Weight of Love escrita por Stormborn


Capítulo 10
Quell your prayers for love and peace


Notas iniciais do capítulo

Como sempre, notas extensas ao final do capítulo! Boa leitura. ❤️



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— Sayuri-san! Ei, não sabia que estava usando esse laboratório. — a médica sorriu em desculpas, prestes a fechar a porta que abrira tão entusiasticamente um momento antes.

— Espera. — Sayuri disse rapidamente, virando em seu banco para encarar a companheira de trabalho. — Você pode usar a bancada ao lado, não tem problema.

A médica, Aya, a olhou com certo receio.

— Mas você gosta de trabalhar sozinha… todo mundo sabe disso. — ela disse, hesitantemente. De repente, como se percebesse que suas palavras pudessem ser interpretadas erroneamente, ela emendou, corando de leve. — Não que isso seja ruim! Você é incrível no que faz.

Sayuri sorriu pelo elogio, visivelmente aliviando Aya. A jovem ainda estava parada junto a porta, no entanto, agarrando o portal com um nervosismo comum as enfermeiras e médicas que trabalhavam em seu setor.

— Eu realmente gosto. — ela inclinou a cabeça, escolhendo as palavras com cuidado. — Mas hoje em especial eu gostaria de companhia.

Aya sorriu em resposta, finalmente entrando na sala e fechando a porta atrás de si. Ela quase saltitou até o banco, colocando a bolsa médica em cima da bancada para retirar amostras e relatórios. Sayuri particularmente achava a atitude das jovens civis do hospital um tanto estúpida; ela não era ninguém importante ou famosa dentre os shinobi, e ainda assim elas pareciam se regojizar com qualquer migalha de atenção que ela as dirigia.

Isso era útil, claro, mas desagradável de qualquer maneira.

Sayuri olhou deliberadamente para o relógio e tamborilou duas vezes os dedos pelo mármore frio. Ela sentiu quando Aya parou o que fazia para dirigir-lhe a atenção uma vez mais, parecendo notar pela primeira vez que a bancada de Sayuri estava coberta de livros científicos e pergaminhos médicos. Sayuri contou até três, esperando.

No dois, a voz de Aya ecoou pelas paredes brancas.

— Se me permite, Sayuri-san, o que está pesquisando?

Ela sorriu internamente.

— Nada demais, apenas os efeitos de uma substância extraída dessa planta aqui. — ela virou um dos livros e apontou o desenho de uma planta atípica. Suas unhas estavam pintadas de preto, o que chamou mais a atenção da outra médica do que o desenho. — Shizune-san e Elise-sensei disseram que é uma prioridade, então eu comecei hoje cedo a ver isso.

Aya se empertigou ao ouvir o nome das suas superiores. Ela olhou mais atentamente para a planta e soltou uma exclamação de surpresa.

— Ah, Sayuri-san, então você também foi chamada pra trabalhar no caso do veneno desconhecido. — ela arriscou um olhar para o semblante de Sayuri e sorriu, envergonhada. — Eu achei que fosse um caso sem importância, afinal, eu fui chamada para participar… — ela esperava uma reafirmação, Sayuri podia sentir. Então ela pôs uma mão no ombro da jovem e sorriu para que ela recobrasse a confiança. O gesto teve um efeito imediato em Aya. — Mas se você está nele também então eu preciso me esforçar mais.

A jovem voltou para sua bancada e voltou a organizar o material de estudo, abrindo um caderno de anotações e uma ficha laboratorial em seguida. Sayuri observou pelo canto do olho, atenta aos documentos que a jovem possuía sobre o caso. Um em particular lhe chamou atenção.

— Aya-san, você sabe de alguma coisa que possa me contar? Confesso que estou um pouco desnorteada… e impaciente de continuar nessa busca sem resultados.

Aya olhou dos textos para Sayuri, a incerteza dançando em suas feições. Ela só precisava pressionar um pouco mais até a garota ceder, Sayuri notou com satisfação.

— Isso se não for te meter em encrencas. Eu não recebi muitas informações da Elise-sensei, acho que nem ela sabia muito sobre o caso, e eu não quero perturbá-la sem ter o que reportar.

Ela piscou inocentemente os olhos verdes. Aya balançou a cabeça vigorosamente, quase pulando do banco.

— Não vai me meter em encrenca, Sayuri-san. Se você está no caso então não tem porque não compartilhar o que eu sei, não é como se fosse confidencial.

Sayuri não tinha porque dizer que Shizune e Elise omitiram deliberadamente informações dela porque não queriam envolvê-la de fato no caso. Ela não era exatamente nova no hospital, mas as mulheres tinham certas ressalvas quando se tratava de casos aparentemente importantes. Era uma pena, no entanto, que elas confiassem em mulheres como Aya, tão fáceis de impressionar e até manipular só porque a conheciam há anos.

As prioridades de Konoha estavam todas erradas mesmo.

Aya explicou como suas superiores achavam que a chave para entender o veneno desconhecido era a planta que Sayuri atualmente estava pesquisando, e que as complicações começavam a aparecer quando se percebia que a planta não crescia em lugar algum do País do Fogo, e que muito provavelmente os países vizinhos que estavam realizando os experimentos (e isso era um palpite em parte baseado no preconceito, e em parte na geografia favorável a planta). Aya discorreu sobre como Tsunade emitira um pedido de colaboração para as nações vizinhas e que todos esperavam resolver tudo com diplomacia, alegremente elogiando a Godaime por sua prestatividade.

Sayuri quase riu com a situação, mas apenas se contentou com um sorriso que podia ser interpretado como admiração pela Hokage. Aya pareceu feliz em ter seus sentimentos reciprocados por alguém que admirava.

— Então, — Sayuri começou cuidadosamente quando a jovem terminou o relato. — Quer dizer que não vamos ter mais respostas se uma das nações não aceitar cooperar?

Aya assentiu, entristecendo de leve.

— Bem, sim. Nós precisamos da planta para fazer a análise e separar as substâncias, testá-las e tudo mais, você sabe o procedimento.

Foi a vez de Sayuri assentir.

— Sim, entendo. Bom, então eu vou voltar para a minha pesquisa, vai que eu descubro alguma coisa sobre as possíveis origens da planta. — ela deu um sorriso breve para Aya e voltou a encarar os livros médicos.

— Isso! — Aya respondeu por fim, encerrando a conversa e seguindo os passos da outra médica.

As horas pareceram se arrastar enquanto Sayuri fingia ler textos e anotações antigas, vez ou outra trocando conversa fiada com Aya só para ter o que fazer. A jovem parecia tão animada e entretida tanto pela companhia quanto por seu trabalho que definitivamente não notara que o ritmo de leitura de Sayuri era estranhamente lento para alguém como ela. Quando Sayuri esqueceu de virar a página por incríveis dez minutos inteiros, ela começou a questionar o nível das médicas que trabalhavam com ela.

O relógio na parede a sua frente finalmente pareceu dar-lhe uma trégua ao marcar uma hora apropriada para se livrar do trabalho (e, principalmente, de Aya) em nome do almoço. Ela reuniu todos os documentos espalhados sobre a bancada e os selou num pergaminho, ganhando um olhar de pura fascinação da outra médica.

Por deus, estamos numa vila ninja, porque se impressionar com uma coisa boba dessas!

Mas em vez de externalizar seus pensamentos, ela apenas sorriu e se despediu de Aya, prometendo chamá-la para um café ainda naquela semana, ao que a garota sorriu e acenou com esperança. Com certeza essa pequena interação entre elas se espalharia pelo setor em que trabalhava como veneno na água; Aya parecia do tipo que não sabia guardar segredos e acontecimentos particularmente excitantes (na visão da garota) e Sayuri quase estremeceu, pensando na reputação que ela construíra com certo esforço.

Ela escapou do hospital num instante, se misturando as multidões que transitavam por Konoha no horário de pico. Ela odiava andar pelas ruas em vez de saltar pelos telhados, mas ser vista se misturando era um esforço que fazia pelas aparências. Sayuri deu a sorte de não encontrar ninguém conhecido durante seu trajeto até a pequena casa de doces que frequentava quase todos os dias na região movimentada da vila.

Ela adentrou a loja pela porta de correr e imediatamente se deparou com uma mulher já sentada em sua mesa preferida. Sayuri abriu o primeiro sorriso verdadeiro do dia, fechando a porta atrás de si ao cumprimentar a dona do estabelecimento na recepção e tomando seu lugar a frente da mulher de longos cabelos castanho-claro.

— Izumi, você chegou cedo. — ela disse, apoiando um cotovelo na mesa de madeira.

Izumi era uma kunoichi de beleza comum, mas extremamente cativante. Quando ela a encarou, lutando contra o sorriso que queria escapar por seus lábios, seus olhos dançaram livremente com o divertimento, no entanto. Ela quebrou o contato apenas para fitar o relógio de pulso por alguns instantes.

— Sayuri, — ela cantarolou. — Você que está atrasada.

Sayuri apensa piscou um olho em resposta.

Quando a atendente se aproximou, as duas pediram a mesma coisa de sempre; um bule de chá-verde e dangos para acompanhar. Não eram exatamente os pratos preferidos de Sayuri, ainda mais pro almoço, e ela nunca admitiria que talvez ainda frequentasse o lugar mais por saudosismo do que qualquer outra coisa. Dango sempre a fazia se lembrar de seus dois ex-companheiros de time.

— Então, como anda o trabalho? — Izumi perguntou quando a mulher se afastou para preparar seus pedidos. — Eu passei no hospital pra te ver mais cedo, mas a recepcionista falou que você não estava na sua sala.

— Eu estava num laboratório, colhendo algumas informações.

Sayuri olhou intensamente para Izumi, transmitindo com os olhos o que sua boca não podia dizer a luz do dia, no meio de Konoha. Ela sabia que a garota entenderia. Izumi suspirou, subitamente portando um ar de cansaço incompatível demais com os seus vinte e três anos, e colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha.

— Entendo. — foi tudo o que ela disse por um tempo. Izumi completou em seguida. — Imagino que deva ser cansativo, fazer uma coisa que você odeia.

Sayuri novamente deu de ombros.

— Eu não odeio ser médica, só não gosto de trabalhar no Hospital Geral. Gostava mais de ficar na clínica do clã, mas… — ela não continuou; não precisava, afinal.

Izumi assentiu e piscou uma, duas vezes. Olhando ao redor da loja, ela se inclinou para perto de Sayuri conspiratoriamente, colocando uma mão do lado da boca. Sayuri estreitou os olhos, ligeiramente ansiosa.

Quando Izumi falou, sua voz melódica saiu quase num sussurro.

— Você gostava era de ter privacidade naquela clínica com o seu namoradinho.

Sayuri soltou o ar em indignação, quase engasgando em sequência. Ela não esperava que Izumi fizesse algum comentário sobre o clã e as engrenagens que estavam se movendo, porque sua amiga se recusava a participar ativamente em qualquer surto (era assim que ela descrevia) de sua família, mas daí a pensar que ela usaria a oportunidade para mencionar o rapaz que Sayuri às vezes nem lembrava o nome… Izumi sorria quase abertamente, como se lesse os pensamentos de Sayuri.

Sayuri preferiu esconder o sorriso fingindo uma tosse.

Quando a atendente voltou com os pedidos, as kunoichi agradeceram educadamente e se serviram, esperando para retomar a conversa. A atendente se retirou, mas Sayuri percebeu quando ela parou por alguns instantes e deu meia volta, como se subitamente se lembrasse de algo. Izumi virou a cabeça para encará-la com certa curiosidade.

— Perdão por atrapalhar, Uchiha-san e Uchiha-san. — a atendente começou, abaixando a cabeça. — Mas Uchiha Itachi-san não veio ontem pegar o pacote de dangos que reservou. Talvez ele tenha esquecido...

Sayuri olhou para Izumi assim que o nome de Itachi surgiu na conversa. Seus olhos castanhos pareceram brilhar, e ela se virou completamente no banco para mirar a atendente, que agora tinha sua completa atenção. Sayuri teve de reprimir uma careta ao voltar o olhar para a jovem abraçando nervosamente uma bandeja, esperando por algum comentário.

— Itachi nunca se esquece dos dangos. — Sayuri apontou.

— Sim, Uchiha-san, mas hoje vamos fechar mais cedo…

Uchiha Sayuri prendeu o lábio inferior entre os dentes, remexendo os dedos debaixo da mesa.

Se ela não soubesse de nada, talvez ela apenas daria de ombros e diria que ele provavelmente tinha sido chamado para alguma missão de emergência. Se tinha alguém no mundo mais religioso com seus dangos do que ela, esse alguém era Itachi. E não a toa, ela adquirira o hábito dele, de quando ainda eram genins. Mas ela sabia de uma coisa ou duas. Para início de conversa, ele estava na vila.

E ele nunca esnobaria os dangos, a não ser que…

— Se quiser pode me dar a caixa que eu entrego a ele. — Sayuri disse rapidamente.

Ela viu Izumi estreitar os olhos pela visão periférica, mas fingiu que só prestava atenção na atendente. Ela sorriu em reafirmação para a jovem, e no instante seguinte ela pareceu recobrar a compostura, se afastando respeitosamente para recuperar a caixa de dangos.

Uchiha Izumi pigarreou e Sayuri se viu obrigada a encará-la. Ela estava desconfiada, e com razão. Não era como se Sayuri tivesse o melhor dos relacionamentos com Itachi. Eles mal se falavam esses dias. Eles se viam nas reuniões do clã e quando Shisui inventava de arrastá-los para as mesmas missões (ainda que ela pedisse para não chamar o primo, não é como se Shisui deixasse ela escapar completamente das garras do ex-Time 1). E ela não era bem o tipo de pessoa que fazia favores assim de graça e com boa vontade.

— Você não vai entregar os dangos pro Itachi-kun, não é?

Sayuri deixou a forma de tratamento afetuosa passar em branco; certos hábitos morriam com certa dificuldade, e não é como se ela precisasse lembrar Izumi que ela não deveria se referir mais a Itachi desse jeito. Ou será que ela deveria? Vendo a euforia que o tópico causara no semblante da amiga, Sayuri balançou uma mão e rolou os olhos, seriamente considerando que talvez já estivesse na hora de uma nova conversa sobre Itachi, para seu infortúnio.

— É claro que não. Se ele não veio buscar é porque não quer. — e para sustentar sua próxima frase, ela pegou um dos dangos que haviam pedido e o levou até a boca. — Eu quero o dango.

Izumi balançou a cabeça em reprovação e tomou a frente de Sayuri em pegar o pacote quando a atendente voltou a se aproximar. Ela reverenciou, se desculpando profundamente pelo incômodo e desapareceu atrás da porta que dava na cozinha, finalmente dando certa privacidade para as únicas clientes no momento. Uchiha Sayuri a encarou com certa indignação.

— Nem pense nisso, Uchiha Izumi. — ela começou, sua voz marcada pela seriedade. — Eu sei o que você está pensando. Que essa é a oportunidade perfeita pra você ver o Itachi, falar com ele enquanto entrega seu dango. — ela estreitou os olhos. — Pode esquecendo.

Sayuri estendeu a mão, esperando que Izumi entregasse a caixa. A Uchiha piscou os olhos castanhos, seu rosto contorcendo em rebeldia; ela não cederia tão facilmente.

— Eu não preciso da sua permissão, Sayuri. Além do mais, não sei do que você está falando. Eu só quero garantir que ele vai receber os dangos, são importantes pra ele. — ela mordeu brevemente o lábio inferior, lutando contra o rubor que Sayuri sabia que ameaçava tomar seu rosto pálido. — … e faz um tempo desde que eu falei com o Itachi.

Sayuri teve de morder a língua pra não responder de forma áspera.

— Se você precisa arrumar uma desculpa pra falar com ele, Izumi, é porque não deveria. — ela levou uma mão a têmpora, fechando os belos olhos verdes momentaneamente em cansaço. — Ele é complicado e você não vai ganhar nada se deixando levar pelo sentimento e esperança de novo.

Ela conhecia Izumi desde sempre. Suas mães eram melhores amigas e moravam em casas conjugadas no Distrito. Seus pais eram homens envolvidos com a política do clã. Elas não se gostaram de primeira, chegando a brigar de um jeito bem infantil, mas Sayuri não conseguia nem se lembrar porquê. Ela crescera tendo Izumi como sua pessoa preciosa, e ela sabia que a Uchiha também a via desse jeito.

Ela esteve lado de Izumi quando ela se apaixonou por Itachi, e ganhou o maior dos corações partidos.

Um de seus grandes objetivos de vira era nunca mais deixar Izumi ser magoada. Ela era sua melhor amiga. E ela a protegeria de Itachi, do clã e até mesmo dela mesma se fosse preciso. Às vezes ela precisava dizer as coisas certas e no tom adequado para que Izumi não se deixasse cair em tentações. Às vezes ela precisava quase cruzar a linha do aceitável entre a amizade delas.

Izumi nunca parecia se ofender, no entanto. No fundo ela sabia das intenções de Sayuri. Mas isso não a impedia de se irritar inconscientemente, como acontecia no momento. Ela inclinou a cabeça para o lado, os olhos escurecidos.

— Não é como se ele estivesse me evitando… ele apenas é ocupado. E eu também. Eu só…

Sayuri suspirou, fazendo Izumi se calar em derrota. A irritação evaporou de sua aura.

— Eu só quero o seu bem, Izumi. — Sayuri começou, dando um sorriso fraco. — Você cresceu tanto desde aquela época, se tornou uma kunoichi incrível. — ela ficou mais sóbria então, levando uma mão aos cabelos loiros. — Mas eu tenho medo por você. Toda vez que se trata do Itachi, parece que você volta a ser aquela garota que só sabia correr atrás dele, queria ser ninja só pra traçarem o mesmo caminho.

As bochechas de Izumi dessa vez inflamaram, e foi com certa dificuldade que ela respondeu:

— Não vejo problema algum em querer estar com quem você am...

— Izumi. Olha pra mim. — Sayuri levou uma mão ao braço de Izumi e a segurou com certa firmeza, mas sem machucar. Izumi olhou para o contato uma vez antes de levantar o olhar para sua amiga. Os olhos castanhos de Izumi encontraram as íris mais verdes que ela já vira. — Essa não é uma boa hora pra você querer reatar com o Itachi. Me escuta. — ela disse quando Izumi fez menção de interromper. — Itachi está percorrendo um caminho que você não pode seguir. Presta atenção no que está acontecendo no nosso clã, Izumi. Você vai ficar presa no meio do fogo cruzado. — ela sussurrou a última parte; esse era um assunto delicado demais para o ambiente em que estavam.

Uchiha Izumi pareceu levar um balde de água fria direto na cabeça. Ela desviou o olhar, os lábios começaram a tremer como se estivesse prestes a chorar. Mas ela não derramou uma lágrima sequer, e Sayuri teve a repentina vontade de abraçá-la ali mesmo, ainda que não fosse a mais chegada em demonstração de afeto.

Ela odiava ter de bancar a voz da razão, às vezes.

Ela soltou o braço de Izumi, mas não sem antes acariciá-lo de forma confortante num pedido mudo de desculpas, e estendeu a mão. Izumi respirou fundo, fechando os olhos. Ela colocou o pacote de dangos sem dizer nada na mão estendida de Sayuri e pôs-se a olhar um ponto qualquer da mesa.

Sayuri pensou por um tempo no que dizer em seguida.

— Eu vou deixar na Mikoto-sama, não se preocupe. Ele vai receber os dangos.

Izumi tomou um gole de chá antes de responder, visivelmente para terminar de se acalmar. Ela ainda não olhava para Sayuri.

— Tudo bem. Por que você acha que ele não veio buscá-los? Ele… — sua voz morreu no ar, como se ela estivesse incerta de continuar falando sobre Itachi. Sayuri não podia culpá-la, e sentiu que precisava encerrar o assunto. Ela escolheu as próximas palavras com cuidado.

— Eu não sei, Shisui disse que ele está na vila… em missão. Ele deve estar ocupado como sempre.

— Na vila? Em missão?

— Uhum.

Izumi suspirou audivelmente.

— O que mais Shisui te contou?

Uchiha Sayuri levou a xícara de chá até a boca, fingindo indiferença; não era como se ela pudesse contar para sua amiga o que realmente estava se passando com Itachi. Não quando ela tinha sua própria agenda pro Uchiha, uma que não deixaria Izumi nada contente.

— Nada demais. Ele normalmente só me procura pra falar de uma garota que está interessado. — ela optou por uma meia mentira que faria Izumi se concentrar em outro assunto.

Izumi pareceu cair na isca (mas nem por um segundo sequer Sayuri se deixou enganar do fato de que ela não daria por encerrado o tópico Itachi assim tão subitamente, só por causa de uma chamada), sorrindo de leve, como se um peso ainda estivesse no seu rosto.

— Isso é ciúmes, o que ouço em sua voz?

Sayuri fez uma careta, já tendo antecipado esse comentário. Izumi continuou, a voz retomando um pouco da graça de antes.

— Coitado do seu namorado.

— Ele não é meu namorado. — Sayuri disse automaticamente. — E eu não tenho porque sentir ciúmes do Shisui.

Izumi arqueou uma sobrancelha bem-feita.

— Você subestima o Shisui. Não é porque ele é doido por você que vai sempre comer na sua mão. E como assim não é seu namorado? Vocês vivem juntos!

— Nem amigo ele é. — Sayuri bebericou o chá, pausando para pensar numa resposta adequada. — Ele é… alguém importante, que eu preciso manter por perto.

Uchiha Izumi assentiu, provavelmente entendendo que se Sayuri não tinha muita escolha, era porque se tratava de uma ordem do clã. Mostrando simpatia em seus olhos, ela estendeu uma mão para entrelaçar os dedos aos de Sayuri por breves segundos.

— Um dia, — ela começou, baixinho. — Tudo isso vai acabar. Vamos poder fazer nossas coisas, estar com nossas pessoas amadas… — disse ela seriamente. — E você vai poder ficar com o Shisui de vez.

Sayuri a encarou por um momento. Sua resposta, sincera e mais honesta do que tudo o que ela havia dito em toda a sua vida, estava bem na ponta de sua língua. Mas um segundo de hesitação foi o suficiente para tirar a ideia maluca de sua cabeça; ela optou pela saída mais fácil.

— Eu não quero ficar com o Shisui. Ele me irrita, e nem beija tão bem assim.

Dessa vez, Izumi riu abertamente, de um jeito totalmente não Uchiha. E essa era uma das coisas mais adoráveis nela, o quanto ela se destacava por sua alegria e gentileza dentre pessoas tão sérias e muitas vezes desumanas. Sayuri sentiu uma pontada no coração.

Ela não teve a coragem de dizer que quando as coisas acabassem, todos os trâmites e planos de vingança fossem esquecidos e elas deitassem a cabeça livre de responsabilidade e culpa nos travesseiros macios, provavelmente as coisas teriam mudado de forma tão irremediável que elas sequer se lembrariam de um dia terem sido grandes amigas.

 

[…]

 

O céu tomado de nuvens clareou momentaneamente, veias azuladas de eletricidade se desenhando e esticando até tocarem o solo num ponto ao longe do horizonte. O trovão veio pouco depois do raio, o estrondo tão próximo e alto que Itachi pôde sentir o solo aos seus pés vibrando pela energia, seus ossos tremendo pelo saudosismo do que viria a seguir.

Ele ergueu a cabeça, fechando os olhos e esperando pelo primeiro sinal da chuva.

Meia fração de segundo depois ela começou a cair, e para o espanto de Itachi, não foram gotículas dispersas que encontraram seu rosto, mas sim uma tempestade completa, vinda do absoluto nada. Ele reprimiu um arrepio ao sentir a violência da água, a temperatura baixa contra sua pele quente.

Itachi amava a chuva.

Konoha era de um clima quase tropical, o que garantia a ocorrência de chuvas abundantes o ano todo, especialmente nas épocas mais quentes. Mas a vegetação espessa, de árvores grandes, altas e luxuosas cercando a vila fazia um bom trabalho de segurar boa parte das tempestades, fazendo com que a chuva chegasse no interior da cidade bem mais amena do que deveria.

Quando menor, ele gostava de se sentar no alpendre da varanda e observar a chuva cair na grama encharcada, fechando os olhos e aproveitando o cheiro de terra e natureza que o deixavam com uma sensação de pertencimento bem no fundo de sua alma, uma repentina noção de que ele estava em casa. Era um cheiro tipicamente de Konoha, ele mais tarde percebeu. Ele viajara os quatro cantos em missões, em dias de chuva e sol, particularmente sob verdadeiros aguaceiros que faziam as chuvas de Konoha parecerem garoas, e ainda assim, nenhum lugar era capaz de emitir o mesmo cheiro, ou lhe dar a mesma quantidade de paz.

Itachi suspirou, pensando que seus laços com Konoha ainda seriam o seu fim.

— Itachi? Você não vem? — Shisui chamou mais a frente, a voz abafada pelo ritmo da chuva.

Itachi abriu os olhos e encarou seu companheiro de time, que já estava na soleira da porta de entrada tirando os sapatos, protegido pela cobertura da varanda. Ao contrário dele, Shisui não era particularmente afeiçoado por céus acinzentados e, em suas palavras, o clima de funeral que só um dia chuvoso conseguia provocar.

O Uchiha mais novo não pôde deixar de sorrir de canto, se aproximando da casa de Shisui a passos despreocupados. Ele saiu do alcance da água e imediatamente sentiu saudades do contato.

— Vou pegar uma toalha, você não vai entrar na minha casa todo encharcado assim. — Shisui sorriu, passando pelo batente e desaparecendo pelos corredores da casa tradicional.

Itachi bufou de leve, mais pelo costume, e soltou os cabelos ainda mais escurecidos e compridos pela água, lutando contra o elástico que teimava em prender em alguns fios; ele realmente precisava de um prendedor novo. Quando Shisui voltou com duas toalhas na mão, Itachi estava tirando as sandálias enlameadas, colocando-as do lado das botas de Shisui.

— Aqui, uma pro seu cabelo. — ele jogou a menor delas na cabeça de Itachi, sem cerimônias. — E outra pra você. — e riu, segurando a outra para Itachi.

Itachi não ficou ofendido; ele gostava de seu cabelo longo, e era verdade que talvez gastasse um tempo exagerado – considerando que ele não tinha lá muito tempo livre normalmente – cuidando dele, mas não era como se fosse um motivo de vergonha. Shisui sabia disso, e não fazia nenhuma questão de tentar provocá-lo com isso, já que ambos sabiam ser normal que todo shinobi tivesse uma distração ou duas, ou alguma coisa sobre eles mesmo que gostavam de salientar para, no fundo, se sentirem mais humanos e únicos.

Outro estrondo eletrizou o ar e Shisui fez uma careta, estremecendo. Itachi sorriu de leve.

— Você usa raiton e não gosta de relâmpagos… — o mais novo comentou suavemente, enxugando o cabelo. Shisui deu de ombros antes de responder.

— Não é como se eu tivesse escolhido meu elemento.

— Você poderia só usar katon. Ou futon.

Shisui deu um sorriso enviesado.

— E perder meu posto de gênio? Claro que não.

Itachi sabia que ele não estava falando sério, então levantou uma sobrancelha em descrença, o que só aumentou o sorriso de Shisui. Ele entregou a toalha molhada para o mais velho e pegou a outra antes que ele pudesse afastá-la em provocação.

— Eu vou pegar uma muda de roupa para você, espera na sala. — ele se virou para entrar novamente na casa, gritando sobre o ombro ao final do corredor: — E fecha essa porta quando entrar ou as paredes vão ficar geladas.

O Uchiha mais novo estalou a língua, passando pelo batente e fechando a porta de correr atrás de si; não era nenhum segredo que Itachi escancarava todas as portas de casa nos dias chuvosos, para o terror de Mikoto e até mesmo Sasuke, dificilmente tão apaixonados pelo clima quanto o primogênito da família. Ele deu alguns passos pelo corredor e entrou na primeira porta a direita, sabendo ser a da sala de estar.

Itachi não tinha o costume de visitar Shisui – tanto porque não era do seu feitio visitar as pessoas deliberadamente e sem motivos, como também porque seu primo não conseguia esconder, pelo menos para alguém que o conhecia tão bem, que sua casa ainda segurava muitos dos fantasmas que não o deixavam dormir bem a noite. O próprio Shisui quase não parava em casa, o que não pela primeira vez aquela tarde o deixou com a terrível e inquietante sensação de que ele estava entrando numa armadilha.

Shisui o emboscara logo nas primeiras horas do dia, quando ele estava num sessão rápida de treinamento com Sasuke – o mais novo pedira, e Itachi se viu incapaz de negar algo que certamente era o modo de Sasuke de tentar reatar as coisas entre eles – antes deste sair com Fugaku pelo dia, o que não falhava em deixá-lo com uma dor de cabeça metafórica que beirava o mal humor, e fizera o de sempre, falara e perturbara seu querido primo. Nada fora do comum.

E então, logo após o almoço, ele sugerira que os dois fossem para sua casa porque ele tinha algo para mostrar e era muito importante. Itachi tentou argumentar, dizendo que precisava se dirigir ao campo de treinamento na espera de Sakura – o que surpreendentemente apenas aumentou o sorriso que Shisui sustentava e sua convicção de arrastá-lo.

(Ele nunca admitiria, mas os pelos da nuca de Itachi se arrepiaram instantaneamente, pressentindo o perigo).

Olhando para a sala e percebendo que nada mudara – os móveis ainda eram os mesmos da época dos pais de Shisui, uma mesa baixa, almofadas espalhadas pelo carpete cobrindo os tacos de madeira, algumas estantes repletas de livros e estudos e nenhum item pessoal, sequer uma foto emoldurada – ele não pôde deixar de lembrar da primeira vez que visitara Shisui, quando era apenas uma criança.

Itachi reprimiu um suspiro, se deixando relaxar pelo momento.

A porta atrás de si abriu tentativamente, mas Itachi não deu muita bola, esperando que Shisui falasse alguma coisa antes de se virar para reconhecer sua presença. Quando tudo o que ele ouviu foi um gemido definitivamente feminino de surpresa, Itachi sentiu seu sharingan ativar devido a anos de treinamento e virou-se totalmente para encarar a pessoa.

Ele não esperava dar de cara com Haruno Sakura, olhos verdes arregalados e a boca entreaberta.

Itachi sentiu sua respiração falhar por um instante, quase como se ele tivesse esquecido de como fazer algo tão natural quanto respirar. Seu coração subitamente pareceu bater mais rápido, fazendo sua pele formigar com um calor que ele jurava ser impossível de sentir, visto que ele ainda estava molhado da cabeça aos pés – com a exceção de seu cabelo, claro.

Ele não fazia ideia de que expressão estava em seu rosto. Ele, que era sempre tão comedido e excelente na arte de esconder seus verdadeiros sentimentos, perto dela era apenas um rapaz que vez ou outra se pegava olhando por tempo demais o seu rosto, pro modo como uma covinha aparecia em sua bochecha quando ela sorria abertamente, o brilho peculiar que seus olhos emanavam e…

Itachi suspirou internamente, acordando do choque de vê-la na casa de Shisui – onde ela definitivamente não deveria estar.

— Sakura. — ele cumprimentou, surpresa preenchendo sua voz. Seu sharingan deu lugar as suas íris originais.

Ela apenas arfou e continuou lhe encarando.

Ele olhou para a porta, esperando que Shisui aparecesse a qualquer instante para se explicar. Agora tudo fazia sentido para Itachi; não era bem o que seu primo queria que ele visse, mas sim quem. Honestamente, ele não fazia ideia de como as coisas haviam chegado nesse nível e porque Shisui parecia tão interessado em vê-lo sempre com Sakura. Certo, ele era um rapaz inteligente. Ele conseguia imagina que seu primo estava tentando juntá-los por sabe deus suas razões misteriosas, mas Itachi estava longe de entender como a mente capciosa de Shisui funcionava.

Não era como se ele tivesse deixado escapar algum interesse pela garota também – embora ele soubesse que às vezes, só às vezes, ele era um tanto transparente demais quando não conseguia esconder a admiração pela kunoichi de seus olhos escuros.

E ele também sabia que Shisui o lia com a palma da mão.

Um trovão excepcionalmente perto rugiu e Itachi viu quando Sakura instintivamente olhou para cima, arrancada de um transe, como se pudesse ver o céu piscar através do teto da sala. Ele quase fez o mesmo; parecia que eles estavam do lado de fora e o céu colapsando sobre suas cabeças.

Sakura voltou a encará-lo, os incríveis olhos verdes cobertos parcialmente pelos longos cílios rosados, mas dessa vez ela percorreu todo o seu corpo, e Itachi se remexeu inconscientemente, de repente bastante consciente de seu estado menos que apresentável. Sakura pareceu então perceber o que fazia, e desviou o olhar tão rapidamente quanto o rubor tomou conta do seu rosto.

Itachi tentou lutar contra o formigamento que sentiu na ponta dos dedos, mas falhou.

— Me desculpe… Itachi. — ela respondeu pausadamente, ainda tomada pela vergonha de ter sido descoberta.

— Sakura. — ele repetiu, a voz baixa para tentar encorajá-la. Não é como se ele tivesse ficado de fato descontente pela checada.

Ela suspirou, parecendo retomar a compostura.

— Me desculpe por sair andando pela sua casa, eu não sabia o que fazer e… — embora ela tivesse passado todo esse tempo o encarando, parecia que ela só o vira de verdade naquele momento. — Meu deus, você está todo encharcado! Você pode pegar uma gripe!

Itachi sorriu, sentindo o estômago flutuar antes de se repreender mentalmente. Ela era médica, é claro que ela se preocuparia com a sua saúde. Se fosse sincero, uma gripe seria o menor dos seus problemas caso a chuva afetasse seu sistema imunológico, mas após tantos anos lutando contra uma doença que não parecia se agravar e muito menos sarar, ele simplesmente tinha decidido parar de se preservar tanto e não aproveitar as pequenas coisas da vida, como as gotas de chuva caindo sobre seu rosto e se mesclando a ele.

Mas então ele registrou a primeira parte de sua fala e arqueou uma sobrancelha, o sorriso ainda no canto da boca. Por que ela parecia ter a impressão de estar em sua casa?

(Ela voltou a corar e Itachi, num raro momento de orgulho masculino, simplesmente soube que era por sua causa e teve de se controlar para não estender a mão e oh, não tão casualmente assim tocar seus fios rosados simplesmente pelo prazer de fazê-lo – seu cérebro gritava que a cor apenas o deixava curioso, nada demais).

Mas toda vez que ele tinha esses impulsos atípicos, ele agradecia por se lembrar do rosto afetado de seu irmão quase que imediatamente.

— … você não está na minha casa, Sakura.

Ela piscou uma, duas vezes. Pareceu se recobrar de alguma lembrança e levou uma mão a testa, massageando as têmporas de forma breve. Sakura ponderava uma resposta e Itachi aguardava pacientemente, no fundo de sua mente se perguntando se Shisui desaparecera de propósito – ele realmente queria colocar roupas mais confortáveis agora que Sakura estava bem a sua frente.

Ela suspirou e mordeu o lábio inferior.

Itachi teve de desviar o olhar.

— Imagino que eu esteja na casa do Shisui então.

Itachi assentiu, mas respondeu verbalmente mesmo assim.

— Sim.

— E onde está Shisui?

Ah, essa era a pergunta de ouro. Itachi fechou os olhos.

— Se perdeu na própria casa, aparentemente. — quando ele olhou para Sakura, percebeu que ela estava visivelmente confusa. — Ele foi pegar roupas secas pra mim. E nunca mais voltou.

Ah.

Ela colocou uma mecha de cabelo rosa atrás da orelha, sorrindo como se soubesse de um segredo que não compartilharia. Tentativamente, Sakura olhou para seus olhos pretos. Ele teria corado se fosse um homem de corar.

— Você está encharcado. — ela repetiu, como se ele ainda não tivesse percebido.

Itachi deu um meio sorriso.

— … está chovendo lá fora.

Ela arfou em indignação e Itachi levou uma mão a boca, disfarçando uma risada como tosse.

— … que está chovendo eu percebi. — ela respondeu. — Por que você ainda está com essas roupas molhadas?

Itachi piscou.

— Estou esperando roupas secas… — ele se permitiu sorrir em divertimento masculino, vendo os olhos verdes dela arderem contra os seus. Itachi pensou por um segundo no que dizer em seguida. — … não é muito apropriado ficar sem roupas na sala de estar de uma casa que não é su…

Ela não o deixou terminar, praticamente engasgando com a própria respiração, o rosto ficando tão vermelho que Itachi se perguntou se tinha passado dos limites (ele nunca admitiria que estava adorando cada segundo dessa situação).

— NÃO. — Sakura quase gritou. — Não, eu não quis insinuar isso. Deus… — ela escondeu o rosto detrás das duas mãos, grunhindo em exasperação e vergonha.

Itachi viu que ela o espiava entre os dedos e por alguma razão – ele não iria mesmo tentar racionalizar suas ações naquele momento – seu estômago se contorceu, seu coração disparou e ele simplesmente não conseguia mais ter controle do próprio braço. Quase como um espectador, ele se viu levantar as mãos para segurar firme, mas gentilmente, ambos os pulsos dela, puxando-os para si como se tivesse todo o direito.

Os lábios dela tremeram, e ela nunca pareceu tão bonita antes.

Sakura olhou no fundo de seus olhos.

— Seus dedos estão gelados. — ela disse, após uma longa pausa.

Itachi olhou para onde suas peles se tocavam e franziu o cenho; como suas mãos podiam estar geladas se ele sentia o calor percorrer seu corpo como fogo vivo, inflamando todas as suas sensações?

— Aa.

Sakura fez menção de se desvencilhar e Itachi permitiu, fechando os olhos para compensar a bagunça em sua cabeça. Isso não estava certo; ele era Uchiha Itachi, uma pessoal racional, pelo amor de deus. Ele era um soldado, estrategista. Ele pensava antes de agir, de falar as coisas. Mas parecia que toda vez que ele estava perto de Sakura, seu cérebro desligava e ele ficava a mercê do impulso.

Ele realmente precisava parar com isso. Itachi precisava de distância, por seu bem, e pelo de seu irmão também. Mas ele não podia controlar; imediatamente ele sentiu saudades do contato com Sakura, e somente graças a muitos anos de autocontrole ele não arrumou qualquer desculpa que fosse só para pegar em sua mão novamente.

Quando ele sentiu a toalha que estava num de seus ombros ser puxada, ele abriu os olhos e fitou a kunoichi, que se recusava a encontrar os seus. Ela silenciosamente pegou sua mão (seu coração não falhou uma batida, ele tentou se convencer) e canalizou uma quantidade de chakra, esquentando-o de dentro para fora; Itachi quis derreter sob seu cuidado.

— Sakura, você não precisa fazer isso. Mas obrigado. — ele disse, só para deixá-la mais confortável do que ela aparentava estar. Ela olhou no seu rosto momentaneamente, logo voltando a fitar suas mãos junto as dela.

— Eu quero fazer. — ela disse baixinho; ele quase não compreendeu suas palavras.

Eles ficaram em confortável silêncio até que seu corpo e até mesmo roupas estivessem secas uma vez mais, como se ele não tivesse ficado numa tempestade em primeiro lugar. O chakra caloroso da kunoichi diminuiu até cessar, e ela demorou um segundo a mais do que o necessário para largar suas mãos.

Sakura se remexeu, como se estivesse escolhendo suas próximas palavras sabiamente.

— Provavelmente Shisui não apareceria tão cedo com as suas roupas. Eu… — ela começou, mas a hesitação fez sua voz diminuir cada vez mais até finalmente desaparecer. Itachi a deixou tomar um tempo para reorganizar os pensamentos e o que queria dizer. Ele não estava com pressa. — Ele te trouxe aqui, certo?

Itachi assentiu, sem saber o que esperar do rumo dessa conversa.

— Ele fez isso por minha causa, porq…

Um estrondo ainda maior do que o anterior interrompeu Sakura. Ela se encolheu automaticamente em espanto e ele deu um passo para frente, num gesto de conforto. O vento pareceu se intensificar em velocidade e força do lado de fora, e as janelas da sala começaram a estalar como se fossem ceder a qualquer momento. Eles quase conseguiam sentir os raios que tomava os céus de Konoha, e quando um especialmente forte o suficiente para iluminar o cômodo inteiro passou pelas frestas de madeira, eles se olharam.

Itachi quase pôde ver o que ele estava sentindo refletido nos olhos Sakura.

Ele tinha certeza de que esse era um dos pensamentos mais recorrentes na sua cabeça nos últimos tempos, mas com o deslumbre de quem percebe pela primeira vez, ele reparou no quanto Haruno Sakura era linda. Ele às vezes se perguntava como antes de realmente conhecê-la sua beleza não era uma das coisas que lhe chamava a atenção.

Vai ver era porque ele estava sempre ocupado, ou as luzes do escritório de Tsunade não fossem realmente favoráveis, mas ele se lembrava de uma garota pequena e de aparência frágil, cabelos chamativos e temperamento curioso que vez ou outra ele cumprimentava na Torre da Hokage. Ele sabia que ela era aprendiz da Godaime, companheira de time de seu irmão, treinada em ninjutsu e capaz de pulverizar a maior das montanhas com a quantidade e o controle certo de chakra.

Mas ele simplesmente não conseguia se lembrar dela sempre ter sido tão bonita assim.

Ela era mais nova que ele cinco anos, e enquanto ele podia justificar até certo ponto sua falta de atenção nesse detalhe, no fundo Itachi sabia que ele não esteve olhando de fato.

Quando ela sorriu meio incerta, ele quase cedeu.

— Itachi. — Sakura disse subitamente, o sorriso ainda intacto. — Nós somos amigos, certo?

O Uchiha piscou algumas vezes. Ela sentiu que precisava emendar, então continuou no mesmo ritmo apressado de quem apenas parece cuspir as primeiras coisas que lhe vêm a cabeça.

— Eu não te conhecia direito antes de começarmos a treinar, mas você se tornou uma pessoa que eu gosto de conversar e estar perto.

Sakura respirou fundo e olhou para a toalha em suas mãos como se ela tivesse todas as respostas do universo. Itachi não tinha certeza se deveria responder agora ou deixar que ela terminasse, e apenas assentiu em encorajamento quando ela levantou o olhar.

— Shisui quis me dar um tempo pra colocar as coisas pra fora mas é tão difícil, Itachi. — ela sorriu tristemente. — Acho que mesmo se ele me desse todo o tempo do mundo eu não conseguiria falar o que preciso.

Uchiha Itachi ficou sem saber o que responder por alguns instantes.

— Sakura, você não precisa ter pressa. Eu confesso que não sei do que você está falando, mas tudo tem uma primeira vez. — ele sorriu, esperando que suas palavras lhe oferecessem algum alívio ou conforto. Quando ela retribuiu, sua respiração ameaçou falhar. — Você pode me dizer o que quiser a hora que quiser.

Ela de repente soltou a toalha no chão e deu um passo a frente. Eles já estavam próximos antes, mas agora eles podiam sentir um ao outro. O calor irradiando de Sakura, o modo como suas mãos tremiam ligeiramente. Ele tinha certeza de que ela podia ver sua hesitação em cada músculo exposto de seu corpo. Mais um passo e eles se tocariam.

Itachi se perguntou quem o faria primeiro, ou se nenhum dos dois ousaria quebrar o feitiço.

— Eu realmente preciso dizer isso agora. Me desculpe pela situação em que eu te coloquei. — ela olhou em seus olhos, a seriedade tomando o lugar do nervosismo quase instantaneamente. — Eu não esperava que você fosse me tratar tão casualmente no período em que estivéssemos treinando, e isso em parte é culpa da imagem que eu nutri de você durante os anos em que não te conhecia.

Ela levantou uma mão, indicando que não havia terminado e ele esperou.

— Eu passei dos limites por isso, abusei da sua… gentileza e te envolvi em situações pessoais que você não merecia. Eu sinto muito mesmo.

— Sak…

— Eu acho que sei agora o que você estava tentando fazer essa semana. — ela sorriu vagamente, como se lutasse contra a vontade de fazer uma careta. Itachi teve o impulso de estender uma mão para confortá-la, mas se refreou. — Você estava tentando se afastar, manter um certo profissionalismo nos nossos… ah, encontros, certo?

Itachi não tinha porque mentir, então assentiu antes de responder.

— Era a coisa certa a se fazer.

Sakura concordou com a cabeça.

— Eu entendo. Agora, quer dizer. Ontem eu… — ela parou, piscou algumas vezes e riu pela primeira vez naquele dia. — Deixa pra lá. Eu entendo o que você está fazendo. Obrigada por entender antes de mim o que eu preciso. — ela riu novamente, agora completamente embaraçada.

Uchiha Itachi retribuiu o sorriso, levando dois dedos até o meio da testa de Sakura, onde o selo roxo em forma de losango se encontrava. Ele pressionou o local de leve, assim como fazia com Sasuke. Ela abriu a boca em surpresa, e ficou assim por um tempo. Quando ela não fez menção de falar nada, Itachi se afastou.

— Eu aprecio sua companhia, Sakura. Esses últimos dias têm sido difíceis pra mim também. Eu gosto de falar com você, e não me agrada ter que te tratar como uma simples colega. — ele devia isso a ela, essa exposição quase exagerada que lhe era estranha. — Mas como eu disse, é a coisa certa a se fazer. Você realmente precisa decidir o lugar que as pessoas ocupam na sua vida. Você não pode continuar se enganando.

Itachi tivera bastante tempo para pensar nessas coisas. E desde que ela começara a se desculpar, ele teve a impressão de que a conversa chegaria nesse ponto uma hora ou outra. Ele estava escolhendo as palavras certas, fraseando da melhor maneira possível. Mas uma parte dele não parava de se sentir autoconsciente de que talvez não fosse a melhor hora para passar seu ponto. Que talvez ela conseguisse chegar as conclusões sozinhas. E que talvez ele a magoasse, e essa era uma coisa que Itachi prometera a si mesmo não fazer.

Mas a lembrança de Sasuke nunca saia de fato de algum canto de sua memória.

— Eu confesso que sua presença aqui hoje me surpreendeu tanto que eu esqueci completamente que deveria te tratar, aa… menos amigavelmente. — ele sorriu, mas tão enigmaticamente que ele teve certeza de que ela não entendeu porque.

Ela abaixou a cabeça, corando e se desculpando silenciosamente.

— Sakura, — ele recomeçou aos poucos. O nome dela parecia vinho em sua boca. — você me perguntou se nós somos amigos. — ela assentiu, ainda cabisbaixa. — Nós podemos ser amigos.

Sakura olhou para ele, alguma coisa que ele não conseguia nomear dançando nas suas íris cristalinas. Seu coração fisgou, e ele quase desistiu do que já estava na ponta da sua língua.

— Mas você não pode me usar pra escapar de lidar com o meu irmão, ou o resto do seu time.

Esse era o mais franco que Itachi estava disposto a ser naquele momento. O pensamento de ser um mero escape ou substituto não caia bem em seu estômago, e por mais que ele soubesse que Sakura não fazia propositalmente, essa era uma coisa que ela precisava abandonar caso realmente desejasse ter uma amizade de verdade com ele.

Ele se oferecera para treiná-la, entrar deliberadamente em sua vida porque ele de fato se interessara pela kunoichi. Ela era gentil, empática e não deixava nenhuma de suas qualidades mais humanas atrapalharem no exercício de sua profissão. No geral, ela se tornava um shinobi ainda mais forte por ser exatamente como era. Ele via potencial nela, uma força de vontade de ser melhor. Itachi podia ajudá-la e continuaria o fazendo.

Mas ele também estava admirado por Sakura num nível completamente pessoal, e enquanto ele de modo algum se importava com o que pensariam disso em seu clã ou círculo profissional, Sasuke sempre guiaria suas ações. Ele sabia que Sasuke gostava de Sakura além da amizade, e ele não podia culpá-lo. Ela era encantadora. Itachi também não podia culpá-lo de estar na defensiva; ele não era estúpido e já tinha percebido que certas vezes ele e Sakura ficavam a um tris de falar ou pior, fazer alguma coisa estúpida inteiramente inapropriada.

Se ele estivesse no lugar de Sasuke, também ficaria incomodado, irritado até.

Itachi não queria exatamente culpar Sakura, mas ele realmente não podia adivinhar que a garota já tinha um histórico com seu irmão antes de começar a g… bem, cedo ou tarde ele teria de admitir, mas esse era dificilmente o momento certo.

Mas no fim, faria nenhuma diferença nomear o que estava sentindo. Itachi faria valer suas palavras de profissionalismo até que Sakura fosse franca e deixasse claro pros dois Uchiha o que ela queria deles de verdade.

Itachi suspirou internamente. Cada parte do seu ser ansiava por conhecê-la melhor, testar suas habilidades, aproveitar sua companhia sem impedimentos. Ele não queria ser um tapa buraco de seu irmão ou Naruto; ele agora gostava – platonicamente, ele gritou em algum canto da mente – demais dela para isso.

Uchiha Itachi não sabia quanto tempo havia se passado desde que ele falara pela última vez. Ele olhou para a Haruno e viu que ela parecia perdida em pensamentos, como se mastigasse as informações que acabara de receber. Ela encontrou seus olhos por fim.

Curiosamente, quase como se estivesse ouvindo a interação durante todo esse tempo – o que Itachi tinha quase certeza que realmente acontecera – Shisui apareceu na sala, roupas numa mão e sorriso no rosto. Mas nem Sakura e nem Itachi deixaram de se encarar para dar atenção ao Uchiha mais velho por um tempo que pareceu se esticar até a eternidade.


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Notas finais do capítulo

Eu disse no capítulo anterior que voltar a escrever era como reaprender a andar de bicicleta mas aparentemente certos hábitos realmente nunca morrem, hahaha.
Eu quase fiz eles se beijarem nesse capítulo e eu sei que vocês ~sentiram~. Aguardemos os próximos capítulos dessa novela porque da próxima vez talvez eu não controle meus dedinhos, hoho.
Agora que as duas últimas personagens importantes da história foram introduzidas parece que eu posso finalmente fazer o que eu já deveria ter feito eras atrás, que é movimentar mais rápido esse enredo. Aguardemos também, prometo bastante intriga e drama daqui pra frente.
Obrigada a todos os comentários de boas vindas e de carinho a essa história, é realmente muito bom estar de volta! Eu posso não ser a melhor autora do mundo mas vocês sabem que eu amo WoL só pelas notas que eu deixo.
Por fim, vocês sabiam que eu sou tradutora? Eu tenho um monte de projetos incríveis lá no FFNet de diversos casais, inclusive ItaSaku, então se vocês quiserem conferir, o link é esse: https://www.fanfiction.net/u/2347939/.
Até o próximo capítulo! ❤️