A Maldição Silenciosa escrita por Dama das Estrelas


Capítulo 18
Compaixão


Notas iniciais do capítulo

Faaala, galera! Cheguei aqui com mais um capítulo! As coisas estão esquentando e posso garantir que vem coisa mais pesada por aí. Já deixo o meu aviso a todos os leitores.

Agradeço a todos pela paciência. Boa leitura! ♥



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— Para onde os senhores estão me levando? — Perguntou a caçadora, meio apreensiva pelo caminho do qual os mercenários estavam tomando. Não era para a enfermaria, tampouco à igreja. A impressão era de que estavam prestes a deixar o vilarejo. 

Não lhe responderam de prontidão. Cercada por homens musculosos, de rostos frios como a neve e carrancudos quanto um golem, Maria se sentia uma ave presa numa gaiola vigiada por gatos ferozes. Maria usou de pronomes formais por respeito, mas pelo que havia percebido talvez aqueles homens sequer conheciam aquela palavra. 

A carroça guiada por dois homens seguia velozmente por entre as ruas principais. Em pouco tempo já estariam longe do vilarejo, disso Maria tinha certeza. A pergunta, ou melhor, perguntas que não queriam calar eram para onde e por quê procuravam justamente pela caçadora. O motivo, talvez, ela já soubesse, queria apenas não acreditar. 

— Vocês... acham que eu sou uma bruxa, não é mesmo? 

Os dois homens que cercavam Maria trocaram olhares duvidosos. O que estava à sua direita tinha os cabelos longos, decaídos até a nuca e barba avantajada. As mangas longas da camisa não eram suficientes para esconder os músculos volumosos de seus braços. Era uma montanha. Maria resolveu apelidá-lo assim. Parecia ser o mais desconfiado. O da esquerda era conhecido. Era o homem que chegou ao orfanato e se apresentou a ela; aparência mais jovial que o do outro, era alto, de cabeça raspada e tinha a barba menos evidente quanto a do "colega" próximo. Mais magro, sua feição não lhe devia em nada. Devia ser o sujeito do qual se tinha de tomar cuidado extremo. Passava-lhe a sensação de ser calculista, metódico. Um passo em falso e acabou. 

Decidiu apelidá-lo de serpente. 

— Tudo será esclarecido quando chegarmos ao nosso destino, senhorita Maria — respondeu o Serpente. 

— Por Deus! E para onde vamos? — questionou ela, evidenciando um tom mais inconformado. 

— Logo irá saber. Agora fique em silêncio. — Foi a vez do Montanha responder. De modo grosseiro ainda por cima. 

Tem alguma coisa errada, pensou a caçadora.  Não se sentia confortável no meio daqueles homens, que emanavam hostilidade da cabeça aos pés. Pior de tudo era que se encontrava cercada: dois ao seu lado, dois guiando a carroça e mais três com seus respectivos cavalos fazendo o cerco.  

Maria não era alguém importante, não era da realeza e tampouco do clero. Por que tantos homens para levar uma única mulher? E para longe do vilarejo? 

Eles estavam armados. Todos eles. Espadas, arcos e flechas, bestas... Um pequeno arsenal para um pequeno exército do qual Maria se encontrava cercada. Para que tudo isto? Pareciam estar mais preparados para um conflito que para levar alguém em “segurança” até outro local. Não havia mais ninguém no vilarejo capaz de oferecer ameaça; todos estavam debilitados, mais frágeis que uma pena. 

Exceto ela e June. Porém a última era uma criança e deveria ter sua identidade protegida a todo custo. 

Maria respirou fundo e quase se engasgou quando o odor de bebida, suor e... 

Sangue.  

Sangue de animais? Ou de... humanos...? 

O tempo passava e o cheiro ia ficando insuportável. Poderia ser uma caça para o alimento daquele bando, mas estaria pensando inocentemente demais. Maria já não era uma criança, o tempo de inocência já passou. Claro que não poderia ser coisa boa. 

De uma coisa ela tinha certeza: ela não sairia dessa bem, se conseguisse sair dessa. 

Eles vão me matar. 

Era a alternativa mais óbvia. Se não o fizessem ali mesmo, deixariam para fazer num lugar distante, sem o risco de que pessoas próximas a ela no vilarejo pudessem ver a execução. Se fossem para levá-la a um lugar seguro, ao menos teriam contado parte da história ou sanado parte de suas dúvidas, mas isto não aconteceu. Ela tinha de tomar uma atitude depressa. 

Mas o que fazer? Saltar do vagão em movimento e em alta velocidade era arriscado até mesmo para uma mulher em forma como ela. Usar seus poderes levaria tempo demais. Segundos, mas o suficiente para despertar uma reação dos homens em volta. Poderia tentar fugir no momento em que chegassem ao destino, mas seria jogar com a sorte. 

Ela cerrou os punhos. Tinha de valer de seu instinto. Erguer-se de seu lugar e utilizar-se da força bruta caso necessário. Decidiu assim, então. 

Todavia, a jovem caçadora não teve tempo. Imaginando suas futuras intenções, Serpente acenou com a cabeça ao Montanha, que agarrou Maria violentamente enquanto ele pressionou um tecido molhado sobre seu rosto. Maria tentou lutar com todas as forças, inclusive chamar por um de seus guardiões. Mas já era tarde. Não sabia o que era ao certo, mas a substância já começava a fazer efeito, atordoando-a em poucos segundos. Se fosse veneno ela mal teria tempo de se despedir das pessoas que amava. Pior ainda, sequer teve a chance de revidar. 

Então tudo se apagou. 

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Adrian parou a alguns metros distante da mansão num tempo maior do que costumeiramente acreditava fazer. Mais debilitado, teve de poupar suas energias para o que viria pela frente. Odiou ter que tomar um desvio, porém não podia ignorá-lo. 

— Essa casa é maior que a minha! — disse a garotinha com um evidente tom de admiração. Apontava para a mansão sem discrição, como se estivesse diante de uma criatura fantástica. 

Se já não bastasse o trabalho de ter que arrastar seu próprio corpo, Alucard trazia em suas costas uma "bagagem extra". June. Provavelmente a única humana imune à maldição que a esta hora devastava todo o vilarejo. Se permanecesse naquele orfanato, a chance de ser encontrada e levada por pessoas estranhas seria alta. Ainda que tivesse outras prioridades o meio-vampiro não podia deixá-la às traças; não depois de prometer à sua mãe que ajudaria os humanos, e à sua noiva de que ajudaria quem precisasse. Naquele momento a pequena precisava dele mais que ninguém. 

Apesar de protestar no começo porque não queria ficar longe do orfanato e das pessoas que gostava, a garotinha não teve opção senão confiar no namorado da tia Maria. Ficar junto dos outros doentes não iria adiantar de muita coisa, apesar de que tentaria de tudo para ajudá-los.  

— É sua casa, tio Adrian? 

— Não — respondeu ele, descendo a menina de suas costas. 

— De quem é, então? 

— Irás saber quando for a hora. — Sem tempo para conversa, o meio-vampiro começou a fazer seu caminho esperando que ela viesse em seguida. 

— Ah...! — A menina lamentou. Percebendo que ficaria para trás ela deu uma corridinha para alcançá-lo. 

Tudo o que precisaria fazer era deixá-la sob os cuidados de lorde Galvan ou alguma de suas empregadas, partir e descobrir aonde Maria se encontrava. Nada além disso. O plano metódico só precisava de execução. 

— A tia Maria está aqui, senhor Adrian? 

O meio-vampiro respirou fundo ao ouvir aquela resposta. Percebendo que o incomodou de certa forma, a menina se retraiu como pedido de desculpas. De vez em quando se questionava o motivo pelo qual a tia Maria gostava dele, afinal, Adrian não tinha nada a ver com ela. Era "frio" e fechado demais, pensava a garotinha, temendo que o homem ao seu lado pudesse ler mentes. 

— Não está. Irei ao encontro dela sozinho.  

June baixou a cabeça decepcionada. Realmente achava que Maria pudesse estar lá após ser levada por aqueles homens. Realmente achou que estivesse lá; sã e salva. Tudo o que podia fazer era por sua confiança nele e acreditar que Maria voltaria bem.  

Deixar a menina ali e ir embora, apenas isso. Tarefas fácil de serem executadas, bastava apenas ser competente. Tudo já estava planejado em sua mente, raciocínio rápido e nada sairia do controle. Só que de uma hora para outras seus pensamentos foram interrompidos por um súbito movimento, tirando-o de sua concentração. Irritado, olhou para baixo ao sentir um toque em sua mão esquerda. Era June que, sem dizer, pedia por sua mão assim como uma filha pedia a companhia do pai. Focado em outros assuntos, Adrian levou um susto e por pouco não se alterou. 

— Por que me trouxe para cá, tio... senhor Adrian? — perguntou de modo inocente. 

— Para sua proteção — respondeu de modo quase áspero. Não suportava mais tantas perguntas, ainda que não viessem carregadas de más intenções. Era uma criança apenas; tola e cheia de perguntas. Inocente num mundo de feras selvagens. Prontas para abocanhá-la se soubessem de seu estado. 

Suspirando pelas narinas o meio-vampiro não se manifestou. Não queria aquilo, mas se manteve em silêncio.  

Antes mesmo de chegarem à escadaria principal eles foram recebidos de cara por um dos servos. Conhecendo Adrian de antemão, o servo foi prontamente chamar por Christopher levando poucos minutos para retornar e deixá-los entrar. 

Lorde Galvan se encontrava na biblioteca. Enfurnou-se lá desde a última visita de Adrian, passando longas horas a procura de alguma informação sobre a doença infligida sobre o vilarejo. Inquieto, convocou alguns conhecidos para trocar e buscar informações acerca do que poderia estar acontecendo. As marcas de sua "paranoia" ficaram evidentes: camisa e calças amarrotadas, cabelo desgrenhado e barba por fazer. Para quem o conhecia há tempos diria que estava um trapo. 

— Senhor Adrian. Veio me trazer alguma novidade sobre a moléstia? — perguntou afadigado. Devolvendo um livro à sua estante, Christopher se virou na direção do meio-vampiro, que o aguardava na entrada do cômodo. — Deus!... Estou há horas aqui e tudo o que encontrei foi apenas mais decepção! Tenho mais perguntas que respostas! 

— Tudo o que posso lhe dizer, lorde Galvan, é que a situação piorou. — Adrian não poupou as palavras. — Todos estão doentes. Não me arrisco a dizer que alguns já devem estar mortos. 

— Valha-me Deus... — O lorde sussurrou frustrado. Levou a mão às têmporas e as pressionou com força. — Até quando isso vai durar... 

— Preciso de um favor. — Assim como ele, Adrian também lamentava a situação, mas não podia perder mais tempo. Tinha de ser direto. 

— O que houve? 

— Uma garota do orfanato que Maria é voluntária. Preciso que cuide dela. 

— Como é? — O lorde franziu as sobrancelhas. 

— Ela não está infectada e precisa de proteção. De alguma forma eles conheceram a tal lenda e agora estão em busca de um culpado. Uma bruxa. Estão levando todos que não apresentam sintomas. 

— Ela não está? — perguntou surpreso. 

Adrian não respondeu. Achou desnecessário ter que dizer a mesma coisa novamente. 

— Cuide dela, lorde Galvan. Não conheço pessoa melhor para fazer isto. — Antes de continuar, Adrian fez uma pausa e olhou para baixo. — Maria confia em você. 

— Onde ela está? Maria. — Sua feição ia piorando a cada minuto. Christopher já estranhava o fato de Adrian ter aparecido sozinho.  

Antes de lhe dizer a resposta, Adrian visou os olhos do homem à frente. Curiosos, confusos, preocupados. Era muita informação para digerir e nada fazia sentido. Nem parecia o homem possuído por um demônio de semanas atrás. 

— Não permita ninguém a leve, de forma alguma. Ela... pode ser a chave dessa história ou servir de ajuda. 

Alucard já chegara com notícias ruins. Contar outra pior apenas iria deixar a situação desagradável, correndo o risco de envolver mais uma vida num conflito que não era de sua conta. 

— Voltarei quando tiver respostas. — Alucard deu meia volta e fez seu caminho para fora da biblioteca. 

— Ei!... — O lorde estendeu a mão para chamar sua atenção, porém era tarde. 

Ao sair deparou-se com June, que esperava por ele sentada no chão do corredor. Pernas juntas, abraçava os joelhos como se fosse um brinquedo de confiança. A cena despertou um lapso de compaixão no meio-vampiro. Às vezes se esquecia de que se tratava de uma criança; órfã e confusa. Viu seus amigos e cuidadoras padecerem por uma doença ou maldição que surgiu de repente, como a brisa da tarde. 

— June — chamou ele. 

— Sim, senhor Adrian. — A menina fez um esforço para se levantar de prontidão. 

Ele encarou a criança que lutava para se manter firme apesar das circunstâncias adversas. Era notável a falta de disposição, de um sorriso em seu rosto pequeno, da vontade de ajudar.  

Ele se compadeceu por ela. Séculos atrás era o meio-vampiro quem se encontrava naquela situação; perdido, desorientado e angustiado. June não tinha culpa de nada. 

Pela primeira vez, Adrian se agachou para falar à altura dela. Olhou para o lado na tentativa de buscar palavras que não fossem tão duras, mas sequer se lembrava de alguma vez ter treinado sua habilidade em lidar com crianças. 

— Lorde Galvan é amigo de Maria. 

— Espera? Lorde Galvan? Aquele cha–... quero dizer. — Ao arquear as sobrancelhas, ela cobriu a boca com as duas mãos ao se lembrar de onde estava. 

— Ele vai te proteger. Não se preocupe. — Adrian tocou em seu ombro gentilmente. — Eu tenho de partir por enquanto. 

— Mas... 

June pareceu não ter gostado da notícia de sua ausência. Ele era a única pessoa que June conhecia além das pessoas do orfanato e de Maria. Ficaria num lugar diferente e estranho do qual nunca visitou antes sem perspectiva de quando iria embora. A conversa não lhe caía bem. 

— Eu voltarei. E trarei Maria de volta — disse. — Confie em mim. 

June tomou a palavra novamente, sendo mais rápida que ele, prestes a deixar o local. Hesitante, como toda garotinha da sua idade falaria numa situação daquelas: 

— Estou com medo, senhor Adrian. 

Ele foi pego de surpresa. Programou em sua mente as respostas para poucas perguntas e até aquele momento não estava se saindo muito bem. 

— ... ter medo significa que você se importa com as pessoas e teme por elas. Isto é... importante — Adrian afirmou sem muita firmeza em sua voz. 

June pareceu não entender o que ele disse. Semicerrou os olhos e descaiu um pouco a cabeça ao tentar desvendar o estranho namorado de Maria. 

— Eu vou agora. 

Antes que ele pudesse se erguer, June foi mais rápida e o abraçou por instinto. Se estivesse 100%, Adrian teria "se adiantado" ou previsto aquele movimento, mas foi pego de surpresa. De olhos um pouco arregalados o meio-vampiro ficou imóvel, temendo que fizesse alguma coisa errada. Afastá-la de si não seria o certo. Maria o ensinava — ou ao menos tentava ensiná-lo — a ter empatia pelos outros, principalmente àquelas crianças do orfanato. Cada um tinha uma história, um sorriso ou choro para se contar. Ela sabia muito bem como se sentiam, pois um dia foi como eles e por isso prometeu que não os deixaria. 

— Tome cuidado, senhor Adrian. Cuida da tia Maria também? — corada de vergonha pela atitude impensada, a menina se afastou dele e deu um passo para trás. 

— Eu vou — respondeu. 

Ao olhar para a frente, a menina levou um susto ao se deparar com outra figura masculina que os observava. A certo tempo ainda por cima. Sua expressão fez Adrian se virar para trás. Não ficou surpreso como a garota. 

Lorde Galvan encarava as duas figuras com outros olhares. Chegou quase no final da breve conversa, mas foi o suficiente para que deixasse de fazer tantos questionamentos ao meio-vampiro. Era apenas uma criança. Não podia negar ajudá-la. 

Aproveitando que Christopher estava próximo, Alucard se aproximou dele para lhe falar mais próximo. Sugeriu até que se afastassem um pouco de June para não ouvi-los. 

— Se deixar que algo aconteça a ela... você vai se arrepender. — Ele falou com a voz fria como de costume. 

— Ninguém que se atrever a tocar nela vai viver. 

O meio-vampiro apenas assentiu. Pelo visto o lorde estava de acordo com seu raciocínio. Ele compreendia a gravidade da situação e como June tinha de ser protegida a todo custo. 

Adrian estava prestes a fazer seu caminho para sair da mansão quando, antes de dar o primeiro passo, voltou com a palavra ao lorde. 

— Bom. Preciso de outro favor. 

— Qual? 

— Um cavalo. 


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Notas finais do capítulo

É isso aí, galera. O Adrian vai fazer de tudo para ir ao encontro de Maria, que neste momento está correndo grande perigo. Claro, ele não poderia deixar a June "sozinha" no orfanato ou poderia sofrer estando lá sendo a única que não foi atingida pela maldição. Então deixou ela com a melhor pessoa que conhecia e que podia protegê-la. Ele não a deixou com o Richter porque iria envolvê-lo na história, então achou melhor deixar ele e a Annette longe disso por enquanto.


Então é isso. Obrigada a todos que leram! Beijão e até o próximo capítulo! ♥



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