido como nunca foi; a uma velocidade do piscar de olhos. Porém nada do que desejava poderia acontecer. Se Alucard forçasse mais de si numa busca desenfreada acabaria perecendo no meio do caminho. Já andava no limite do que seu corpo meio-humano poderia aguentar enquanto enfrentava uma doença ou maldição vinda de sabe-se lá onde. Seu corpo clamava por descanso e a única coisa que o mantinha de pé era a força de vontade. 

Onde Maria estava? Era a pergunta que o rodeava e o assombrava como a escuridão da noite. Sabia apenas que foi levada, mas para onde? Todo o tempo perdido seria uma chance menor de resgatá-la. Alucard não poderia deixar que algo acontecesse à mulher que amava. Não de novo. 

— Eu preciso de respostas. Agora! —  Ele ordenou ao familiar enquanto não tirava os olhos da frente. 

— M-mestre! Vá devagar, por favor! 

Imp tinha de se segurar na barra da camisa de Alucard para não ser deixado para trás. Não era rápido o suficiente para alcançar seu mestre seguindo a cavalo numa velocidade tão alta. 

— Maldição, Imp! Não tenho tempo a perder! 

Ao ser invocado para auxiliar o meio-vampiro a localizar o paradeiro de Maria, o familiar sentiu traços da essência mágica da caçadora se dirigindo para o norte; próximo às florestas da região de Targoviste. Entretanto, vendo que seu mestre padecia daquela doença, a prioridade de Imp foi assisti-lo e resguardá-lo de quaisquer perigos que pudessem aparecer. 

— M-me p-perdoe, Mestre Alucard! O senhor não está... em condições...! De seguir desse jeito! 

Adrian já estava perdendo a paciência com Imp. Em outros casos estaria mais calmo, só que o sumiço de Maria e a fragilidade que seu corpo se encontrava o deixava possesso. O meio-vampiro daria tudo de si para cumprir sua missão, todavia não poderia perder tempo com erros evitáveis. 

— Maldição — bradando em alta voz o meio-vampiro fez o cavalo parar bruscamente. Ele desceu do animal e o trouxe consigo para o meio do bosque, num local estratégico para que ninguém pudesse vê-lo. 

— O que vai fazer, mestre? — Imp perguntou, mais aliviado ao ver que Alucard parara de correr. 

— Foi o bastante, Imp. Volte agora. 

— O-o quê?! 

O familiar mal teve tempo de se defender quando desapareceu num instante. Alucard amarrou o cavalo a uma árvore para garantir que não iria fugir. Ergueu a cabeça, fechou os olhos e suspirou. Sabia que não devia se valer daquilo, mas a situação era urgente. 

— Mestre Alucard! Em que posso ajudá-lo, meu senhor? — Fada apareceu trazendo seu bom humor de sempre. Rapidamente, a familiar sobrevoou o mestre e constatou o que imaginou ver: ele não estava em condições saudáveis e deveria retornar para a cama o quanto antes. Não contou isto para ele com medo de represálias. 

— Esteja atenta — disse ele enquanto fechava seus olhos novamente. Concentrava sua força disponível para o momento seguinte. Transformar-se num lobo. 

Alucard usaria aquela habilidade apenas por um momento, o bastante para que o faro sensível de sua forma animal conseguisse identificar Maria. Passara tempo suficiente para reconhecer seu cheiro em meio a tantos outros. Torceria, contudo, que o alcance de seu faro alcançasse Maria. 

— Mestre, tem certeza disso? — perguntou receosa a familiar. 

O meio-vampiro pensou em respondê-la, mas deixou de lado para canalizar seus pensamentos na transformação. Em poucos segundos o homem virou lobo.  

Alucard visou a área em sua volta para verificar se não havia outros seres humanos. Por enquanto o lugar estava seguro, uma preocupação a menos. Ele correu alguns metros à frente e procurou subir um pequeno aclive para buscar o cheiro de Maria. Praticamente apostava tudo o que tinha disponível para procurar pela mulher que amava. Se falhasse, iria se arrepender eternamente. 

Levou mais de um minuto entre andanças em meio ao bosque para que Alucard descobrisse o rastro de Maria. Aspirou o ar, identificando cada aroma que atravessava suas narinas. Ficou daquele jeito até que, finalmente, a encontrou. A mais ou menos uns dois quilômetros ao norte se sua intuição estivesse correta. 

Alucard retornou ao local de onde se encontrava o cavalo. Fada o vigiava de perto o tempo todo. Ele tomou concentração para se transformar de volta e quando o fez, todavia, não conseguiu ficar de pé. Tentou se apoiar num tronco próximo, só que suas mãos não o alcançaram e ele caiu no chão. 

— Mestre! — A Fada gritou desesperada.  

Se tivesse forças poderia segurá-lo, mas era pequena demais. Terrivelmente preocupada, a familiar ficou rondando seu corpo para checar seus finais vitais. Ao realizar uma pequena checagem em seu mestre, percebeu que ele continuava respirando. 

— Mestre. O senhor precisa descansar — recomendou a familiar. 

Rosto em terra, Alucard ergueu o punho direito para a frente. Teve dificuldade no início, mas fez um esforço. Com a palma aberta sobre o chão, o meio-vampiro ergueu um pouco a cabeça. 

— Maria... — sussurrou, lamentando sua incapacidade de prosseguir. Ele não podia desistir; era como se pudesse ouvir os gritos de desespero de sua amada, assim como os gritos de agonia de sua falecida mãe sendo queimada na fogueira. 

Alucard não poderia deixar algo semelhante acontecer mais uma vez a alguém que amava. Nem que tivesse de entregar a própria vida, dar o último suspiro, aquilo não poderia acontecer. Nem que seu corpo se deteriorasse a cada passo ele poderia permitir que alguém tocasse em sua Maria. 

Uma mistura de dor, raiva e tristeza tomava conta de si. Valer-se-ia de tudo aquilo e todas as armas à mão para acabar com aquela história. 

— Fada. Prepare outra poção. Não posso me encontrar nesse estado frágil quando for buscar Maria. 

— Senhor... — Fada o questionou em baixa voz, porém não esperou que ele se erguesse dali para repreendê-la, pois sabia que seu mestre se encontrava irredutível. — Sim, mestre. 

— Ah...! Mãe!... Por favor... — Ele resmungou enquanto tentava se erguer. Usou o braço direito para se apoiar no chão, o esquerdo, então se pôs de joelhos. — Interceda por nós... 

Ao se erguer, punhos cerrados, Alucard respirou fundo para se aproximou do tronco de uma árvore para se encostar. Levou a mão a testa, sentindo a alta temperatura oriunda da febre. Aquele era o lado humano que odiava manter. A febre não queria baixar, muito por conta de sua atitude imprudente (ele admitia) em deixar a cama. Tudo por uma causa maior, um bem maior. 

Ele levantou a cabeça tentando vislumbrar o céu agora clareado pela luz do sol. Parecia que o dia quis sorrir um pouco, afastar as nuvens alvas para longe por um certo momento. Ironia do destino o dia sorrir justo naquele momento. 

Recostando-se naquela árvore, deixou que o peso do corpo o levasse até o chão para se sentar por causa do cansaço. Aproveitou o tempo para se recuperar no intuito de refletir sobre seu plano. Maria provavelmente estaria sob cárcere. O local era desconhecido, talvez algum edifício ou um local de difícil localização, como uma gruta ou caverna. A região montanhosa, repleta de bosques e desníveis facilitava a instalação de esconderijos; não muito grandes, mas o suficiente para se passarem quase que imperceptíveis. 

Enquanto ainda encarava o céu, Alucard reparou numa figura que voava acima das árvores. Era uma ave branca de tamanho acima dos pássaros comumente avistados. Esforçando-se para se afastar do tronco, o meio-vampiro deu alguns passos para a frente a fim de observar melhor o animal; foi então que reconheceu aquela ave. Era Oscar. 

Ele esperou que a coruja descesse ou ao menos pousasse num local próximo porque a única pessoa que Oscar tinha confiança para se achegar era Maria. Quieto, deixou que o animal reconhecesse o espaço e se sentisse à vontade até que aproximasse dele. Então ele pousou sobre um tronco retorcido velho caído no chão, a uns 3 metros à sua esquerda. 

— Oscar — disse ele. — Está aqui a procura de sua mestra, ou para me guiar? 

Movendo a cabeça para o lado, a coruja coçou a barriga com pressa e depois focou seu olhar em Alucard. 

— Preciso de sua ajuda. Maria está em perigo — falou solícito, mas imaginando que Oscar já soubesse o que estava acontecendo. 

Ele nem podia imaginar como o familiar se sentia a não ter a presença de Maria por perto. Os dois raramente ficavam distantes por muito tempo; como um caçador e seu cachorro de caça, assim eram Maria e Oscar. Alucard não podia dizer se o encontro com a coruja foi ironia do destino ou interferência divina. De qualquer forma sentia-se agradecido, pois ganhara uma ajuda importante. 

Ameaçando tomar voo a coruja abriu as asas para esticá-las. Não levou muito tempo para que a ave tomar impulso para retornar aos ares. Foi o sinal para que o meio-vampiro se erguesse de seu lugar e viesse ao encontro do cavalo.  

Para sua satisfação a poção preparada por Fada estava pronta. Ele a tomou rapidamente, respirou fundo e seguiu em direção ao seu cavalo. Com agilidade ele o desamarrou, montou nele e chamou Fada de volta. Partiria daquele ponto sem a companhia de seus familiares.  

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— O senhor está cometendo um engano! Por Deus!  

Desesperada para se explicar, Maria tentou dar um passo à frente à sua direção. O movimento considerado brusco pelos mercenários fez com que um deles pisasse em sua panturrilha direita, derrubando-a no chão. A caçadora caiu apoiada no joelho da perna atingida gritando de dor e sem forças para se sustentar o peso do próprio corpo, o que a obrigou a jogar o peso para frente, derrubando-a de vez. 

— Engano? Que é isto, Maria? A única não atingida pela maldição. Limpa como uma ovelha imaculada — retrucou o padre, com certa dureza em sua voz. 

A mulher ergueu a cabeça para o alto, a encarar o religioso que se mantinha firme, mas nitidamente cansado. A bengala parecia ser a única coisa que o fazia ficar de pé. Apesar de suas roupas de clérigo cobrirem todo seu corpo, deixando a cabeça à mostra, era notável a aparência desgastada. Típica de uma doença capaz de derrubar um homem saudável como o mar ao castelo de areia. 

Os dois homens ergueram Maria enquanto Serpente se pôs à esquerda do padre Filip. Eles cochicharam algo breve da qual ela não conseguiu ouvir. 

— O senhor me conhece há tanto tempo, padre... Como... como pôde fazer isso comigo? — Maria desabafou. Encontrava-se extremamente abalada. 

O padre olhou bem para a feição da caçadora e sentiu uma onda de raiva tomar conta de si. Só podia ser ela a responsável por causar tanta desgraça àquele pobre vilarejo. Viu uma mulher em perfeito estado, sem marcas nem dores e nem quaisquer sinais da doença. 

— Admita o que fez, Maria, e quem sabe Deus terá misericórdia de você. 

— Eu não fiz nada — repetiu. Se suas palavras já nem faziam mais efeito nela, imagine com aqueles homens. 

— Não foi o que ela disse. — O clérigo apontou para a mulher desacordada, seminua e sentada à cadeira. Reparando bem poderia notar que não era uma cadeira comum, mas uma construída para causar do em quem sentasse nela. Estava repleta de pontas de prego. 

— Ela disse que eu era uma bruxa...? — Maria perguntou, segurando-se para não chorar. Ela pressionou os lábios e respirou fundo para se manter firme. Sabia que chorar não iria adiantar ou talvez pudesse piorar sua situação. 

— Vendo que não tinha outra alternativa, ela preferiu garantir seu lar no céu a continuar ajudando um servo do diabo. Serva. 

— Ela... está... morta? — A caçadora quase sussurrou enquanto continuava a olhar aquela mulher. 

— Ela descansa, agora. 

— Deus...! 

— Pare de clamar ao Santo Nome — repreendeu-a, dando-lhe um tabefe em seu rosto. — Admita que fez isso ou nos entregue o responsável. 

Ainda com o rosto virado, Maria se manteve em silêncio. Percebeu que qualquer resposta sua não iria adiantar coisa alguma. O padre estava cego demais para reconhecer, preso numa ideologia fanática. Mandaria matar quantos fossem necessários até que encontrasse o culpado para frear a doença ou maldição. 

Ela poderia matá-los ali mesmo. Usaria tudo o que tinha para terminar com aquilo de vez. Mas seria outro derramamento de sangue. Igualar-se-ia aos carrascos e viveria com uma culpa terrível; matar aqueles que na teoria devia proteger. 

— Não tenho nada a entregar-lhe, padre Filip — disse ela com a cabeça baixa. Como se já estivesse pronta para receber sua punição. 

Pressionando a bengala em sua mão esquerda, o padre fechou os olhos e lamentou em silêncio ter ouvido aquilo. Segurou o terço pendurado em seu pescoço e escondeu o crucifixo sob a palma da mão direita. Queria apenas que ela entendesse o motivo daquilo tudo; perdão não era o que buscava, mas sim que ela entendesse. 

— Eu não confio em você, Maria. Sei do que podes fazer e por isso não vou desistir até encontrar a resposta. 

Deus... Maria balançou a cabeça. 

— Não há outro jeito. Terei de arrancar a resposta de você. 


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Notas finais do capítulo

O negócio ficou feio. Eles chegaram ao extremo e não pretendem parar por aí até conseguirem uma resposta. Isto significa trazer à "justiça" até mesmo Maria.

Espero que tenham gostado! Beijos e até o próximo capítulo!!



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